A
Intermediação de Maria Mãe dos Homens
para nos levar ao
Cordeiro de Deus
'O ROSÁRIO É A VIDA DE CRISTO CONTEMPLADA COM O
OLHAR DE MARIA' "Maria
é aquela que nos acompanha na escuridão da noite até o clarear do
novo dia”
O Primeiro - o número 1 na Internet.-
clique aqui Criado em 30 de março de 2005
Este site apresenta, com exclusividade, o Terço dos
Homens rezado nas suas origens pelo primeiro tesoureiro,
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Sr. Manoel Pedral, falecido à mais de 40 anos -
ouçam
Francisco
Encíclicas
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CARTA ENCÍCLICA
LAUDATO SI’
DO SANTO PADRE FRANCISCO
SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM
1. «LAUDATO SI’, mi’ Signore – Louvado sejas, meu Senhor»,
cantava São Francisco de Assis. Neste gracioso cântico,
recordava-nos que a nossa casa comum se pode comparar ora
a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma
boa mãe, que nos acolhe nos seus braços: «louvado sejas,
meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta
e governa e produz variados frutos com flores coloridas e
verduras».[1]
2. Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por
causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus
nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus
proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A
violência, que está no coração humano ferido pelo pecado,
vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo,
na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os
pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa
terra oprimida e devastada, que «geme e sofre as dores do
parto» (Rm. 8, 22). Esquecemo-nos de que nós mesmos somos
terra (cf. Gn. 2, 7). O nosso corpo é constituído pelos
elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a
sua água vivifica-nos e restaura-nos.
Nada deste mundo nos é indiferente
3. Mais de cinquenta anos atrás, quando o mundo estava
oscilando sobre o fio duma crise nuclear, o Santo Papa
João XXIII escreveu uma encíclica na qual não se limitava
a rejeitar a guerra, mas quis transmitir uma proposta de
paz. Dirigiu a sua mensagem Pacem in terris a todo o mundo
católico, mas acrescentava: e a todas as pessoas de boa
vontade. Agora, à vista da deterioração global do
ambiente, quero dirigir-me a cada pessoa que habita neste
planeta. Na minha exortação Evangelii gaudium, escrevi aos
membros da Igreja, a fim de os mobilizar para um processo
de reforma missionária ainda pendente. Nesta encíclica,
pretendo especialmente entrar em diálogo com todos acerca
da nossa casa comum.
4. Oito anos depois da Pacem in terris, em 1971, o Beato
Papa Paulo VI referiu-se à problemática ecológica,
apresentando-a como uma crise que é «consequência
dramática» da atividade descontrolada do ser humano: «Por
motivo de uma exploração inconsiderada da natureza, [o ser
humano] começa a correr o risco de a destruir e de vir a
ser, também ele, vítima dessa degradação».[2] E,
dirigindo-se à FAO, falou da possibilidade duma
«catástrofe ecológica sob o efeito da explosão da
civilização industrial», sublinhando a «necessidade
urgente duma mudança radical no comportamento da
humanidade», porque «os progressos científicos mais
extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o
desenvolvimento econômico mais prodigioso, se não
estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se
necessariamente contra o homem».[3]
5. São João Paulo II debruçou-se, com interesse sempre
maior, sobre este tema. Na sua primeira encíclica,
advertiu que o ser humano parece «não dar-se conta de
outros significados do seu ambiente natural, para além
daqueles que servem somente para os fins de um uso ou
consumo imediatos».[4] Mais tarde, convidou a uma
conversão ecológica global.[5] Entretanto fazia notar o
pouco empenho que se põe em «salvaguardar as condições
morais de uma autêntica ecologia humana».[6] A destruição
do ambiente humano é um fato muito grave, porque, por um
lado, Deus confiou o mundo ao ser humano e, por outro, a
própria vida humana é um dom que deve ser protegido de
várias formas de degradação. Toda a pretensão de cuidar e
melhorar o mundo requer mudanças profundas «nos estilos de
vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas
consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades».[7] O
progresso humano autêntico possui um caráter moral e
pressupõe o pleno respeito pela pessoa humana, mas deve
prestar atenção também ao mundo natural e «ter em conta a
natureza de cada ser e as ligações mútuas entre todos, num
sistema ordenado».[8] Assim, a capacidade do ser humano
transformar a realidade deve desenvolver-se com base na
doação originária das coisas por parte de Deus.[9]
6. O meu predecessor, Bento XVI, renovou o convite a
«eliminar as causas estruturais das disfunções da economia
mundial e corrigir os modelos de crescimento que parecem
incapazes de garantir o respeito do meio ambiente».[10]
Lembrou que o mundo não pode ser analisado concentrando-se
apenas sobre um dos seus aspectos, porque «o livro da
natureza é uno e indivisível», incluindo, entre outras
coisas, o ambiente, a vida, a sexualidade, a família, as
relações sociais. É que «a degradação da natureza está
estreitamente ligada à cultura que molda a convivência
humana».[11] O Papa Bento XVI propôs-nos reconhecer que o
ambiente natural está cheio de chagas causadas pelo nosso
comportamento irresponsável; o próprio ambiente social tem
as suas chagas. Mas, fundamentalmente, todas elas se ficam
a dever ao mesmo mal, isto é, à ideia de que não existem
verdades indiscutíveis a guiar a nossa vida, pelo que a
liberdade humana não tem limites. Esquece-se que «o homem
não é apenas uma liberdade que se cria por si própria. O
homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade,
mas é também natureza».[12] Com paterna solicitude,
convidou-nos a reconhecer que a criação resulta
comprometida «onde nós mesmos somos a última instância,
onde o conjunto é simplesmente nossa propriedade e onde o
consumimos somente para nós mesmos. E o desperdício da
criação começa onde já não reconhecemos qualquer instância
acima de nós, mas vemo-nos unicamente a nós mesmos».[13]
Unidos por uma preocupação comum
7. Estas contribuições dos Papas recolhem a reflexão de
inúmeros cientistas, filósofos, teólogos e organizações
sociais que enriqueceram o pensamento da Igreja sobre
estas questões. Mas não podemos ignorar que, também fora
da Igreja Católica, noutras Igrejas e Comunidades cristãs
– bem como noutras religiões – se tem desenvolvido uma
profunda preocupação e uma reflexão valiosa sobre estes
temas que a todos nos estão a peito. Apenas para dar um
exemplo particularmente significativo, quero retomar
brevemente parte da contribuição do amado Patriarca
Ecumênico Bartolomeu, com quem partilhamos a esperança da
plena comunhão eclesial.
8. O Patriarca Bartolomeu tem-se referido particularmente
à necessidade de cada um se arrepender do próprio modo de
maltratar o planeta, porque «todos, na medida em que
causamos pequenos danos ecológicos», somos chamados a
reconhecer «a nossa contribuição – pequena ou grande –
para a desfiguração e destruição do ambiente».[14] Sobre
este ponto, ele pronunciou-se repetidamente, de maneira
firme e encorajadora, convidando-nos a reconhecer os
pecados contra a criação: «Quando os seres humanos
destroem a biodiversidade na criação de Deus; quando os
seres humanos comprometem a integridade da terra e
contribuem para a mudança climática, desnudando a terra
das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas
úmidas; quando os seres humanos contaminam as águas, o
solo, o ar... tudo isso é pecado».[15] Porque «um crime
contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado
contra Deus».[16]
9. Ao mesmo tempo Bartolomeu chamou a atenção para as
raízes éticas e espirituais dos problemas ambientais, que
nos convidam a encontrar soluções não só na técnica mas
também numa mudança do ser humano; caso contrário,
estaríamos a enfrentar apenas os sintomas. Propôs-nos
passar do consumo ao sacrifício, da avidez à generosidade,
do desperdício à capacidade de partilha, numa ascese que
«significa aprender a dar, e não simplesmente renunciar. É
um modo de amar, de passar pouco a pouco do que eu quero
àquilo de que o mundo de Deus precisa. É libertação do
medo, da avidez, da dependência».[17] Além disso nós,
cristãos, somos chamados a «aceitar o mundo como
sacramento de comunhão, como forma de partilhar com Deus e
com o próximo numa escala global. É nossa humilde
convicção que o divino e o humano se encontram no menor
detalhe da túnica inconsútil da criação de Deus, mesmo no
último grão de poeira do nosso planeta».[18]
São Francisco de Assis
10. Não quero prosseguir esta encíclica sem invocar um
modelo belo e motivador. Tomei o seu nome por guia e
inspiração, no momento da minha eleição para Bispo de
Roma. Acho que Francisco é o exemplo por excelência do
cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral,
vivida com alegria e autenticidade. É o santo padroeiro de
todos os que estudam e trabalham no campo da ecologia,
amado também por muitos que não são cristãos. Manifestou
uma atenção particular pela criação de Deus e pelos mais
pobres e abandonados. Amava e era amado pela sua alegria,
a sua dedicação generosa, o seu coração universal. Era um
místico e um peregrino que vivia com simplicidade e numa
maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a
natureza e consigo mesmo. Nele se nota até que ponto são
inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para
com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz
interior.
11. O seu testemunho mostra-nos também que uma ecologia
integral requer abertura para categorias que transcendem a
linguagem das ciências exatas ou da biologia e nos põem em
contacto com a essência do ser humano. Tal como acontece a
uma pessoa quando se enamora por outra, a reação de
Francisco, sempre que olhava o sol, a lua ou os minúsculos
animais, era cantar, envolvendo no seu louvor todas as
outras criaturas. Entrava em comunicação com toda a
criação, chegando mesmo a pregar às flores «convidando-as
a louvar o Senhor, como se gozassem do dom da razão».[19]
A sua reação ultrapassava de longe uma mera avaliação
intelectual ou um cálculo econômico, porque, para ele,
qualquer criatura era uma irmã, unida a ele por laços de
carinho. Por isso, sentia-se chamado a cuidar de tudo o
que existe. São Boaventura, seu discípulo, contava que
ele, «enchendo-se da maior ternura ao considerar a origem
comum de todas as coisas, dava a todas as criaturas – por
mais desprezíveis que parecessem – o doce nome de irmãos e
irmãs».[20] Esta convicção não pode ser desvalorizada como
romantismo irracional, pois influi nas opções que
determinam o nosso comportamento. Se nos aproximarmos da
natureza e do meio ambiente sem esta abertura para a
admiração e o encanto, se deixarmos de falar a língua da
fraternidade e da beleza na nossa relação com o mundo,
então as nossas atitudes serão as do dominador, do
consumidor ou de um mero explorador dos recursos naturais,
incapaz de pôr um limite aos seus interesses imediatos.
Pelo contrário, se nos sentirmos intimamente unidos a tudo
o que existe, então brotarão de modo espontâneo a
sobriedade e a solicitude. A pobreza e a austeridade de
São Francisco não eram simplesmente um ascetismo exterior,
mas algo de mais radical: uma renúncia a fazer da
realidade um mero objeto de uso e domínio.
12. Por outro lado, São Francisco, fiel à Sagrada
Escritura, propõe-nos reconhecer a natureza como um livro
esplêndido onde Deus nos fala e transmite algo da sua
beleza e bondade: «Na grandeza e na beleza das criaturas,
contempla-se, por analogia, o seu Criador» (Sab 13, 5) e
«o que é invisível n’Ele – o seu eterno poder e divindade
– tornou-se visível à inteligência, desde a criação do
mundo, nas suas obras» (Rm. 1, 20). Por isso, Francisco
pedia que, no convento, se deixasse sempre uma parte do
horto por cultivar para aí crescerem as ervas silvestres,
a fim de que, quem as admirasse, pudesse elevar o seu
pensamento a Deus, autor de tanta beleza.[21] O mundo é
algo mais do que um problema a resolver; é um mistério
gozoso que contemplamos na alegria e no louvor.
O meu apelo
13. O urgente desafio de proteger a nossa casa comum
inclui a preocupação de unir toda a família humana na
busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois
sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos
abandona, nunca recua no seu projeto de amor, nem Se
arrepende de nos ter criado. A humanidade possui ainda a
capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum.
Desejo agradecer, encorajar e manifestar apreço a quantos,
nos mais variados sectores da atividade humana, estão a
trabalhar para garantir a proteção da casa que
partilhamos. Uma especial gratidão é devida àqueles que
lutam, com vigor, por resolver as dramáticas consequências
da degradação ambiental na vida dos mais pobres do mundo.
Os jovens exigem de nós uma mudança; interrogam-se como se
pode pretender construir um futuro melhor, sem pensar na
crise do meio ambiente e nos sofrimentos dos excluídos.
14. Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a
maneira como estamos a construir o futuro do planeta.
Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o
desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas
dizem respeito e têm impacto sobre todos nós. O movimento
ecológico mundial já percorreu um longo e rico caminho,
tendo gerado numerosas agregações de cidadãos que ajudaram
na consciencialização. Infelizmente, muitos esforços na
busca de soluções concretas para a crise ambiental acabam,
com frequência, frustrados não só pela recusa dos
poderosos, mas também pelo desinteresse dos outros. As
atitudes que dificultam os caminhos de solução, mesmo
entre os crentes, vão da negação do problema à
indiferença, à resignação acomodada ou à confiança cega
nas soluções técnicas. Precisamos de nova solidariedade
universal. Como disseram os bispos da África do Sul, «são
necessários os talentos e o envolvimento de todos para
reparar o dano causado pelos humanos sobre a criação de
Deus».[22] Todos podemos colaborar, como instrumentos de
Deus, no cuidado da criação, cada um a partir da sua
cultura, experiência, iniciativas e capacidades.
15. Espero que esta carta encíclica, que se insere no
magistério social da Igreja, nos ajude a reconhecer a
grandeza, a urgência e a beleza do desafio que temos pela
frente. Em primeiro lugar, farei uma breve resenha dos
vários aspectos da atual crise ecológica, com o objetivo
de assumir os melhores frutos da pesquisa científica
atualmente disponível, deixar-se tocar por ela em
profundidade e dar uma base concreta ao percurso ético e
espiritual seguido. A partir desta panorâmica, retomarei
algumas argumentações que derivam da tradição
judaico-cristã, a fim de dar maior coerência ao nosso
compromisso com o meio ambiente. Depois procurarei chegar
às raízes da situação atual, de modo a individuar não
apenas os seus sintomas, mas também as causas mais
profundas. Poderemos assim propor uma ecologia que, nas
suas várias dimensões, integre o lugar específico que o
ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a
realidade que o rodeia. À luz desta reflexão, quereria dar
mais um passo, verificando algumas das grandes linhas de
diálogo e de ação que envolvem seja cada um de nós seja a
política internacional. Finalmente, convencido – como
estou – de que toda a mudança tem necessidade de
motivações e dum caminho educativo, proporei algumas
linhas de maturação humana inspiradas no tesouro da
experiência espiritual cristã.
16. Embora cada capítulo tenha a sua temática própria e
uma metodologia específica, o sucessivo retoma por sua
vez, a partir duma nova perspectiva, questões importantes
abordadas nos capítulos anteriores. Isto diz respeito
especialmente a alguns eixos que atravessam a encíclica
inteira. Por exemplo: a relação íntima entre os pobres e a
fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está
estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo
paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia,
o convite a procurar outras maneiras de entender a
economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura,
o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates
sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política
internacional e local, a cultura do descarte e a proposta
dum novo estilo de vida. Estes temas nunca se dão por
encerrados nem se abandonam, mas são constantemente
retomados e enriquecidos.
2. A questão da água
27. Outros indicadores da situação atual têm a ver com o
esgotamento dos recursos naturais. É bem conhecida a
impossibilidade de sustentar o nível atual de consumo dos
países mais desenvolvidos e dos sectores mais ricos da
sociedade, onde o hábito de desperdiçar e jogar fora
atinge níveis inauditos. Já se ultrapassaram certos
limites máximos de exploração do planeta, sem termos
resolvido o problema da pobreza.
28. A água potável e limpa constitui uma questão de
primordial importância, porque é indispensável para a vida
humana e para sustentar os ecossistemas terrestres e
aquáticos. As fontes de água doce fornecem os sectores
sanitários, agropecuários e industriais. A disponibilidade
de água manteve-se relativamente constante durante muito
tempo, mas agora, em muitos lugares, a procura excede a
oferta sustentável, com graves consequências a curto e
longo prazo. Grandes cidades, que dependem de importantes
reservas hídricas, sofrem períodos de carência do recurso,
que, nos momentos críticos, nem sempre se administra com
uma gestão adequada e com imparcialidade. A pobreza da
água pública verifica-se especialmente na África, onde
grandes sectores da população não têm acesso a água
potável segura, ou sofrem secas que tornam difícil a
produção de alimento. Nalguns países, há regiões com
abundância de água, enquanto outras sofrem de grave
escassez.
29. Um problema particularmente sério é o da qualidade da
água disponível para os pobres, que diariamente ceifa
muitas vidas. Entre os pobres, são frequentes as doenças
relacionadas com a água, incluindo as causadas por
micro-organismos e substâncias químicas. A diarreia e a
cólera, devidas a serviços de higiene e reservas de água
inadequados, constituem um fator significativo de
sofrimento e mortalidade infantil. Em muitos lugares, os
lençóis freáticos estão ameaçados pela poluição produzida
por algumas atividades extrativas, agrícolas e
industriais, sobretudo em países desprovidos de
regulamentação e controles suficientes. Não pensamos
apenas nas descargas provenientes das fábricas; os
detergentes e produtos químicos que a população utiliza em
muitas partes do mundo continuam a ser derramados em rios,
lagos e mares.
30. Enquanto a qualidade da água disponível piora
constantemente, em alguns lugares cresce a tendência para
se privatizar este recurso escasso, tornando-se uma
mercadoria sujeita às leis do mercado. Na realidade, o
acesso à água potável e segura é um direito humano
essencial, fundamental e universal, porque determina a
sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o
exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma
grave dívida social para com os pobres que não têm acesso
à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida
radicado na sua dignidade inalienável. Esta dívida é
parcialmente saldada com maiores contribuições econômicas
para prover de água limpa e saneamento as populações mais
pobres. Entretanto nota-se um desperdício de água não só
nos países desenvolvidos, mas também naqueles em vias de
desenvolvimento que possuem grandes reservas. Isto mostra
que o problema da água é, em parte, uma questão educativa
e cultural, porque não há consciência da gravidade destes
comportamentos num contexto de grande desigualdade.
31. Uma maior escassez de água provocará o aumento do
custo dos alimentos e de vários produtos que dependem do
seu uso. Alguns estudos assinalaram o risco de sofrer uma
aguda escassez de água dentro de poucas décadas, se não
forem tomadas medidas urgentes. Os impactos ambientais
poderiam afetar milhares de milhões de pessoas, sendo
previsível que o controle da água por grandes empresas
mundiais se transforme numa das principais fontes de
conflitos deste século.[23]
3. Perda de biodiversidade
32. Os recursos da terra estão a ser depredados também por
causa de formas imediatistas de entender a economia e a
atividade comercial e produtiva. A perda de florestas e
bosques implica simultaneamente a perda de espécies que
poderiam constituir, no futuro, recursos extremamente
importantes não só para a alimentação mas também para a
cura de doenças e vários serviços. As diferentes espécies
contêm genes que podem ser recursos-chave para resolver,
no futuro, alguma necessidade humana ou regular algum
problema ambiental.
33. Entretanto não basta pensar nas diferentes espécies
apenas como eventuais «recursos» exploráveis, esquecendo
que possuem um valor em si mesmas. Anualmente, desaparecem
milhares de espécies vegetais e animais, que já não
poderemos conhecer, que os nossos filhos não poderão ver,
perdidas para sempre. A grande maioria delas extingue-se
por razões que têm a ver com alguma atividade humana. Por
nossa causa, milhares de espécies já não darão glória a
Deus com a sua existência, nem poderão comunicar-nos a sua
própria mensagem. Não temos direito de o fazer.
34. Possivelmente perturba-nos saber da extinção dum
mamífero ou duma ave, pela sua maior visibilidade; mas,
para o bom funcionamento dos ecossistemas, também são
necessários os fungos, as algas, os vermes, os pequenos
insetos, os répteis e a variedade inumerável de
micro-organismos. Algumas espécies pouco numerosas, que
habitualmente nos passam despercebidas, desempenham uma
função sensória fundamental para estabelecer o equilíbrio
dum lugar. É verdade que o ser humano deve intervir quando
um geosistema cai em estado crítico, mas hoje o nível de
intervenção humana numa realidade tão complexa como a
natureza é tal, que os desastres constantes causados pelo
ser humano provocam uma nova intervenção dele de modo que
a atividade humana torna-se omnipresente, com todos os
riscos que isto implica. Normalmente cria-se um círculo
vicioso, no qual a intervenção humana, para resolver uma
dificuldade, muitas vezes ainda agrava mais a situação.
Por exemplo, muitos pássaros e insetos, que desaparecem
por causa dos agrotóxicos criados pela tecnologia, são
úteis para a própria agricultura, e o seu desaparecimento
deverá ser compensado por outra intervenção tecnológica
que possivelmente trará novos efeitos nocivos. São
louváveis e, às vezes, admiráveis os esforços de
cientistas e técnicos que procuram dar solução aos
problemas criados pelo ser humano. Mas, contemplando o
mundo, damo-nos conta de que este nível de intervenção
humana, muitas vezes ao serviço da finança e do
consumismo, faz com que esta terra onde vivemos se torne
realmente menos rica e bela, cada vez mais limitada e
cinzenta, enquanto ao mesmo tempo o desenvolvimento da
tecnologia e das ofertas de consumo continua a avançar sem
limites. Assim, parece que nos iludimos de poder
substituir uma beleza insuprível e irrecuperável por outra
criada por nós.
35. Quando se analisa o impacto ambiental de qualquer
iniciativa econômica, costuma-se olhar para os seus
efeitos no solo, na água e no ar, mas nem sempre se inclui
um estudo cuidadoso do impacto na biodiversidade, como se
a perda de algumas espécies ou de grupos animais ou
vegetais fosse algo de pouca relevância. As estradas, os
novos cultivos, as reservas, as barragens e outras
construções vão tomando posse dos habitats e, por vezes,
fragmentam-nos de tal maneira que as populações de animais
já não podem migrar nem mover-se livremente, pelo que
algumas espécies correm o risco de extinção. Existem
alternativas que, pelo menos, mitigam o impacto destas
obras, como a criação de corredores biológicos, mas são
poucos os países em que se adverte este cuidado e
prevenção. Quando se explora comercialmente algumas
espécies, nem sempre se estuda a sua modalidade de
crescimento para evitar a sua diminuição excessiva e
consequente desequilíbrio do ecossistema.
36. O cuidado dos ecossistemas requer uma perspectiva que
se estenda para além do imediato, porque, quando se busca
apenas um ganho econômico rápido e fácil, já ninguém se
importa realmente com a sua preservação. Mas o custo dos
danos provocados pela negligência egoísta é muitíssimo
maior do que o benefício econômico que se possa obter. No
caso da perda ou dano grave de algumas espécies, fala-se
de valores que excedem todo e qualquer cálculo. Por isso,
podemos ser testemunhas mudas de gravíssimas
desigualdades, quando se pretende obter benefícios
significativos, fazendo pagar ao resto da humanidade,
presente e futura, os altíssimos custos da degradação
ambiental.
37. Alguns países fizeram progressos na conservação eficaz
de certos lugares e áreas – na terra e nos oceanos –,
proibindo aí toda a intervenção humana que possa modificar
a sua fisionomia ou alterar a sua constituição original.
No cuidado da biodiversidade, os especialistas insistem na
necessidade de prestar uma especial atenção às áreas mais
ricas em variedade de espécies, em espécies endêmicas,
raras ou com menor grau de efetiva proteção. Há lugares
que requerem um cuidado particular pela sua enorme
importância para o ecossistema mundial, ou que constituem
significativas reservas de água assegurando assim outras
formas de vida.
38. Mencionemos, por exemplo, os pulmões do planeta
repletos de biodiversidade que são a Amazônia e a bacia
fluvial do Congo, ou os grandes lençóis freáticos e os
glaciares. A importância destes lugares para o conjunto do
planeta e para o futuro da humanidade não se pode ignorar.
Os ecossistemas das florestas tropicais possuem uma
biodiversidade de enorme complexidade, quase impossível de
conhecer completamente, mas quando estas florestas são
queimadas ou derrubadas para desenvolver cultivos, em
poucos anos perdem-se inúmeras espécies, ou tais áreas
transformam-se em áridos desertos. Todavia, ao falar sobre
estes lugares, impõe-se um delicado equilíbrio, porque não
é possível ignorar também os enormes interesses econômicos
internacionais que, a pretexto de cuidar deles, podem
atentar contra as soberanias nacionais. Com efeito, há
«propostas de internacionalização da Amazônia que só
servem aos interesses econômicos das corporações
internacionais».[24] É louvável a tarefa de organismos
internacionais e organizações da sociedade civil que
sensibilizam as populações e colaboram de forma crítica,
inclusive utilizando legítimos mecanismos de pressão, para
que cada governo cumpra o dever próprio e não delegável de
preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu
país, sem se vender a espúrios interesses locais ou
internacionais.
39. Habitualmente também não se faz objeto de adequada
análise a substituição da flora silvestre por áreas
florestais com árvores, que geralmente são monoculturas. É
que pode afetar gravemente uma biodiversidade que não é
albergada pelas novas espécies que se implantam. Também as
zonas úmidas, que são transformadas em terrenos agrícolas,
perdem a enorme biodiversidade que abrigavam. É
preocupante, nalgumas áreas costeiras, o desaparecimento
dos ecossistemas constituídos por manguezais.
40. Os oceanos contêm não só a maior parte da água do
planeta, mas também a maior parte da vasta variedade dos
seres vivos, muitos deles ainda desconhecidos para nós e
ameaçados por diversas causas. Além disso, a vida nos
rios, lagos, mares e oceanos, que nutre grande parte da
população mundial, é afetada pela extração descontrolada
dos recursos éticos, que provoca drásticas diminuições de
algumas espécies. E no entanto continuam a desenvolver-se
modalidades seletivas de pesca, que descartam grande parte
das espécies apanhadas. Particularmente ameaçados estão
organismos marinhos que não temos em consideração, como
certas formas de plâncton que constituem um componente
muito importante da cadeia alimentar marinha e de que
dependem, em última instância, espécies que se utilizam
para a alimentação humana.
41. Passando aos mares tropicais e subtropicais,
encontramos os recifes de coral, que equivalem às grandes
florestas da terra firme, porque abrigam cerca de um
milhão de espécies, incluindo peixes, caranguejos,
moluscos, esponjas, algas e outras. Hoje, muitos dos
recifes de coral no mundo já são estéreis ou encontram-se
num estado contínuo de declínio: «quem transformou o
maravilhoso mundo marinho em cemitérios subaquáticos
despojados de vida e de cor»? [25]. Este fenômeno deve-se,
em grande parte, à poluição que chega ao mar resultante do
desflorestamento, das monoculturas agrícolas, das
descargas industriais e de métodos de pesca destrutivos,
nomeadamente os que utilizam cianeto e dinamite. É
agravado pelo aumento da temperatura dos oceanos. Tudo
isso nos ajuda a compreender como qualquer ação sobre a
natureza pode ter consequências que não advertimos à
primeira vista e como certas formas de exploração de
recursos se obtêm à custa duma degradação que acaba por
chegar até ao fundo dos oceanos.
42. É preciso investir muito mais na pesquisa para se
entender melhor o comportamento dos ecossistemas e
analisar adequadamente as diferentes variáveis de impacto
de qualquer modificação importante do meio ambiente. Visto
que todas as criaturas estão interligadas, deve ser
reconhecido com carinho e admiração o valor de cada uma, e
todos nós, seres criados, precisamos uns dos outros. Cada
território detém uma parte de responsabilidade no cuidado
desta família, pelo que deve fazer um inventário cuidadoso
das espécies que alberga a fim de desenvolver programas e
estratégias de proteção, cuidando com particular
solicitude das espécies em vias de extinção.
4. Deterioração da qualidade de vida humana e degradação
social
43. Tendo em conta que o ser humano também é uma criatura
deste mundo, que tem direito a viver e ser feliz e, além
disso, possui uma dignidade especial, não podemos deixar
de considerar os efeitos da degradação ambiental, do
modelo atual de desenvolvimento e da cultura do descarte
sobre a vida das pessoas.
44. Nota-se hoje, por exemplo, o crescimento desmedido e
descontrolado de muitas cidades que se tornaram pouco
saudáveis para viver, devido não só à poluição proveniente
de emissões tóxicas mas também ao caos urbano, aos
problemas de transporte e à poluição visiva e acústica.
Muitas cidades são grandes estruturas que não funcionam,
gastando energia e água em excesso. Há bairros que, embora
construídos recentemente, apresentam-se congestionados e
desordenados, sem espaços verdes suficientes. Não é
conveniente para os habitantes deste planeta viver cada
vez mais submersos de cimento, asfalto, vidro e metais,
privados do contacto físico com a natureza.
45. Nalguns lugares, rurais e urbanos, a privatização dos
espaços tornou difícil o acesso dos cidadãos a áreas de
especial beleza; noutros, criaram-se áreas residenciais
«ecológicas» postas à disposição só de poucos,
procurando-se evitar que outros entrem a perturbar uma
tranquilidade artificial. Muitas vezes encontra-se uma
cidade bela e cheia de espaços verdes e bem cuidados
nalgumas áreas «seguras», mas não em áreas menos visíveis,
onde vivem os descartados da sociedade.
46. Entre os componentes sociais da mudança global,
incluem-se os efeitos laborais de algumas inovações
tecnológicas, a exclusão social, a desigualdade no
fornecimento e consumo da energia e doutros serviços, a
fragmentação social, o aumento da violência e o
aparecimento de novas formas de agressividade social, o
narcotráfico e o consumo crescente de drogas entre os mais
jovens, a perda de identidade. São alguns sinais, entre
outros, que mostram como o crescimento nos últimos dois
séculos não significou, em todos os seus aspectos, um
verdadeiro progresso integral e uma melhoria da qualidade
de vida. Alguns destes sinais são ao mesmo tempo sintomas
duma verdadeira degradação social, duma silenciosa ruptura
dos vínculos de integração e comunhão social.
47. A isto vêm juntar-se as dinâmicas dos mass-media e do
mundo digital, que, quando se tornam omnipresentes, não
favorecem o desenvolvimento duma capacidade de viver com
sabedoria, pensar em profundidade, amar com generosidade.
Neste contexto, os grandes sábios do passado correriam o
risco de ver sufocada a sua sabedoria no meio do ruído
dispersivo da informação. Isto exige de nós um esforço
para que esses meios se traduzam num novo desenvolvimento
cultural da humanidade, e não numa deterioração da sua
riqueza mais profunda. A verdadeira sabedoria, fruto da
reflexão, do diálogo e do encontro generoso entre as
pessoas, não se adquire com uma mera acumulação de dados,
que, numa espécie de poluição mental, acabam por saturar e
confundir. Ao mesmo tempo tendem a substituir as relações
reais com os outros, com todos os desafios que implicam,
por um tipo de comunicação mediada pela internet. Isto
permite selecionar ou eliminar a nosso arbítrio as
relações e, deste modo, frequentemente gera-se um novo
tipo de emoções artificiais, que têm a ver mais com
dispositivos e monitores do que com as pessoas e a
natureza. Os meios atuais permitem-nos comunicar e
partilhar conhecimentos e afetos. Mas, às vezes, também
nos impedem de tomar contacto direto com a angústia, a
trepidação, a alegria do outro e com a complexidade da sua
experiência pessoal. Por isso, não deveria surpreender-nos
o fato de, a par da oferta sufocante destes produtos, ir
crescendo uma profunda e melancólica insatisfação nas
relações interpessoais ou um nocivo isolamento.
5. Desigualdade planetária
48. O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em
conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a
degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas
que têm a ver com a degradação humana e social. De fato, a
deterioração do meio ambiente e a da sociedade afetam de
modo especial os mais frágeis do planeta: «Tanto a
experiência comum da vida quotidiana como a investigação
científica demonstram que os efeitos mais graves de todas
as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais
pobres».[26] Por exemplo, o esgotamento das reservas
éticas prejudica especialmente as pessoas que vivem da
pesca artesanal e não possuem qualquer maneira de a
substituir, a poluição da água afeta particularmente os
mais pobres que não têm possibilidades de comprar água
engarrafada, e a elevação do nível do mar afeta
principalmente as populações costeiras mais pobres que não
têm para onde se transferir. O impacto dos desequilíbrios
Atuais manifesta-se também na morte prematura de muitos
pobres, nos conflitos gerados pela falta de recursos e em
muitos outros problemas que não têm espaço suficiente nas
agendas mundiais.[27]
49. Gostaria de assinalar que muitas vezes falta uma
consciência clara dos problemas que afetam particularmente
os excluídos. Estes são a maioria do planeta, milhares de
milhões de pessoas. Hoje são mencionados nos debates
políticos e econômicos internacionais, mas com frequência
parece que os seus problemas se coloquem como um apêndice,
como uma questão que se acrescenta quase por obrigação ou
perifericamente, quando não são considerados meros danos
colaterais. Com efeito, na hora da implementação concreta,
permanecem frequentemente no último lugar. Isto deve-se,
em parte, ao fato de que muitos profissionais, formadores
de opinião, meios de comunicação e centros de poder estão
localizados longe deles, em áreas urbanas isoladas, sem
ter contacto direto com os seus problemas. Vivem e
refletem a partir da comodidade dum desenvolvimento e duma
qualidade de vida que não está ao alcance da maioria da
população mundial. Esta falta de contacto físico e de
encontro, às vezes favorecida pela fragmentação das nossas
cidades, ajuda a cauterizar a consciência e a ignorar
parte da realidade em análises tendenciosas. Isto, às
vezes, coexiste com um discurso «verde». Mas, hoje, não
podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem
ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve
integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para
ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres.
50. Em vez de resolver os problemas dos pobres e pensar
num mundo diferente, alguns limitam-se a propor uma
redução da natalidade. Não faltam pressões internacionais
sobre os países em vias de desenvolvimento, que
condicionam as ajudas econômicas a determinadas políticas
de «saúde reprodutiva». Mas, «se é verdade que a desigual
distribuição da população e dos recursos disponíveis cria
obstáculos ao desenvolvimento e ao uso sustentável do
ambiente, deve-se reconhecer que o crescimento demográfico
é plenamente compatível com um desenvolvimento integral e
solidário».[28] Culpar o incremento demográfico em vez do
consumismo exacerbado e seletivo de alguns é uma forma de
não enfrentar os problemas. Pretende-se, assim, legitimar
o modelo distributivo atual, no qual uma minoria se julga
com o direito de consumir numa proporção que seria
impossível generalizar, porque o planeta não poderia
sequer conter os resíduos de tal consumo. Além disso,
sabemos que se desperdiça aproximadamente um terço dos
alimentos produzidos, e «a comida que se desperdiça é como
se fosse roubada da mesa do pobre».[29] Em todo o caso, é
verdade que devemos prestar atenção ao desequilíbrio na
distribuição da população pelo território, tanto a nível
nacional como a nível mundial, porque o aumento do consumo
levaria a situações regionais complexas pelas combinações
de problemas ligados à poluição ambiental, ao transporte,
ao tratamento de resíduos, à perda de recursos, à
qualidade de vida.
51. A desigualdade não afeta apenas os indivíduos mas
países inteiros, e obriga a pensar numa ética das relações
internacionais. Com efeito, há uma verdadeira «dívida
ecológica», particularmente entre o Norte e o Sul, ligada
a desequilíbrios comerciais com consequências no âmbito
ecológico e com o uso desproporcionado dos recursos
naturais efetuado historicamente por alguns países. As
exportações de algumas matérias-primas para satisfazer os
mercados no Norte industrializado produziram danos locais,
como, por exemplo, a contaminação com mercúrio na extração
mineraria do ouro ou com o dióxido de enxofre na do cobre.
De modo especial é preciso calcular o espaço ambiental de
todo o planeta usado para depositar resíduos gasosos que
se foram acumulando ao longo de dois séculos e criaram uma
situação que agora afeta todos os países do mundo. O
aquecimento causado pelo enorme consumo de alguns países
ricos tem repercussões nos lugares mais pobres da terra,
especialmente na África, onde o aumento da temperatura,
juntamente com a seca, tem efeitos desastrosos no
rendimento das cultivações. A isto acrescentam-se os danos
causados pela exportação de resíduos sólidos e líquidos
tóxicos para os países em vias de desenvolvimento e pela
atividade poluente de empresas que fazem nos países menos
desenvolvidos aquilo que não podem fazer nos países que
lhes dão o capital: «Constatamos frequentemente que as
empresas que assim procedem são multinacionais, que fazem
aqui o que não lhes é permitido em países desenvolvidos ou
do chamado primeiro mundo. Geralmente, quando cessam as
suas atividades e se retiram, deixam grandes danos humanos
e ambientais, como o desemprego, aldeias sem vida,
esgotamento de algumas reservas naturais,
desflorestamento, empobrecimento da agricultura e pecuária
local, crateras, colinas devastadas, rios poluídos e
qualquer obra social que já não se pode sustentar».[30]
52. A dívida externa dos países pobres transformou-se num
instrumento de controle, mas não se dá o mesmo com a
dívida ecológica. De várias maneiras os povos em vias de
desenvolvimento, onde se encontram as reservas mais
importantes da biosfera, continuam a alimentar o progresso
dos países mais ricos à custa do seu presente e do seu
futuro. A terra dos pobres do Sul é rica e pouco
contaminada, mas o acesso à propriedade de bens e recursos
para satisfazerem as suas carências vitais é-lhes vedado
por um sistema de relações comerciais e de propriedade
estruturalmente perverso. É necessário que os países
desenvolvidos contribuam para resolver esta dívida,
limitando significativamente o consumo de energia não
renovável e fornecendo recursos aos países mais
necessitados para promover políticas e programas de
desenvolvimento sustentável. As regiões e os países mais
pobres têm menos possibilidade de adotar novos modelos de
redução do impacto ambiental, porque não têm a preparação
para desenvolver os processos necessários nem podem cobrir
os seus custos. Por isso, deve-se manter claramente a
consciência de que a mudança climática tem
responsabilidades diversificadas e, como disseram os
bispos dos Estados Unidos, é oportuno concentrar-se
«especialmente sobre as necessidades dos pobres, fracos e
vulneráveis, num debate muitas vezes dominado pelos
interesses mais poderosos».[31] É preciso revigorar a
consciência de que somos uma única família humana. Não há
fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam
isolar-nos e, por isso mesmo, também não há espaço para a
globalização da indiferença.
6. A fraqueza das reações
53. Estas situações provocam os gemidos da irmã terra, que
se unem aos gemidos dos abandonados do mundo, com um
lamento que reclama de nós outro rumo. Nunca maltratamos e
ferimos a nossa casa comum como nos últimos dois séculos.
Mas somos chamados a tornar-nos os instrumentos de Deus
Pai para que o nosso planeta seja o que Ele sonhou ao
criá-lo e corresponda ao seu projeto de paz, beleza e
plenitude. O problema é que não dispomos ainda da cultura
necessária para enfrentar esta crise e há necessidade de
construir lideranças que tracem caminhos, procurando dar
resposta às necessidades das gerações atuais, todos
incluídos, sem prejudicar as gerações futuras. Torna-se
indispensável criar um sistema normativo que inclua
limites invioláveis e assegure a proteção dos
ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas
do paradigma tecno-econômico acabem por arrasá-los não só
com a política, mas também com a liberdade e a justiça.
54. Preocupa a fraqueza da reação política internacional.
A submissão da política à tecnologia e à finança
demonstra-se na falência das cimeiras mundiais sobre o
meio ambiente. Há demasiados interesses particulares e,
com muita facilidade, o interesse econômico chega a
prevalecer sobre o bem comum e manipular a informação para
não ver afetados os seus projetos. Nesta linha, o
Documento de Aparecida pede que, «nas intervenções sobre
os recursos naturais, não predominem os interesses de
grupos econômicos que arrasam irracionalmente as fontes da
vida».[32] A aliança entre economia e tecnologia acaba por
deixar de fora tudo o que não faz parte dos seus
interesses imediatos. Deste modo, poder-se-á esperar
apenas algumas proclamações superficiais, ações
filantrópicas isoladas e ainda esforços por mostrar
sensibilidade para com o meio ambiente, enquanto, na
realidade, qualquer tentativa das organizações sociais
para alterar as coisas será vista como um distúrbio
provocado por sonhadores românticos ou como um obstáculo a
superar.
55. Pouco a pouco alguns países podem mostrar progressos
significativos, o desenvolvimento de controles mais
eficientes e uma luta mais sincera contra a corrupção.
Cresceu a sensibilidade ecológica das populações, mas é
ainda insuficiente para mudar os hábitos nocivos de
consumo, que não parecem diminuir; antes, expandem-se e
desenvolvem-se. É o que acontece – só para dar um exemplo
simples – com o crescente aumento do uso e intensidade dos
condicionadores de ar: os mercados, apostando num ganho
imediato, estimulam ainda mais a procura. Se alguém
observasse de fora a sociedade planetária,
maravilhar-se-ia com tal comportamento que às vezes parece
suicida.
56. Entretanto os poderes econômicos continuam a
justificar o sistema mundial atual, onde predomina uma
especulação e uma busca de receitas financeiras que tendem
a ignorar todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade
humana e sobre o meio ambiente. Assim se manifesta como
estão intimamente ligadas a degradação ambiental e a
degradação humana e ética. Muitos dirão que não têm
consciência de realizar ações imorais, porque a constante
distração nos tira a coragem de advertir a realidade dum
mundo limitado e finito. Por isso, hoje, «qualquer
realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica
indefesa face aos interesses do mercado divinizado,
transformados em regra absoluta».[33]
57. É previsível que, perante o esgotamento de alguns
recursos, se vá criando um cenário favorável para novas
guerras, disfarçadas sob nobres reivindicações. A guerra
causa sempre danos graves ao meio ambiente e à riqueza
cultural dos povos, e os riscos avolumam-se quando se
pensa na energia nuclear e nas armas biológicas. Com
efeito, «não obstante haver acordos internacionais que
proíbem a guerra química, bacteriológica e biológica,
subsiste o fato de continuarem nos laboratórios as
pesquisas para o desenvolvimento de novas armas ofensivas,
capazes de alterar os equilíbrios naturais».[34] Exige-se
da política uma maior atenção para prevenir e resolver as
causas que podem dar origem a novos conflitos. Entretanto
o poder, ligado com a finança, é o que maior resistência
põe a tal esforço, e os projetos políticos carecem muitas
vezes de amplitude de horizonte. Para que se quer
preservar hoje um poder que será recordado pela sua
incapacidade de intervir quando era urgente e necessário
fazê-lo?
58. Nalguns países, há exemplos positivos de resultados na
melhoria do ambiente, tais como o saneamento de alguns
rios que foram poluídos durante muitas décadas, a
recuperação de florestas nativas, o embelezamento de
paisagens com obras de saneamento ambiental, projetos de
edifícios de grande valor estético, progressos na produção
de energia limpa, na melhoria dos transportes públicos.
Estas ações não resolvem os problemas globais, mas
confirmam que o ser humano ainda é capaz de intervir de
forma positiva. Como foi criado para amar, no meio dos
seus limites germinam inevitavelmente gestos de
generosidade, solidariedade e desvelo.
59. Ao mesmo tempo cresce uma ecologia superficial ou
aparente que consolida um certo torpor e uma alegre
irresponsabilidade. Como frequentemente acontece em épocas
de crises profundas, que exigem decisões corajosas, somos
tentados a pensar que aquilo que está a acontecer não é
verdade. Se nos detivermos na superfície, para além de
alguns sinais visíveis de poluição e degradação, parece
que as coisas não estejam assim tão graves e que o planeta
poderia subsistir ainda por muito tempo nas condições
atuais. Este comportamento evasivo serve-nos para
mantermos os nossos estilos de vida, de produção e
consumo. É a forma como o ser humano se organiza para
alimentar todos os vícios autodestrutivos: tenta não os
ver, luta para não os reconhecer, adia as decisões
importantes, age como se nada tivesse acontecido.
7. Diversidade de opiniões
60. Finalmente reconhecemos, a propósito da situação e das
possíveis soluções, que se desenvolveram diferentes
perspectivas e linhas de pensamento. Num dos extremos,
alguns defendem a todo o custo o mito do progresso,
afirmando que os problemas ecológicos resolver-se-ão
simplesmente com novas aplicações técnicas, sem
considerações éticas nem mudanças de fundo. No extremo
oposto, outros pensam que o ser humano, com qualquer uma
das suas intervenções, só pode ameaçar e comprometer o
ecossistema mundial, pelo que convém reduzir a sua
presença no planeta e impedir-lhe todo o tipo de
intervenção. Entre estes extremos, a reflexão deveria
identificar possíveis cenários futuros, porque não existe
só um caminho de solução. Isto deixaria espaço para uma
variedade de contribuições que poderiam entrar em diálogo
a fim de se chegar a respostas abrangentes.
61. Sobre muitas questões concretas, a Igreja não tem
motivo para propor uma palavra definitiva e entende que
deve escutar e promover o debate honesto entre os
cientistas, respeitando a diversidade de opiniões. Basta,
porém, olhar a realidade com sinceridade, para ver que há
uma grande deterioração da nossa casa comum. A esperança
convida-nos a reconhecer que sempre há uma saída, sempre
podemos mudar de rumo, sempre podemos fazer alguma coisa
para resolver os problemas. Todavia parece notar-se
sintomas dum ponto de ruptura, por causa da alta
velocidade das mudanças e da degradação, que se manifestam
tanto em catástrofes naturais regionais como em crises
sociais ou mesmo financeiras, uma vez que os problemas do
mundo não se podem analisar nem explicar de forma isolada.
Há regiões que já se encontram particularmente em risco e,
prescindindo de qualquer previsão catastrófica, o certo é
que o atual sistema mundial é insustentável a partir de
vários pontos de vista, porque deixamos de pensar nas
finalidades da ação humana: «Se o olhar percorre as
regiões do nosso planeta, apercebemo-nos depressa de que a
humanidade frustrou a expectativa divina».[35]
O Terço
(Rosário) dos Homens não exige
nada e não cobra nada da vida pessoal dos seus
participantes, o que faz
com que seus membros se sintam livres, e a liberdade dá ao
homem o poder de ser aquilo que ele deseja ser, daí as
transformações se sucederem de modo espontâneocausado pelo contato que os mesmos passam a ter
comDeus por intercessão
de Maria.