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78 ANOS DE GRAÇAS E
BÊNÇÃOS
no Brasil e no mundo
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CAPÍTULO V
ALGUMAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO E AÇÃO
163. Procurei examinar a situação atual da humanidade,
tanto nas brechas do planeta que habitamos, como nas
causas mais profundamente humanas da degradação ambiental.
Embora esta contemplação da realidade em si mesma já nos
indique a necessidade duma mudança de rumo e sugira
algumas ações, procuremos agora delinear grandes percursos
de diálogo que nos ajudem a sair da espiral de
autodestruição onde estamos a afundar.
1. O diálogo sobre o meio ambiente na política
internacional
164. Desde meados do século passado e superando muitas
dificuldades, foi-se consolidando a tendência de conceber
o planeta como pátria e a humanidade como povo que habita
uma casa comum. Um mundo interdependente não significa
unicamente compreender que as consequências danosas dos
estilos de vida, produção e consumo afetam a todos, mas
principalmente procurar que as soluções sejam propostas a
partir duma perspectiva global e não apenas para defesa
dos interesses de alguns países. A interdependência
obriga-nos a pensar num único mundo, num projeto comum.
Mas, a mesma inteligência que foi utilizada para um enorme
desenvolvimento tecnológico não consegue encontrar formas
eficazes de gestão internacional para resolver as graves
dificuldades ambientais e sociais. Para enfrentar os
problemas de fundo, que não se podem resolver com acções
de países isolados, torna-se indispensável um consenso
mundial que leve, por exemplo, a programar uma agricultura
sustentável e diversificada, desenvolver formas de energia
renováveis e pouco poluidoras, fomentar uma maior
eficiência energética, promover uma gestão mais adequada
dos recursos florestais e marinhos, garantir a todos o
acesso à água potável.
165. Sabemos que a tecnologia baseada nos combustíveis
fósseis – altamente poluentes, sobretudo o carvão mas
também o petróleo e, em menor medida, o gás – deve ser,
progressivamente e sem demora, substituída. Enquanto
aguardamos por um amplo desenvolvimento das energias
renováveis, que já deveria ter começado, é legítimo optar
pelo mal menor ou recorrer a soluções transitórias.
Todavia, na comunidade internacional, não se consegue
suficiente acordo sobre a responsabilidade de quem deve
suportar os maiores custos da transição energética. Nas
últimas décadas, as questões ambientais deram origem a um
amplo debate público, que fez crescer na sociedade civil
espaços de notável compromisso e generosa dedicação. A
política e a indústria reagem com lentidão, longe de estar
à altura dos desafios mundiais. Neste sentido, pode-se
dizer que, enquanto a humanidade do período pós-industrial
talvez fique recordada como uma das mais irresponsáveis da
história, espera-se que a humanidade dos inícios do século
XXI possa ser lembrada por ter assumido com generosidade
as suas graves responsabilidades.
166. O movimento ecológico mundial já percorreu um longo
caminho, enriquecido pelo esforço de muitas organizações
da sociedade civil. Não seria possível mencioná-las todas
aqui, nem repassar a história das suas contribuições. Mas,
graças a tanta dedicação, as questões ambientais têm
estado cada vez mais presentes na agenda pública e
tornaram-se um convite permanente a pensar a longo prazo.
Apesar disso, as cimeiras mundiais sobre o meio ambiente
dos últimos anos não corresponderam às expectativas,
porque não alcançaram, por falta de decisão política,
acordos ambientais globais realmente significativos e
eficazes.
167. Dentre elas, há que recordar a Cimeira da Terra,
celebrada em 1992 no Rio de Janeiro. Lá se proclamou que
«os seres humanos constituem o centro das preocupações
relacionadas com o desenvolvimento sustentável».[126]
Retomando alguns conteúdos da Declaração de Estocolmo
(1972), sancionou, entre outras coisas, a cooperação
internacional no cuidado do ecossistema de toda a terra, a
obrigação de quem contaminar assumir economicamente os
custos derivados, o dever de avaliar o impacto ambiental
de toda e qualquer obra ou projeto. Propôs o objetivo de
estabilizar as concentrações de gases com efeito de estufa
na atmosfera para inverter a tendência do aquecimento
global. Também elaborou uma agenda com um programa de
acção e uma convenção sobre biodiversidade, declarou
princípios em matéria florestal. Embora tal cimeira
marcasse um passo em frente e fosse verdadeiramente
profética para a sua época, os acordos tiveram um baixo
nível de implementação, porque não se estabeleceram
adequados mecanismos de controle, revisão periódica e
sanção das violações. Os princípios enunciados continuam a
requerer caminhos eficazes e ágeis de realização prática.
168. Como experiências positivas, pode-se mencionar, por
exemplo, a Convenção de Basileia sobre os resíduos
perigosos, com um sistema de notificação, níveis
estipulados e controles, e também a Convenção vinculante
sobre o comércio internacional das espécies da fauna e da
flora selvagens ameaçadas de extinção, que prevê missões
de verificação do seu efetivo cumprimento. Graças à
Convenção de Viena para a proteção da camada de ozônio e a
respectiva implementação através do Protocolo de Montreal
e as suas emendas, o problema da diminuição da referida
camada parece ter entrado numa fase de solução.
169. No cuidado da biodiversidade e no contraste à
desertificação, os avanços foram muito menos
significativos. Relativamente às mudanças climáticas, os
progressos são, infelizmente, muito escassos. A redução de
gases com efeito de estufa requer honestidade, coragem e
responsabilidade, sobretudo dos países mais poderosos e
mais poluentes. A Conferência das Nações Unidas sobre o
Desenvolvimento Sustentável, chamada Rio+20 (Rio de
Janeiro 2012), emitiu uma Declaração Final extensa mas
ineficaz. As negociações internacionais não podem avançar
significativamente por causa das posições dos países que
privilegiam os seus interesses nacionais sobre o bem comum
global. Aqueles que hão de sofrer as consequências que
tentamos dissimular, recordarão esta falta de consciência
e de responsabilidade. Durante o período de elaboração
desta encíclica, o debate adquiriu particular intensidade.
Nós, crentes, não podemos deixar de rezar a Deus pela
evolução positiva nos debates atuais, para que as gerações
futuras não sofram as consequências de demoras
imprudentes.
170. Algumas das estratégias para a baixa emissão de gases
poluentes apostam na internacionalização dos custos
ambientais, com o perigo de impor aos países de menores
recursos pesados compromissos de redução de emissões
comparáveis aos dos países mais industrializados. A
imposição destas medidas penaliza os países mais
necessitados de desenvolvimento. Assim, acrescenta-se uma
nova injustiça sob a capa do cuidado do meio ambiente.
Como sempre, a corda quebra pelo ponto mais fraco. Uma vez
que os efeitos das mudanças climáticas se farão sentir
durante muito tempo, mesmo que agora sejam tomadas medidas
rigorosas, alguns países com escassos recursos precisarão
de ajuda para se adaptar a efeitos que já estão a
produzir-se e afetam as suas economias. É verdade que há
responsabilidades comuns, mas diferenciadas, pelo simples
motivo – como disseram os bispos da Bolívia – que «os
países que foram beneficiados por um alto grau de
industrialização, à custa duma enorme emissão de gases com
efeito de estufa, têm maior responsabilidade em contribuir
para a solução dos problemas que causaram».[127]
171. A estratégia de compra/venda de «créditos de emissão»
pode levar a uma nova forma de especulação, que não
ajudaria a reduzir a emissão global de gases poluentes.
Este sistema parece ser uma solução rápida e fácil, com a
aparência dum certo compromisso com o meio ambiente, mas
que não implica de forma alguma uma mudança radical à
altura das circunstâncias. Pelo contrário, pode tornar-se
um diversivo que permite sustentar o consumo excessivo de
alguns países e sectores.
172. Para os países pobres, as prioridades devem ser a
erradicação da miséria e o desenvolvimento social dos seus
habitantes; ao mesmo tempo devem examinar o nível
escandaloso de consumo de alguns sectores privilegiados da
sua população e contrastar melhor a corrupção. Sem dúvida,
devem também desenvolver formas menos poluentes de
produção de energia, mas para isso precisam de contar com
a ajuda dos países que cresceram muito à custa da atual
poluição do planeta. O aproveitamento direto da energia
solar, tão abundante, exige que se estabeleçam mecanismos
e subsídios tais, que os países em vias de desenvolvimento
possam ter acesso à transferência de tecnologias,
assistência técnica e recursos financeiros, mas sempre
prestando atenção às condições concretas, pois «nem sempre
se avalia adequadamente a compatibilidade dos sistemas com
o contexto para o qual são projetados».[128] Os custos
seriam baixos se comparados com os riscos das mudanças
climáticas. Em todo o caso, trata-se primariamente duma
decisão ética, fundada na solidariedade de todos os povos.
173. Urgem acordos internacionais que se cumpram, dada a
escassa capacidade das instâncias locais para intervirem
de maneira eficaz. As relações entre os Estados devem
salvaguardar a soberania de cada um, mas também
estabelecer caminhos consensuais para evitar catástrofes
locais que acabariam por danificar a todos. São
necessários padrões reguladores globais que imponham
obrigações e impeçam ações inaceitáveis, como o facto de
países poderosos descarregarem, sobre outros países,
resíduos e indústrias altamente poluentes.
174. Mencionemos também o sistema de governança dos
oceanos. Com efeito, embora tenha havido várias convenções
internacionais e regionais, a fragmentação e a falta de
severos mecanismos de regulamentação, controle e sanção
acabam por minar todos os esforços. O problema crescente
dos resíduos marinhos e da protecção das áreas marinhas
para além das fronteiras nacionais continua a representar
um desafio especial. Em definitivo, precisamos de um
acordo sobre os regimes de governança para toda a gama dos
chamados bens comuns globais.
175. A lógica que dificulta a tomada de decisões drásticas
para inverter a tendência ao aquecimento global é a mesma
que não permite cumprir o objetivo de erradicar a pobreza.
Precisamos duma reação global mais responsável, que
implique enfrentar, contemporaneamente, a redução da
poluição e o desenvolvimento dos países e regiões pobres.
O século XXI, mantendo um sistema de governança próprio de
épocas passadas, assiste a uma perda de poder dos Estados
nacionais, sobretudo porque a dimensão
econômico-financeira, de caráter transnacional, tende a
prevalecer sobre a política. Neste contexto, torna-se
indispensável a maturação de instituições internacionais
mais fortes e eficazmente organizadas, com autoridades
designadas de maneira imparcial por meio de acordos entre
os governos nacionais e dotadas de poder de sancionar. Com
afirmou Bento XVI, na linha desenvolvida até agora pela
doutrina social da Igreja, «para o governo da economia
mundial, para sanar as economias atingidas pela crise de
modo a prevenir o agravamento da mesma e consequentes
maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e
integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para
garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os
fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira
Autoridade política mundial, delineada já pelo meu
predecessor, [São] João XXIII».[129] Nesta perspectiva, a
diplomacia adquire uma importância inédita, chamada a
promover estratégias internacionais para prevenir os
problemas mais graves que acabam por afetar a todos.
2. O diálogo para novas políticas nacionais e locais
176. Há vencedores e vencidos não só entre os países, mas
também dentro dos países pobres, onde se devem identificar
as diferentes responsabilidades. Por isso, as questões
relacionadas com o meio ambiente e com o desenvolvimento
econômico já não se podem olhar apenas a partir das
diferenças entre os países, mas exigem que se preste
atenção às políticas nacionais e locais.
177. Perante a possibilidade duma utilização irresponsável
das capacidades humanas, são funções inadiáveis de cada
Estado planificar, coordenar, vigiar e sancionar dentro do
respectivo território. Como pode a sociedade organizar e
salvaguardar o seu futuro num contexto de constantes
inovações tecnológicas? Um fator que atua como moderador
efetivo é o direito, que estabelece as regras para as
condutas permitidas à luz do bem comum. Os limites que uma
sociedade sã, madura e soberana deve impor têm a ver com
previsão e precaução, regulamentações adequadas,
vigilância sobre a aplicação das normas, contraste da
corrupção, ações de controle operacional sobre o
aparecimento de efeitos não desejados dos processos de
produção, e oportuna intervenção perante riscos incertos
ou potenciais. Existe uma crescente jurisprudência que
visa reduzir os efeitos poluentes dos empreendimentos. Mas
a estrutura política e institucional não existe apenas
para evitar malversações, mas para incentivar as boas
práticas, estimular a criatividade que busca novos
caminhos, facilitar as iniciativas pessoais e coletivas.
178. O drama duma política focalizada nos resultados
imediatos, apoiada também por populações consumistas,
torna necessário produzir crescimento a curto prazo.
Respondendo a interesses eleitorais, os governos não se
aventuram facilmente a irritar a população com medidas que
possam afetar o nível de consumo ou pôr em risco
investimentos estrangeiros. A construção míope do poder
freia a inserção duma agenda ambiental com visão ampla na
agenda pública dos governos. Esquece-se, assim, que «o
tempo é superior ao espaço»[130] e que sempre somos mais
fecundos quando temos maior preocupação por gerar
processos do que por dominar espaços de poder. A grandeza
política mostra-se quando, em momentos difíceis, se
trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem
comum a longo prazo. O poder político tem muita
dificuldade em assumir este dever num projeto de nação.
179. Nalguns lugares, estão a desenvolver-se cooperativas
para a exploração de energias renováveis, que consentem o
auto abastecimento local e até mesmo a venda da produção
em excesso. Este exemplo simples indica que, enquanto a
ordem mundial existente se revela impotente para assumir
responsabilidades, a instância local pode fazer a
diferença. Com efeito, aqui é possível gerar uma maior
responsabilidade, um forte sentido de comunidade, uma
especial capacidade de solicitude e uma criatividade mais
generosa, um amor apaixonado pela própria terra, tal como
se pensa naquilo que se deixa aos filhos e netos. Estes
valores têm um enraizamento muito profundo nas populações
aborígenes. Dado que o direito por vezes se mostra
insuficiente devido à corrupção, requer-se uma decisão
política sob pressão da população. A sociedade, através de
organismos não governamentais e associações intermédias,
deve forçar os governos a desenvolver normativas,
procedimentos e controles mais rigorosos. Se os cidadãos
não controlam o poder político – nacional, regional e
municipal –, também não é possível combater os danos
ambientais. Além disso, as legislações municipais podem
ser mais eficazes, se houver acordos entre populações
vizinhas para sustentarem as mesmas políticas ambientais.
180. Não se pode pensar em receitas uniformes, porque há
problemas e limites específicos de cada país ou região.
Também é verdade que o realismo político pode exigir
medidas e tecnologias de transição, desde que estejam
acompanhadas pelo projeto e a aceitação de compromissos
graduais vinculativos. Ao mesmo tempo, porém, a nível
nacional e local, há sempre muito que fazer, como, por
exemplo, promover formas de poupança energética. Isto
implica favorecer modalidades de produção industrial com a
máxima eficiência energética e menor utilização de
matérias-primas, retirando do mercado os produtos pouco
eficazes do ponto de vista energético ou mais poluentes.
Podemos mencionar também uma boa gestão dos transportes ou
técnicas de construção e reestruturação de edifícios que
reduzam o seu consumo energético e o seu nível de
poluição. Além disso, a acção política local pode
orientar-se para a alteração do consumo, o desenvolvimento
duma economia de resíduos e reciclagem, a proteção de
determinadas espécies e a programação duma agricultura
diversificada com a rotação de culturas. É possível
favorecer a melhoria agrícola de regiões pobres, através
de investimentos em infraestruturas rurais, na organização
do mercado local ou nacional, em sistemas de irrigação, no
desenvolvimento de técnicas agrícolas sustentáveis.
Podem-se facilitar formas de cooperação ou de organização
comunitária que defendam os interesses dos pequenos
produtores e salvaguardem da predação os ecossistemas
locais. É tanto o que se pode fazer!
181. Indispensável é a continuidade, porque não se podem
modificar as políticas relativas às alterações climáticas
e à proteção ambiental todas as vezes que muda um governo.
Os resultados requerem muito tempo e comportam custos
imediatos com efeitos que não poderão ser exibidos no
período de vida dum governo. Por isso, sem a pressão da
população e das instituições, haverá sempre relutância a
intervir, e mais ainda quando houver urgências a resolver.
Para um político, assumir estas responsabilidades com os
custos que implicam não corresponde à lógica eficientista
e imediatista atual da economia e da política, mas, se ele
tiver a coragem de o fazer, poderá novamente reconhecer a
dignidade que Deus lhe deu como pessoa e deixará, depois
da sua passagem por esta história, um testemunho de
generosa responsabilidade. Importa dar um lugar
preponderante a uma política salutar, capaz de reformar as
instituições, coordená-las e dotá-las de bons
procedimentos, que permitam superar pressões e inércias
viciosas. Todavia é preciso acrescentar que os melhores
dispositivos acabam por sucumbir, quando faltam as grandes
metas, os valores, uma compreensão humanista e rica de
significado, capazes de conferir a cada sociedade uma
orientação nobre e generosa.
3. Diálogo e transparência nos processos decisórios
182. A previsão do impacto ambiental dos empreendimentos e
projetos requer processos políticos transparentes e
sujeitos a diálogo, enquanto a corrupção, que esconde o
verdadeiro impacto ambiental dum projeto em troca de
favores, frequentemente leva a acordos ambíguos que fogem
ao dever de informar e a um debate profundo.
183. Um estudo de impacto ambiental não deveria ser
posterior à elaboração dum projeto produtivo ou de
qualquer política, plano ou programa. Há de inserir-se
desde o princípio e elaborar-se de forma interdisciplinar,
transparente e independente de qualquer pressão económica
ou política. Deve aparecer unido à análise das condições
de trabalho e dos possíveis efeitos na saúde física e
mental das pessoas, na economia local, na segurança. Assim
os resultados econômicos poder-se-ão prever de forma mais
realista, tendo em conta os cenários possíveis e,
eventualmente, antecipando a necessidade dum investimento
maior para resolver efeitos indesejáveis que possam ser
corrigidos. É sempre necessário alcançar consenso entre os
vários atores sociais, que podem trazer diferentes
perspectivas, soluções e alternativas. Mas, no debate,
devem ter um lugar privilegiado os moradores locais,
aqueles mesmos que se interrogam sobre o que desejam para
si e para os seus filhos e podem ter em consideração as
finalidades que transcendem o interesse econômico
imediato. É preciso abandonar a ideia de «intervenções»
sobre o meio ambiente, para dar lugar a políticas pensadas
e debatidas por todas as partes interessadas. A
participação requer que todos sejam adequadamente
informados sobre os vários aspectos e os diferentes riscos
e possibilidades, e não se reduza à decisão inicial sobre
um projeto, mas implique também ações de controle ou
monitoramento constante. É necessário haver sinceridade e
verdade nas discussões científicas e políticas, sem se
limitar a considerar o que é permitido ou não pela
legislação.
184. Quando surgem eventuais riscos para o meio ambiente
que afetam o bem comum presente e futuro, esta situação
exige «que as decisões sejam baseadas num confronto entre
riscos e benefícios previsíveis para cada opção
alternativa possível».[131] Isto vale sobretudo quando um
projeto pode causar um incremento na exploração dos
recursos naturais, nas emissões ou descargas, na produção
de resíduos, ou então uma mudança significativa na
paisagem, no habitat de espécies protegidas ou num espaço
público. Alguns projetos, não apoiados por uma análise bem
cuidada, podem afetar profundamente a qualidade de vida
dum lugar, devido a questões muito diferentes entre si,
como, por exemplo, uma poluição acústica não prevista, a
redução do horizonte visual, a perda de valores culturais,
os efeitos do uso da energia nuclear. A cultura
consumista, que dá prioridade ao curto prazo e aos
interesses privados, pode favorecer análises demasiado
rápidas ou consentir a ocultação de informação.
185. Em qualquer discussão sobre um empreendimento,
dever-se-ia pôr uma série de perguntas, para poder
discernir se o mesmo levará a um desenvolvimento
verdadeiramente integral: Para que fim? Por qual motivo?
Onde? Quando? De que maneira? A quem ajuda? Quais são os
riscos? A que preço? Quem paga as despesas e como o fará?
Neste exame, há questões que devem ter prioridade. Por
exemplo, sabemos que a água é um recurso escasso e
indispensável, sendo um direito fundamental que condiciona
o exercício doutros direitos humanos. Isto está, sem
dúvida, acima de toda a análise de impacto ambiental duma
região.
186. Na Declaração do Rio, de 1992, afirma-se que, «quando
existem ameaças de danos graves ou irreversíveis, a falta
de certezas científicas absolutas não poderá constituir um
motivo para adiar a adoção de medidas eficazes»[132] que
impeçam a degradação do meio ambiente. Este princípio de
precaução permite a proteção dos mais fracos, que dispõem
de poucos meios para se defender e fornecer provas
irrefutáveis. Se a informação objetiva leva a prever um
dano grave e irreversível, mesmo que não haja uma
comprovação indiscutível, seja o projeto que for deverá
suspender-se ou modificar-se. Assim, inverte-se o ônus da
prova, já que, nestes casos, é preciso fornecer uma
demonstração objetiva e contundente de que a atividade
proposta não vai gerar danos graves ao meio ambiente ou às
pessoas que nele habitam.
187. Isto não implica opor-se a toda e qualquer inovação
tecnológica que permita melhorar a qualidade de vida duma
população. Mas, em todo o caso, deve permanecer de pé que
a rentabilidade não pode ser o único critério a ter em
conta e, na hora em que aparecessem novos elementos de
juízo a partir de ulteriores dados informativos, deveria
haver uma nova avaliação com a participação de todas as
partes interessadas. O resultado do debate pode ser a
decisão de não avançar num projeto, mas poderia ser também
a sua modificação ou a elaboração de propostas
alternativas.
188. Há discussões sobre problemas relativos ao meio
ambiente, onde é difícil chegar a um consenso. Repito uma
vez mais que a Igreja não pretende definir as questões
científicas nem substituir-se à política, mas convido a um
debate honesto e transparente, para que as necessidades
particulares ou as ideologias não lesem o bem comum.
4. Política e economia em diálogo para a plenitude humana
189. A política não deve submeter-se à economia, e esta
não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma
eficientista da tecnocracia. Pensando no bem comum, hoje
precisamos imperiosamente que a política e a economia, em
diálogo, se coloquem decididamente ao serviço da vida,
especialmente da vida humana. A salvação dos bancos a todo
o custo, fazendo pagar o preço à população, sem a firme
decisão de rever e reformar o sistema inteiro, reafirma um
domínio absoluto da finança que não tem futuro e só poderá
gerar novas crises depois duma longa, custosa e aparente
cura. A crise financeira dos anos 2007 e 2008 era a
ocasião para o desenvolvimento duma nova economia mais
atenta aos princípios éticos e para uma nova
regulamentação da atividade financeira especulativa e da
riqueza virtual. Mas não houve uma reação que fizesse
repensar os critérios obsoletos que continuam a governar o
mundo. A produção não é sempre racional, e muitas vezes
está ligada a variáveis econômicas que atribuem aos
produtos um valor que não corresponde ao seu valor real.
Isto leva frequentemente a uma superprodução de algumas
mercadorias, com um impacto ambiental desnecessário, que
simultaneamente danifica muitas economias regionais.[133]
Habitualmente, a bolha financeira é também uma bolha
produtiva. Em suma, o que não se enfrenta com energia é o
problema da economia real, aquela que torna possível, por
exemplo, que se diversifique e melhore a produção, que as
empresas funcionem adequadamente, que as pequenas e médias
empresas se desenvolvam e criem postos de trabalho.
190. Neste contexto, sempre se deve recordar que «a
proteção ambiental não pode ser assegurada somente com
base no cálculo financeiro de custos e benefícios. O
ambiente é um dos bens que os mecanismos de mercado não
estão aptos a defender ou a promover adequadamente».[134]
Mais uma vez repito que convém evitar uma concepção mágica
do mercado, que tende a pensar que os problemas se
resolvem apenas com o crescimento dos lucros das empresas
ou dos indivíduos. Será realista esperar que quem está
obcecado com a maximização dos lucros se detenha a
considerar os efeitos ambientais que deixará às próximas
gerações? Dentro do esquema do ganho não há lugar para
pensar nos ritmos da natureza, nos seus tempos de
degradação e regeneração, e na complexidade dos
ecossistemas que podem ser gravemente alterados pela
intervenção humana. Além disso, quando se fala de
biodiversidade, no máximo pensa-se nela como um
reservatório de recursos econômicos que poderia ser
explorado, mas não se considera seriamente o valor real
das coisas, o seu significado para as pessoas e as
culturas, os interesses e as necessidades dos pobres.
191. Quando se colocam estas questões, alguns reagem
acusando os outros de pretender parar, irracionalmente, o
progresso e o desenvolvimento humano. Mas temos de nos
convencer que, reduzir um determinado ritmo de produção e
consumo, pode dar lugar a outra modalidade de progresso e
desenvolvimento. Os esforços para um uso sustentável dos
recursos naturais não são gasto inútil, mas um
investimento que poderá proporcionar outros benefícios
econômicos a médio prazo. Se não temos vista curta,
podemos descobrir que pode ser muito rentável a
diversificação duma produção mais inovadora e com menor
impacto ambiental. Trata-se de abrir caminho a
oportunidades diferentes, que não implicam frear a
criatividade humana nem o seu sonho de progresso, mas
orientar esta energia por novos canais.
192. Por exemplo, um percurso de desenvolvimento produtivo
mais criativo e melhor orientado poderia corrigir a
disparidade entre o excessivo investimento tecnológico no
consumo e o escasso investimento para resolver os
problemas urgentes da humanidade; poderia gerar formas
inteligentes e rentáveis de reutilização, recuperação
funcional e reciclagem; poderia melhorar a eficiência
energética das cidades... A diversificação produtiva
oferece à inteligência humana possibilidades muito amplas
de criar e inovar, ao mesmo tempo que protege o meio
ambiente e cria mais oportunidades de trabalho. Esta seria
uma criatividade capaz de fazer reflorescer a nobreza do
ser humano, porque é mais dignificante usar a
inteligência, com audácia e responsabilidade, para
encontrar formas de desenvolvimento sustentável e
equitativo, no quadro duma concepção mais ampla da
qualidade de vida. Ao contrário, é menos dignificante e
criativo e mais superficial insistir na criação de formas
de espoliação da natureza só para oferecer novas
possibilidades de consumo e de ganho imediato.
193. Assim, se nalguns casos o desenvolvimento sustentável
implicará novas modalidades para crescer, noutros casos –
face ao crescimento ganancioso e irresponsável, que se
verificou ao longo de muitas décadas – devemos pensar
também em abrandar um pouco a marcha, pôr alguns limites
razoáveis e até mesmo retroceder antes que seja tarde.
Sabemos que é insustentável o comportamento daqueles que
consomem e destroem cada vez mais, enquanto outros ainda
não podem viver de acordo com a sua dignidade humana. Por
isso, chegou a hora de aceitar um certo decréscimo do
consumo nalgumas partes do mundo, fornecendo recursos para
que se possa crescer de forma saudável noutras partes.
Bento XVI dizia que «é preciso que as sociedades
tecnologicamente avançadas estejam dispostas a favorecer
comportamentos caracterizados pela sobriedade, diminuindo
as próprias necessidades de energia e melhorando as
condições da sua utilização».[135]
194. Para que apareçam novos modelos de progresso,
precisamos de «converter o modelo de desenvolvimento
global»[136], e isto implica refletir responsavelmente
«sobre o sentido da economia e dos seus objetivos, para
corrigir as suas disfunções e deturpações».[137] Não é
suficiente conciliar, a meio termo, o cuidado da natureza
com o ganho financeiro, ou a preservação do meio ambiente
com o progresso. Neste campo, os meios-termos são apenas
um pequeno adiamento do colapso. Trata-se simplesmente de
redefinir o progresso. Um desenvolvimento tecnológico e
econômico, que não deixa um mundo melhor e uma qualidade
de vida integralmente superior, não se pode considerar
progresso. Além disso, muitas vezes a qualidade real de
vida das pessoas diminui – pela deterioração do ambiente,
a baixa qualidade dos produtos alimentares ou o
esgotamento de alguns recursos – no contexto dum
crescimento da economia. Então, muitas vezes, o discurso
do crescimento sustentável torna-se um diversivo e um meio
de justificação que absorve valores do discurso ecologista
dentro da lógica da finança e da tecnocracia, e a
responsabilidade social e ambiental das empresas reduz-se,
na maior parte dos casos, a uma série de ações de
publicidade e imagem.
195. O princípio da maximização do lucro, que tende a
isolar-se de todas as outras considerações, é uma
distorção conceptual da economia: desde que aumente a
produção, pouco interessa que isso se consiga à custa dos
recursos futuros ou da saúde do meio ambiente; se o
derrube duma floresta aumenta a produção, ninguém insere
no respectivo cálculo a perda que implica desertificar um
território, destruir a biodiversidade ou aumentar a
poluição. Por outras palavras, as empresas obtêm lucros
calculando e pagando uma parte ínfima dos custos.
Poder-se-ia considerar ético somente um comportamento em
que «os custos econômicos e sociais derivados do uso dos
recursos ambientais comuns sejam reconhecidos de maneira
transparente e plenamente suportados por quem deles
usufrui e não por outras populações nem pelas gerações
futuras».[138] A mentalidade utilitária, que fornece
apenas uma análise estática da realidade em função de
necessidades atuais, está presente tanto quando é o
mercado que atribui os recursos como quando o faz um
Estado planificador.
196. Qual é o lugar da política? Recordemos o princípio da
subsidiariedade, que dá liberdade para o desenvolvimento
das capacidades presentes a todos os níveis, mas
simultaneamente exige mais responsabilidade pelo bem comum
a quem tem mais poder. É verdade que, hoje, alguns
sectores econômicos exercem mais poder do que os próprios
Estados. Mas não se pode justificar uma economia sem
política, porque seria incapaz de promover outra lógica
para governar os vários aspectos da crise atual. A lógica
que não deixa espaço para uma sincera preocupação pelo
meio ambiente é a mesma em que não encontra espaço a
preocupação por integrar os mais frágeis, porque, «no
modelo “do êxito” e “individualista” em vigor, parece que
não faz sentido investir para que os lentos, fracos ou
menos dotados possam também singrar na vida».[139]
197. Precisamos duma política que pense com visão ampla e
leve por diante uma reformulação integral, abrangendo num
diálogo interdisciplinar os vários aspectos da crise.
Muitas vezes, a própria política é responsável pelo seu
descrédito, devido à corrupção e à falta de boas políticas
públicas. Se o Estado não cumpre o seu papel numa região,
alguns grupos econômicos podem-se apresentar como
benfeitores e apropriar-se do poder real, sentindo-se
autorizados a não observar certas normas até se chegar às
diferentes formas de criminalidade organizada, tráfico de
pessoas, narcotráfico e violência muito difícil de
erradicar. Se a política não é capaz de romper uma lógica
perversa e perde-se também em discursos inconsistentes,
continuaremos sem enfrentar os grandes problemas da
humanidade. Uma estratégia de mudança real exige repensar
a totalidade dos processos, pois não basta incluir
considerações ecológicas superficiais enquanto não se
puser em discussão a lógica subjacente à cultura atual.
Uma política sã deveria ser capaz de assumir este desafio.
198. A política e a economia tendem a culpar-se
reciprocamente a respeito da pobreza e da degradação
ambiental. Mas o que se espera é que reconheçam os seus
próprios erros e encontrem formas de interação orientadas
para o bem comum. Enquanto uns se afanam apenas com o
ganho econômico e os outros estão obcecados apenas por
conservar ou aumentar o poder, o que nos resta são guerras
ou acordos espúrios, onde o que menos interessa às duas
partes é preservar o meio ambiente e cuidar dos mais
fracos. Vale aqui também o princípio de que «a unidade é
superior ao conflito».[140]
5. As religiões no diálogo com as ciências
199. Não se pode sustentar que as ciências empíricas
expliquem completamente a vida, a essência íntima de todas
as criaturas e o conjunto da realidade. Isto seria
ultrapassar indevidamente os seus confins metodológicos
limitados. Se se reflete dentro deste quadro restrito,
desaparecem a sensibilidade estética, a poesia e ainda a
capacidade da razão perceber o sentido e a finalidade das
coisas.[141] Quero lembrar que «os textos religiosos
clássicos podem oferecer um significado para todas as
épocas, possuem uma força motivadora que abre sempre novos
horizontes (...). Será razoável e inteligente relegá-los
para a obscuridade, só porque nasceram no contexto duma
crença religiosa?»[142] Realmente, é ingênuo pensar que os
princípios éticos possam ser apresentados de modo
puramente abstrato, desligados de todo o contexto, e o
fato de aparecerem com uma linguagem religiosa não lhes
tira valor algum no debate público. Os princípios éticos
que a razão é capaz de perceber, sempre podem reaparecer
sob distintas roupagens e expressos com linguagens
diferentes, incluindo a religiosa.
200. Além disso, qualquer solução técnica que as ciências
pretendam oferecer será impotente para resolver os graves
problemas do mundo, se a humanidade perde o seu rumo, se
esquece as grandes motivações que tornam possível a
convivência social, o sacrifício, a bondade. Em todo o
caso, será preciso fazer apelo aos crentes para que sejam
coerentes com a sua própria fé e não a contradigam com as
suas ações; será necessário insistir para que se abram
novamente à graça de Deus e se nutram profundamente das
próprias convicções sobre o amor, a justiça e a paz. Se às
vezes uma má compreensão dos nossos princípios nos levou a
justificar o abuso da natureza, ou o domínio despótico do
ser humano sobre a criação, ou as guerras, a injustiça e a
violência, nós, crentes, podemos reconhecer que então
fomos infiéis ao tesouro de sabedoria que devíamos
guardar. Muitas vezes os limites culturais de distintas
épocas condicionaram esta consciência do próprio
patrimônio ético e espiritual, mas é precisamente o
regresso às respectivas fontes que permite às religiões
responder melhor às necessidades atuais.
201. A maior parte dos habitantes do planeta declara-se
crente, e isto deveria levar as religiões a estabelecerem
diálogo entre si, visando o cuidado da natureza, a defesa
dos pobres, a construção duma trama de respeito e de
fraternidade. De igual modo é indispensável um diálogo
entre as próprias ciências, porque cada uma costuma
fechar-se nos limites da sua própria linguagem, e a
especialização tende a converter-se em isolamento e
absolutização do próprio saber. Isto impede de enfrentar
adequadamente os problemas do meio ambiente. Torna-se
necessário também um diálogo aberto e respeitador dos
diferentes movimentos ecologistas, entre os quais não
faltam as lutas ideológicas. A gravidade da crise
ecológica obriga-nos, a todos, a pensar no bem comum e a
prosseguir pelo caminho do diálogo que requer paciência,
ascese e generosidade, lembrando-nos sempre que «a
realidade é superior à ideia».[143] |
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parte 6 |
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O Terço
(Rosário) dos Homens não exige
nada e não cobra nada da vida pessoal dos seus
participantes, o que faz
com que seus membros se sintam livres, e a liberdade dá ao
homem o poder de ser aquilo que ele deseja ser, daí as
transformações se sucederem de modo espontâneo
causado pelo contato que os mesmos passam a ter
com
Deus por intercessão
de Maria. |
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