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78 ANOS DE GRAÇAS E
BÊNÇÃOS
no Brasil e no mundo
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CAPÍTULO VI
EDUCAÇÃO E ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICAS
202. Muitas coisas devem reajustar o próprio rumo, mas
antes de tudo é a humanidade que precisa de mudar. Falta a
consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e
dum futuro partilhado por todos. Esta consciência basilar
permitiria o desenvolvimento de novas convicções, atitudes
e estilos de vida. Surge, assim, um grande desafio
cultural, espiritual e educativo que implicará longos
processos de regeneração.
1. Apontar para outro estilo de vida
203. Dado que o mercado tende a criar um mecanismo
consumista compulsivo para vender os seus produtos, as
pessoas acabam por ser arrastadas pelo turbilhão das
compras e gastos supérfluos. O consumismo obsessivo é o
reflexo subjetivo do paradigma tecno-econômico. Está a
acontecer aquilo que já assinalava Romano Guardini: o ser
humano «aceita os objetos comuns e as formas habituais da
vida como lhe são impostos pelos planos nacionais e pelos
produtos fabricados em série e, em geral, age assim com a
impressão de que tudo isto seja razoável e justo».[144] O
referido paradigma faz crer a todos que são livres pois
conservam uma suposta liberdade de consumir, quando na
realidade apenas possui a liberdade a minoria que detém o
poder econômico e financeiro. Nesta confusão, a humanidade
pós-moderna não encontrou uma nova compreensão de si mesma
que a possa orientar, e esta falta de identidade é vivida
com angústia. Temos demasiados meios para escassos e
raquíticos fins.
204. A situação atual do mundo «gera um sentido de
precariedade e insegurança, que, por sua vez, favorece
formas de egoísmo coletivo».[145] Quando as pessoas se
tornam auto referenciais e se isolam na própria
consciência, aumentam a sua voracidade: quanto mais vazio
está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objetos
para comprar, possuir e consumir. Em tal contexto, parece
não ser possível, para uma pessoa, aceitar que a realidade
lhe assinale limites; neste horizonte, não existe sequer
um verdadeiro bem comum. Se este é o tipo de sujeito que
tende a predominar numa sociedade, as normas serão
respeitadas apenas na medida em que não contradigam as
necessidades próprias. Por isso, não pensemos só na
possibilidade de terríveis fenômenos climáticos ou de
grandes desastres naturais, mas também nas catástrofes
resultantes de crises sociais, porque a obsessão por um
estilo de vida consumista, sobretudo quando poucos têm
possibilidades de o manter, só poderá provocar violência e
destruição recíproca.
205. Mas nem tudo está perdido, porque os seres humanos,
capazes de tocar o fundo da degradação, podem também
superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se, para
além de qualquer condicionalismo psicológico e social que
lhes seja imposto. São capazes de se olhar a si mesmos com
honestidade, externar o próprio pesar e encetar caminhos
novos rumo à verdadeira liberdade. Não há sistemas que
anulem, por completo, a abertura ao bem, à verdade e à
beleza, nem a capacidade de reagir que Deus continua a
animar no mais fundo dos nossos corações. A cada pessoa
deste mundo, peço para não esquecer esta sua dignidade que
ninguém tem o direito de lhe tirar.
206. Uma mudança nos estilos de vida poderia chegar a
exercer uma pressão salutar sobre quantos detêm o poder
político, econômico e social. Verifica-se isto quando os
movimentos de consumidores conseguem que se deixe de
adquirir determinados produtos e assim se tornam eficazes
na mudança do comportamento das empresas, forçando-as a
reconsiderar o impacto ambiental e os modelos de produção.
É um fato que, quando os hábitos da sociedade afetam os
ganhos das empresas, estas veem-se pressionadas a mudar a
produção. Isto lembra-nos a responsabilidade social dos
consumidores. «Comprar é sempre um ato moral, para além de
econômico».[146] Por isso, hoje, «o tema da degradação
ambiental põe em questão os comportamentos de cada um de
nós».[147]
207. A Carta da Terra convidava-nos, a todos, a começar de
novo deixando para trás uma etapa de autodestruição, mas
ainda não desenvolvemos uma consciência universal que o
torne possível. Por isso, atrevo-me a propor de novo
aquele considerável desafio: «como nunca antes na
história, o destino comum obriga-nos a procurar um novo
início (...). Que o nosso seja um tempo que se recorde
pelo despertar duma nova reverência face à vida, pela
firme resolução de alcançar a sustentabilidade, pela
intensificação da luta em prol da justiça e da paz e pela
jubilosa celebração da vida». [148]
208. Sempre é possível desenvolver uma nova capacidade de
sair de si mesmo rumo ao outro. Sem tal capacidade, não se
reconhece às outras criaturas o seu valor, não se sente
interesse em cuidar de algo para os outros, não se
consegue impor limites para evitar o sofrimento ou a
degradação do que nos rodeia. A atitude basilar de se auto
transcender, rompendo com a consciência isolada e a auto
referencialidade, é a raiz que possibilita todo o cuidado
dos outros e do meio ambiente; e faz brotar a reação moral
de ter em conta o impacto que possa provocar cada ação e
decisão pessoal fora de si mesmo. Quando somos capazes de
superar o individualismo, pode-se realmente desenvolver um
estilo de vida alternativo e torna-se possível uma mudança
relevante na sociedade.
2. Educar para a aliança entre a humanidade e o ambiente
209. A consciência da gravidade da crise cultural e
ecológica precisa de traduzir-se em novos hábitos. Muitos
estão cientes de que não basta o progresso atual e a mera
acumulação de objetos ou prazeres para dar sentido e
alegria ao coração humano, mas não se sentem capazes de
renunciar àquilo que o mercado lhes oferece. Nos países
que deveriam realizar as maiores mudanças nos hábitos de
consumo, os jovens têm uma nova sensibilidade ecológica e
um espírito generoso, e alguns deles lutam admiravelmente
pela defesa do meio ambiente, mas cresceram num contexto
de altíssimo consumo e bem-estar que torna difícil a
maturação doutros hábitos. Por isso, estamos perante um
desafio educativo.
210. A educação ambiental tem vindo a ampliar os seus
objetivos. Se, no começo, estava muito centrada na
informação científica e na consciencialização e prevenção
dos riscos ambientais, agora tende a incluir uma crítica
dos «mitos» da modernidade baseados na razão instrumental
(individualismo, progresso ilimitado, concorrência,
consumismo, mercado sem regras) e tende também a recuperar
os distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior
consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com
todos os seres vivos, o espiritual com Deus. A educação
ambiental deveria predispor-nos para dar este salto para o
Mistério, do qual uma ética ecológica recebe o seu sentido
mais profundo. Além disso, há educadores capazes de
reordenar os itinerários pedagógicos duma ética ecológica,
de modo que ajudem efetivamente a crescer na
solidariedade, na responsabilidade e no cuidado assente na
compaixão.
211. Às vezes, porém, esta educação, chamada a criar uma
«cidadania ecológica», limita-se a informar e não consegue
fazer maturar hábitos. A existência de leis e normas não é
suficiente, a longo prazo, para limitar os maus
comportamentos, mesmo que haja um válido controle. Para a
norma jurídica produzir efeitos importantes e duradouros,
é preciso que a maior parte dos membros da sociedade a
tenha acolhido, com base em motivações adequadas, e reaja
com uma transformação pessoal. A doação de si mesmo num
compromisso ecológico só é possível a partir do cultivo de
virtudes sólidas. Se uma pessoa habitualmente se resguarda
um pouco mais em vez de ligar o aquecimento, embora as
suas economias lhe permitam consumir e gastar mais, isso
supõe que adquiriu convicções e modos de sentir favoráveis
ao cuidado do ambiente. É muito nobre assumir o dever de
cuidar da criação com pequenas ações diárias, e é
maravilhoso que a educação seja capaz de motivar para elas
até dar forma a um estilo de vida. A educação na
responsabilidade ambiental pode incentivar vários
comportamentos que têm incidência direta e importante no
cuidado do meio ambiente, tais como evitar o uso de
plástico e papel, reduzir o consumo de água, diferenciar o
lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá
comer, tratar com desvelo os outros seres vivos, servir-se
dos transportes públicos ou partilhar o mesmo veículo com
várias pessoas, plantar árvores, apagar as luzes
desnecessárias… Tudo isto faz parte duma criatividade
generosa e dignificante, que põe a descoberto o melhor do
ser humano. Voltar – com base em motivações profundas – a
utilizar algo em vez de o desperdiçar rapidamente pode ser
um ato de amor que exprime a nossa dignidade.
212. E não se pense que estes esforços são incapazes de
mudar o mundo. Estas ações espalham, na sociedade, um bem
que frutifica sempre para além do que é possível
constatar; provocam, no seio desta terra, um bem que
sempre tende a difundir-se, por vezes invisivelmente. Além
disso, o exercício destes comportamentos restitui-nos o
sentimento da nossa dignidade, leva-nos a uma maior
profundidade existencial, permite-nos experimentar que
vale a pena a nossa passagem por este mundo.
213. Vários são os âmbitos educativos: a escola, a
família, os meios de comunicação, a catequese, e outros.
Uma boa educação escolar em tenra idade coloca sementes
que podem produzir efeitos durante toda a vida. Mas, quero
salientar a importância central da família, porque «é o
lugar onde a vida, dom de Deus, pode ser convenientemente
acolhida e protegida contra os múltiplos ataques a que
está exposta, e pode desenvolver-se segundo as exigências
de um crescimento humano autêntico. Contra a denominada
cultura da morte, a família constitui a sede da cultura da
vida».[149] Na família, cultivam-se os primeiros hábitos
de amor e cuidado da vida, como, por exemplo, o uso
correto das coisas, a ordem e a limpeza, o respeito pelo
ecossistema local e a proteção de todas as criaturas. A
família é o lugar da formação integral, onde se
desenvolvem os distintos aspectos, intimamente
relacionados entre si, do amadurecimento pessoal. Na
família, aprende-se a pedir licença sem servilismo, a
dizer «obrigado» como expressão duma sentida avaliação das
coisas que recebemos, a dominar a agressividade ou a
ganância, e a pedir desculpa quando fazemos algo de mal.
Estes pequenos gestos de sincera cortesia ajudam a
construir uma cultura da vida compartilhada e do respeito
pelo que nos rodeia.
214. Compete à política e às várias associações um esforço
de formação das consciências da população. Naturalmente
compete também à Igreja. Todas as comunidades cristãs têm
um papel importante a desempenhar nesta educação. Espero
também que, nos nossos Seminários e Casas Religiosas de
Formação, se eduque para uma austeridade responsável, a
grata contemplação do mundo, o cuidado da fragilidade dos
pobres e do meio ambiente. Tendo em conta o muito que está
em jogo, do mesmo modo que são necessárias instituições
dotadas de poder para punir os danos ambientais, também
nós precisamos de nos controlar e educar uns aos outros.
215. Neste contexto, «não se deve descurar nunca a relação
que existe entre uma educação estética apropriada e a
preservação de um ambiente sadio».[150] Prestar atenção à
beleza e amá-la ajuda-nos a sair do pragmatismo
utilitarista. Quando não se aprende a parar a fim de
admirar e apreciar o que é belo, não surpreende que tudo
se transforme em objeto de uso e abuso sem escrúpulos. Ao
mesmo tempo, se se quer conseguir mudanças profundas, é
preciso ter presente que os modelos de pensamento influem
realmente nos comportamentos. A educação será ineficaz e
os seus esforços estéreis, se não se preocupar também por
difundir um novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à
sociedade e à relação com a natureza. Caso contrário,
continuará a perdurar o modelo consumista, transmitido
pelos meios de comunicação social e através dos mecanismos
eficazes do mercado.
3. A conversão ecológica
216. A grande riqueza da espiritualidade cristã,
proveniente de vinte séculos de experiências pessoais e
comunitárias, constitui uma magnífica contribuição para o
esforço de renovar a humanidade. Desejo propor aos
cristãos algumas linhas de espiritualidade ecológica que
nascem das convicções da nossa fé, pois aquilo que o
Evangelho nos ensina tem consequências no nosso modo de
pensar, sentir e viver. Não se trata tanto de propor
ideias, como sobretudo falar das motivações que derivam da
espiritualidade para alimentar uma paixão pelo cuidado do
mundo. Com efeito, não é possível empenhar-se em coisas
grandes apenas com doutrinas, sem uma mística que nos
anima, sem «uma moção interior que impele, motiva,
encoraja e dá sentido à ação pessoal e comunitária».[151]
Temos de reconhecer que nós, cristãos, nem sempre
recolhemos e fizemos frutificar as riquezas dadas por Deus
à Igreja, nas quais a espiritualidade não está desligada
do próprio corpo nem da natureza ou das realidades deste
mundo, mas vive com elas e nelas, em comunhão com tudo o
que nos rodeia.
217. Se «os desertos exteriores se multiplicam no mundo,
porque os desertos interiores se tornaram tão
amplos»,[152] a crise ecológica é um apelo a uma profunda
conversão interior. Entretanto temos de reconhecer também
que alguns cristãos, até comprometidos e piedosos, com o
pretexto do realismo pragmático frequentemente se burlam
das preocupações pelo meio ambiente. Outros são passivos,
não se decidem a mudar os seus hábitos e tornam-se
incoerentes. Falta-lhes, pois, uma conversão ecológica,
que comporta deixar emergir, nas relações com o mundo que
os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus.
Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de
opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã,
mas parte essencial duma existência virtuosa.
218. Recordemos o modelo de São Francisco de Assis, para
propor uma sã relação com a criação como dimensão da
conversão integral da pessoa. Isto exige também reconhecer
os próprios erros, pecados, vícios ou negligências, e
arrepender-se de coração, mudar a partir de dentro. A
Igreja na Austrália soube expressar a conversão em termos
de reconciliação com a criação: «Para realizar esta
reconciliação, devemos examinar as nossas vidas e
reconhecer de que modo ofendemos a criação de Deus com as
nossas ações e com a nossa incapacidade de agir. Devemos
fazer a experiência duma conversão, duma mudança do
coração».[153]
219. Todavia, para se resolver uma situação tão complexa
como esta que enfrenta o mundo atual, não basta que cada
um seja melhor. Os indivíduos isolados podem perder a
capacidade e a liberdade de vencer a lógica da razão
instrumental e acabam por sucumbir a um consumismo sem
ética nem sentido social e ambiental. Aos problemas
sociais responde-se, não com a mera soma de bens
individuais, mas com redes comunitárias: «as exigências
desta obra serão tão grandes, que as possibilidades das
iniciativas individuais e a cooperação dos particulares,
formados de maneira individualista, não serão capazes de
lhes dar resposta. Será necessária uma união de forças e
uma unidade de contribuições».[154] A conversão ecológica,
que se requer para criar um dinamismo de mudança
duradoura, é também uma conversão comunitária.
220. Esta conversão comporta várias atitudes que se
conjugam para ativar um cuidado generoso e cheio de
ternura. Em primeiro lugar, implica gratidão e gratuidade,
ou seja, um reconhecimento do mundo como dom recebido do
amor do Pai, que consequentemente provoca disposições
gratuitas de renúncia e gestos generosos, mesmo que
ninguém os veja nem agradeça. «Que a tua mão esquerda não
saiba o que faz a tua direita (...); e teu Pai, que vê o
oculto, há de premiar-te» (Mt. 6, 3-4). Implica ainda a
consciência amorosa de não estar separado das outras
criaturas, mas de formar com os outros seres do universo
uma estupenda comunhão universal. O crente contempla o
mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro,
reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os
seres. Além disso a conversão ecológica, fazendo crescer
as peculiares capacidades que Deus deu a cada crente,
leva-o a desenvolver a sua criatividade e entusiasmo para
resolver os dramas do mundo, oferecendo-se a Deus «como
sacrifício vivo, santo e agradável» (Rm12, 1). Não vê a
sua superioridade como motivo de glória pessoal nem de
domínio irresponsável, mas como uma capacidade diferente
que, por sua vez, lhe impõe uma grave responsabilidade
derivada da sua fé.
221. Ajudam a enriquecer o sentido de tal conversão várias
convicções da nossa fé, desenvolvidas ao início desta
encíclica, como, por exemplo, a consciência de que cada
criatura reflete algo de Deus e tem uma mensagem para nos
transmitir, ou a certeza de que Cristo assumiu em Si mesmo
este mundo material e agora, ressuscitado, habita no
íntimo de cada ser, envolvendo-o com o seu carinho e
penetrando-o com a sua luz; e ainda o reconhecimento de
que Deus criou o mundo, inscrevendo nele uma ordem e um
dinamismo que o ser humano não tem o direito de ignorar.
Porventura uma pessoa, ouvindo no Evangelho Jesus dizer –
a propósito dos pássaros – que «nenhum deles passa
despercebido diante de Deus» (Lc. 12, 6), será capaz de os
maltratar ou causar-lhes dano? Convido todos os cristãos a
explicitar esta dimensão da sua conversão, permitindo que
a força e a luz da graça recebida se estendam também à
relação com as outras criaturas e com o mundo que os
rodeia, e suscite aquela sublime fraternidade com a
criação inteira que viveu, de maneira tão elucidativa, São
Francisco de Assis.
4. Alegria e paz
222. A espiritualidade cristã propõe uma forma alternativa
de entender a qualidade de vida, encorajando um estilo de
vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda
alegria sem estar obcecado pelo consumo. É importante
adotar um antigo ensinamento, presente em distintas
tradições religiosas e também na Bíblia. Trata-se da
convicção de que «quanto menos, tanto mais». Com efeito, a
acumulação constante de possibilidades para consumir
distrai o coração e impede de dar o devido apreço a cada
coisa e a cada momento. Pelo contrário, tornar-se
serenamente presente diante de cada realidade, por mais
pequena que seja, abre-nos muitas mais possibilidades de
compreensão e realização pessoal. A espiritualidade cristã
propõe um crescimento na sobriedade e uma capacidade de se
alegrar com pouco. É um regresso à simplicidade que nos
permite parar a saborear as pequenas coisas, agradecer as
possibilidades que a vida oferece sem nos apegarmos ao que
temos nem entristecermos por aquilo que não possuímos.
Isto exige evitar a dinâmica do domínio e da mera
acumulação de prazeres.
223. A sobriedade, vivida livre e conscientemente, é
libertadora. Não se trata de menos vida, nem vida de baixa
intensidade; é precisamente o contrário. Com efeito, as
pessoas que saboreiam mais e vivem melhor cada momento são
aquelas que deixam de debicar aqui e ali, sempre à procura
do que não têm, e experimentam o que significa dar apreço
a cada pessoa e a cada coisa, aprendem a familiarizar com
as coisas mais simples e sabem alegrar-se com elas. Deste
modo conseguem reduzir o número das necessidades
insatisfeitas e diminuem o cansaço e a ansiedade. É
possível necessitar de pouco e viver muito, sobretudo
quando se é capaz de dar espaço a outros prazeres,
encontrando satisfação nos encontros fraternos, no
serviço, na frutificação dos próprios carismas, na música
e na arte, no contacto com a natureza, na oração. A
felicidade exige saber limitar algumas necessidades que
nos entorpecem, permanecendo assim disponíveis para as
múltiplas possibilidades que a vida oferece.
224. A sobriedade e a humildade não gozaram de positiva
consideração no século passado. Mas, quando se debilita de
forma generalizada o exercício de alguma virtude na vida
pessoal e social, isso acaba por provocar variados
desequilíbrios, mesmo ambientais. Por isso, não basta
falar apenas da integridade dos ecossistemas; é preciso
ter a coragem de falar da integridade da vida humana, da
necessidade de incentivar e conjugar todos os grandes
valores. O desaparecimento da humildade, num ser humano
excessivamente entusiasmado com a possibilidade de dominar
tudo sem limite algum, só pode acabar por prejudicar a
sociedade e o meio ambiente. Não é fácil desenvolver esta
humildade sadia e uma sobriedade feliz, se nos tornamos
autônomos, se excluímos Deus da nossa vida fazendo o nosso
eu ocupar o seu lugar, se pensamos ser a nossa
subjetividade que determina o que é bem e o que é mal.
225. Por outro lado, ninguém pode amadurecer numa
sobriedade feliz, se não estiver em paz consigo mesmo. E
parte duma adequada compreensão da espiritualidade
consiste em alargar a nossa compreensão da paz, que é
muito mais do que a ausência de guerra. A paz interior das
pessoas tem muito a ver com o cuidado da ecologia e com o
bem comum, porque, autenticamente vivida, reflete-se num
equilibrado estilo de vida aliado com a capacidade de
admiração que leva à profundidade da vida. A natureza está
cheia de palavras de amor; mas, como poderemos ouvi-las no
meio do ruído constante, da distração permanente e
ansiosa, ou do culto da notoriedade? Muitas pessoas
experimentam um desequilíbrio profundo, que as impele a
fazer as coisas a toda a velocidade para se sentirem
ocupadas, numa pressa constante que, por sua vez, as leva
a atropelar tudo o que têm ao seu redor. Isto tem
incidência no modo como se trata o ambiente. Uma ecologia
integral exige que se dedique algum tempo para recuperar a
harmonia serena com a criação, refletir sobre o nosso
estilo de vida e os nossos ideais, contemplar o Criador,
que vive entre nós e naquilo que nos rodeia e cuja
presença «não precisa de ser criada, mas descoberta,
desvendada».[155]
226. Falamos aqui duma atitude do coração, que vive tudo
com serena atenção, que sabe manter-se plenamente presente
diante duma pessoa sem estar a pensar no que virá depois,
que se entrega a cada momento como um dom divino que se
deve viver em plenitude. Jesus ensinou-nos esta atitude,
quando nos convidava a olhar os lírios do campo e as aves
do céu, ou quando, na presença dum homem inquieto,
«fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele» (Mc 10,
21). De certeza que Ele estava plenamente presente diante
de cada ser humano e de cada criatura, mostrando-nos assim
um caminho para superar a ansiedade doentia que nos torna
superficiais, agressivos e consumistas desenfreados.
227. Uma expressão desta atitude é parar a agradecer a
Deus antes e depois das refeições. Proponho aos crentes
que retomem este hábito importante e o vivam
profundamente. Este momento da bênção da mesa, embora
muito breve, recorda-nos que a nossa vida depende de Deus,
fortalece o nosso sentido de gratidão pelos dons da
criação, dá graças por aqueles que com o seu trabalho
fornecem estes bens, e reforça a solidariedade com os mais
necessitados.
5. Amor civil e político
228. O cuidado da natureza faz parte dum estilo de vida
que implica capacidade de viver juntos e de comunhão.
Jesus lembrou-nos que temos Deus como nosso Pai comum e
que isto nos torna irmãos. O amor fraterno só pode ser
gratuito, nunca pode ser uma paga a outrem pelo que
realizou, nem um adiantamento pelo que esperamos venha a
fazer. Por isso, é possível amar os inimigos. Esta mesma
gratuidade leva-nos a amar e aceitar o vento, o sol ou as
nuvens, embora não se submetam ao nosso controle. Assim
podemos falar duma fraternidade universal.
229. É necessário voltar a sentir que precisamos uns dos
outros, que temos uma responsabilidade para com os outros
e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos. Vivemos já
muito tempo na degradação moral, baldando-nos à ética, à
bondade, à fé, à honestidade; chegou o momento de
reconhecer que esta alegre superficialidade de pouco nos
serviu. Uma tal destruição de todo o fundamento da vida
social acaba por colocar-nos uns contra os outros na
defesa dos próprios interesses, provoca o despertar de
novas formas de violência e crueldade e impede o
desenvolvimento duma verdadeira cultura do cuidado do meio
ambiente.
230. O exemplo de Santa Teresa de Lisieux convida-nos a
pôr em prática o pequeno caminho do amor, a não perder a
oportunidade duma palavra gentil, dum sorriso, de qualquer
pequeno gesto que semeie paz e amizade. Uma ecologia
integral é feita também de simples gestos quotidianos,
pelos quais quebramos a lógica da violência, da
exploração, do egoísmo. Pelo contrário, o mundo do consumo
exacerbado é, simultaneamente, o mundo que maltrata a vida
em todas as suas formas.
231. O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é
também civil e político, manifestando-se em todas as ações
que procuram construir um mundo melhor. O amor à sociedade
e o compromisso pelo bem comum são uma forma eminente de
caridade, que toca não só as relações entre os indivíduos,
mas também «as macrorrelações como relacionamentos
sociais, econômicos, políticos».[156] Por isso, a Igreja
propôs ao mundo o ideal duma «civilização do amor».[157] O
amor social é a chave para um desenvolvimento autêntico:
«Para tornar a sociedade mais humana, mais digna da
pessoa, é necessário revalorizar o amor na vida social –
nos planos político, econômico, cultural – fazendo dele a
norma constante e suprema do agir».[158] Neste contexto,
juntamente com a importância dos pequenos gestos diários,
o amor social impele-nos a pensar em grandes estratégias
que detenham eficazmente a degradação ambiental e
incentivem uma cultura do cuidado que permeie toda a
sociedade. Quando alguém reconhece a vocação de Deus para
intervir juntamente com os outros nestas dinâmicas
sociais, deve lembrar-se que isto faz parte da sua
espiritualidade, é exercício da caridade e, deste modo,
amadurece e se santifica.
232. Nem todos são chamados a trabalhar de forma direta na
política, mas no seio da sociedade floresce uma variedade
inumerável de associações que intervêm em prol do bem
comum, defendendo o meio ambiente natural e urbano. Por
exemplo, preocupam-se com um lugar público (um edifício,
uma fonte, um monumento abandonado, uma paisagem, uma
praça) para proteger, sanar, melhorar ou embelezar algo
que é de todos. Ao seu redor, desenvolvem-se ou
recuperam-se vínculos, fazendo surgir um novo tecido
social local. Assim, uma comunidade liberta-se da
indiferença consumista. Isto significa também cultivar uma
identidade comum, uma história que se conserva e
transmite. Desta forma cuida-se do mundo e da qualidade de
vida dos mais pobres, com um sentido de solidariedade que
é, ao mesmo tempo, consciência de habitar numa casa comum
que Deus nos confiou. Estas ações comunitárias, quando
exprimem um amor que se doa, podem transformar-se em
experiências espirituais intensas.
6. Os sinais sacramentais e o descanso celebrativo
233. O universo desenvolve-se em Deus, que o preenche
completamente. E, portanto, há um mistério a contemplar
numa folha, numa vereda, no orvalho, no rosto do
pobre.[159] O ideal não é só passar da exterioridade à
interioridade para descobrir a ação de Deus na alma, mas
também chegar a encontrá-Lo em todas as coisas, como
ensinava São Boaventura: «A contemplação é tanto mais
elevada quanto mais o homem sente em si mesmo o efeito da
graça divina ou quanto mais sabe reconhecer Deus nas
outras criaturas».[160]
234. São João da Cruz ensinava que tudo o que há de bom
nas coisas e experiências do mundo «encontra-se
eminentemente em Deus de maneira infinita ou, melhor, Ele
é cada uma destas grandezas que se pregam».[161] E isto,
não porque as coisas limitadas do mundo sejam realmente
divinas, mas porque o místico experimenta a ligação íntima
que há entre Deus e todos os seres vivos e, deste modo,
«sente que Deus é para ele todas as coisas».[162] Quando
admira a grandeza duma montanha, não pode separar isto de
Deus, e percebe que tal admiração interior que ele vive,
deve finalizar no Senhor: «As montanhas têm cumes, são
altas, imponentes, belas, graciosas, floridas e
perfumadas. Como estas montanhas, é o meu Amado para mim.
Os vales solitários são tranquilos, amenos, frescos,
sombreados, ricos de doces águas. Pela variedade das suas
árvores e pelo canto suave das aves, oferecem grande
divertimento e encanto aos sentidos e, na sua solidão e
silêncio, dão refrigério e repouso: como estes vales, é o
meu Amado para mim».[163]
235. Os sacramentos constituem um modo privilegiado em que
a natureza é assumida por Deus e transformada em mediação
da vida sobrenatural. Através do culto, somos convidados a
abraçar o mundo num plano diferente. A água, o azeite, o
fogo e as cores são assumidas com toda a sua força
simbólica e incorporam-se no louvor. A mão que abençoa é
instrumento do amor de Deus e reflexo da proximidade de
Cristo, que veio para Se fazer nosso companheiro no
caminho da vida. A água derramada sobre o corpo da criança
batizada, é sinal de vida nova. Não fugimos do mundo, nem
negamos a natureza, quando queremos encontrar-nos com
Deus. Nota-se isto particularmente na espiritualidade do
Oriente cristão. «A beleza, que no Oriente é um dos nomes
mais queridos para exprimir a harmonia divina e o modelo
da humanidade transfigurada, mostra-se em toda a parte:
nas formas do templo, nos sons, nas cores, nas luzes, nos
perfumes».[164] Segundo a experiência cristã, todas as
criaturas do universo material encontram o seu verdadeiro
sentido no Verbo encarnado, porque o Filho de Deus
incorporou na sua pessoa parte do universo material, onde
introduziu um gérmen de transformação definitiva: «O
cristianismo não rejeita a matéria; pelo contrário, a
corporeidade é valorizada plenamente no ato litúrgico,
onde o corpo humano mostra sua íntima natureza de templo
do Espírito Santo e chega a unir-se a Jesus Senhor, feito
também Ele corpo para a salvação do mundo».[165]
236. A criação encontra a sua maior elevação na
Eucaristia. A graça, que tende a manifestar-se de modo
sensível, atinge uma expressão maravilhosa quando o
próprio Deus, feito homem, chega ao ponto de fazer-Se
comer pela sua criatura. No apogeu do mistério da
Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através
dum pedaço de matéria. Não o faz de cima, mas de dentro,
para podermos encontrá-Lo a Ele no nosso próprio mundo. Na
Eucaristia, já está realizada a plenitude, sendo o centro
vital do universo, centro transbordante de amor e de vida
sem fim. Unido ao Filho encarnado, presente na Eucaristia,
todo o cosmos dá graças a Deus. Com efeito a Eucaristia é,
por si mesma, um ato de amor cósmico. «Sim, cósmico!
Porque mesmo quando tem lugar no pequeno altar duma igreja
da aldeia, a Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo,
sobre o altar do mundo».[166] A Eucaristia une o céu e a
terra, abraça e penetra toda a criação. O mundo, saído das
mãos de Deus, volta a Ele em feliz e plena adoração: no
Pão Eucarístico, «a criação propende para a divinização,
para as santas núpcias, para a unificação com o próprio
Criador».[167] Por isso, a Eucaristia é também fonte de
luz e motivação para as nossas preocupações pelo meio
ambiente, e leva-nos a ser guardiões da criação inteira.
237. A participação na Eucaristia é especialmente
importante ao domingo. Este dia, à semelhança do sábado
judaico, é-nos oferecido como dia de cura das relações do
ser humano com Deus, consigo mesmo, com os outros e com o
mundo. O domingo é o dia da Ressurreição, o «primeiro dia»
da nova criação, que tem as suas primícias na humanidade
ressuscitada do Senhor, garantia da transfiguração final
de toda a realidade criada. Além disso, este dia anuncia
«o descanso eterno do homem, em Deus».[168] Assim, a
espiritualidade cristã integra o valor do repouso e da
festa. O ser humano tende a reduzir o descanso
contemplativo ao âmbito do estéril e do inútil, esquecendo
que deste modo se tira à obra realizada o mais importante:
o seu significado. Na nossa atividade, somos chamados a
incluir uma dimensão receptiva e gratuita, o que é
diferente da simples inactividade. Trata-se doutra maneira
de agir, que pertence à nossa essência. Assim, a ação
humana é preservada não só do ativismo vazio, mas também
da ganância desenfreada e da consciência que se isola
buscando apenas o benefício pessoal. A lei do repouso
semanal impunha abster-se do trabalho no sétimo dia, «para
que descansem o teu boi e o teu jumento e tomem fôlego o
filho da tua serva e o estrangeiro residente» (Ex 23, 12).
O repouso é uma ampliação do olhar, que permite voltar a
reconhecer os direitos dos outros. Assim o dia de
descanso, cujo centro é a Eucaristia, difunde a sua luz
sobre a semana inteira e encoraja-nos a assumir o cuidado
da natureza e dos pobres.
7. A Trindade e a relação entre as criaturas
238. O Pai é a fonte última de tudo, fundamento amoroso e
comunicativo de tudo o que existe. O Filho, que O reflete
e por Quem tudo foi criado, uniu-Se a esta terra, quando
foi formado no seio de Maria. O Espírito, vínculo infinito
de amor, está intimamente presente no coração do universo,
animando e suscitando novos caminhos. O mundo foi criado
pelas três Pessoas como um único princípio divino, mas
cada uma delas realiza esta obra comum segundo a própria
identidade pessoal. Por isso, «quando, admirados,
contemplamos o universo na sua grandeza e beleza, devemos
louvar a inteira Trindade».[169]
239. Para os cristãos, acreditar num Deus único que é
comunhão trinitária, leva a pensar que toda a realidade
contém em si mesma uma marca propriamente trinitária. São
Boaventura chega a dizer que o ser humano, antes do
pecado, conseguia descobrir como cada criatura «testemunha
que Deus é trino». O reflexo da Trindade podia-se
reconhecer na natureza, «quando esse livro não era obscuro
para o homem, nem a vista do homem se tinha turvado».[170]
Este santo franciscano ensina-nos que toda a criatura traz
em si uma estrutura propriamente trinitária, tão real que
poderia ser contemplada espontaneamente, se o olhar do ser
humano não estivesse limitado, obscurecido e fragilizado.
Indica-nos, assim, o desafio de tentar ler a realidade em
chave trinitária.
240. As Pessoas divinas são relações subsistentes; e o
mundo, criado segundo o modelo divino, é uma trama de
relações. As criaturas tendem para Deus; e é próprio de
cada ser vivo tender, por sua vez, para outra realidade,
de modo que, no seio do universo, podemos encontrar uma
série inumerável de relações constantes que secretamente
se entrelaçam.[171] Isto convida-nos não só a admirar os
múltiplos vínculos que existem entre as criaturas, mas
leva-nos também a descobrir uma chave da nossa própria
realização. Na verdade, a pessoa humana cresce, amadurece
e santifica-se tanto mais, quanto mais se relaciona, sai
de si mesma para viver em comunhão com Deus, com os outros
e com todas as criaturas. Assim assume na própria
existência aquele dinamismo trinitário que Deus imprimiu
nela desde a sua criação. Tudo está interligado, e isto
convida-nos a maturar uma espiritualidade da solidariedade
global que brota do mistério da Trindade.
8. A Rainha de toda a criação
241. Maria, a mãe que cuidou de Jesus, agora cuida com
carinho e preocupação materna deste mundo ferido. Assim
como chorou com o coração trespassado a morte de Jesus,
assim também agora Se compadece do sofrimento dos pobres
crucificados e das criaturas deste mundo exterminadas pelo
poder humano. Ela vive, com Jesus, completamente
transfigurada, e todas as criaturas cantam a sua beleza. É
a Mulher «vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e com
uma coroa de doze estrelas na cabeça» (Ap. 12, 1). Elevada
ao céu, é Mãe e Rainha de toda a criação. No seu corpo
glorificado, juntamente com Cristo ressuscitado, parte da
criação alcançou toda a plenitude da sua beleza. Maria não
só conserva no seu coração toda a vida de Jesus, que
«guardava» cuidadosamente (cf. Lc. 2, 51), mas agora
compreende também o sentido de todas as coisas. Por isso,
podemos pedir-Lhe que nos ajude a contemplar este mundo
com um olhar mais sapiente.
242. E ao lado d’Ela, na sagrada família de Nazaré,
destaca-se a figura de São José. Com o seu trabalho e
presença generosa, cuidou e defendeu Maria e Jesus e
livrou-os da violência dos injustos, levando-os para o
Egipto. No Evangelho, aparece descrito como um homem
justo, trabalhador, forte; mas, da sua figura, emana
também uma grande ternura, própria não de quem é fraco mas
de quem é verdadeiramente forte, atento à realidade para
amar e servir humildemente. Por isso, foi declarado
protetor da Igreja universal. Também Ele nos pode ensinar
a cuidar, pode motivar-nos a trabalhar com generosidade e
ternura para proteger este mundo que Deus nos confiou.
9. Para além do sol
243. No fim, encontrar-nos-emos face a face com a beleza
infinita de Deus (cf. 1a Cor. 13, 12) e poderemos ler, com
jubilosa admiração, o mistério do universo, o qual terá
parte conosco na plenitude sem fim. Estamos a caminhar
para o sábado da eternidade, para a nova Jerusalém, para a
casa comum do Céu. Diz-nos Jesus: «Eu renovo todas as
coisas» (Ap. 21, 5). A vida eterna será uma maravilha
compartilhada, onde cada criatura, esplendorosamente
transformada, ocupará o seu lugar e terá algo para
oferecer aos pobres definitivamente libertados.
244. Na expectativa da vida eterna, unimo-nos para tomar a
nosso cargo esta casa que nos foi confiada, sabendo que
aquilo de bom que há nela será assumido na festa do Céu.
Juntamente com todas as criaturas, caminhamos nesta terra
à procura de Deus, porque, «se o mundo tem um princípio e
foi criado, procura quem o criou, procura quem lhe deu
início, aquele que é o seu Criador».[172] Caminhemos
cantando; que as nossas lutas e a nossa preocupação por
este planeta não nos tirem a alegria da esperança.
245. Deus, que nos chama a uma generosa entrega e a
oferecer-Lhe tudo, também nos dá as forças e a luz de que
necessitamos para prosseguir. No coração deste mundo,
permanece presente o Senhor da vida que tanto nos ama. Não
nos abandona, não nos deixa sozinhos, porque Se uniu
definitivamente à nossa terra e o seu amor sempre nos leva
a encontrar novos caminhos. Que Ele seja louvado!
* * *
246. Depois desta longa reflexão, jubilosa e ao mesmo
tempo dramática, proponho duas orações: uma que podemos
partilhar todos quantos acreditam num Deus Criador
Omnipotente, e outra pedindo que nós, cristãos, saibamos
assumir os compromissos para com a criação que o Evangelho
de Jesus nos propõe.
Oração pela nossa terra
Deus Omnipotente,
que estais presente em todo o universo
e na mais pequenina das vossas criaturas,
Vós que envolveis com a vossa ternura
tudo o que existe,
derramai em nós a força do vosso amor
para cuidarmos da vida e da beleza.
Inundai-nos de paz,
para que vivamos como irmãos e irmãs
sem prejudicar ninguém.
Ó Deus dos pobres,
ajudai-nos a resgatar
os abandonados e esquecidos desta terra
que valem tanto aos vossos olhos.
Curai a nossa vida,
para que protejamos o mundo
e não o depredemos,
para que semeemos beleza
e não poluição nem destruição.
Tocai os corações
daqueles que buscam apenas benefícios
à custa dos pobres e da terra.
Ensinai-nos a descobrir o valor de cada coisa,
a contemplar com encanto,
a reconhecer que estamos profundamente unidos
com todas as criaturas
no nosso caminho para a vossa luz infinita.
Obrigado porque estais conosco todos os dias.
Sustentai-nos, por favor, na nossa luta
pela justiça, o amor e a paz.
Oração cristã com a criação
Nós Vos louvamos, Pai,
com todas as vossas criaturas,
que saíram da vossa mão poderosa.
São vossas e estão repletas da vossa presença
e da vossa ternura.
Louvado sejais!
Filho de Deus, Jesus,
por Vós foram criadas todas as coisas.
Fostes formado no seio materno de Maria,
fizestes-Vos parte desta terra,
e contemplastes este mundo
com olhos humanos.
Hoje estais vivo em cada criatura
com a vossa glória de ressuscitado.
Louvado sejais!
Espírito Santo, que, com a vossa luz,
guiais este mundo para o amor do Pai
e acompanhais o gemido da criação,
Vós viveis também nos nossos corações
a fim de nos impelir para o bem.
Louvado sejais!
Senhor Deus, Uno e Trino,
comunidade estupenda de amor infinito,
ensinai-nos a contemplar-Vos
na beleza do universo,
onde tudo nos fala de Vós.
Despertai o nosso louvor e a nossa gratidão
por cada ser que criastes.
Dai-nos a graça de nos sentirmos
intimamente unidos
a tudo o que existe.
Deus de amor,
mostrai-nos o nosso lugar neste mundo
como instrumentos do vosso carinho
por todos os seres desta terra,
porque nem um deles sequer
é esquecido por Vós.
Iluminai os donos do poder e do dinheiro
para que não caiam no pecado da indiferença,
amem o bem comum, promovam os fracos,
e cuidem deste mundo que habitamos.
Os pobres e a terra estão bradando:
Senhor, tomai-nos
sob o vosso poder e a vossa luz,
para proteger cada vida,
para preparar um futuro melhor,
para que venha o vosso Reino
de justiça, paz, amor e beleza.
Louvado sejais!
Amém.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 24 de Maio –
Solenidade de Pentecostes – de 2015, terceiro ano do meu
Pontificado.
Franciscus |
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parte 7 |
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O Terço
(Rosário) dos Homens não exige
nada e não cobra nada da vida pessoal dos seus
participantes, o que faz
com que seus membros se sintam livres, e a liberdade dá ao
homem o poder de ser aquilo que ele deseja ser, daí as
transformações se sucederem de modo espontâneo
causado pelo contato que os mesmos passam a ter
com
Deus por intercessão
de Maria. |
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