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78 ANOS DE GRAÇAS E
BÊNÇÃOS
no Brasil e no mundo
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CAPÍTULO IV
UMA ECOLOGIA INTEGRAL
137. Dado que tudo está intimamente relacionado e que os
problemas atuais requerem um olhar que tenha em conta
todos os aspectos da crise mundial, proponho que nos
detenhamos agora a refletir sobre os diferentes elementos
duma ecologia integral, que inclua claramente as dimensões
humanas e sociais.
1. Ecologia ambiental, econômica e social
138. A ecologia estuda as relações entre os organismos
vivos e o meio ambiente onde se desenvolvem. E isto exige
sentar-se a pensar e discutir acerca das condições de vida
e de sobrevivência duma sociedade, com a honestidade de
pôr em questão modelos de desenvolvimento, produção e
consumo. Nunca é demais insistir que tudo está
interligado. O tempo e o espaço não são independentes
entre si; nem os próprios átomos ou as partículas
subatômicas se podem considerar separadamente. Assim como
os vários componentes do planeta – físicos, químicos e
biológicos – estão relacionados entre si, assim também as
espécies vivas formam uma trama que nunca acabaremos de
individuar e compreender. Boa parte da nossa informação
genética é partilhada com muitos seres vivos. Por isso, os
conhecimentos fragmentários e isolados podem tornar-se uma
forma de ignorância, quando resistem a integrar-se numa
visão mais ampla da realidade.
139. Quando falamos de «meio ambiente», fazemos referência
também a uma particular relação: a relação entre a
natureza e a sociedade que a habita. Isto impede-nos de
considerar a natureza como algo separado de nós ou como
uma mera moldura da nossa vida. Estamos incluídos nela,
somos parte dela e compenetramo-nos. As razões, pelas
quais um lugar se contamina, exigem uma análise do
funcionamento da sociedade, da sua economia, do seu
comportamento, das suas maneiras de entender a realidade.
Dada a amplitude das mudanças, já não é possível encontrar
uma resposta específica e independente para cada parte do
problema. É fundamental buscar soluções integrais que
considerem as interações dos sistemas naturais entre si e
com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma
ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise
socioambiental. As diretrizes para a solução requerem uma
abordagem integral para combater a pobreza, devolver a
dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da
natureza.
140. Devido à quantidade e variedade de elementos a ter em
conta na hora de determinar o impacto ambiental dum
empreendimento concreto, torna-se indispensável dar aos
pesquisadores um papel preponderante e facilitar a sua
interação com uma ampla liberdade acadêmica. Esta pesquisa
constante deveria permitir reconhecer também como as
diferentes criaturas se relacionam, formando aquelas
unidades maiores que hoje chamamos «ecossistemas».
Temo-los em conta não só para determinar qual é o seu uso
razoável, mas também porque possuem um valor intrínseco,
independente de tal uso. Assim como cada organismo é bom e
admirável em si mesmo pelo fato de ser uma criatura de
Deus, o mesmo se pode dizer do conjunto harmônico de
organismos num determinado espaço, funcionando como um
sistema. Embora não tenhamos consciência disso, dependemos
desse conjunto para a nossa própria existência. Convém
recordar que os ecossistemas intervêm na retenção do
anidrido carbônico, na purificação da água, na
contraposição a doenças e pragas, na composição do solo,
na decomposição dos resíduos, e muitíssimos outros
serviços que esquecemos ou ignoramos. Quando se dão conta
disto, muitas pessoas voltam a tomar consciência de que
vivemos e agimos a partir duma realidade que nos foi
previamente dada, que é anterior às nossas capacidades e à
nossa existência. Por isso, quando se fala de «uso
sustentável», é preciso incluir sempre uma consideração
sobre a capacidade regenerativa de cada ecossistema nos
seus diversos sectores e aspectos.
141. Além disso, o crescimento econômico tende a gerar
automatismos e a homogeneizar, a fim de simplificar os
processos e reduzir os custos. Por isso, é necessária uma
ecologia econômica, capaz de induzir a considerar a
realidade de forma mais ampla. Com efeito, «a proteção do
meio ambiente deverá constituir parte integrante do
processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada
isoladamente».[114] Mas, ao mesmo tempo, torna-se atual a
necessidade imperiosa do humanismo, que faz apelo aos
distintos saberes, incluindo o econômico, para uma visão
mais integral e integradora. Hoje, a análise dos problemas
ambientais é inseparável da análise dos contextos humanos,
familiares, laborais, urbanos, e da relação de cada pessoa
consigo mesma, que gera um modo específico de se
relacionar com os outros e com o meio ambiente. Há uma
interação entre os ecossistemas e entre os diferentes
mundos de referência social e, assim, se demonstra mais
uma vez que «o todo é superior à parte».[115]
142. Se tudo está relacionado, também o estado de saúde
das instituições duma sociedade tem consequências no
ambiente e na qualidade de vida humana: «toda a lesão da
solidariedade e da amizade cívica provoca danos
ambientais».[116] Neste sentido, a ecologia social é
necessariamente institucional e progressivamente alcança
as diferentes dimensões, que vão desde o grupo social
primário, a família, até à vida internacional, passando
pela comunidade local e a nação. Dentro de cada um dos
níveis sociais e entre eles, desenvolvem-se as
instituições que regulam as relações humanas. Tudo o que
as danifica comporta efeitos nocivos, como a perda da
liberdade, a injustiça e a violência. Vários países são
governados por um sistema institucional precário, à custa
do sofrimento do povo e para benefício daqueles que lucram
com este estado de coisas. Tanto dentro da administração
do Estado, como nas diferentes expressões da sociedade
civil, ou nas relações dos habitantes entre si,
registram-se, com demasiada frequência, comportamentos
ilegais. As leis podem estar redigidas de forma correta,
mas muitas vezes permanecem letra morta. Poder-se-á,
assim, esperar que a legislação e as normativas relativas
ao meio ambiente sejam realmente eficazes? Sabemos, por
exemplo, que países dotados duma legislação clara sobre a
proteção das florestas continuam a ser testemunhas mudas
da sua frequente violação. Além disso, o que acontece numa
região influi, direta ou indiretamente, nas outras
regiões. Assim, por exemplo, o consumo de drogas nas
sociedades opulentas provoca uma constante ou crescente
procura de produtos que provêm de regiões empobrecidas,
onde se corrompem comportamentos, se destroem vidas e se
acaba por degradar o meio ambiente.
2. Ecologia cultural
143. A par do patrimônio natural, encontra-se igualmente
ameaçado um patrimônio histórico, artístico e cultural.
Faz parte da identidade comum de um lugar, servindo de
base para construir uma cidade habitável. Não se trata de
destruir e criar novas cidades hipoteticamente mais
ecológicas, onde nem sempre resulta desejável viver. É
preciso integrar a história, a cultura e a arquitetura dum
lugar, salvaguardando a sua identidade original. Por isso,
a ecologia envolve também o cuidado das riquezas culturais
da humanidade, no seu sentido mais amplo. Mais
diretamente, pede que se preste atenção às culturas
locais, quando se analisam questões relacionadas com o
meio ambiente, fazendo dialogar a linguagem
técnico-científica com a linguagem popular. É a cultura –
entendida não só como os monumentos do passado, mas
especialmente no seu sentido vivo, dinâmico e
participativo – que não se pode excluir na hora de
repensar a relação do ser humano com o meio ambiente.
144. A visão consumista do ser humano, incentivada pelos
mecanismos da economia globalizada atual, tende a
homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade
cultural, que é um tesouro da humanidade. Por isso,
pretender resolver todas as dificuldades através de
normativas uniformes ou por intervenções técnicas, leva a
negligenciar a complexidade das problemáticas locais, que
requerem a participação ativa dos habitantes. Os novos
processos em gestação nem sempre se podem integrar dentro
de modelos estabelecidos do exterior, mas hão de ser
provenientes da própria cultura local. Assim como a vida e
o mundo são dinâmicos, assim também o cuidado do mundo
deve ser flexível e dinâmico. As soluções meramente
técnicas correm o risco de tomar em consideração sintomas
que não correspondem às problemáticas mais profundas. É
preciso assumir a perspectiva dos direitos dos povos e das
culturas, dando assim provas de compreender que o
desenvolvimento dum grupo social supõe um processo
histórico no âmbito dum contexto cultural e requer
constantemente o protagonismo dos atores sociais locais a
partir da sua própria cultura. Nem mesmo a noção da
qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida
dentro do mundo de símbolos e hábitos próprios de cada
grupo humano.
145. Muitas formas de intensa exploração e degradação do
meio ambiente podem esgotar não só os meios locais de
subsistência, mas também os recursos sociais que
consentiram um modo de viver que sustentou, durante longo
tempo, uma identidade cultural e um sentido da existência
e da convivência social. O desaparecimento duma cultura
pode ser tanto ou mais grave do que o desaparecimento duma
espécie animal ou vegetal. A imposição dum estilo
hegemônico de vida ligado a um modo de produção pode ser
tão nocivo como a alteração dos ecossistemas.
146. Neste sentido, é indispensável prestar uma atenção
especial às comunidades aborígenes com as suas tradições
culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas
devem tornar-se os principais interlocutores,
especialmente quando se avança com grandes projetos que
afetam os seus espaços. Com efeito, para eles, a terra não
é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e dos
antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o
qual precisam de interagir para manter a sua identidade e
os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus
territórios, são quem melhor os cuida. Em várias partes do
mundo, porém, são objeto de pressões para que abandonem
suas terras e as deixem livres para projetos extrativos e
agropecuários que não prestam atenção à degradação da
natureza e da cultura.
3. Ecologia da vida quotidiana
147. Para se poder falar de autêntico progresso, será
preciso verificar que se produza uma melhoria global na
qualidade de vida humana; isto implica analisar o espaço
onde as pessoas transcorrem a sua existência. Os ambientes
onde vivemos influem sobre a nossa maneira de ver a vida,
sentir e agir. Ao mesmo tempo, no nosso quarto, na nossa
casa, no nosso lugar de trabalho e no nosso bairro, usamos
o ambiente para exprimir a nossa identidade. Esforçamo-nos
por nos adaptar ao ambiente e, quando este aparece
desordenado, caótico ou cheio de poluição visiva e
acústica, o excesso de estímulos põe à prova as nossas
tentativas de desenvolver uma identidade integrada e
feliz.
148. Admirável é a criatividade e generosidade de pessoas
e grupos que são capazes de dar a volta às limitações do
ambiente, modificando os efeitos adversos dos
condicionalismos e aprendendo a orientar a sua existência
no meio da desordem e precariedade. Por exemplo, nalguns
lugares onde as fachadas dos edifícios estão muito
deterioradas, há pessoas que cuidam com muita dignidade o
interior das suas habitações, ou que se sentem bem pela
cordialidade e amizade das pessoas. A vida social positiva
e benfazeja dos habitantes enche de luz um ambiente à
primeira vista inabitável. É louvável a ecologia humana
que os pobres conseguem desenvolver, no meio de tantas
limitações. A sensação de sufocamento, produzida pelos
aglomerados residenciais e pelos espaços com alta
densidade populacional, é contrastada se se desenvolvem
calorosas relações humanas de vizinhança, se se criam
comunidades, se as limitações ambientais são compensadas
na interioridade de cada pessoa que se sente inserida numa
rede de comunhão e pertença. Deste modo, qualquer lugar
deixa de ser um inferno e torna-se o contexto duma vida
digna.
149. Inversamente está provado que a penúria extrema
vivida nalguns ambientes privados de harmonia,
magnanimidade e possibilidade de integração, facilita o
aparecimento de comportamentos desumanos e a manipulação
das pessoas por organizações criminosas. Para os
habitantes de bairros periféricos muito precários, a
experiência diária de passar da superlotação ao anonimato
social, que se vive nas grandes cidades, pode provocar uma
sensação de desenraizamento que favorece comportamentos
antissociais e violência. Todavia tenho a peito reiterar
que o amor é mais forte. Muitas pessoas, nestas condições,
são capazes de tecer laços de pertença e convivência que
transformam a superlotação numa experiência comunitária,
onde se derrubam os muros do eu e superam as barreiras do
egoísmo. Esta experiência de salvação comunitária é o que
muitas vezes suscita reações criativas para melhorar um
edifício ou um bairro.[117]
150. Dada a relação entre os espaços urbanizados e o
comportamento humano, aqueles que projetam edifícios,
bairros, espaços públicos e cidades precisam da
contribuição dos vários saberes que permitem compreender
os processos, o simbolismo e os comportamentos das
pessoas. Não é suficiente a busca da beleza no projeto,
porque tem ainda mais valor servir outro tipo de beleza: a
qualidade de vida das pessoas, a sua harmonia com o
ambiente, o encontro e ajuda mútua. Por isso também, é tão
importante que o ponto de vista dos habitantes do lugar
contribua sempre para a análise da planificação urbanista.
151. É preciso cuidar dos espaços comuns, dos marcos
visuais e das estruturas urbanas que melhoram o nosso
sentido de pertença, a nossa sensação de enraizamento, o
nosso sentimento de «estar em casa» dentro da cidade que
nos envolve e une. É importante que as diferentes partes
duma cidade estejam bem integradas e que os habitantes
possam ter uma visão de conjunto em vez de se encerrarem
num bairro, renunciando a viver a cidade inteira como um
espaço próprio partilhado com os outros. Toda a
intervenção na paisagem urbana ou rural deveria considerar
que os diferentes elementos do lugar formam um todo,
sentido pelos habitantes como um contexto coerente com a
sua riqueza de significados. Assim, os outros deixam de
ser estranhos e podemos senti-los como parte de um «nós»
que construímos juntos. Pela mesma razão, tanto no meio
urbano como no rural, convém preservar alguns espaços onde
se evitem intervenções humanas que os alterem
constantemente.
152. A falta de habitação é grave em muitas partes do
mundo, tanto nas áreas rurais como nas grandes cidades,
nomeadamente porque os orçamentos estatais em geral cobrem
apenas uma pequena parte da procura. E não só os pobres,
mas uma grande parte da sociedade encontra sérias
dificuldades para ter uma casa própria. A propriedade da
casa tem muita importância para a dignidade das pessoas e
o desenvolvimento das famílias. Trata-se duma questão
central da ecologia humana. Se num lugar concreto já se
desenvolveram aglomerados caóticos de casas precárias,
trata-se primariamente de urbanizar estes bairros, não de
erradicar e expulsar os habitantes. Mas, quando os pobres
vivem em subúrbios poluídos ou aglomerados perigosos, «no
caso de ter de se proceder à sua deslocação, para não
acrescentar mais sofrimento ao que já padecem, é
necessário fornecer-lhes uma adequada e prévia informação,
oferecer-lhes alternativas de alojamentos dignos e
envolver diretamente os interessados».[118] Ao mesmo
tempo, a criatividade deveria levar à integração dos
bairros precários numa cidade acolhedora: «Como são belas
as cidades que superam a desconfiança doentia e integram
os que são diferentes, fazendo desta integração um novo
fator de progresso! Como são encantadoras as cidades que,
já no seu projeto arquitetônico, estão cheias de espaços
que unem, relacionam, favorecem o reconhecimento do
outro!»[119]
153. Nas cidades, a qualidade de vida está largamente
relacionada com os transportes, que muitas vezes são causa
de grandes tribulações para os habitantes. Nelas, circulam
muitos carros utilizados por uma ou duas pessoas, pelo que
o tráfico torna-se intenso, eleva-se o nível de poluição,
consomem-se enormes quantidades de energia não renovável e
torna-se necessário a construção de mais estradas e
parques de estacionamento que prejudicam o tecido urbano.
Muitos especialistas estão de acordo sobre a necessidade
de dar prioridade ao transporte público. Mas é difícil que
algumas medidas consideradas necessárias sejam
pacificamente acolhidas pela sociedade, sem uma melhoria
substancial do referido transporte, que, em muitas
cidades, comporta um tratamento indigno das pessoas devido
à superlotação, ao desconforto, ou à reduzida frequência
dos serviços e à insegurança.
154. O reconhecimento da dignidade peculiar do ser humano
contrasta frequentemente com a vida caótica que têm de
fazer as pessoas nas nossas cidades. Mas isto não deveria
levar a esquecer o estado de abandono e desleixo que
sofrem também alguns habitantes das áreas rurais, onde não
chegam os serviços essenciais e há trabalhadores reduzidos
a situações de escravidão, sem direitos nem expectativas
duma vida mais dignificante.
155. A ecologia humana implica também algo de muito
profundo que é indispensável para se poder criar um
ambiente mais dignificante: a relação necessária da vida
do ser humano com a lei moral inscrita na sua própria
natureza. Bento XVI dizia que existe uma «ecologia do
homem», porque «também o homem possui uma natureza, que
deve respeitar e não pode manipular como lhe
apetece».[120] Nesta linha, é preciso reconhecer que o
nosso corpo nos põe em relação direta com o meio ambiente
e com os outros seres vivos. A aceitação do próprio corpo
como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o
mundo inteiro como dom do Pai e casa comum; pelo
contrário, uma lógica de domínio sobre o próprio corpo
transforma-se numa lógica, por vezes subtil, de domínio
sobre a criação. Aprender a aceitar o próprio corpo, a
cuidar dele e a respeitar os seus significados é essencial
para uma verdadeira ecologia humana. Também é necessário
ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou
masculinidade, para se poder reconhecer a si mesmo no
encontro com o outro que é diferente. Assim, é possível
aceitar com alegria o dom específico do outro ou da outra,
obra de Deus criador, e enriquecer-se mutuamente.
Portanto, não é salutar um comportamento que pretenda
«cancelar a diferença sexual, porque já não sabe
confrontar-se com ela».[121]
4. O princípio do bem comum
156. A ecologia humana é inseparável da noção de bem
comum, princípio este que desempenha um papel central e
unificador na ética social. É «o conjunto das condições da
vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada
membro, alcançar mais plena e facilmente a própria
perfeição».[122]
157. O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana
enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienáveis
orientados para o seu desenvolvimento integral. Exige
também os dispositivos de bem-estar e segurança social e o
desenvolvimento dos vários grupos intermédios, aplicando o
princípio da subsidiariedade. Entre tais grupos,
destaca-se de forma especial a família enquanto célula
basilar da sociedade. Por fim, o bem comum requer a paz
social, isto é, a estabilidade e a segurança de uma certa
ordem, que não se realiza sem uma atenção particular à
justiça distributiva, cuja violação gera sempre violência.
Toda a sociedade – e, nela, especialmente o Estado – tem
obrigação de defender e promover o bem comum.
158. Nas condições atuais da sociedade mundial, onde há
tantas desigualdades e são cada vez mais numerosas as
pessoas descartadas, privadas dos direitos humanos
fundamentais, o princípio do bem comum torna-se
imediatamente, como consequência lógica e inevitável, um
apelo à solidariedade e uma opção preferencial pelos mais
pobres. Esta opção implica tirar as consequências do
destino comum dos bens da terra, mas – como procurei
mostrar na exortação apostólica Evangelii gaudium [123] –
exige acima de tudo contemplar a imensa dignidade do pobre
à luz das mais profundas convicções de fé. Basta observar
a realidade para compreender que, hoje, esta opção é uma
exigência ética fundamental para a efetiva realização do
bem comum.
5. A justiça intergeneracional
159. A noção de bem comum engloba também as gerações
futuras. As crises econômicas internacionais mostraram, de
forma atroz, os efeitos nocivos que traz consigo o
desconhecimento de um destino comum, do qual não podem ser
excluídos aqueles que virão depois de nós. Já não se pode
falar de desenvolvimento sustentável sem uma solidariedade
intergeneracional. Quando pensamos na situação em que se
deixa o planeta às gerações futuras, entramos noutra
lógica: a do dom gratuito, que recebemos e comunicamos. Se
a terra nos é dada, não podemos pensar apenas a partir dum
critério utilitarista de eficiência e produtividade para
lucro individual. Não estamos a falar duma atitude
opcional, mas duma questão essencial de justiça, pois a
terra que recebemos pertence também àqueles que hão de
vir. Os bispos de Portugal exortaram a assumir este dever
de justiça: «O ambiente situa-se na lógica da recepção. É
um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à
geração seguinte».[124] Uma ecologia integral possui esta
perspectiva ampla.
160. Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai
suceder-nos, às crianças que estão a crescer? Esta
pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira
isolada, porque não se pode pôr a questão de forma
fragmentária. Quando nos interrogamos acerca do mundo que
queremos deixar, referimo-nos sobretudo à sua orientação
geral, ao seu sentido, aos seus valores. Se não pulsa
nelas esta pergunta de fundo, não creio que as nossas
preocupações ecológicas possam alcançar efeitos
importantes. Mas, se esta pergunta é posta com coragem,
leva-nos inexoravelmente a outras questões muito diretas:
Com que finalidade passamos por este mundo? Para que
viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que
necessidade tem de nós esta terra? Por isso, já não basta
dizer que devemos preocupar-nos com as gerações futuras;
exige-se ter consciência de que é a nossa própria
dignidade que está em jogo. Somos nós os primeiros
interessados em deixar um planeta habitável para a
humanidade que nos vai suceder. Trata-se de um drama para
nós mesmos, porque isto chama em causa o significado da
nossa passagem por esta terra.
161. As previsões catastróficas já não se podem olhar com
desprezo e ironia. Às próximas gerações, poderíamos deixar
demasiadas ruínas, desertos e lixo. O ritmo de consumo,
desperdício e alteração do meio ambiente superou de tal
maneira as possibilidades do planeta, que o estilo de vida
atual – por ser insustentável - só pode desembocar em
catástrofes, como aliás já está a acontecer periodicamente
em várias regiões. A atenuação dos efeitos do
desequilíbrio atual depende do que fizermos agora,
sobretudo se pensarmos na responsabilidade que nos
atribuirão aqueles que deverão suportar as piores
consequências.
162. A dificuldade em levar a sério este desafio tem a ver
com uma deterioração ética e cultural, que acompanha a
deterioração ecológica. O homem e a mulher deste mundo
pós-moderno correm o risco permanente de se tornar
profundamente individualistas, e muitos problemas sociais
de hoje estão relacionados com a busca egoísta duma
satisfação imediata, com as crises dos laços familiares e
sociais, com as dificuldades em reconhecer o outro. Muitas
vezes há um consumo excessivo e míope dos pais que
prejudica os próprios filhos, que sentem cada vez mais
dificuldade em comprar casa própria e fundar uma família.
Além disso esta falta de capacidade para pensar seriamente
nas futuras gerações está ligada com a nossa incapacidade
de alargar o horizonte das nossas preocupações e pensar
naqueles que permanecem excluídos do desenvolvimento. Não
percamos tempo a imaginar os pobres do futuro, é
suficiente que recordemos os pobres de hoje, que poucos
anos têm para viver nesta terra e não podem continuar a
esperar. Por isso, «para além de uma leal solidariedade
entre as gerações, há que reafirmar a urgente necessidade
moral de uma renovada solidariedade entre os indivíduos da
mesma geração».[125] |
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parte 5 |
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O Terço
(Rosário) dos Homens não exige
nada e não cobra nada da vida pessoal dos seus
participantes, o que faz
com que seus membros se sintam livres, e a liberdade dá ao
homem o poder de ser aquilo que ele deseja ser, daí as
transformações se sucederem de modo espontâneo
causado pelo contato que os mesmos passam a ter
com
Deus por intercessão
de Maria. |
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