ARTIGO 3
A IGREJA, MÃE E EDUCADORA
2030. É em Igreja, em comunhão com todos os batizados,
que o cristão realiza a sua vocação. Da Igreja recebe a
Palavra de Deus, que contém os ensinamentos da «Lei
de Cristo»
(Cf. Gl. 6, 2);
da Igreja recebe a graça dos sacramentos que o sustentam
no «caminho»: da Igreja recebe o exemplo da
santidade: reconhece-lhe a figura e a fonte na
santíssima Virgem Maria; distingue-a no testemunho
autêntico dos que a vivem: descobre-a na tradição
espiritual e na longa história dos santos que o
precederam e que a liturgia celebra ao ritmo do
Santoral.
2031. A vida moral é um culto espiritual. Nós
«oferecemos os nossos corpos como sacrifício vivo,
santo, agradável a Deus»
(Cf. Rm. 12, 1),
no seio do corpo de Cristo que formamos e em comunhão
com a oferenda da sua Eucaristia. Na liturgia e na
celebração dos sacramentos, a oração e doutrina
conjugam-se com a graça de Cristo, para esclarecer e
alimentar o agir cristão. Como todo o conjunto da vida
cristã, a vida moral tem a sua fonte e o seu ponto alto
no sacrifício eucarístico.
I. Vida moral e Magistério da Igreja
2032. A Igreja, «coluna e fundamento da verdade»
(1ª Tm. 3, 15), «recebeu dos Apóstolos o
solene mandamento de Cristo de anunciar a verdade da
salvação»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
17: AAS 57 (1965) 21).
«À Igreja compete anunciar sempre e em toda a parte
os princípios morais, mesmo de ordem social, bem como
emitir juízo acerca de quaisquer realidades humanas, na
medida em que o exigirem os direitos fundamentais da
pessoa humana ou a salvação das almas»
(CIC can. 747, § 2).
2033. O Magistério dos pastores da Igreja, em
matéria moral, exerce-se ordinariamente na catequese e
na pregação, com a ajuda das obras dos teólogos e
autores espirituais. Assim se transmitiu, de geração em
geração, sob a égide e a vigilância dos pastores, o
«depósito» da moral cristã, formado por um conjunto
característico de regras, mandamentos e virtudes
procedentes da fé em Cristo e vivificados pela caridade.
Esta catequese tomou por fundamento, tradicionalmente, a
par do Credo e do Pai Nosso, o Decálogo, que enuncia os
princípios da vida moral válidos para todos os homens.
2034. O Romano Pontífice e os Bispos, como «doutores
autênticos, investidos na autoridade de Cristo, pregam
ao povo a eles confiado a fé que deve ser acreditada e
aplicada aos costumes»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
25: AAS 57 (1965) 29).
O Magistério ordinário e universal do Papa, e dos
Bispos em comunhão com ele, ensina aos fiéis a verdade
que se deve crer, a caridade que se deve praticar e a
bem-aventurança que se deve esperar.
2035. O grau supremo na participação da autoridade de
Cristo está garantido pelo carisma da infalibilidade.
Esta «é tão ampla quanto o depósito da Revelação
divina»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
25: AAS 57 (1965) 30);
e estende-se também a todos os elementos de doutrina,
mesmo moral, sem os quais as verdades salvíficas da fé
não podem ser guardadas, expostas e observadas
(Cf. Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Decl.
Mysterium Ecclesiae, 3: AAS 65 (1973) 401).
2036. A autoridade do Magistério estende-se também aos
preceitos específicos da lei natural, porque a
sua observância, exigida pelo Criador, é necessária à
salvação. Ao lembrar as prescrições da lei natural, o
Magistério da Igreja exerce uma parte essencial da sua
função profética, de anunciar aos homens o que eles são
na verdade e de lhes lembrar o que devem ser perante
Deus
(Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis
humanae, 14: AAS 58 (1966) 940).
2037. A Lei de Deus, confiada à Igreja, é ensinada aos
fiéis como caminho de vida e de verdade. Os fiéis têm,
portanto, o direito
(Cf. CIC can. 213) de serem instruídos sobre os preceitos
divinos salvíficos que purificam o juízo e, com a graça,
curam a razão humana ferida. E têm o dever de
observar as constituições e decretos emanados da
autoridade legítima da Igreja. Mesmo que sejam
disciplinares, tais determinações requerem docilidade na
caridade.
2038. Na tarefa do ensino e da aplicação da moral
cristã, a Igreja precisa da dedicação dos pastores, da
ciência dos teólogos, do contributo de todos os cristãos
e homens de boa vontade. A fé e a prática do Evangelho
conferem a cada qual uma experiência da vida «em
Cristo» que o ilumina e o torna capaz de avaliar as
realidades divinas e humanas, segundo o Espírito de Deus
(Cf. 1ª Cor. 2, 10-15).
Assim, o Espírito Santo pode servir-se dos mais humildes
para iluminar os sábios e os mais elevados em dignidade.
2039. Os ministérios devem
exercer-se num espírito de serviço fraterno e de
dedicação à Igreja, em nome do Senhor
(Cf. Rm. 12, 8.11).
Ao mesmo tempo, a consciência de cada um, no seu juízo
moral sobre os seus atos pessoais, deve evitar fechar-se
numa consideração individual. Deve abrir-se o mais
possível à consideração do bem de todos, tal como ele se
exprime na lei moral, natural e revelada, e
consequentemente, na lei da Igreja e no ensino
autorizado do Magistério sobre as questões morais. Não
convém opor a consciência pessoal e a razão à lei moral
ou ao Magistério da Igreja.
2040. Assim, pode desenvolver-se entre os cristãos um
verdadeiro espírito filial em relação à Igreja.
Esse espírito é a expansão normal da graça batismal, que
nos gerou no seio da Igreja e nos tornou membros do
corpo de Cristo. Na sua solicitude maternal, a Igreja
concede-nos a misericórdia de Deus, que supera todos os
nossos pecados e age especialmente através do sacramento
da Reconciliação. Como mãe solícita, administra-nos
também, na sua liturgia, diariamente, o alimento da
Palavra e da Eucaristia do Senhor.
II. Os preceitos da Igreja
2041. Os preceitos da Igreja inserem-se nesta linha duma
vida moral ligada à vida litúrgica e nutrindo-se dela. O
carácter obrigatório destas leis positivas, promulgadas
pelas autoridades pastorais, tem por fim garantir aos
fiéis o mínimo indispensável de espírito de oração e de
esforço moral e de crescimento no amor a Deus e ao
próximo.
(Cf. Rm. 12, 8.11)
Os preceitos mais gerais da Igreja são cinco:
2042. O primeiro preceito («ouvir missa inteira e
abster-se de trabalhos servis nos domingos e festas de
guarda») exige aos fiéis que santifiquem o dia em
que se comemora a ressurreição do Senhor, bem como as
principais festas litúrgicas em honra dos mistérios do
Senhor, da Bem-aventurada Virgem Maria e dos Santos, que
a Igreja declara como sendo de preceito, sobretudo
participando na celebração eucarística em que a
comunidade cristã se reúne e descansando de trabalhos e
ocupações que possam impedir a santificação desses dias
(Cf. CIC can. 1246-1248: CCEO can. 880, § 3, 881, §§
1.2.4).
O segundo preceito («confessar-se ao menos uma vez em
cada ano») assegura a preparação para a Eucaristia,
mediante a recepção do sacramento da Reconciliação que
continua a obra de conversão e perdão do Batismo
(Cf. CIC can. 989: CCEO can. 719).
O terceiro preceito («comungar ao menos pela Páscoa
da Ressurreição») garante um mínimo na recepção do
Corpo e Sangue do Senhor, em ligação com as festas
pascais, origem e centro da liturgia cristã
(Cf. CIC can. 920: CCEO can. 708. 881, § 3).
2043. O quarto preceito («guardar abstinência e
jejuar nos dias determinados pela Igreja») assegura
os dias de ascese e de penitência que nos preparam para
as festas litúrgicas e contribuem para nos fazer
adquirir domínio sobre os nossos instintos e a liberdade
do coração
(Cf. CIC can. 1249-1251; CCEO can. 882).
O quinto preceito («prover as necessidades da Igreja,
segundo os legítimos usos e costumes e as determinações»)
aponta ainda aos fiéis a obrigação de prover, às
necessidades materiais da Igreja consoante as
possibilidades de cada um
(Cf. CIC can. 222: CCEO can. 25. As Conferências
Episcopais podem, para além destes, estabelecer outros
preceitos eclesiásticos para o seu território: cf. CIC
can. 455).
III. Vida moral e testemunho missionário
2044. A fidelidade dos batizados é condição primordial
para o anúncio do Evangelho e para a missão da Igreja
no mundo. Para manifestar diante dos homens a sua
força de verdade e irradiação, a mensagem de salvação
deve ser autenticada pelo testemunho de vida dos
cristãos. «O testemunho de vida cristã e as obras
realizadas com espírito sobrenatural são meios poderosos
para atrair os homens à fé e a Deus»
(II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam
actuositatem, 6: AAS 58 (1966) 842).
2045. Porque são membros do corpo cuja cabeça é Cristo
(Cf. Ef. 1, 22),
os cristãos contribuem, pela constância das suas
convicções e dos seus costumes, para a edificação da
Igreja. A Igreja cresce, aumenta e desenvolve-se
pela santidade dos seus fiéis
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen
Gentium, 39: AAS 57 (1965) 44),
até ao «estado do homem perfeito, à medida da
estatura de Cristo na sua plenitude» (Ef. 4,
13).
2046. Vivendo segundo Cristo,
os cristãos apressam a vinda do Reino de Deus, do
«Reino da justiça, da verdade e da paz»
(Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do
universo, Prefácio: Missale Romanum. editio
typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 381
[Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 429].). Mas nem por isso descuram as suas tarefas
terrestres. Fiéis ao seu Mestre, cumprem-nas com
retidão, paciência e amor.
Resumindo:
2047. A vida moral é um culto espiritual. O agir
cristão encontra alimento na liturgia e na celebração
dos sacramentos.
2048. Os preceitos da Igreja dizem respeito à vida
moral e cristã, unida à liturgia e nutrindo-se dela.
2049. O magistério dos pastores da Igreja em matéria
moral exerce-se ordinariamente na catequese e na
pregação, com base no Decálogo, que enuncia os
princípios da vida moral válidos para todo o homem.
2050. O Romano Pontífice e os Bispos, na qualidade de
doutores autênticos, pregam ao povo de Deus a fé que
deve ser acreditada e aplicada nos costumes.
Compete-lhes também pronunciarem-se sobre as questões
morais da área da lei natural e da razão.
2051. A infalibilidade do Magistério dos pastores
abrange todos os elementos de doutrina, mesmo moral, sem
os quais as verdades salvíficas da fé não podem ser
guardadas, expostas ou observadas.
OS DEZ MANDAMENTOS
Êxodo 20, 2-17 |
Deuteronômio 5, 6-21 |
Fórmula Catequética |
Eu sou o Senhor teu Deus,
Que te tirei da terra do Egito,
dessa casa da escravidão.
Não terás outros deuses perante Mim.
Não farás de ti nenhuma imagem esculpida,
nem figura que existe lá no alto do céu ou
cá em baixo na terra ou nas águas debaixo da
terra.
Não te prostrarás diante delas
nem lhes prestarás culto porque eu, o Senhor
teu Deus, sou um Deus cios: castigo a ofensa
dos pais nos filhos até à terceira e quarta
geração daqueles que Me ofendem; mas uso de
misericórdia até à milésima geração com
aqueles que Me amam e guardam os meus
mandamentos. |
Eu sou o Senhor teu Deus,
que te fiz tirei da terra do Egito dessa da
casa da escravidão.
Não terás outros deuses diante de mim...
|
Primeiro:
Adorar a Deus e amá-Lo sobre todas as
coisas. |
Não invocarás em vão o Nome do Senhor teu
Deus, porque o Senhor não deixa sem castigo
quem invocar o seu Nome em vão. |
Não invocarás em vão o Nome do Senhor teu
Deus... |
Segundo:
Não invocar o santo nome de Deus em vão. |
Lembrar-te do dia do Sábado
para o santificar.
Durante seis dias trabalharás
e farás todos os trabalhos.
Mas o sétimo dia é sábado do Senhor teu
Deus.
Não farás nele nenhum trabalho,
nem tu, nem teu filho ou tua filha,
nem o teu servo nem a tua serva,
nem o teu gado, nem o estrangeiro que vive
em tua cidade.
Porque em seis dias o Senhor fez o céu e a
terra, o mar e tudo o que eles contêm: mas
ao sétimo diz descansou.
Por isso o Senhor abençoou
o dia de sábado e o consagrou. |
Guarda o dia do sábado para o santificar |
Terceiro:
Santificar os domingos e festas de guarda.
|
Honra pai mãe, a fim de prolongares os teus
dias na terra que o Senhor teu Deus te vai
dar. |
Honra teu pai e tua mãe...
|
Quarto:
Honrar pai e mãe (e os outros legítimos
superiores). |
Não matarás. |
Não matarás. |
Quinto:
Não matar (nem causar outro dano, no corpo
ou na alma, a si mesmo ou ao próximo). |
Não cometerás adultério.
|
Não cometerás adultério.
|
Sexto:
Guardar castidade nas palavras e nas obras. |
Não roubarás. |
Não roubarás. |
Sétimo:
Não furtar (nem injustamente reter ou
danificar os bens do próximo). |
Não levantarás falso testemunho contra o teu
próximo. |
Não levantarás falso testemunho contra o teu
próximo. |
Oitavo:
Não levantar falsos testemunhos (nem de
qualquer outro modo faltar à verdade ou
difamar o próximo). |
Não cobiçarás a casa do teu próximo. |
|
Nono:
Guardar castidade nos pensamentos e nos
desejos. |
Não desejarás a mulher do próximo, nem o seu
servo nem a sua serva, o seu boi ou o seu
jumento, nem nada que lhe pertença. |
Não desejarás a mulher do teu
próximo; não
cobiçarás ... nada que pertença ao teu
próximo.
|
Décimo:
Não cobiçar as coisas alheias.
Estes dez mandamentos resumem-se em dois que
são: amar a Deus sobre todas as coisas,
e ao próximo como a nós mesmos. |
A VIDA EM CRISTO
SEGUNDA SECÇÃO
OS DEZ MANDAMENTOS
«MESTRE, QUE HEI DE FAZER... »?
2052. «Mestre, que devo fazer de bom para ter a vida
eterna»? Ao jovem que Lhe faz esta pergunta, Jesus
responde, primeiro, invocando a necessidade de
reconhecer a Deus como «o único Bom», o Bem por
excelência e a fonte de todo o bem. Depois, declara-lhe:
«se queres entrar na vida, observa os mandamentos».
E cita ao seu interlocutor os mandamentos que dizem
respeito ao amor do próximo: «não matarás; não
cometerás adultério: não furtarás; não levantarás falso
testemunho; honra pai e mãe». Finalmente, resume
estes mandamentos de modo positivo: «amarás o teu
próximo como a ti mesmo» (Mt. 19, 16-19).
2053. A esta primeira resposta vem juntar-se uma
segunda: «se queres ser perfeito, vai, vende os teus
bens e dá-os aos pobres, e terás um tesouro nos céus.
Vem, depois, e segue-Me» (Mt. 19, 21). Esta
resposta não anula a primeira. Seguir Jesus implica
cumprir os mandamentos. A Lei não é abolida
(Cf. Mt. 5, 17):
mas o homem é convidado a reencontrá-la na Pessoa do seu
mestre, em Quem ela encontra o seu perfeito cumprimento.
Nos três evangelhos sinópticos, o apelo de Jesus ao
jovem rico, para O seguir na obediência de discípulo e
na observância dos preceitos, está associado ao apelo à
pobreza e à castidade
(Cf. Mt. 19, 6-12.21.23-29).
Os conselhos evangélicos são inseparáveis dos
mandamentos.
2054. Jesus retomou os dez mandamentos, mas manifestou a
força do Espírito que atua na letra em que eles se
exprimem. Pregou a «justiça que excede a dos escribas
e fariseus»
(Cf. Mt. 5, 20),
do mesmo modo que a dos pagãos
(Cf. Mt. 5, 46-47).
E explicou todas as exigências dos mandamentos:
«ouvistes que foi dito aos antigos: não matarás [...];
Eu, porém, digo-vos: quem se irritar contra o seu irmão
será réu perante o tribunal» (Mt. 5, 21-22).
2055. Quando Lhe perguntam: «qual é o maior
mandamento que há na Lei»? (Mt. 22, 36), Jesus
responde: «amarás o Senhor teu Deus, com todo o teu
coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente: tal
é o maior e primeiro mandamento. O segundo é semelhante
a este: amarás o teu próximo como a ti mesmo. A estes
dois mandamentos está Ligada toda a Lei, bem como os
Profetas» (Mt. 22, 37-40)
(Cf. Dt. 6, 5: Lv. 19, 18).
O Decálogo deve ser interpretado à luz deste
duplo e único mandamento da caridade, plenitude da Lei.
- «De fato: ''não cometerás adultério, não matarás, não
furtarás, não cobiçarás" bem como qualquer outro
mandamento, estão resumidos numa só frase: "amarás o teu
próximo como a ti mesmo". O amor não faz mal ao próximo.
Assim, é no amor que está o pleno cumprimento da Lei»
(Rm. 13, 9-10).
O DECÁLOGO NA SAGRADA ESCRITURA
2056. A palavra «Decálogo» significa literalmente
«dez palavras» (Ex. 34, 28: Dt. 4, 13: 10, 4).
Estas dez palavras, Deus as revelou ao seu povo na
montanha sagrada. Escreveu-as com o «seu Dedo»
(Cf. Ex. 31,18; Dt. 5, 22),
o que não aconteceu com os outros preceitos escritos por
Moisés
(Cf. Dt. 31, 9.24).
São palavras de Deus num sentido eminente e foram-nos
transmitidas no Livro do Êxodo
(Cf. Ex. 20, 1-17)
e no do Deuteronómio
(Cf. Dt. 5, 6-22).
Desde o Antigo Testamento que os livros santos fazem
referência às «dez palavras», mas é na Nova
Aliança em Jesus Cristo que será revelado o seu sentido
pleno.
2057. O Decálogo compreende-se, antes de mais nada, no
contexto do Êxodo que é o grande acontecimento
libertador de Deus, no centro da Antiga Aliança. Quer
sejam formuladas como preceitos negativos ou
interdições, quer como mandamentos positivos (por
exemplo: «honra teu pai e tua mãe»), as «dez
palavras» indicam as condições duma vida liberta da
escravidão do pecado. O Decálogo é um caminho de vida:
- «se amares o teu Deus, andares nos seus caminhos e
guardares os seus mandamentos, leis e costumes, viverás
e multiplicar-te-ás» (Dt. 30, 16).
Esta força libertadora do Decálogo aparece, por exemplo,
no mandamento sobre o repouso do sábado, que abrange
igualmente os estrangeiros e os escravos:
- «recorda-te de que foste escravo no país do Egito,
de onde o Senhor teu Deus te fez sair com mão forte e
braço poderoso» (Dt. 5, 15).
2058. As «dez palavras» resumem e proclamam a Lei
de Deus: «estas palavras dirigiu-as o Senhor a toda a
vossa assembleia sobre a montanha, do meio do fogo, da
nuvem e das trevas, com voz forte, sem acrescentar mais
nada: escreveu-as em duas tábuas de pedra e
entregou-mas» (Dt. 5, 22). Por isso é que
estas duas tábuas são chamadas «o testemunho»
(Ex. 25, 16). De fato, elas contêm as cláusulas da
aliança concluída entre Deus e o seu povo. Estas
«tábuas do testemunho» (Ex. 31, 18; 32, 15; 34, 29)
devem ser depositadas na «arca» (Ex. 25, 16: 40,
1-2).
2059. As «dez palavras» são pronunciadas por Deus
no decurso duma teofania («sobre a montanha, no meio
do fogo, o Senhor vos falou face a face»: Dt. 5,
4). Fazem parte da revelação que Deus fez de Si
mesmo e da sua glória.
(Cf., por exemplo. Os 4, 2; Jr 7, 9: Ez
18, 5-9)
O dom dos mandamentos é uma dádiva do próprio Deus e da
sua santa vontade. Dando a conhecer as suas vontades,
Deus revela-se ao seu povo.
2060. O dom dos mandamentos e da Lei faz parte da
Aliança selada por Deus com os seus. Segundo o Livro do
Êxodo, a revelação das «dez palavras» teve lugar
entre a proposta da Aliança
(Cf. Ex. 19)
e a sua conclusão
(Cf. Ex. 24)
depois de o povo se ter comprometido a «fazer»
tudo o que o Senhor tinha dito e a «obedecer»
(Cf. Ex. 24, 7).
O Decálogo nunca é transmitido sem primeiro se evocar a
Aliança («o Senhor nosso Deus firmou conosco uma
Aliança no Horeb»: Dt. 5, 2).
2061. É no âmbito da Aliança que os mandamentos recebem
o seu pleno significado. Segundo a Escritura, o
procedimento moral do homem atinge todo o seu sentido na
e pela Aliança. A primeira das "dez palavras"
lembra o amor primeiro de Deus pelo seu povo:
- «como, em castigo do pecado, se tinha dado a
passagem do paraíso da liberdade para a escravidão deste
mundo, por esse motivo, a primeira frase do Decálogo,
primeira palavra dos mandamentos de Deus, incide sobre a
liberdade: "Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair da
terra do Egito, de uma casa de escravidão"» (Ex. 20,
2: Dt. 5, 6)
(Orígenes, In Exodum homilia 8, 1; SC 321, 242
(PG 12, 350)).
2062. Os mandamentos propriamente ditos vêm em segundo
lugar e traduzem as implicações da pertença a Deus,
instituída pela Aliança. A existência moral é
resposta à iniciativa amorosa do Senhor. É
reconhecimento, homenagem a Deus e culto de ação de
graças. É cooperação com o plano que Deus prossegue na
história.
2063. A Aliança e o diálogo entre Deus e o homem são
ainda comprovados pelo fato de todas as obrigações serem
enunciadas em primeira pessoa ("Eu sou o Senhor...")
e dirigidas a um outro sujeito ("tu..."). Em
todos os mandamentos de Deus, é um pronome pessoal
singular que designa o destinatário. Ao mesmo tempo
que a todo o povo, Deus faz conhecer a sua vontade a
cada um em particular:
- «o Senhor prescreveu o amor para com Deus e ensinou
a justiça para com o próximo, para que o homem não fosse
nem injusto nem indigno de Deus. Assim, através do
Decálogo, Deus preparava o homem para se tornar seu
amigo e ter um só coração com o seu próximo [...]. As
palavras do Decálogo continuam a ser para nós [cristãos]
o que eram; longe de serem abolidas, elas receberam
amplificação e desenvolvimento, com o fato da vinda do
Senhor na carne»
(Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses, 4, 16,
3-4: SC 100, 566-570 (PG 7, 1017-1018)).
O DECÁLOGO NA TRADIÇÃO DA IGREJA
2064. Na fidelidade à Sagrada Escritura e em
conformidade com o exemplo de Jesus, a Tradição da
Igreja reconheceu no Decálogo uma importância e um
significado primordiais.
2065. A partir de Santo Agostinho, os "Dez
Mandamentos" têm um lugar preponderante na catequese
dos futuros batizados e dos fiéis. No século XV, começou
o costume de exprimir os preceitos do Decálogo em
fórmulas rimadas, fáceis de decorar, e positivas, que
ainda hoje se usam. Os catecismos da Igreja expuseram
muitas vezes a moral cristã seguindo a ordem dos «Dez
Mandamentos».
2066. A divisão e a numeração dos mandamentos variou no
decurso da história. O atual catecismo segue a divisão
dos mandamentos estabelecida por Santo Agostinho e que
passou a ser tradicional na Igreja Católica. É a mesma
das «confissões» luteranas. Os Padres gregos
procederam a uma divisão um tanto diversa, que se
encontra nas Igrejas ortodoxas e nas comunidades
reformadas.
2067. Os Dez Mandamentos enunciam as exigências do amor
de Deus e do próximo. Os três primeiros referem-se mais
ao amor de Deus: os outros sete, ao amor do próximo:
- «como a caridade abrange dois preceitos, nos quais
o Senhor resume toda a Lei e os Profetas, [...] assim
também os Dez Mandamentos estão divididos em duas
tábuas. Três foram escritos numa tábua e sete na outra»
(Santo Agostinho, Sermão 33, 2; CCL 41, 414 (PL
38, 208)).
2068. O Concílio de Trento ensina que os Dez Mandamentos
obrigam os cristãos e que o homem justificado continua
obrigado a cumpri-los
(Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de
iustificatione, can.19-20: DS 1569-1570).
E o II Concilio do Vaticano também o afirma: «os
Bispos, sucessores dos Apóstolos, recebem do Senhor
[...] a missão de ensinar todas as nações e de pregar o
Evangelho a toda a criatura, para que todos os homens se
salvem pela fé, pelo Batismo e pelo cumprimento dos
mandamentos»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
24: AAS 57 (1965) 29).
A UNIDADE DO DECÁLOGO
2069. O Decálogo forma um todo indissociável. Cada
«Palavra» remete para cada uma das outras e para
todas; elas condicionam-se reciprocamente. As duas
«tábuas» esclarecem-se mutuamente; formam uma
unidade orgânica. Transgredir um mandamento é infringir
todos os outros
(Cf. Tg. 2, 10-11).
Não é possível honrar a outrem sem louvar a Deus seu
criador; nem se pode adorar a Deus sem amar todos os
homens, suas criaturas. O Decálogo unifica a vida
teologal e a vida social do homem.
O DECÁLOGO E A LEI NATURAL
2070. Os Dez Mandamentos fazem parte da revelação de
Deus. Mas, ao mesmo tempo, ensinam-nos a verdadeira
humanidade do homem. Põem em relevo os deveres
essenciais e, por conseguinte, indiretamente, os
direitos fundamentais inerentes à natureza da pessoa
humana. O Decálogo encerra uma expressão privilegiada da
«lei natural»:
- no princípio, Deus admoestou os homens com os
preceitos da lei natural, que tinha enraizado nos seus
corações, isto é, pelo Decálogo. «Se alguém não os
cumprisse, não se salvaria. E Deus não exigiu mais nada
aos homens»
(Santo Ireneu de Lião, Adversas haereses, 4, 15,
1: SC 100, 548 (PG 7, 1012)).
2071. Embora acessíveis à simples razão, os preceitos do
Decálogo foram revelados. Para atingir um conhecimento
completo e certo das exigências da lei natural, a
humanidade pecadora precisava desta revelação:
- «uma explicação completa dos mandamentos do Decálogo
tornou-se necessária no estado de pecado, por causa do
obscurecimento da lei da razão e do desvio da vontade»
(São Boaventura, In quattuor libros Sentenciarum,
3, 37, 1, 3: Opera amnia, v. 3 (Ad Claras Aquas
1887) p. 819-820)
Nós conhecemos os mandamentos de Deus pela revelação
divina que nos é proposta na Igreja e pela voz da
consciência moral.
A OBRIGAÇÃO DO DECÁLOGO
2072. Uma vez que exprimem os deveres fundamentais do
homem para com Deus e para com o próximo, os Dez
Mandamentos revelam, no seu conteúdo primordial,
obrigações graves. São basicamente imutáveis e a
sua obrigação impõe-se sempre e em toda a parte. Ninguém
pode dispensar-se dela. Os Dez Mandamentos foram
gravados por Deus no coração do ser humano.
2073. Mas a obediência aos mandamentos também implica
obrigações cuja matéria, em si mesma, é leve. Assim, a
injúria por palavras é proibida pelo quinto mandamento,
mas só poderá ser falta grave em razão das
circunstâncias ou da intenção de quem a profere.
«SEM MIM, NADA PODEIS FAZER»
2074. Jesus diz: «Eu sou a cepa, vós as varas. Quando
alguém permanece em Mim, e Eu nele, esse é que dá muito
fruto, porque, sem Mim, nada podeis fazer» (Jo. 15,
5). O fruto, a que se faz referência nesta palavra, é a
santidade duma vida fecundada pela união com Cristo.
Quando cremos em Jesus Cristo, comungamos nos seus
mistérios e guardamos os seus mandamentos, o Salvador
vem em pessoa amar em nós o seu Pai e os seus irmãos, o
nosso Pai e os nossos irmãos. A sua pessoa toma-se,
graças ao Espírito, a regra viva e interior do nosso
agir. «É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos
outros, como Eu vos amei» (Jo. 15, 12).
Resumindo:
2075. «Que devo fazer de bom para ter a vida
eterna; - se queres entrar na vida, observa os
mandamentos» (Mt. 19, 16-17).
2076. Com o seu modo de agir e com a sua pregação,
Jesus confirmou a perenidade do Decálogo.
2077. A dádiva do Decálogo foi feita no âmbito da
Aliança concluída por Deus com o seu povo. É nesta e por
esta Aliança que os mandamentos de Deus recebem o seu
verdadeiro significado.
2078. Por fidelidade à Escritura e em conformidade
com o exemplo de Jesus, a Tradição da Igreja reconheceu
ao Decálogo uma importância e um significado
primordiais.
2079. O Decálogo forma uma unidade orgânica, em que
cada «palavra» ou «mandamento» remete para todo o
conjunto. Transgredir um mandamento é infringir toda a
Lei
(Cf. Tg. 2, 10-11).
2080. O Decálogo encerra uma expressão privilegiada
da lei natural. É-nos dado a conhecer pela revelação
divina e pela razão humana.
2081. Os Dez Mandamentos enunciam, no seu conteúdo
fundamental, obrigações graves. No entanto, a obediência
a estes mandamentos implica também obrigações, cuja
matéria, em si mesma, é leve.
2082. Aquilo que Deus manda, Ele o torna possível
pela sua grata.
A VIDA EM CRISTO
SEGUNDA SECÇÃO
OS DEZ MANDAMENTOS
CAPÍTULO PRIMEIRO
«AMARÁS O SENHOR TEU DEUS COM TODO O TEU CORAÇÃO,
COM TODA A TUA ALMA E COM TODAS AS TUAS FORÇAS»
2083. Jesus resumiu os deveres do homem para com Deus
nestas palavras: «amarás o Senhor teu Deus com todo o
teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente»
(Mt. 22, 37)
(Cf. Lc. 10, 27: «...com todas as tuas forças»).
Elas são um eco imediato do apelo solene: «escuta,
Israel: o Senhor nosso Deus é o único» (Dt. 6, 4).
Deus foi o primeiro a amar. O amor do Deus único é
lembrado na primeira das «dez palavras». Em
seguida, os mandamentos explicitam a resposta de amor
que o homem é chamado a dar ao seu Deus.
ARTIGO 1
O PRIMEIRO MANDAMENTO
«Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do
Egito, dessa casa da escravidão. Não terás outros deuses
perante mim. Não farás de ti nenhuma imagem esculpida,
nem figura que existe lá no alto do céu ou cá em baixo,
na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te
prostrarás diante delas nem lhes prestarás culto»
(Ex. 20, 2-5)
(Cf. Dt. 5, 6-9).
«Está escrito: "ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele
prestarás culto"»
(Mt. 4, 10).
I. «Ao Senhor teu Deus adorarás, a Ele servirás»
2084. Deus dá-se a conhecer lembrando a sua ação
onipotente, benevolente e libertadora, na história
daquele a quem se dirige: «sou Eu [...] que te tirei
da terra do Egito, dessa casa da escravidão» (Dt. 5,
6). A primeira palavra encerra o primeiro mandamento da
Lei: «ao Senhor, teu Deus, adorarás, a Ele servirás
[...]. Não ireis atrás de outras divindades» (Dt. 6,
13-14). O primeiro apelo e a justa exigência de Deus é
que o homem O acolha e O adore.
2085. O Deus único e verdadeiro revela, antes de mais, a
sua glória a Israel
(Cf. Ex. 19, 16-25; 24, 15-18).
A revelação da vocação e da verdade do homem está ligada
à revelação de Deus. O homem tem a vocação de manifestar
Deus pelo seu agir, em conformidade com a sua criação,
«à imagem e semelhança de Deus» (Gn. 1,
26).
- «Não haverá jamais outro Deus, ó Trifão, e nunca houve
outro, desde os séculos [...], senão Aquele que fez e
ordenou o Universo. Não pensamos que o nosso Deus seja
diferente do vosso. É o mesmo que fez sair os vossos
pais do Egito, pela sua mão poderosa e braço levantado.
Nós não pomos as nossas confianças em qualquer outro,
que não há, mas no mesmo que vós, o Deus de Abraão,
Isaac e Jacob»
(São Justino, Diálogo com o judeu Trifão, 11, 1:
CA 2, 40 (Pg. 6. 497)).
2086. «O primeiro dos preceitos abrange a fé, a
confiança e a caridade. De fato, quem diz Deus diz um
ser constante, imutável, sempre o mesmo, fiel,
perfeitamente justo. Daí se segue que devemos
necessariamente aceitar as suas palavras e ter n'Ele uma
fé e confiança plenas. É todo-poderoso, clemente,
infinitamente propenso a bem-fazer. Quem poderia não pôr
n'Ele todas as suas esperanças? E quem seria capaz de
não O amar, ao ver os tesouros de bondade e ternura que
derramou sobre nós? Daí a fórmula que Deus emprega na
Sagrada Escritura, quer no princípio, quer no fim dos
seus preceitos: Eu sou o Senhor»
(Cat Rom. 3, 2, 4. p. 408-409).
A FÉ
2087. A nossa vida moral tem a sua fonte na fé em Deus,
que nos revela o seu amor. São Paulo fala da
«obediência da fé»
(Cf. Rm. 1, 5; 16, 26) como a primeira obrigação. E faz ver, no
«desconhecimento de Deus», o princípio e a
explicação de todos os desvios morais
(Cf Rm. 1, 18-32).
O nosso dever para com Deus é crer n'Ele e dar
testemunho d'Ele.
2088. O primeiro mandamento ordena-nos que alimentemos e
guardemos com prudência e vigilância a nossa fé,
rejeitando tudo quanto a ela se opõe. Pode-se pecar
contra a fé de vários modos:
a dúvida voluntária
em relação à fé negligencia ou recusa ter por verdadeiro
o que Deus revelou e a Igreja nos propõe para crer. A
dúvida involuntária é a hesitação em crer, a
dificuldade em superar as objecções relacionadas com a
fé, ou ainda a angústia suscitada pela sua obscuridade.
Quando deliberadamente cultivada, a dúvida pode levar à
cegueira do espírito.
2089. A incredulidade é o desprezo da verdade
revelada ou a recusa voluntária de lhe prestar
assentimento. A «heresia é a negação pertinaz, depois
de recebido o Baptismo, de alguma verdade que se deve
crer com fé divina e católica, ou ainda a dúvida
pertinaz acerca da mesma; apostasia é o repúdio total da
fé cristã; cisma é a recusa da sujeição ao Sumo
Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja que
lhe estão sujeitos»
(CIC can. 751).
A ESPERANÇA
2090. Quando Deus Se revela e chama o homem, este não
pode responder plenamente ao amor divino pelas suas
próprias forças. Deve esperar que Deus lhe dará a
capacidade de, por sua vez, O amar e de agir de acordo
com os mandamentos da caridade. A esperança é a
expectativa confiante da bênção divina e da visão
beatífica de Deus: é também o receio de ofender o amor
de Deus e de provocar o castigo.
2091. O primeiro mandamento visa igualmente os pecados
contra a esperança, que são o desespero e a presunção:
Pelo desespero, o homem deixa de esperar de Deus
a sua salvação pessoal, os socorros para a atingir, ou o
perdão dos seus pecados. Opõe-se à bondade de Deus, à
sua justiça (porque o Senhor é fiel às suas promessas) e
à sua misericórdia.
2092. Há duas espécies de presunção: o homem ou
presume das suas capacidades (esperando poder salvar-se
sem a ajuda do Alto), ou presume da omnipotência ou
misericórdia divinas (esperando obter o perdão sem se
converter, e a glória sem a merecer).
A CARIDADE
2093. A fé no amor de Deus implica o apelo e a obrigação
de corresponder à caridade divina com um amor sincero. O
primeiro mandamento manda-nos amar a Deus sobre todas as
coisas
(Cf.
Dt. 6, 4-5)
e a todas as criaturas por Ele e por causa d'Ele.
2094. Pode-se pecar contra o amor de Deus de diversas
maneiras: a indiferença descuida ou recusa a
consideração da caridade divina; desconhece-lhe o
cuidado preveniente e nega-lhe a força. A ingratidão
não reconhece, por desleixo ou recusa formal, a
caridade divina, não retribuindo amor com amor. A
tibieza, que é hesitação ou negligência em
corresponder ao amor divino, pode implicar a recusa de
se entregar ao movimento da caridade. A acedia ou
preguiça espiritual chega a recusar a alegria que vem de
Deus e a aborrecer o bem divino. O ódio a Deus
nasce do orgulho: opõe-se ao amor de Deus, cuja bondade
nega, e ousa amaldiçoá-lo como Aquele que proíbe o
pecado e lhe inflige o castigo.
II. «Só a Ele prestarás culto»
2095. As virtudes teologais da
fé, da esperança e da caridade informam e vivificam as
virtudes morais. Assim, a caridade leva-nos a prestar a
Deus o que com toda a justiça Lhe devemos, enquanto
criaturas. A virtude da religião dispõe-nos para
tal atitude.
A ADORAÇÃO
2096. A adoração é o primeiro ato da virtude da
religião. Adorar a Deus é reconhecê-Lo como tal, Criador
e Salvador, Senhor e Dono de tudo quanto existe, Amor
infinito e misericordioso. «Ao Senhor teu Deus
adorarás, só a Ele prestarás culto» (Lc. 4,
8) - diz Jesus, citando o Deuteronómio (Dt. 6,
13).
2097. Adorar a Deus é
reconhecer, com respeito e submissão absoluta, o
«nada da criatura», que só por Deus existe. Adorar a
Deus é, como Maria no Magnificat, louvá-Lo,
exaltá-Lo e humilhar-se, confessando com gratidão que
Ele fez grandes coisas e que o seu Nome é santo
(Cf. Lc 1, 46-49). A adoração
do Deus único liberta o homem de se fechar sobre si
próprio, da escravidão do pecado e da idolatria do
mundo.
A ORAÇÃO
2098. Os atos de fé, de confiança e de caridade,
exigidos pelo primeiro mandamento, fazem-se na oração. A
elevação do espírito para Deus é uma expressão da nossa
adoração ao mesmo Deus: oração de louvor e de ação de
graças, de intercessão e de súplica. A oração é condição
indispensável para se poder obedecer aos mandamentos de
Deus. «e preciso orar sempre, sem desfalecer» (Lc.
18, 1).
O SACRIFÍCIO
2099. É justo que se ofereçam a Deus sacrifícios, em
sinal de adoração e de reconhecimento, de súplica e de
comunhão: «verdadeiro sacrifício é todo o ato
realizado para se unir a Deus em santa comunhão e poder
ser feliz»
(Santo Agostinho, De civitate Dei. 10, 6: CSEL
40/1. 454-455 (PL 41, 283)).
2100. Para ser autêntico, o sacrifício exterior deve ser
expressão do sacrifício espiritual: «o meu sacrifício
é um espírito arrependido...» (Sl. 51, 19). Os
profetas da Antiga Aliança denunciaram muitas vezes os
sacrifícios feitos sem participação interior
(Cf. Am. 5, 21-25)
ou sem ligação com o amor do próximo
(Cf. Is. 1, 10-20).
Jesus recorda a palavra do profeta Oseias: «Eu quero
misericórdia e não sacrifício» (Mt. 9, 13; 12, 7)
(Cf. Os. 6, 6).
O único sacrifício perfeito é o que Cristo ofereceu na
cruz, em total oblação ao amor do Pai e para nossa
salvação
(Cf. Heb. 9, 13-14).
Unindo-nos ao seu sacrifício, podemos fazer da nossa
vida um sacrifício a Deus.
PROMESSAS E VOTOS
2101. Em muitas circunstâncias, o cristão chamado a
fazer promessas a Deus. O Batismo e a
Confirmação, o Matrimónio e a Ordenação comportam sempre
promessas. Por devoção pessoal, o cristão pode também
prometer a Deus tal ou tal ato, uma oração, uma esmola,
uma peregrinação, etc. A fidelidade às promessas feitas
a Deus é uma manifestação do respeito devido à majestade
divina e do amor para com o Deus fiel.
2102. «O voto, isto é, a promessa deliberada e livre
feita a Deus de um bem possível e melhor, deve
cumprir-se por virtude da religião»
(CIC can. 1191. §1).
O voto é um ato de devoção, no qual o cristão se
oferece a si próprio a Deus ou Lhe promete uma obra boa.
Portanto, pelo cumprimento dos seus votos, ele dá a Deus
o que Lhe foi prometido e consagrado. Os Atos dos
Apóstolos mostram-nos São Paulo cuidadoso em cumprir os
votos que fez
(Cf. At. 18, 18; 21, 23-24).
2103. A Igreja reconhece um valor exemplar aos
votos de praticar os conselhos evangélicos
(Cf. CIC can. 654):
- «a Mãe Igreja alegra-se por encontrar no seu seio
muitos homens e mulheres que seguem mais de perto o
abaixamento do Salvador e mais claramente o manifestam,
abraçando a pobreza na liberdade dos filhos de Deus e
renunciando à própria vontade: em matéria de perfeição,
sujeitam-se ao homem, por amor de Deus, para além do que
é obrigação, a fim de mais plenamente se conformarem a
Cristo obediente»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
42: AAS 57 (1965) 48-49).
Em certos casos, a Igreja pode,
por razões proporcionadas, dispensar dos votos e das
promessas
(Cf. CIC can 692.1196-1197).
O DEVER SOCIAL DE RELIGIÃO E O DIREITO À LIBERDADE
RELIGIOSA
2104. «Todos os homens têm o dever de buscar a
verdade, sobretudo no que diz respeito a Deus e à sua
Igreja; e de uma vez conhecida, a abraçar e guardar»
(II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae,
1: AAS 58 (1966) 930)
Este dever funda-se na «própria natureza dos homens»
(II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae,
2: AAS 58 (1966) 931).
Não está em oposição ao «respeito sincero» pelas
diversas religiões, que «muitas vezes refletem um
raio da verdade que ilumina todos os homens»
(II Concílio do Vaticano, Decl. Nostra aetate, 2:
AAS 58 (1966) 742),
nem à exigência da caridade que impele os cristãos «a
agir com amor, prudência e paciência para com os homens
que se encontram no erro ou na ignorância da fé»
(II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae,
14: AAS 58 (1966) 940).
2105. O dever de prestar a Deus um culto autêntico diz
respeito ao homem individual e socialmente. Esta é «a
doutrina católica tradicional sobre o dever moral que os
homens e as sociedades têm para com a verdadeira
religião e a única Igreja de Cristo»
(II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae,
1: AAS 58 (1966) 930).
Ao evangelizar incessantemente os homens, a Igreja
trabalha para que eles possam «impregnar de espírito
cristão as mentalidades e os costumes, as leis e as
estruturas da comunidade em que vivem»
(II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam
actuositatem, 13: AAS 58 (1966) 849).
É dever social dos cristãos respeitar e despertar em
cada homem o amor da verdade e do bem. Esse dever exige
que tornem conhecido o culto da única verdadeira
religião que subsiste na Igreja católica e apostólica
(Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis
humanae, 1: AAS 58 (1966) 930).
Os cristãos são chamados a ser a luz do mundo
(Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam
actuositatem, 13: AAS 58 (1966) 850). A Igreja manifesta assim a realeza de
Cristo sobre toda a criação, e em particular sobre as
sociedades humanas
(Cf. Leão XIII. Enc. Immortale Dei: Leonis XIII
Acta 5, 118-150: Pio XI. Enc. Quas primas: AAS 17
(1925) 593-610).
2106. «Que em matéria religiosa ninguém seja forçado
a agir contra a própria consciência, nem impedido de
proceder dentro dos justos limites segundo a mesma, em
privado e em público, só ou associado com outros»
(II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae,
2: AAS 58 (1966) 931; cf. Id,. Const. past.
Gaudium et spes, 26: AAS 58 (1966) 1046).
Este direito funda-se na própria natureza da pessoa
humana, cuja dignidade a leva a aderir livremente à
verdade divina, que transcende a ordem temporal: e por
isso, «permanece mesmo naqueles que não satisfazem a
obrigação de buscar e aderir à verdade»
(II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae,
2: AAS 58 (1966) 931).
2107. «Se, em razão das circunstâncias particulares
dos diferentes povos, se atribui a determinado grupo
religioso um reconhecimento civil especial na ordem
jurídica, é necessário que, ao mesmo tempo, se reconheça
e assegure a todos os cidadãos e comunidades religiosas
o direito à liberdade em matéria religiosa»
(II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae,
6: AAS 58 (1966) 934).
2108. O direito à liberdade religiosa não é nem a
permissão moral de aderir ao erro
(Cf. Leão XIII, Enc. Libertas praestantissimum:
Leonis XIII Acta 8, 229-230),
nem um suposto direito ao erro
(Cf. Pio XII, Alocução aos participantes no quinto
Congresso nacional italiano da União dos Juristas
católicos (6 de Dezembro de 1953): AAS 45 (1953)
799),
mas um direito natural da pessoa humana à liberdade
civil, isto é, à imunidade do constrangimento exterior,
dentro dos justos limites, em matéria religiosa, por
parte do poder político. Este direito natural deve ser
reconhecido na ordem jurídica da sociedade, de tal
maneira que constitua um direito civil
(Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis
humanae, 2: AAS 58 (1966) 930-931).
2109. O direito à liberdade religiosa não pode, de per
si, ser ilimitado
(Cf. Pio VI, Breve Quod aliquantum (10 de março
de 1791): Collectio Brevium atque Instructionum SS.
D. N. Pii Papae VI, quae ad praesentes Ecclesiae
Catholicae in Gallia 1...] calamitates pertinent
(Romae 1800) p. 54-55)
nem limitado somente por uma «ordem pública»
concebida de maneira positivista ou naturalista
(Cf. Pio IX. Enc. Quanta cura: DS 2890).
Os «justos limites» que lhe são próprios devem
ser determinados para cada situação social pela
prudência política, segundo as exigências do bem comum,
e ratificadas pela autoridade civil, segundo «regras
jurídicas conformes à ordem moral objetiva»
(II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae,
7: AAS 58 (1966) 935).
III. «Não terás outros deuses perante Mim»
2110. O primeiro mandamento proíbe honrar outros deuses,
além do único Senhor que se revelou ao seu povo: e
proíbe a superstição e a irreligião. A superstição
representa, de certo modo, um excesso perverso de
religião; a irreligião é um vício oposto por defeito à
virtude da religião.
A SUPERSTIÇÃO
2111. A superstição é um desvio do sentimento religioso
e das práticas que ele impõe. Também pode afetar o culto
que prestamos ao verdadeiro Deus: por exemplo, quando
atribuímos uma importância de algum modo mágica a certas
práticas, aliás legítimas ou necessárias. Atribuir só à
materialidade das orações ou aos sinais sacramentais a
respectiva eficácia, independentemente das disposições
interiores que exigem, é cair na superstição
(Cf. Mt 23, 16-22).
A IDOLATRIA
2112. O primeiro mandamento condena o politeísmo.
Exige do homem que não acredite em outros deuses além de
Deus, que não venere outras divindades além da única. A
Sagrada Escritura está constantemente a lembrar esta
rejeição dos «ídolos, ouro e prata, obra das mãos do
homem, que têm boca e não falam, têm olhos e não
veem...». Estes ídolos vãos tornam vão o homem:
«sejam como eles os que os fazem e quantos põem neles a
sua confiança» (Sl. 115, 4-5.8)
(Cf. Is. 44, 9-20; Jr. 10, 1-16; Dn. 14, 1-30; Br. 6;
Sb. 13, 1-15.19).
Deus, pelo contrário, é o «Deus vivo» (Js. 3, 10)
(Cf. Sl 42, 3; etc.),
que faz viver e intervém na história.
2113. A idolatria não diz respeito apenas aos falsos
cultos do paganismo. Continua a ser uma tentação
constante para a fé. Ela consiste em divinizar o que não
é Deus. Há idolatria desde o momento em que o homem
honra e reverencia uma criatura em lugar de Deus, quer
se trate de deuses ou de demónios (por exemplo, o
satanismo), do poder, do prazer, da raça, dos
antepassados, do Estado, do dinheiro, etc., «Vós não
podereis servir a Deus e ao dinheiro», diz Jesus
(Mt. 6, 24). Muitos mártires foram mortos por não
adorarem «a Besta»
(Cf. Ap. 13-14),
recusando-se mesmo a simularem-lhe o culto. A idolatria
recusa o senhorio único de Deus; é, pois, incompatível
com a comunhão divina
(Cf. Gl 5, 20: Ef 5, 5).
2114. A vida humana unifica-se na adoração do Único. O
mandamento de adorar o único Senhor simplifica o homem e
salva-o duma dispersão ilimitada. A idolatria é uma
perversão do sentido religioso inato no homem. Idólatra
é aquele que «refere a sua indestrutível noção de
Deus seja ao que for, que não a Deus»
(Orígenes, Contra Celsum 2, 40; SC 132, 378 (PG
11, 861)).
ADIVINHAÇÃO E MAGIA
2115. Deus pode revelar o futuro aos seus profetas ou a
outros santos. Mas a atitude certa do cristão consiste
em pôr-se com confiança nas mãos da Providência, em tudo
quanto se refere ao futuro, e em pôr de parte toda a
curiosidade malsã a tal propósito. A imprevidência, no
entanto, pode constituir uma falta de responsabilidade.
2116. Todas as formas de adivinhação devem ser
rejeitadas: recurso a Satanás ou aos demónios, evocação
dos mortos ou outras práticas supostamente
«reveladoras» do futuro
(Cf. Dr. 18, 10; Jr. 29, 8).
A consulta dos horóscopos, a astrologia, a quiromancia,
a interpretação de presságios e de sortes, os fenómenos
de vidência, o recurso aos "médiuns", tudo isso
encerra uma vontade de dominar o tempo, a história e,
finalmente, os homens, ao mesmo tempo que é um desejo de
conluio com os poderes ocultos. Todas essas práticas
estão em contradição com a honra e o respeito,
penetrados de temor amoroso, que devemos a Deus e só a
Ele.
2117. Todas as práticas de magia ou de
feitiçaria, pelas quais se pretende domesticar os
poderes ocultos para os pôr ao seu serviço e obter um
poder sobrenatural sobre o próximo - ainda que seja para
lhe obter a saúde - são gravemente contrárias à virtude
de religião. Tais práticas são ainda mais condenáveis
quando acompanhadas da intenção de fazer mal a outrem ou
quando recorrem à intervenção dos demónios. O uso de
amuletos também é repreensível. O espiritismo
implica muitas vezes práticas divinatórias ou mágicas;
por isso, a Igreja adverte os fiéis para que se
acautelem dele. O recurso às medicinas ditas
tradicionais não legitima nem a invocação dos poderes
malignos, nem a exploração da credulidade alheia.
A IRRELIGIÃO
2118. O primeiro mandamento da Lei de Deus reprova os
principais pecados de irreligião: tentar a Deus por
palavras ou atos, o sacrilégio, a simonia.
2119. Tentar a Deus consiste em pôr à prova, por
palavras ou atos, a sua bondade e a sua omnipotência.
Foi assim que Satanás quis que Jesus se atirasse do
templo abaixo, para com isso forçar Deus a intervir
(Cf. Lc. 4, 9).
Jesus opôs-lhe a Palavra de Deus: «não tentarás o
Senhor teu Deus» (Dt. 6, 16). O desafio contido em
semelhante tentação a Deus fere o respeito e a confiança
que devemos ao nosso Criador e Senhor, implicando sempre
uma dúvida relativamente ao seu amor, à sua providência
e ao seu poder
(Cf. 1ª Cor. 10, 9; Ex. 17, 2-7: Sl. 95, 9).
2120. O sacrilégio consiste em profanar ou em
tratar indignamente os sacramentos e outras ações
litúrgicas, bem como as pessoas, as coisas e os lugares
consagrados a Deus. O sacrilégio é um pecado grave,
sobretudo quando é cometido contra a Eucaristia, pois
que, neste sacramento, é o próprio corpo de Cristo que
se nos torna presente substancialmente
(Cf. CIC can. 1367.1376).
2121. A simonia
(Cf. At. 8, 9-24)
define-se como a compra ou venda das realidades
espirituais. A Simão, o mago, que queria comprar o poder
espiritual que via operante nos Apóstolos, Pedro
responde: «vá contigo o teu dinheiro para a perdição,
porque julgaste poder adquirir por dinheiro o dom de
Deus» (At. 8, 20). O apóstolo conformava-se, assim,
à Palavra de Jesus: «recebestes de graça, pois daí
gratuitamente» (Mt. 10, 8)
(Cf. já Is. 55, 1).
É impossível alguém apropriar-se dos bens espirituais e
comportar-se a respeito deles como proprietário ou dono,
pois eles têm a sua fonte em Deus, e só d'Ele se podem
receber gratuitamente.
2122. «Além das ofertas determinadas pela autoridade
competente, o ministro nada peça pela administração dos
sacramentos, e tenha o cuidado de que os pobres, em
razão da pobreza, não se vejam privados do auxílio dos
sacramentos»
(CIC can 848).
A autoridade competente fixa essas «oblações» em
virtude do princípio segundo o qual o povo cristão tem o
dever de contribuir para o sustento dos ministros da
Igreja. «O trabalhador merece o seu sustento»
(Mt. 10, 10) (52).
O ATEÍSMO
2123. «Muitos [...] dos nossos contemporâneos não
percebem esta íntima e vital ligação a Deus, ou até a
rejeitam explicitamente; de tal maneira que o ateísmo
deve ser considerado um dos factos mais graves do tempo
atual»
(Cf. Lc. 10, 7; 1ª Cor. 9, 4-18; 1ª Tm. 5, 17-18).
2124. A palavra «ateísmo»
abrange fenómenos muito diversos. Uma forma frequente
dele é o materialismo prático, que limita as suas
necessidades e ambições ao espaço e ao tempo
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 19: AAS 58 (1966) 1039).
O humanismo ateu julga falsamente que o homem «é para
si mesmo o seu próprio fim, o único artífice e demiurgo
da sua própria história»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 20: AAS 58 (1966) 1040).
Uma outra forma do ateísmo contemporâneo é a que espera
a libertação do homem exclusivamente através duma
libertação económica e social, à qual «a religião,
por sua mesma natureza, se oporia, na medida em que,
dando ao homem a esperança duma enganosa vida futura, o
afasta da construção da cidade terrena»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 20: AAS 58 (1966) 1040).
2125. Na medida em que nega ou rejeita a existência de
Deus, o ateísmo é um pecado contra a virtude da religião
(Cf. Rm. 1,18).
A imputabilidade desta falta pode ser largamente
diminuída, atendendo às intenções e às circunstâncias.
Na génese e difusão do ateísmo, «os crentes podem ter
tido parte não pequena, na medida em que, pela
negligência na educação da sua fé, ou por exposições
falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da
sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que
mais esconderam do que revelaram o autêntico rosto de
Deus e da religião»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 19: AAS 58 (1966) 1039).
2126. Muitas vezes, o ateísmo funda-se num falso
conceito da autonomia humana, levado até à recusa de
qualquer dependência em relação a Deus
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 20: AAS 58 (1966) 1040).
No entanto, «o reconhecimento de Deus de modo nenhum
se opõe à dignidade do homem, uma vez que está se funda
e se realiza no próprio Deus»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 21: AAS 58 (1966) 1040).
A Igreja sabe que «a sua mensagem está de acordo com
os desejos mais profundos do coração humano»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 21: AAS 58 (1966) 1042).
O AGNOSTICISMO
2127. O agnosticismo reveste muitas formas. Em certos
casos, o agnóstico recusa-se a negar Deus. Postula, pelo
contrário, a existência dum ser transcendente, incapaz
de se revelar e do qual ninguém seria capaz de dizer
fosse o que fosse. Em outros casos, não se pronuncia
sobre a existência de Deus, declarando ser impossível
prová-la, e até afirmá-la ou negá-la.
2128. O agnosticismo pode, por vezes, encerrar uma certa
busca de Deus. Mas pode igualmente representar um
indiferentismo, uma fuga perante a questão última da
existência e uma preguiça da consciência moral. Com
muita frequência, o agnosticismo equivale a um ateísmo
prático.
IV. «Não farás para ti nenhuma imagem esculpida...»
2129. Esta imposição divina comportava a interdição de
qualquer representação de Deus feita pela mão do homem.
O Deuteronómio explica: «tomai muito cuidado
convosco, pois não vistes imagem alguma no dia em que o
Senhor vos falou no Horeb do meio do fogo. Portanto, não
vos deixeis corromper, fabricando para vós imagem
esculpida» do quer que seja (Dt. 4, 15-16).
Quem Se revelou a Israel foi o Deus absolutamente
transcendente. «Ele é tudo», mas, ao mesmo tempo,
«está acima de todas as suas obras» (Sir. 43,
27-28). Ele é «a própria fonte de toda a beleza
criada» (Sb. 13, 3).
2130. No entanto, já no Antigo Testamento Deus ordenou
ou permitiu a instituição de imagens, que conduziriam
simbolicamente à salvação pelo Verbo encarnado: por
exemplo, a serpente de bronze
(Cf. Nm. 21, 4-9: Sb. 16, 5-14; Jo. 3, 14-15)
a arca da Aliança e os querubins
(Cf. Ex. 25, 10-22: 1º Rs. 6, 23-28; 7, 23-26).
2131. Com base no mistério do Verbo encarnado, o sétimo
Concílio ecuménico, de Niceia (ano de 787) justificou,
contra os iconoclastas, o culto dos ícones: dos de
Cristo, e também dos da Mãe de Deus, dos anjos e de
todos os santos. Encarnando, o Filho de Deus inaugurou
uma nova «economia» das imagens.
2132. O culto cristão das imagens não é contrário ao
primeiro mandamento, que proíbe os ídolos. Com efeito,
«a honra prestada a uma imagem remonta
(São Basílio Magno, Liber de Spiritu Sancto, 18,
45: SC 17bis. 406 (Pg. 32, 149))
ao modelo original»
e «quem venera uma imagem venera nela a pessoa
representada»
(II Concílio de Niceia, Definitio de sacris
imaginibus: DS 601; cf. Concílio de Trento, Sess.
25ª, Decretum de invocatione, veneratione et
reliquiis sanctorum, et sacris imaginibus: DS
1821-1825: II Concílio do Vaticano, Const.
Sacrosanctum Concilium, 125: AAS 56 (1964) 132: Id.,
Const. dogm. Lumen Gentium, 67: AAS 57 (1965)
65-66).
A honra prestada às santas imagens é uma «veneração
respeitosa», e não uma adoração, que só a Deus se
deve:
- «o culto da religião não se dirige às imagens em si
mesmas como realidades, mas olha-as sob o seu aspecto
próprio de imagens que nos conduzem ao Deus encarnado.
Ora, o movimento que se dirige à imagem enquanto tal não
se detém nela, mas orienta-se para a realidade de que
ela é imagem»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2. q.
81, a. 3, ad 3: Ed. Leon. 9, 180).
Resumindo:
2133. «Amarás o Senhor teu Deus, com todo o teu
coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças»
(Dt. 6, 5).
2134. O primeiro mandamento chama o homem a crer em
Deus, a esperar n'Ele e a amá-Lo sobre todas as coisas.
2135. «Ao Senhor teu Deus adorarás» (Mt. 4, 10).
Adorar a Deus, orar-Lhe, prestar-Lhe o culto que Lhe é
devido, cumprir as promessas e votos que se Lhe fizeram,
são atos da virtude da religião, que traduzem a
obediência ao primeiro mandamento.
2136. O dever de prestar a Deus um culto autêntico
diz respeito ao homem, individual e socialmente.
2137. O homem deve poder professar livremente a
religião, tanto em privado como em público
(Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis
humanae, 15: AAS 58 (1966) 940).
2138. A superstição é um desvio do culto que
prestamos ao verdadeiro Deus. Manifesta-se na idolatria,
bem como nas diferentes formas de adivinhação e magia.
2139. O ato de tentar a Deus por palavras ou por
obras, o sacrilégio e a simonia são pecados de
irreligião, proibidos pelo primeiro mandamento.
2140. Na medida em que rejeita ou recusa a existência
de Deus, o ateísmo é um pecado contra o primeiro
mandamento.
2141. O culto das imagens sagradas funda-se no
mistério da encarnação do Verbo de Deus. E não é
contrário ao primeiro mandamento.
ARTIGO 2
O SEGUNDO MANDAMENTO
«Não invocarás em vão o nome do Senhor teu Deus»
(Ex. 20, 7)
(Cf. Dt. 5, 11).
«Foi dito aos antigos: "não faltarás ao que tiveres
jurado" [...]. Pois Eu digo-vos que não jureis, em caso
algum» (Mt. 5, 33-34).
I. O nome do Senhor é Santo
2142. O segundo mandamento manda respeitar o nome do
Senhor. Depende, como o primeiro mandamento, da
virtude da religião, e regula, dum modo mais particular,
o nosso uso da palavra nas coisas santas.
2143. Entre todas as palavras da Revelação, há uma,
singular, que é a revelação do nome de Deus. Deus confia
o seu nome aos que creem n'Ele; revela-se-lhes no seu
mistério pessoal. O dom do nome é da ordem da
confidência e da intimidade. «O nome do Senhor é
Santo»; por isso, o homem não pode abusar dele. Deve
guardá-lo na memória, num silêncio de adoração amorosa
(Cf. Zc. 2, 17).
E não o empregará nas suas próprias palavras senão para
o bendizer, louvar e glorificar
(Cf. Sl. 29, 2; 96, 2; 113, 1-2).
2144. A deferência para com o seu nome exprime a que é
devida ao mistério do próprio Deus e a toda a realidade
sagrada que ele evoca. O sentido do sagrado
deriva da virtude da religião:
«Os sentimentos de temor e de sagrado serão ou não
sentimentos cristãos? [...] Ninguém pode razoavelmente
pôr isso em dúvida. São os sentimentos que nós teríamos,
e num grau intenso, se tivéssemos a visão do Deus
soberano. São os sentimentos que nós teríamos, se
tivéssemos consciência da sua presença. Ora, na medida
em que acreditamos que Ele está presente, devemos ter
tais sentimentos. Não os ter é não estar conscientes
desta realidade, é não crer que Ele está presente»
(Ioannes Henricus Newman, Parochial and Plain Sermons,
v. 5, Sermon 2 [Reverence, a Belief in God's Presence]
(Westminster 1967) p. 21-22).
2145. O fiel deve dar testemunho do nome do Senhor,
confessando a sua fé sem ceder ao medo (Cf.
Mt. 10, 32; 1ª Tm. 6, 12).
A pregação e a catequese devem estar compenetradas de
adoração e respeito pelo nome de nosso Senhor Jesus
Cristo.
2146. O segundo mandamento proíbe o abuso do nome de
Deus, isto é, todo o uso inconveniente do nome de
Deus, de Jesus Cristo, da Virgem Maria e de todos os
santos.
2147. As promessas feitas a outrem, em nome de
Deus, comprometem a honra, a fidelidade, a veracidade e
a autoridade divinas. Devem ser respeitadas por justiça.
Ser-lhes infiel é abusar do nome de Deus e, de certo
modo, fazer de Deus um mentiroso
(Cf. 1ª Jo. 1, 10)
2148. A blasfémia opõe-se diretamente ao segundo
mandamento. Consiste em proferir contra Deus - interior
ou exteriormente - palavras de ódio, de censura, de
desafio; dizer mal de Deus; faltar-Lhe ao respeito nas
conversas; abusar do nome d'Ele. São Tiago reprova
aqueles «que blasfemam o bom nome [de Jesus] que
sobre eles foi invocado» (Tg. 2, 7). A proibição da
blasfémia estende-se às palavras contra a Igreja de
Cristo, contra os santos, contra as coisas sagradas. É
também blasfematório recorrer ao nome de Deus para
justificar práticas criminosas, reduzir povos à
escravidão, torturar ou condenar à morte. O abuso do
nome de Deus para cometer um crime provoca a rejeição da
religião.
A blasfémia é contrária ao respeito devido a Deus e ao
seu santo nome. É, em si mesma, pecado grave
(Cf. CIC can. 1369).
2149. As juras, que invocam o nome de Deus sem
intenção de blasfémia, são uma falta de respeito para
com o Senhor. O segundo mandamento interdiz também o
uso mágico do nome divino.
- «O nome de Deus é grande, quando é pronunciado com o
respeito devido à sua grandeza e majestade. O nome de
Deus é santo. quando se pronuncia com veneração e temor
de o ofender»
(Santo Agostinho, De Sermone Domini in monte, 2,
5, 19: CCL 35, 109 (PL 34, 1278)).
II. O nome do Senhor invocado em vão
2150. O segundo mandamento proíbe jurar falso.
Fazer um juramento, ou jurar, é tomar a Deus como
testemunha do que se afirma. É invocar a veracidade
divina como garantia da própria veracidade. O juramento
compromete o nome do Senhor. «Ao Senhor, teu Deus,
adorarás, a Ele servirás e pelo seu nome jurarás»
(Dt. 6, 13).
2151. A reprovação do falso juramento é um dever para
com Deus. Como Criador e Senhor, Deus é a regra de toda
a verdade. A palavra humana, ou está de acordo ou em
oposição a Deus, que é a própria verdade. Quando é
verídico e legítimo, o juramento realça a relação da
palavra humana com a verdade de Deus. O juramento falso
invoca Deus como testemunha de uma mentira.
2152. Comete perjúrio aquele que, sob juramento,
faz uma promessa que não tem a intenção de cumprir ou
que, depois de ter prometido sob juramento, de fato não
cumpre. O perjúrio constitui uma grave falta de respeito
para com o Senhor de toda a palavra. Comprometer-se sob
juramento a praticar uma ação má é contrário à santidade
do nome divino.
2153. Jesus expôs o segundo mandamento no sermão da
montanha: «ouvistes que foi dito aos antigos: "não
faltarás ao que tiveres jurado, mas cumprirás os teus
juramentos para com o Senhor". Eu, porém, digo-vos que
não jureis em caso algum [...]. A vossa linguagem deve
ser: "sim, sim; não, não". O que passa disto vem do
Maligno» (Mt. 5, 33-34. 37)
(Cf. Tg. 5, 12).
Jesus ensina que todo o juramento implica uma referência
a Deus e que a presença de Deus e da sua verdade deve
ser honrada em toda a palavra. A discrição no recurso a
Deus, ao falar, anda a par com a atenção respeitosa à
sua presença, testemunhada ou desrespeitada em cada uma
das nossas afirmações.
2154. Seguindo o exemplo de São Paulo
(Cf. 2ª Cor. 1, 23; Gl. 1, 20),
a Tradição da Igreja entendeu a palavra de Jesus como
não se opondo ao juramento, quando feito por uma causa
grave e justa (por exemplo, diante do tribunal). «O
juramento, isto é, a invocação do nome de Deus como
testemunha da verdade, não se pode prestar senão com
verdade, discernimento e justiça»
(CIC can. 1199. § 1).
2155. A santidade do nome de Deus exige que não se
recorra a ele por questões fúteis, e que não se preste
juramento em circunstâncias susceptíveis de serem
interpretadas como uma aprovação do poder que
injustamente o exigisse. Quando o juramento é exigido
por autoridades civis ilegítimas, pode ser recusado. E
deve sê-lo, se for pedido para fins contrários à
dignidade das pessoas ou à comunhão da Igreja.
III. O nome cristão
2156. O sacramento do Batismo é conferido «em nome do
Pai e do Filho e do Espírito Santo» (Mt. 28, 19). No
Batismo, o nome do Senhor santifica o homem, e o cristão
recebe o seu nome na Igreja. Pode ser o dum santo, isto
é, dum discípulo que levou uma vida de fidelidade
exemplar ao seu Senhor. O patrocínio do santo oferece um
modelo de caridade e assegura a sua intercessão. O
«nome de batismo» pode também exprimir um mistério
cristão ou uma virtude cristã. «Procurem os pais, os
padrinhos e o pároco que não se imponham nomes alheios
ao sentir cristão»
(CIC can. 855).
2157. O cristão começa o seu dia, as suas orações, as
suas atividades, pelo sinal da cruz «em nome do Pai e do
Filho e do Espírito Santo. Ámen». O batizado consagra o
dia à glória de Deus e apela para a graça do Salvador,
que lhe permite agir no Espírito, como filho do Pai. O
sinal da cruz fortalece-nos nas tentações e nas
dificuldades.
2158. Deus chama a cada um pelo seu nome
(Cf. Is. 43, 1: Jo. 10, 3).
O nome de todo o homem é sagrado. O nome é a imagem da
pessoa. Exige respeito, como sinal da dignidade de quem
por ele se identifica.
2159. O nome recebido é um nome de eternidade. No Reino,
o carácter misterioso e único de cada pessoa marcada com
o nome de Deus resplandecerá em plena luz. «Ao
vencedor [...] dar-lhe-ei uma pedra na qual estará
escrito um novo nome, que ninguém conhece, a não ser
aquele que a recebe» (Ap. 2, 17). «Olhei e vi: o
Cordeiro estava sobre o monte de Sido, e com Ele cento e
quarenta e quatro mil pessoas, que tinham inscrito na
fronte o nome d'Ele e o do seu Pai» (Ap. 14, 1).
Resumindo:
2160. «Senhor; nosso Deus, como é admirável o vosso
nome em toda a terra! (Sl. 8, 2).
2161. O segundo mandamento manda respeitar o nome do
Senhor: o nome do Senhor é santo.
2162. O segundo mandamento proíbe o uso inconveniente
do nome de Deus. A blasfémia consiste em usar o nome de
Deus, de Jesus Cristo, da Virgem Maria e dos santos de
modo injurioso.
2163. O juramento falso invoca Deus como testemunha
duma mentira. O perjúrio é uma falta grave contra o
Senhor; sempre fiel às suas promessas.
2164. «Não jurar nem pelo Criador, nem pela criatura,
senão com verdade, por necessidade e com reverência»
(Santo Inácio de Loiola, Exercitia spiritualia,
38: MHSI 100, 174).
2165. No Batismo, o cristão
recebe o seu nome na Igreja. Procurem os pais, os
padrinhos e o pároco que lhe seja imposto um nome
cristão. O patrocínio dum santo oferece um modelo de
caridade e assegura a sua intercessão.
2166. O cristão começa as suas orações e as suas
atividades pelo sinal da cruz «em nome do Pai e do Filho
e do Espírito Santo. Ámen».
2167. Deus chama a cada um pelo seu nome
(Cf. Is. 43, 1).
ARTIGO 3
O TERCEIRO MANDAMENTO
«Lembra-te do dia do sábado para o santificares. Durante
seis dias trabalharás e farás todos os teus trabalhos.
Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus. Não
farás nele nenhum trabalho»
(Ex. 20, 8-10)
(Cf. Dt. 5, 12-15).
«O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o
sábado: o Filho do Homem até do sábado é Senhor»
(Mc. 2, 27-28).
I. O dia do sábado
2168. O terceiro mandamento do Decálogo refere-se à
santificação do sábado: «o sétimo dia é um sábado: um
descanso completo consagrado ao Senhor» (Ex. 31,
15).
2169. A Escritura faz, a este propósito, memória da
criação: «porque em seis dias o Senhor fez o céu e a
terra, o mar e tudo o que nele se encontra, mas ao
sétimo dia descansou. Eis porque o Senhor abençoou o dia
do sábado e o santificou» (Ex. 20, 11).
2170. A Escritura vê também, no dia do Senhor, o
memorial da libertação de Israel da escravidão do
Egito: «recorda-te de que foste escravo no país do
Egito, de onde o Senhor, teu Deus, te fez sair com mão
forte e braço poderoso. É por isso que o Senhor, teu
Deus, te ordenou que guardasses o dia de sábado»
(Dt. 5, 15).
2171. Deus confiou a Israel o sábado, para ele o guardar
em sinal da Aliança inviolável
(Cf. Ex. 31, 16).
O sábado é para o Senhor, santamente reservado ao louvor
de Deus, da sua obra criadora e das suas ações
salvíficas a favor de Israel.
2172. O agir de Deus é o modelo do agir humano. Se Deus
«descansou» no sétimo dia (Ex. 31, 17), o homem
deve também «descansar» e deixai que os outros,
sobretudo os pobres, «tomem fôlego»
(Cf. Ez. 23, 12). O sábado faz cessar os trabalhos
quotidianos e concede uma folga. É um dia de protesto
contra as servidões do trabalho e o culto do dinheiro
2173. O Evangelho relata numerosos incidentes em que
Jesus é acusado de violar a lei do sábado. Mas Jesus
nunca viola a santidade deste dia
(Cf. Ne. 13, 15-22; 2º Cr. 36, 21).
É com autoridade que Ele dá a sua interpretação
autêntica desta lei: «o sábado foi feito para o homem
e não o homem para o sábado» (Mc. 2, 27). Cheio de
compaixão, Cristo autoriza-Se, em dia de sábado,
(Cf. Mc. 1, 21; Jo. 9, 16)
a fazer o bem em vez do mal, a salvar uma vida antes que
perdê-la
(Cf. Mc. 3, 4).
O sábado é o dia do Senhor das misericórdias e da honra
de Deus
(Cf. Mt. 12, 5; Jo. 7, 23).
«O Filho do Homem é Senhor do próprio sábado»
(Mc. 2, 28).
II. O dia do Senhor
«Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de
alegria»
(Sl. 118, 24).
O DIA DA RESSURREIÇÃO: A NOVA CRIAÇÃO
2174. Jesus ressuscitou de entre os mortos «no
primeiro dia da semana» (Mc. 16, 2)
(Cf. Mt. 28, 1; Lc. 24, 1; Jo. 20, 1).
Enquanto «primeiro dia», o dia da ressurreição de
Cristo lembra a primeira criação. Enquanto «oitavo
dia», a seguir ao sábado
(Cf. Mc. 16, 1: Mt. 28, 1),
significa a nova criação, inaugurada com a ressurreição
de Cristo. Este dia tornou-se para os cristãos o
primeiro de todos os dias, a primeira de todas as
festas, o dia do Senhor (Hê kuriakê hêméra, dies
dominica), o «Domingo»:
- «reunimo-nos todos no dia do Sol, porque foi o
primeiro dia [após o Sábado judaico, mas também o
primeiro dia] em que Deus, tirando das trevas a matéria,
criou o mundo, mas também porque Jesus Cristo, nosso
Salvador, nesse mesmo dia ressuscitou dos mortos»
(São Justino, Apologia, 1, 67: CA 1, 188 (Pg. 6,
429-432)).
O DOMINGO - REALIZAÇÃO DO SÁBADO
2175. O domingo distingue-se expressamente do sábado, ao
qual sucede cronologicamente, em cada semana, e cuja
prescrição ritual substitui, para os cristãos. O domingo
realiza plenamente, na Páscoa de Cristo, a verdade
espiritual do sábado judaico e anuncia o descanso eterno
do homem, em Deus. Porque o culto da Lei preparava para
o mistério de Cristo e o que nela se praticava era
figura de algum aspecto relativo a Cristo
(Cf. 1ª Cor. 10, 11):
- «os que viveram segundo a antiga ordem das coisas
alcançaram uma nova confiança, não guardando já o sábado
mas o dia do Senhor, em que a nossa vida foi abençoada
por Ele e pela sua morte»
(Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Mgnesios,
9, 11: SC 10bis, 88 (Fusk 1, 236-238)).
2176. A celebração do domingo é o cumprimento da
prescrição moral, naturalmente inscrita no coração do
homem, de «prestar a Deus um culto exterior, visível,
público e regular, sob o signo da sua bondade universal
para com os homens»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2. q.
122. a. 4. c: Ed. Leon. 9, 478).
O culto dominical cumpre o preceito moral da Antiga
Aliança, cujo ritmo e espírito retoma, ao celebrar em
cada semana o Criador e o Redentor do seu povo.
A EUCARISTIA DOMINICAL
2177. A celebração dominical do Dia e da Eucaristia do
Senhor está no coração da vida da Igreja. «O domingo,
em que se celebra o mistério pascal, por tradição
apostólica, deve guardar-se em toda a Igreja como o
primordial dia festivo de preceito»
(CIC can. 1246, § 1).
«Do mesmo modo devem guardar-se os dias do Natal de
Nosso Senhor Jesus Cristo, Epifania, Ascensão e
santíssimo corpo e sangue de Cristo, Santa Maria Mãe de
Deus, sua Imaculada Conceição e Assunção, São José e os
Apóstolos São Pedro e São Paulo, e finalmente o de todos
os Santos»
(CIC can. 1246, § 1).
2178. Esta prática da reunião da assembleia cristã data
dos princípios da idade apostólica
(Cf. At. 2, 42-46; 1ª Cor. 11, 17).
A Epístola aos Hebreus lembra: «sem abandonarmos a
nossa assembleia, como é costume de alguns, mas
exortando-nos mutuamente» (Heb. 10, 25).
A Tradição guarda a lembrança duma exortação sempre
atual: «vir cedo à igreja. aproximar-se do Senhor e
confessar os próprios pecados, arrepender-se deles na
oração [...], assistir à santa e divina liturgia, acabar
a sua oração e não sair antes da despedida [...]. Muitas
vezes o temos dito: este dia é-vos dado para a oração e
o descanso. É o dia que o Senhor fez: nele exultemos e
cantemos de alegria»
(Pseudo Eusébio de Alexandria,
Sermo de die dominica:
PG 86 / 1, 416 e 421).
2179. «A paróquia é uma certa comunidade de fiéis,
constituída estavelmente na Igreja particular, cuja cura
pastoral, sob a autoridade do Bispo Diocesano, está
confiada ao pároco, como a seu pastor próprio»
(CIC can. 515. § 1). É o lugar onde todos os fiéis podem
reunir-se para a celebração dominical da Eucaristia. A
paróquia inicia o povo cristão na expressão ordinária da
vida litúrgica e reúne-o nesta celebração; ensina a
doutrina salvífica de Cristo; e pratica a caridade do
Senhor em obras boas e fraternas
(Cf. João Paulo II, Ex. ap. Christifideles laici,
26: AAS 81 (1989) 437-440):
- «podes também rezar em tua casa; mas não podes
rezar aí como na Igreja, onde muitos se reúnem, onde o
grito é lançado a Deus de um só coração. [...] Há lá
qualquer coisa mais: a união dos espíritos, a harmonia
das almas, o laço da caridade, as orações dos
sacerdotes»
(São João Crisóstomo, De incomprehensibili Dei
natura seu contra Anomeos, 3, 6: SC 28bis, 218 (PL
48, 725)).
A OBRIGAÇÃO DO DOMINGO
2180. O mandamento da Igreja determina e precisa a lei
do Senhor: «no domingo e nos outros dias festivos de
preceito, os fiéis têm obrigação de participar na missa»
(CIC can. 1247).
«Cumpre o preceito de participar na missa quem a ela
assiste onde quer que se celebre em rito católico, quer
no próprio dia festivo quer na tarde do antecedente»
(CIC can. 1248, § 1).
2181. A Eucaristia dominical fundamenta e sanciona toda
a prática cristã. É por isso que os fiéis têm obrigação
de participar na Eucaristia nos dias de preceito, a
menos que estejam justificados, por motivo sério (por
exemplo, doença, obrigação de cuidar de crianças de
peito) ou dispensados pelo seu pastor
(Cf. CIC can. 1245).
Os que deliberadamente faltam a esta obrigação cometem
um pecado grave.
2182. A participação na celebração comum da Eucaristia
dominical é um testemunho de pertença e fidelidade a
Cristo e à sua Igreja. Os fiéis atestam desse modo a sua
comunhão na fé e na caridade. Juntos, dão testemunho da
santidade de Deus e da sua esperança na salvação. E
reconfortam-se mutuamente, sob a ação do Espírito Santo.
2183. «Se for impossível a participação na celebração
eucarística por falta de ministro sagrado ou por outra
causa grave, recomenda-se muito que os fiéis tomem parte
na liturgia da Palavra, se a houver na igreja paroquial
ou noutro lugar sagrado, celebrada segundo as
prescrições do Bispo Diocesano, ou consagrem um tempo
conveniente à oração pessoal ou em família ou em grupos
de famílias, conforme a oportunidade»
(CIC can. 1248, § 2).
DIA DE GRAÇA E DE CESSAÇÃO DO TRABALHO
2184. Tal como Deus «repousou no sétimo dia, depois
de todo o trabalho que realizara» (Gn. 2, 2), assim
a vida humana é ritmada pelo trabalho e pelo repouso. A
instituição do Dia do Senhor contribui para que todos
gozem do tempo de descanso e lazer suficiente, que lhes
permita cultivar a vida familiar, cultural, social e
religiosa
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 67: AAS 58 (1966) 1089).
2185. Aos domingos e outros dias festivos de preceito,
os fiéis abstenham-se de trabalhos e negócios que
impeçam o culto devido a Deus, a alegria própria do Dia
do Senhor, a prática das obras de misericórdia ou o
devido repouso do espírito e do corpo
(Cf. CIC can. 1247).
As necessidades familiares ou uma grande utilidade
social constituem justificações legítimas em relação ao
preceito do descanso dominical. Mas os fiéis estarão
atentos a que legítimas desculpas não introduzam hábitos
prejudiciais à religião, à vida de família e à saúde.
«O amor da verdade procura o ócio santo: a necessidade
do amor aceita o negócio justo»
(Santo Agostinho, De civitate Dei, 19, 19: CSEL
40/2.407 (PL 41, 647)).
2186. Os cristãos que dispõem de tempos livres
lembrem-se dos seus irmãos que têm as mesmas
necessidades e os mesmos direitos, e não podem descansar
por motivos de pobreza e de miséria. O domingo é
tradicionalmente consagrado, pela piedade cristã, às
boas obras e aos serviços humildes dos doentes, enfermos
e pessoas de idade. Os cristãos também santificarão o
domingo prestando à sua família e vizinhos tempo e
cuidados difíceis de prestar nos outros dias da semana.
O domingo é um tempo de reflexão, de silêncio, de
cultura e de meditação, que favorecem o crescimento da
vida interior e cristã.
2187. Santificar os domingos e festas de guarda exige um
esforço comum. Todo o cristão deve evitar impor a
outrem, sem necessidade, o que possa impedi-lo de
guardar o Dia do Senhor. Quando os costumes (desporto,
restaurantes, etc.) e as obrigações sociais (serviços
públicos, etc.) reclamam de alguns um trabalho
dominical, cada um fica com a responsabilidade de um
tempo suficiente de descanso. Os fiéis estarão atentos,
com moderação e caridade, para evitar os excessos e
violências originados às vezes nas diversões de massa.
Não obstante as pressões de ordem económica, os poderes
públicos preocupar-se-ão em assegurar aos cidadãos um
tempo destinado ao repouso e ao culto divino. Os patrões
têm obrigação análoga para com os seus empregados.
2188. No respeito pela liberdade religiosa e pelo bem
comum de todos, os cristãos devem esforçar-se pelo
reconhecimento dos domingos e dias santos da Igreja como
dias feriados legais. Devem dar a todos o exemplo
público de oração, respeito e alegria, e defender as
suas tradições como uma contribuição preciosa para a
vida espiritual da sociedade humana. Se a legislação do
país ou outras razões obrigarem a trabalhar ao domingo,
que este dia seja vivido, no entanto, como sendo o dia
da nossa libertação, que nos faz participantes da
«reunião festiva», da «assembleia de primogénitos
inscritos nos céus» (Heb. 12, 22-23).
Resumindo:
2189. «Guarda o dia do sábado para o santificar»
(Dt. 5, 12). «O sétimo dia será um dia de repouso
completo, consagrado ao Senhor» (Ex. 31, 15).
2190. O sábado, que representava o acabamento da
primeira criação, é substituído pelo domingo, que lembra
a criação nova, inaugurada na ressurreição de Cristo.
2191. A Igreja celebra o dia da ressurreição de
Cristo no oitavo dia que, com razão, se chama dia do
Senhor ou domingo
(Cf.
II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 106: AAS 56 (1964) 126).
2192. «O domingo [...] deve guardar-se em toda a
Igreja como o primordial dia festivo de preceito»
(CIC can. 1246, § 1).
«No domingo e outros
dias santos de preceito, os fiéis têm obrigação de
participar na Missa»
(CIC can. 1247).
2193. «No domingo e nos outros dias festivos de
preceito, os fiéis [...] abstenham-se daqueles trabalhos
e negócios que impeçam o culto a prestar a Deus, a
alegria própria do dia do Senhor ou o devido descanso do
espírito e do corpo»
(CIC can. 1247).
2194. A instituição do domingo contribui para que
«todos gozem do tempo suficiente de repouso e lazer, que
lhes permita atender vida familiar, cultural, social e
religiosa»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 67: AAS 58 (1966) 1089).
2195. Todo o cristão deve evitar impor a outrem, sem
necessidade, o que o impeça de guardar o Dia do Senhor.
A VIDA EM CRISTO
SEGUNDA
SECÇÃO
OS DEZ MANDAMENTOS
CAPÍTULO SEGUNDO
«AMARÁS O TEU PRÓXIMO COMO A TI MESMO»
Jesus disse aos discípulos: «amai-vos uns aos outros,
como Eu vos amei» (Jo. 13, 34).
2196. Respondendo à questão posta sobre o primeiro dos
mandamentos, Jesus disse: «o primeiro é: "escuta,
Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o
Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua
alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas
forças!". O segundo é este: "amarás o teu próximo como a
ti mesmo". Não há outro mandamento maior do que estes»
(Mc. 12, 29-31).
E o apóstolo São Paulo lembra: «quem ama o próximo
cumpre plenamente a lei. De fato: "não cometerás
adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás",
bem como qualquer outro mandamento, estão resumidos numa
só frase: "amarás ao próximo como a ti mesmo". O amor
não faz mal ao próximo. Assim, é no amor que está o
pleno cumprimento da lei» (Rm. 13, 8-10).
ARTIGO 4
O QUARTO MANDAMENTO
«Honra pai e mãe, a fim de prolongares os teus dias na
terra que o Senhor teu Deus te vai dar»
(Ex. 20, 12).
«Era-lhes submisso»
(Lc. 2, 51).
O próprio Senhor Jesus lembrou a força deste
«mandamento de Deus»
(Cf. Mc. 7, 8-13).
E o Apóstolo ensina: «filhos, obedecei aos vossos pais,
no Senhor, pois é isso que é justo. "Honra pai e mãe" -
tal é o primeiro mandamento, com uma promessa "para que
sejas feliz e gozes de longa vida sobre a terra"»
(Ef. 6, 1-3)
(Cf. Dt 5, 16).
2197. O quarto mandamento é o primeiro da segunda tábua,
e indica a ordem da caridade. Deus quis que, depois de
Si, honrássemos os nossos pais, a quem devemos a vida e
que nos transmitiram o conhecimento de Deus. Temos
obrigação de honrar e respeitar todos aqueles que Deus,
para nosso bem, revestiu da sua autoridade.
2198. Este mandamento exprime-se sob a forma positiva de
deveres a cumprir. Anuncia os mandamentos seguintes,
relativos ao respeito particular pela vida, pelo
matrimónio, pelos bens terrenos, pela palavra dada. E
constitui um dos fundamentos da doutrina social da
Igreja.
2199. O quarto mandamento dirige-se expressamente aos
filhos nas suas relações com o pai e a mãe, porque esta
relação é a mais universal. Mas diz respeito igualmente
às relações de parentesco com os membros do grupo
familiar. Exige que se preste honra, afeição e
reconhecimento aos avós e antepassados. E, enfim,
extensivo aos deveres dos alunos para com os
professores, dos empregados para com os patrões, dos
subordinados para com os chefes e dos cidadãos para com
a pátria e para com quem os administra ou governa.
Este mandamento implica e subentende os deveres dos
pais, tutores, professores, chefes, magistrados,
governantes, todos aqueles que exercem alguma autoridade
sobre outrem ou sobre uma comunidade de pessoas.
2200. A observância do quarto mandamento comporta a
respectiva recompensa: «honra pai e mãe, a fim de
prolongares os teus dias na terra que o Senhor teu Deus
te vai dar» (Ex. 20, 12)
(Cf. Dt. 5, 16).
O respeito por este mandamento proporciona, com os
frutos espirituais, os frutos temporais da paz e da
prosperidade. Pelo contrário, a sua inobservância
acarreta grandes danos às comunidades e às pessoas
humanas.
I. A família no plano de Deus
NATUREZA DA FAMÍLIA
2201. A comunidade conjugal assenta sobre o
consentimento dos esposos. O matrimónio e a família
estão ordenados para o bem dos esposos e para a
procriação e educação dos filhos. O amor dos esposos e a
geração dos filhos estabelecem, entre os membros duma
mesma família, relações pessoais e responsabilidades
primordiais.
2202. Um homem e uma mulher, unidos em matrimónio,
formam com os seus filhos uma família. Esta disposição
precede todo e qualquer reconhecimento por parte da
autoridade pública e impõe-se a ela. Deverá ser
considerada como a referência normal, em função da qual
serão apreciadas as diversas formas de parentesco.
2203. Ao criar o homem e a mulher, Deus instituiu a
família humana e dotou-a da sua constituição
fundamental. Os seus membros são pessoas iguais em
dignidade. Para o bem comum dos seus membros e da
sociedade, a família implica uma diversidade de
responsabilidades, de direitos de deveres.
A FAMÍLIA CRISTÃ
2204. «A família cristã constitui uma revelação e uma
realização específica da comunhão eclesial; por esse
motivo [...], há -de ser designada como uma igreja
doméstica»
(João Paulo II. Ex. ap. Familiaris consortio, 21:
AAS 74 (1982) 105; cf. II Concílio
do Vaticano,
Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16).
Ela é uma comunidade de fé, de confiança e de caridade:
reveste-se duma importância singular na Igreja, como
transparece do Novo Testamento
(Cf. Ef. 5, 21-6, 4; Cl. 3, 18-21; 1ª Pe. 3, 1-7).
2205. A família cristã é uma comunhão de pessoas,
vestígio e imagem da comunhão do Pai e do Filho, no
Espírito Santo. A sua atividade procriadora e educativa
é o reflexo da obra criadora do Pai. É chamada a
partilhar da oração e do sacrifício de Cristo. A oração
quotidiana e a leitura da Palavra de Deus fortalecem
nela a caridade. A família cristã é evangelizadora e
missionária.
2206. As relações no seio da família comportam uma
afinidade de sentimentos, de afetos e de interesses, que
provêm sobretudo do mútuo respeito das pessoas. A
família é uma comunidade privilegiada, chamada a
realizar a comunhão das almas, o comum acordo dos
esposos e a diligente cooperação dos pais na educação
dos filhos
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 52: AAS 58 (1966) 1073).
II. A família e a sociedade
2207. A família é a célula originária da vida social.
É ela a sociedade natural em que o homem e a mulher
são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida. A
autoridade, a estabilidade e a vida de relações no seio
da família constituem os fundamentos da liberdade, da
segurança, da fraternidade no seio da sociedade. A
família é a comunidade em que, desde a infância, se
podem aprender os valores morais, começar a honrar a
Deus e a fazer bom uso da liberdade. A vida da família é
iniciação à vida em sociedade.
2208. A família deve viver de modo que os seus membros
aprendam a preocupar-se e a encarregar-se dos jovens e
dos velhos, das pessoas doentes ou incapacitadas e dos
pobres. São muitas as famílias que, em certos momentos,
se não encontram em condições de prestar esta ajuda.
Recai então sobre outras pessoas, outras famílias e,
subsidiariamente, sobre a sociedade, o dever de prover a
estas necessidades: «a religião pura e sem mancha,
aos olhos de Deus nosso Pai, consiste em visitar os
órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se
limpo do contágio do mundo» (Tg. 1, 27).
2209. A família deve ser ajudada e defendida por medidas
sociais apropriadas. Nos casos em que as famílias não
estiverem em condições de cumprir as suas funções, os
outros corpos sociais têm o dever de as ajudar e de
amparar a instituição familiar. Mas, segundo o princípio
da subsidiariedade, as comunidades mais vastas
abster-se-ão de lhe usurpar as suas prerrogativas ou de
se imiscuir na sua vida.
2210. A importância da família na vida e no bem-estar da
sociedade
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 47: AAS 58 (1966) 1067)
implica uma responsabilidade particular desta no apoio e
fortalecimento do matrimónio e da família. A autoridade
civil deve considerar como seu grave dever
«reconhecer e proteger a verdadeira natureza do
matrimónio e da família, defender a moralidade pública e
favorecer a prosperidade doméstica»
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 52: AAS 58 (1966) 1073).
2211. A comunidade política tem o dever de honrar a
família, de a assistir e de nomeadamente lhe garantir:
- a Liberdade de fundar um lar, ter filhos e educá-Los
de acordo com as suas próprias convicções morais e
religiosas;
- a proteção da estabilidade do vínculo conjugal e da
instituição familiar;
- a liberdade de professar a sua fé, de a transmitir,
de educar nela os seus filhos, com os meios e as
instituições necessárias;
- o direito à propriedade privada, a liberdade de
iniciativa, de obter um trabalho, uma habitação e o
direito de emigrar;
- consoante as instituições dos países, o direito aos
cuidados médicos e à assistência aos idosos, bem como ao
abono de família;
- a proteção da segurança e da salubridade, sobretudo
no que respeita a perigos como a droga, a pornografia, o
alcoolismo. etc.;
- a liberdade de formar associações com outras famílias
e de ter assim representação junto das autoridades civis
(Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio,
46: AAS 74 (1982) 137-138).
2212. O quarto mandamento esclarece as outras
relações na sociedade. Nos nossos irmãos e irmãs
vemos os filhos dos nossos pais; nos nossos primos, os
descendentes dos nossos avós; nos nossos concidadãos, os
filhos da nossa pátria; nos batizados, os filhos da
nossa mãe Igreja; em toda a pessoa humana, um filho ou
filha d'Aquele que quer ser chamado «nosso Pai».
Daí que as nossas relações com o próximo sejam
reconhecidas como de ordem pessoal. O próximo não é um
«indivíduo» da coletividade humana; é «alguém»
que, pelas suas origens conhecidas, merece uma atenção e
um respeito singulares.
2213. As comunidades humanas são compostas de
pessoas. O bom governo das mesmas não se limita à
garantia dos direitos e ao cumprimento dos deveres, bem
como ao respeito pelos contratos. Relações justas entre
patrões e empregados, governantes e cidadãos, pressupõem
a benevolência natural, de acordo com a dignidade das
pessoas humanas, solícitas pela justiça e pela
fraternidade.
III. Deveres dos membros da família
DEVERES DOS FILHOS
2214. A paternidade divina é a fonte da paternidade
humana
(Cf. Ef. 3, 15);
nela se fundamenta a honra devida aos pais. O respeito
dos filhos, menores ou adultos, pelo seu pai e pela sua
mãe
(Cf. Pr. 1, 8; Tb. 4, 3-4)
nutre-se do afeto natural nascido dos laços que os unem.
Exige-o o preceito divino
(Cf. Ex. 20, 12).
2215. O respeito pelos pais (piedade filial) é
feito de reconhecimento àqueles que, pelo dom da
vida, pelo seu amor e seu trabalho, puseram os filhos no
mundo e lhes permitiram crescer em estatura, sabedoria e
graça. «Honra o teu pai de todo o teu coração e
não esqueças as dores da tua mãe. Lembra-te de que
foram eles que te geraram. Como lhes retribuirás o que
por ti fizeram»? (Sir. 7, 27-28).
2216. O respeito filial revela-se na docilidade e na
obediência autênticas. «observa, meu filho, as
ordens do teu pai, e não desprezes os ensinamentos da
tua mãe [...]. Servir-te-ão de guia no caminho, velarão
por ti quando dormires, e falarão contigo ao
despertares» (Pr. 6, 20.22). «O filho sábio é
fruto da correção paterna, mas o insolente não aceita a
repreensão» (Pr. 13, 1).
2117. Enquanto viver na casa dos pais, o filho deve
obedecer a tudo o que eles lhe mandarem para seu bem ou
o da família. «Filhos, obedecei em tudo aos vossos
pais, porque isto agrada ao Senhor» (Cl. 3, 20)
(Cf. Ef. 6, 1).
Os filhos devem também obedecer às prescrições razoáveis
dos seus educadores e de todos aqueles a quem os pais os
confiaram. Mas se o filho se persuadir, em consciência,
de que é moralmente mau obedecer a determinada ordem,
não o faça.
Com o crescimento, os filhos continuarão a
respeitar os pais. Adivinharão os seus desejos,
pedirão de boa vontade os seus conselhos e aceitarão as
suas admoestações justificadas. A obediência aos pais
cessa com a emancipação: mas não o respeito que sempre
lhes é devido. É que este tens a sua raiz no temor de
Deus, que é um dos dons do Espírito Santo.
2218. O quarto mandamento lembra aos filhos adultos as
suas responsabilidades para com os pais. Tanto
quanto lhes for possível, devem prestar-lhes ajuda
material e moral, nos anos da velhice e no tempo da
doença, da solidão ou do desânimo. Jesus lembra este
dever de gratidão
(Cf. Mc. 7, 10-12).
- «Deus quis honrar o pai pelos filhos e cuidadosamente
firmou sobre eles a autoridade da mãe. O que honra o pai
alcança o perdão dos seus pecados e quem honra a mãe é
semelhante àquele que acumula tesouros. Quem honra o pai
encontrará alegria nos seus filhos e será ouvido no dia
da sua oração. Quem honra o pai gozará de longa vida e
quem lhe obedece consolará a sua mãe»
(Sir. 3, 2-6).
- «Filho, ampara o teu pai na velhice, não o desgostes
durante a sua vida. Mesmo se ele vier a perder a razão,
sê indulgente, não o desprezes, tu que estás na
plenitude das tuas forças [...]. É como um blasfemador o
que desampara o seu pai e é amaldiçoado por Deus aquele
que irrita a sua mãe»
(Sir. 3, 12-16).
2219. O respeito filial favorece a harmonia de toda a
vida familiar; engloba também as relações entre
irmãos e irmãs. O respeito pelos pais impregna todo
o ambiente familiar. «A coroa dos anciãos são os
filhos dos seus filhos» (Pr. 17, 6).
«Suportai-vos uns aos outros na caridade, com toda a
humildade, mansidão e paciência» (Ef. 4, 2).
2220. Os cristãos, têm o dever de ser especialmente
gratos àqueles de quem receberam o dom da fé, a graça do
Batismo e a vida na Igreja. Pode tratar-se dos pais, de
outros membros da família, dos avós, dos pastores, dos
catequistas, dos professores ou amigos. «Conservo a
lembrança da tua fé tão sincera, que foi primeiro a da
tua avó Lóide e da tua mãe Eunice, e que, estou certo,
habita também em ti» (2ª Tm. 1, 5).
DEVERES DOS PAIS
2221. A fecundidade do amor conjugal não se reduz apenas
à procriação dos filhos. Deve também estender-se à sua
educação moral e à sua formação espiritual. O «papel
dos pais na educação é de tal importância que é
impossível substituí-los»
(II Concílio do Vaticano, Decl. Gravissimum
educationis, 3: AAS 58 (1966) 731). O direito e o dever da educação são
primordiais e inalienáveis para os pais
(Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio,
36: AAS 74 (1982) 126).
2222. Os pais devem olhar para os seus filhos
como filhos de Deus e respeitá-los como
pessoas humanas. Educarão os seus filhos no
cumprimento da lei de Deus, na medida em que eles
próprios se mostrarem obedientes à vontade do Pai dos
céus.
2223. Os pais são os primeiros responsáveis pela
educação dos filhos. Testemunham esta responsabilidade,
primeiro pela criação dum lar onde são regra a
ternura, o perdão, o respeito, a fidelidade e o serviço
desinteressado. O lar é um lugar apropriado para a
educação das virtudes, a qual requer a aprendizagem
da abnegação, de sãos critérios, do autodomínio,
condições da verdadeira liberdade. Os pais ensinarão os
filhos a subordinar «as dimensões físicas e
instintivas às dimensões interiores e espirituais»
(João Paulo II. Enc. Centesimus annus, 36: AAS 83
(1991) 838).
Os pais têm a grave responsabilidade de dar bons
exemplos aos filhos. Sabendo reconhecer diante deles os
próprios defeitos, serão mais capazes de os guiar e
corrigir:
- «aquele que ama o seu filho, castiga-o com frequência
[...]. Aquele que dá ensinamentos ao seu filho
será louvado»
(Sir. 30, 1-2). «E vós, pais, não irriteis os vossos
filhos: pelo contrário, educai-os com
disciplina e advertências inspiradas pelo
Senhor» (Ef. 6, 4).
2224. O lar constitui o âmbito natural para a iniciação
da pessoa humana na solidariedade e nas
responsabilidades comunitárias. Os pais devem ensinar os
filhos a acautelar-se dos perigos e degradações que
ameaçam as sociedades humanas.
2225. Pela graça do sacramento do matrimónio, os pais
receberam a responsabilidade e o privilégio de
evangelizar os filhos. Desde tenra idade devem
iniciá-los nos mistérios da fé, de que são os
«primeiros arautos»
(II
Concílio
do Vaticano,
Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16: cf.
CIC can. 1136).
Hão de associá-los, desde a sua primeira infância, à
vida da Igreja. A maneira como se vive em família pode
alimentar as disposições afetivas, que durante toda a
vida permanecem como autêntico preâmbulo e esteio duma
fé viva.
2226. A educação da fé por parte dos pais deve
começar desde a mais tenra infância. Faz-se já quando os
membros da família se ajudam mutuamente a crescer na fé
pelo testemunho duma vida cristã, de acordo com o
Evangelho. A catequese familiar precede, acompanha e
enriquece as outras formas de ensinamento da fé. Os pais
têm a missão de ensinar os filhos a rezar e a descobrir
a sua vocação de filhos de Deus
(Cf. II Concílio
do Vaticano,
Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57
(1965) 16). A paróquia é a comunidade eucarística e o
coração da vida litúrgica das famílias cristãs: é o
lugar privilegiado da catequese dos filhos e dos pais.
2227. Por sua vez, os filhos contribuem para o
crescimento dos seus pais na santidade
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 48: AAS 58 (1966) 1069).
Todos e cada um se darão, generosamente e sem se cansar,
o perdão mútuo exigido pelas ofensas, querelas,
injustiças e abandonos. Assim o sugere o afeto mútuo. E
assim o exige a caridade de Cristo
(Cf. Mt. 18. 21-22; Lc. 17, 4).
2228. Durante a infância, o respeito e o carinho dos
pais traduzem-se, primeiro, no cuidado e na atenção que
consagram à educação dos filhos, para prover as suas
necessidades, físicas e espirituais. A medida
que vão crescendo, o mesmo respeito e dedicação levam os
pais a educar os filhos no sentido dum uso correto da
sua razão e da sua liberdade.
2229. Como primeiros responsáveis pela educação dos seus
filhos, os pais têm o direito de escolher para eles
uma escola que corresponda às suas próprias
convicções. É um direito fundamental. Tanto quanto
possível, os pais têm o dever de escolher as escolas que
melhor os apoiem na sua tarefa de educadores cristãos
(Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Gravissimum
educationis, 6: AAS 58 (1966) 733). Os poderes públicos têm o dever de
garantir este direito dos pais e de assegurar as
condições reais do seu exercício.
2230. Ao tornarem-se adultos, os filhos têm o dever e o
direito de escolher a sua profissão e o seu estado de
vida. Devem assumir as novas responsabilidades numa
relação de confiança com os seus pais, a quem pedirão e
de quem de boa vontade receberão opiniões e conselhos.
Os pais terão o cuidado de não constranger os filhos,
nem na escolha duma profissão, nem na escolha do
cônjuge. Mas este dever de discrição não os proíbe,
muito pelo contrário, de os ajudar com opiniões
ponderadas, sobretudo quando tiverem em vista a fundação
dum novo lar.
2231. Há quem não se case para cuidar dos pais ou dos
irmãos e irmãs; ou para se dedicar mais exclusivamente a
uma profissão; ou ainda por outros motivos válidos.
Esses podem contribuir muitíssimo para o bem da família
humana.
IV. A família e o Reino
2232. São importantes, mas não absolutos, os laços
familiares. Quanto mais a criança cresce para a
maturidade e autonomia humanas e espirituais, tanto mais
a sua vocação individual, que vem de Deus, se afirma com
nitidez e força. Os pais devem respeitar este chamamento
e apoiar a resposta dos filhos para o seguir. Hão de
convencer-se de que a primeira vocação do cristão é
seguir Jesus
(Cf. Mt. 16, 23):
«quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é
digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que
a Mim, não é digno de Mim» (Mt. 10, 37).
2233. Tornar-se discípulo de Jesus é aceitar o convite
para pertencer à família de Deus, para viver em
conformidade com a sua maneira de viver: «todo aquele
que fizer a vontade do meu Pai que está nos céus, é que
é meu irmão e minha irmã e minha mãe» (Mt. 12, 50).
Os pais devem acolher e respeitar, com alegria e ação de
graças, o chamamento que o Senhor fizer a um dos seus
filhos, para O seguir na virgindade pelo Reino, na vida
consagrada ou no ministério sacerdotal.
V. As autoridades na sociedade civil
2234. O quarto mandamento da Lei de Deus manda que
honremos também todos aqueles que, para nosso bem,
receberam de Deus alguma autoridade na sociedade. E
esclarece os deveres dos que exercem essa autoridade,
bem como os daqueles que dela beneficiam.
DEVERES DAS AUTORIDADES CIVIS
2235. Aqueles que exercem alguma autoridade, devem
exercê-la como quem presta um serviço. «Quem quiser
entre vós tornar-se grande, será vosso servo» (Mt.
20, 26). O exercício da autoridade é moralmente regulado
pela sua origem divina, pela sua natureza racional e
pelo seu objeto específico. Ninguém pode mandar ou
instituir o que for contrário à dignidade das pessoas e
à lei natural.
2236. O exercício da autoridade visa tornar manifesta
uma justa hierarquia de valores, a fim de facilitar o
exercício da liberdade e da responsabilidade de todos.
Os superiores exerçam a justiça distributiva com
sabedoria, tendo em conta as necessidades e a
contribuição de cada qual, e em vista da concórdia e da
paz. Estarão atentos a que as regras e disposições que
tomam não induzam em tentação, opondo o interesse
pessoal ao da comunidade
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 25:
AAS 83 (1991) 823).
2237. Os poderes políticos são obrigados a
respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana.
Administrarão a justiça como humanidade, respeitando o
direito de cada qual, nomeadamente das famílias e dos
deserdados.
Os direitos políticos inerentes à cidadania podem e
devem ser reconhecidos conforme as exigências do bem
comum. Não podem ser suspensos pelos poderes públicos
sem motivo legítimo e proporcionado. O exercício dos
direitos políticos orienta-se para o bem comum da nação
e da comunidade humana.
DEVERES DOS CIDADÃOS
2238. Os que estão sujeitos à autoridade considerarão os
seus superiores como representantes de Deus, que os
instituiu ministros dos seus dons «Submetei-vos, por
causa do Senhor, a toda a instituição humana [...].
Procedei como homens livres, não como aqueles que fazem
da liberdade capa da sua malícia, mas como servos de
Deus» (1ª Pe. 2, 13.16). A sua colaboração leal
comporta o direito, e às vezes o dever, duma justa
reclamação de quanto lhes parecer prejudicial à
dignidade das pessoas e ao bem da comunidade.
2239. É dever dos cidadãos colaborar com os
poderes civis para o bem da sociedade, num espírito de
verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade. O
amor e o serviço da pátria derivam do dever da
gratidão e da ordem da caridade. A submissão às
autoridades legítimas e o serviço do bem comum exigem
dos cidadãos que cumpram o seu papel na vida da
comunidade política.
2240. A submissão à autoridade e a cor-responsabilidade
pelo bem comum exigem moralmente o pagamento dos
impostos, o exercício do direito de voto, a defesa do
país:
(Cf. Rm. 13, 1-2)
- «daí a cada um o que lhe é devido: o imposto, a quem
se deve o imposto; a taxa, a quem se deve a taxa; o
respeito, a quem se deve o respeito; a honra, a quem se
deve a honra»
(Rm. 13, 7).
Os cristãos «residem na sua própria pátria, mas vivem
todos como de passagem; em tudo participam como os
outros cidadãos, mas tudo suportam como se não tivessem
pátria [...]. Obedecem às leis estabelecidas, mas pelo
seu modo de vida superam as leis [...]. Tão nobre é o
posto que Deus lhes assinalou, que não lhes é lícito
desertar»
(Epístola a Diogneto, 5, 5; 5, 10; 6, 10: SC 33.
62-66 (Funk 1. 398-400)).
O Apóstolo exorta-nos a fazer súplicas e ações de graças
pelos reis e por todos aqueles que exercem a autoridade,
«a fim de que possamos ter uma vida calma e
tranquila, com toda a piedade e dignidade» (1ª Tm.
2, 2).
2241. As nações mais abastadas devem acolher, tanto
quanto possível, o estrangeiro em busca da
segurança e dos recursos vitais que não consegue
encontrar no seu país de origem. Os poderes públicos
devem velar pelo respeito do direito natural que coloca
o hóspede sob a proteção daqueles que o recebem.
As autoridades políticas podem, em vista do bem comum de
que têm a responsabilidade, subordinar o exercício do
direito de imigração a diversas condições jurídicas,
nomeadamente no respeitante aos deveres que os
imigrantes contraem para com o país de adopção. O
imigrado tem a obrigação de respeitar com reconhecimento
o património material e espiritual do país que o
acolheu, de obedecer às suas leis e de contribuir para o
seu bem.
2242. O cidadão é obrigado, em consciência, a não seguir
as prescrições das autoridades civis, quando tais
prescrições forem contrárias às exigências de ordem
moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos
ensinamentos do Evangelho. A recusa de obediência
às autoridades civis, quando as suas exigências forem
contrárias às da reta consciência, tem a sua
justificação na distinção entre o serviço de Deus e o
serviço da comunidade política. «Daí a César o que é
de César, e a Deus o que é de Deus» (Mt. 22, 21).
«Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens» (At.
5, 29):
- «quando a autoridade pública, excedendo os limites
da própria competência, oprimir os cidadãos, estes não
se recusem às exigências objetivas do bem comum; mas
é-lhes lícito, dentro dos limites definidos pela lei
natural e pelo Evangelho, defender os seus próprios
direitos e os dos seus concidadãos contra o abuso dessa
autoridade»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes,74: AAS 58 (1966) 1096).
2243. A resistência à opressão do poder político
não recorrerá legitimamente às armas, senão nas
seguintes condições:
1 - em caso de violações certas, graves e prolongadas
dos direitos fundamentais;
2 - depois de ter esgotado todos os outros recursos;
3 - se não provocar desordens piores;
4 - se houver esperança fundada de êxito;
5 - e se for impossível prever razoavelmente soluções
melhores.
A COMUNIDADE POLÍTICA E A IGREJA
2244. Toda a instituição se inspira, mesmo que
implicitamente, numa visão do homem e do seu destino,
visão da qual tira as suas referências de juízo, a sua
hierarquia de valores, a sua linha de procedimento. A
maior parte das sociedades referiram as suas
instituições a uma certa preeminência do homem sobre as
coisas. Só a religião divinamente revelada é que
reconheceu claramente em Deus, Criador e Redentor, a
origem e o destino do homem. A Igreja convida os poderes
políticos a referenciar os seus juízos e decisões a esta
inspiração da verdade sobre Deus e sobre o homem:
(Cf. João Paulo II. Enc. Centesimus annus, 45-46:
AAS 83 (1991) 849-851)
- «as sociedades que ignoram esta inspiração ou a
recusam em nome da sua independência em relação a Deus,
são levadas a procurar em si mesmas ou a tomar de uma
ideologia as suas referências e o seu fim: e não
admitindo que se defenda um critério objetivo do bem e
do mal, a si mesmas atribuem, sobre o homem e o seu
destino, um poder totalitário, declarado ou oculto, como
a história tem mostrado».
2245. «A Igreja que, em virtude da sua função e
competência, de modo algum se confunde com a comunidade
política, [...] é, ao mesmo tempo, sinal e salvaguarda
do carácter transcendente da pessoa humana»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 76: AAS 58 (1966) 1099).
«A Igreja respeita e promove a liberdade política e a
responsabilidade dos cidadãos»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 76: AAS 58 (1966) 1099).
2246. Faz parte da missão da Igreja «proferir um
juízo moral, mesmo acerca das realidades que dizem
respeito à ordem política, sempre que os direitos
fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o
exigirem utilizando todos e só os meios conformes com o
Evangelho e o bem de todos segundo a variedade dos
tempos e circunstâncias»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 76: AAS 58 (1966) 1100).
Resumindo:
2247. «Honra pai e mãe» (Dt. 5, 16; Mc. 7,
10).
2248. Segundo o quarto mandamento, Deus quis que,
depois d'Ele, honrássemos os nossos pais e aqueles que,
para nosso bem, Ele revestiu de autoridade.
2249. A comunidade conjugal está fundada na aliança e
no consentimento dos esposos. O matrimónio e a família
estão ordenados para o bem dos cônjuges e para a
procriação e educação dos filhos.
2250. «A saúde da pessoa e da sociedade humana e
cristã depende estreitamente de uma situação favorável
da comunidade conjugal e familiar»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 47: AAS 58 (1966) 1067).
2251. Os filhos devem aos pais respeito, gratidão,
obediência justa e ajuda. O respeito filial
favorece a harmonia de toda a vida familiar.
2252. Os pais são os primeiros responsáveis pela
educação dos seus filhos na fé, na oração, e em todas as
virtudes. Eles têm o dever de prover, na medida do
possível, às necessidades físicas e espirituais dos seus
filhos.
2253. Os pais devem respeitar e favorecer a vocação
dos seus filhos. Hão de lembrar-se e hão de ensinar-lhes
que a primeira vocação do cristão é seguir Jesus.
2254. A autoridade pública tem a obrigação de
respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana e as
condições do exercício da sua liberdade.
2255. É dever dos cidadãos colaborar com os poderes
civis na edificação da sociedade, num espírito de
verdade, justiça, solidariedade e liberdade.
2256. O cidadão está obrigado em consciência a não
seguir as prescrições das autoridades civis quando tais
prescrições forem contrárias às exigências da ordem
moral. «Deve obedecer-se antes a Deus do que aos homens»
(At. 5, 29).
2257. Toda a sociedade refere os seus juízos e a sua
conduta a uma visão do homem e do seu destino. Fora das
luzes do Evangelho sobre Deus e sobre o homem, as
sociedades facilmente resvalam para o totalitarismo.
ARTIGO 5
O QUINTO MANDAMENTO
«Não matarás»
(Ex. 20, 13).
«Ouvistes o que foi dito aos antigos: "não matarás.
Aquele que matar terá de responder em juízo". Eu, porém,
digo-vos: quem se irritar contra o seu irmão, será réu
perante o tribunal» (Mt. 5, 21-22).
2258. «A vida humana é sagrada porque, desde a sua
origem, postula a ação criadora de Deus e mantém-se para
sempre numa relação especial com o Criador, seu único
fim. Só Deus é senhor da vida, desde o seu começo até ao
seu termo: ninguém, em circunstância alguma, pode
reivindicar o direito de dar a morte diretamente a um
ser humano inocente»
(Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae,
Introductio, 5: AAS 80 (1988) 76-77).
I. O respeito pela vida humana
TESTEMUNHO DA HISTÓRIA SAGRADA
2259. A Sagrada Escritura, na narrativa da morte de Abel
pelo seu irmão Caim
(Cf. Gn. 4, 8-12),
revela, desde os primórdios da história humana, a
presença no homem da cólera e da inveja, consequências
do pecado original. O homem tornou-se inimigo do seu
semelhante. Deus denuncia a perversidade deste
fratricídio: «Que fizeste? A voz do sangue do teu
irmão clama da terra por mim. De futuro, serás maldito
sobre a terra, que abriu a sua boca para beber, da tua
mão, o sangue do teu irmão» (Gn. 4, 10‑11).
2260. A aliança entre Deus e a humanidade é entretecida
de referências ao dom divino da vida humana e à
violência assassina do homem:
«pedirei contas do vosso sangue [...]. A quem derramar
sangue humano, por mão de homem será derramado o seu,
porque Deus fez o homem à sua imagem»
(Gn. 9, 5-61).
O Antigo Testamento considerou sempre o sangue como um
sinal sagrado da vida
(Cf. Lv. 17, 14).
E este ensinamento é válido para todos os tempos.
2261. A Escritura determina a proibição contida no
quinto mandamento: «não causarás a morte do inocente
e do justo» (Ex. 23, 7). O homicídio voluntário dum
inocente é gravemente contrário à dignidade do ser
humano, à regra de ouro e à santidade do Criador. A lei
que o proíbe universalmente válida: obriga a todos e a
cada um, sempre e em toda a parte.
2262. No sermão da montanha, o Senhor lembra o preceito:
«não matarás» (Mt. 5, 21) e acrescenta-lhe
a proibição da ira, do ódio e da vingança. Mais ainda:
Cristo exige do seu discípulo que ofereça a outra face
(Cf Mt. 5, 22-26.38-39),
que ame os seus inimigos
(Cf. Mt. 5, 44).
Ele próprio não se defendeu e disse a Pedro que deixasse
a espada na bainha
(Cf. Mt. 26, 52).
A LEGÍTIMA DEFESA
2263. A defesa legítima das pessoas e das sociedades não
é uma exceção à proibição de matar o inocente que
constitui o homicídio voluntário. «Do ato de defesa
pode seguir-se um duplo efeito: um, a conservação da
própria vida; outro, a morte do agressor»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q.
64. a. 7. c: Ed. Leon. 9, 74).
«Nada impede que um ato possa ter dois efeitos, dos
quais só um esteja na intenção, estando o outro para
além da intenção»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q.
64. a. 7. c: Ed. Leon. 9, 74).
2264. O amor para consigo mesmo permanece um princípio
fundamental de moralidade. E, portanto, legítimo fazer
respeitar o seu próprio direito à vida. Quem defende a
sua vida não é réu de homicídio, mesmo que se veja
constrangido a desferir sobre o agressor um golpe
mortal:
- «se, para nos defendermos, usarmos duma violência
maior do que a necessária, isso será ilícito. Mas se
repelirmos a violência com moderação, isso será lícito
[...]. E não é necessário à salvação que se deixe de
praticar tal ato de defesa moderada para evitar a morte
do outro: porque se está mais obrigado a velar pela
própria vida do que pela alheia»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q.
64. a. 7. c: Ed. Leon. 9, 74).
2265. A legítima defesa pode ser não somente um direito,
mas até um grave dever para aquele que é responsável
pela vida de outrem. Defender o bem comum implica
colocar o agressor injusto na impossibilidade de fazer
mal. É por esta razão que os detentores legítimos da
autoridade têm o direito de recorrer mesmo às armas para
repelir os agressores da comunidade civil confiada à sua
responsabilidade.
2266. O esforço do Estado em reprimir a difusão de
comportamentos que lesam os direitos humanos e as regras
fundamentais da convivência civil, corresponde a uma
exigência de preservar o bem comum. É direito e dever da
autoridade pública legítima infligir penas
proporcionadas à gravidade do delito. A pena tem como
primeiro objetivo reparar a desordem introduzida pela
culpa. Quando esta pena é voluntariamente aceite pelo
culpado, adquire valor de expiação. A pena tem ainda
como objetivo, para além da defesa da ordem pública e da
proteção da segurança das pessoas, uma finalidade
medicinal, posto que deve, na medida do possível,
contribuir para a emenda do culpado.
2267. Durante muito tempo, o recurso à pena de morte,
por parte da legítima autoridade, era considerada,
depois de um processo regular, como uma resposta
adequada à gravidade de alguns delitos e um meio
aceitável, ainda que extremo, para a tutela do bem
comum.
No entanto, hoje, torna-se cada vez mais viva a
consciência de que a dignidade da pessoa não fica
privada, apesar de cometer crimes gravíssimos. Além do
mais, difunde-se uma nova compreensão do sentido das
sanções penais por parte do Estado. Enfim, foram
desenvolvidos sistemas de detenção mais eficazes, que
garantem a indispensável defesa dos cidadãos, sem tirar,
ao mesmo tempo e definitivamente, a possibilidade do réu
de se redimir.
Por isso, a Igreja ensina, no Novo Catecismo, à luz do
Evangelho, que “a pena de morte é inadmissível,
porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da
pessoa"
(Discurso
do Papa Francisco por ocasião do XXV Aniversário do
Catecismo da Igreja Católica,
11 de setembro de 2017),
e se compromete, com determinação, em prol da sua
abolição no mundo inteiro.
O HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO
2268. O quinto mandamento proíbe, como gravemente
pecaminoso, o homicídio direto e voluntário. O
assassino e quantos voluntariamente colaboram no
assassinato cometem um pecado que brada ao céu
(Cf. Gn. 4, 10).
O infanticídio
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 51: AAS 58 (1966) 1072),
o fratricídio, o parricídio e o assassinato do cônjuge
são crimes especialmente graves, em razão dos laços
naturais que eles quebram. Não se podem invocar
preocupações de eugenismo ou de higiene pública para
justificar qualquer homicídio, ainda que tal seja
imposto pelos poderes públicos
2269. O quinto mandamento proíbe fazer seja o que for
com a intenção de provocar indiretamente a morte
duma pessoa. A lei moral proíbe expor alguém, sem razão
grave, a um perigo mortal, assim como negar assistência
a uma pessoa em perigo.
A aceitação pela sociedade humana de fomes mortíferas,
sem se esforçar por lhe dar remédio, é uma escandalosa
injustiça e um pecado grave. Os traficantes, cujas
práticas usurárias e mercantis provocam a fome e a morte
dos seus irmãos em humanidade, cometem indiretamente
homicídio, que lhes é imputável
(Cf. Am. 8, 4-10).
O homicídio involuntário não é moralmente
imputável. Mas não se é desculpado de falta grave se,
sem razões proporcionadas, se proceder de maneira a
causar a morte, mesmo sem a intenção de a provocar.
O ABORTO
2270. A vida humana deve ser respeitada e protegida, de
modo absoluto, a partir do momento da concepção. Desde o
primeiro momento da sua existência, devem ser
reconhecidos a todo o ser humano os direitos da pessoa,
entre os quais o direito inviolável de todo o ser
inocente à vida
(Cf. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum
vitae, 1. 1: AAS 80 (1988) 79).
«Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi:
antes que saísses do seio da tua mãe, Eu te consagrei»
(Jr. 1, 5).
«Vós conhecíeis já a minha alma e nada do meu ser Vos
era oculto, quando secretamente era formado, modelado
nas profundidades da terra»
(Sl. 139, 15).
2271. A Igreja afirmou, desde o século I, a malícia
moral de todo o aborto provocado. E esta doutrina não
mudou. Continua invariável. O aborto direto, isto é,
querido como fim ou como meio, é gravemente contrário à
lei moral:
- «não matarás o embrião por meio do aborto, nem farás
que morra o recém-nascido»
(Didaké 2, 2: SC 248, 148 (Funk 1, 8); cf.
Epistola Pseudo Barnabae 19. 5: SC 172, 202 (Funk 1,
90); Epistola a Diogneto 5, 6: SC 33. 62 (Funk 1.
398): Tertuliano, Apologeticum, 9, 8: CCL 1, 103
(PL 1, 371-372)).
«Deus [...], Senhor da vida, confiou aos homens, para
que estes desempenhassem dum modo digno
dos mesmos homens, o nobre encargo de
conservar a vida. Esta deve, pois, ser salvaguardada,
com
extrema solicitude, desde o primeiro momento
da concepção; o aborto e o infanticídio são crimes
abomináveis»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 51: AAS 58 (1966) 1072).
2272. A colaboração formal num aborto constitui falta
grave. A Igreja pune com a pena canónica da excomunhão
este delito contra a vida humana. «Quem procurar o
aborto, seguindo-se o efeito («effectu secuto»)
incorre em excomunhão latae sententiae»
(CIC can. 1398),
isto é, «pelo fato mesmo de se cometer o delito»
(CIC can. 1314)
e nas condições previstas pelo Direito
(Cf. CIC can. 1323-1324).
A Igreja não pretende, deste modo, restringir o campo da
misericórdia. Simplesmente, manifesta a gravidade do
crime cometido, o prejuízo irreparável causado ao
inocente que foi morto, aos seus pais e a toda a
sociedade.
2273. O inalienável direito à vida, por parte de todo o
indivíduo humano inocente, é um elemento constitutivo
da sociedade civil e da sua legislação:
- «os direitos inalienáveis da pessoa deverão ser
reconhecidos e respeitados pela sociedade civil e pela
autoridade política. Os direitos do homem não dependem
nem dos indivíduos, nem dos pais, nem mesmo representam
uma concessão da sociedade e do Estado. Pertencem à
natureza humana e são inerentes à pessoa, em razão do
ato criador que lhe deu origem. Entre estes direitos
fundamentais deve
aplicar-se o direito à vida e à integridade física de
todo ser humano, desde a concepção até à morte»
(Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae,
3: AAS 80 (1988) 98-99).
«Desde o momento em que uma lei positiva priva
determinada categoria de seres humanos da proteção que a
legislação civil deve conceder-lhes, o Estado acaba por
negar a igualdade de todos perante a lei. Quando o
Estado não põe a sua força ao serviço dos direitos de
todos os cidadãos, em particular dos mais fracos,
encontram-se ameaçados os próprios fundamentos dum
“Estado de direito” [...]. Como consequência do respeito
e da proteção que devem ser garantidos ao nascituro,
desde o momento da sua concepção, a lei deve prever
sanções penais apropriadas para toda a violação
deliberada dos seus direitos»
(Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae,
3: AAS 80 (1988) 99).
2274. Uma vez que deve ser tratado como pessoa desde a
concepção, o embrião terá de ser defendido na sua
integridade, tratado e curado, na medida do possível,
como qualquer outro ser humano.
O diagnóstico pré-natal
é moralmente lícito, desde que «respeite a vida e a
integridade do embrião ou do feto humano, e seja
orientado para a sua defesa ou cura individual [...].
Mas está gravemente em oposição com a lei moral, se
previr, em função dos resultados, a eventualidade de
provocar um aborto. Um diagnóstico [...] não pode ser
equivalente a uma sentença de morte»
(Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae,
1, 2: AAS 80 (1988) 70-80).
2275. «Devem considerar-se lícitas as intervenções no
embrião humano, sempre que respeitem a vida e a
integridade do mesmo e não envolvam para ele riscos
desproporcionados, antes tenham em vista a sua cura, a
melhoria das suas condições de saúde ou a sua
sobrevivência individual»
(Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae,
1, 3. AAS 80 (1988) 80-81).
«É imoral produzir embriões humanos destinados a serem
explorados como material biológico disponível»
(Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae,
1, 5: AAS 80 (1988) 83).
«Certas tentativas de intervenção no património
cromossomático ou genético não são terapêuticas, mas têm
em cesta a produção de seres humanos selecionados
segundo o sexo ou outras qualidades pré-estabelecidas.
Tais manipulações são contrárias à dignidade pessoal do
ser humano, à sua integridade e à sua identidade única,
irrepetível»
(Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae,
1, 6: AAS 80 (1988) 85).
A EUTANÁSIA
2276. Aqueles que têm uma vida deficiente ou
enfraquecida reclamam um respeito especial. As pessoas
doentes ou deficientes devem ser amparadas, para que
possam levar uma vida tão normal quanto possível.
2277. Quaisquer que sejam os motivos e os meios, a
eutanásia direta consiste em pôr fim à vida de pessoas
deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente
inaceitável.
Assim, uma ação ou uma omissão que, de per si ou na
intenção, cause a morte com o fim de suprimir o
sofrimento, constitui um assassínio gravemente contrário
à dignidade da pessoa humana e ao respeito do Deus vivo,
seu Criador. O erro de juízo, em que se pode ter caído
de boa-fé, não muda a natureza do ato homicida, o qual
deve sempre ser condenado e posto de parte
(Cf Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, Iura et
bona: AAS 72 (1980) 542-552).
2278. A cessação de tratamentos médicos onerosos,
perigosos, extraordinários ou desproporcionados aos
resultados esperados, pode ser legítima. É a rejeição do
«encarniçamento terapêutico». Não que assim se
pretenda dar a morte; simplesmente se aceita o fato de a
não poder impedir. As decisões devem ser tomadas pelo
paciente se para isso tiver competência e capacidade; de
contrário, por quem para tal tenha direitos legais,
respeitando sempre a vontade razoável e os interesses
legítimos do paciente.
2279. Mesmo que a morte seja considerada
iminente, os cuidados habitualmente devidos a uma pessoa
doente não podem ser legitimamente interrompidos. O uso
dos analgésicos para aliviar os sofrimentos do
moribundo, mesmo correndo-se o risco de abreviar os seus
dias, pode ser moralmente conforme com a dignidade
humana, se a morte não for querida, nem como fim nem
como meio, mas somente prevista e tolerada como
inevitável. Os cuidados paliativos constituem uma forma
excepcional da caridade desinteressada; a esse título,
devem ser encorajados.
O SUICÍDIO
2280. Cada qual é responsável perante Deus pela vida que
Ele lhe deu, Deus é o senhor soberano da vida; devemos
recebê-la com reconhecimento e preservá-la para sua
honra e salvação das nossas almas. Nós somos
administradores e não proprietários da vida que Deus nos
confiou; não podemos dispor dela.
2281. O suicídio contraria a inclinação natural do ser
humano para conservar e perpetuar a sua vida. É
gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende
igualmente o amor do próximo, porque quebra injustamente
os laços de solidariedade com as sociedades familiar,
nacional e humana, em relação às quais temos obrigações
a cumprir. O suicídio é contrário ao amor do Deus vivo.
2282. Se for cometido com a intenção de servir de
exemplo, sobretudo para os jovens, o suicídio assume
ainda a gravidade do escândalo. A cooperação voluntária
no suicídio é contrária à lei moral.
Perturbações psíquicas graves, a angústia ou o temor
grave duma provação, dum sofrimento, da tortura, são
circunstâncias que podem diminuir a responsabilidade do
suicida.
2283. Não se deve desesperar da salvação eterna das
pessoas que se suicidaram. Deus pode, por caminhos que
só Ele conhece, oferecer-lhes a ocasião de um
arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que
atentaram contra a própria vida.
II. O respeito pela dignidade das pessoas
O RESPEITO PELA ALMA DO PRÓXIMO: O ESCÂNDALO
2284. O escândalo é a atitude ou comportamento que leva
outrem a fazer o mal. O escandaloso transforma-se em
tentador do seu próximo; atenta contra a virtude e a
retidão, podendo arrastar o irmão para a morte
espiritual. O escândalo constitui uma falta grave se,
por ação ou omissão, levar deliberadamente outra pessoa
a cometer uma falta grave.
2285. O escândalo reveste-se duma gravidade particular
conforme a autoridade dos que o causam ou a fraqueza dos
que dele são vítimas. Ele inspirou esta maldição a nosso
Senhor: «mas se alguém escandalizar um destes
pequeninos que creem em Mim, seria preferível que lhe
suspendessem do pescoço a mó de um moinho e o lançassem
nas profundezas do mar» (Mt. 18, 6)
(Cf. 1ª Cor. 8, 10-13). O escândalo é grave quando é causado por
aqueles que, por natureza ou em virtude da função que
exercem, tem a obrigação de ensinar e de educar os
outros. Jesus censura-o nos escribas e fariseus,
comparando-os a lobos disfarçados de cordeiros
(Cf. Mt. 7, 15).
2286. O escândalo pode ser provocado pela lei ou pelas
instituições, pela moda ou pela opinião.
É assim que se tornam culpados de escândalo os que
estabelecem leis ou estruturas sociais conducentes à
degradação dos costumes e à corrupção da vida religiosa,
ou a «condições sociais que, voluntária ou
involuntariamente, tornam difícil e praticamente
impossível uma conduta cristã conforme aos mandamentos»
(Pio XII. Mensagem radiofónica (1 de junho de
1941): AAS 33 (1941) 197). O mesmo se diga dos chefes de empresa que
tomam medidas incitando à fraude, dos professores que
«exasperam» os seus alunos
(Cf. Ef. 6, 4: Cl. 3, 21),
ou daqueles que, manipulando a opinião pública, a
desviam dos valores morais.
2287. Aquele que usa dos poderes de que dispõe, em
condições que induzem a agir mal, torna-se culpado de
escândalo e responsável pelo mal que, direta ou
indiretamente, favorece. «É inevitável que haja
escândalos, mas ai daquele que os causa» (Lc. 17,
1).
O RESPEITO PELA SAÚDE
2288. A vida e a saúde física são bens preciosos,
confiados por Deus. Temos a obrigação de cuidar
razoavelmente desses dons, tendo em conta as
necessidades alheias e o bem comum.
O cuidado da saúde dos cidadãos requer a ajuda da
sociedade para se conseguirem condições de vida que
permitam crescer e atingir a maturidade: alimentação e
vestuário, casa, cuidados de saúde, ensino básico,
emprego, assistência social.
2289. Se a moral apela para o respeito da vida
corporal, não é que faça dela um valor absoluto. Pelo
contrário, insurge-se contra uma concepção neo-pagã,
tendente a promover o culto do corpo,
sacrificando-lhe tudo, e a idolatrar a perfeição física
e o êxito desportivo. Pela escolha seletiva que faz
entre os fortes e os fracos, tal concepção pode conduzir
à perversão das relações humanas.
2290. A virtude da temperança leva a evitar toda a
espécie de excessos, o abuso da comida, da bebida,
do tabaco e dos medicamentos. Aqueles que, em estado de
embriaguez ou por gosto imoderado da velocidade, põem em
risco a segurança dos outros e a sua própria, nas
estradas, no mar ou no ar, tornam-se gravemente
culpados.
2291. O uso de estupefacientes causa gravíssimos
danos à saúde e à vida humana. A não ser por prescrições
estritamente terapêuticas, o seu uso é uma falta grave.
A produção clandestina e o tráfico de drogas são
práticas escandalosas, e constituem uma cooperação
direta, pois incitam a práticas gravemente contrárias à
lei moral.
O RESPEITO PELA PESSOA E A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA
2292. As experiências científicas, médicas ou
psicológicas, sobre pessoas ou grupos humanos, podem
concorrer para a cura dos doentes e para o progresso da
saúde pública.
2293. A investigação científica de base, tanto como a
aplicada, constitui uma expressão significativa do
domínio do homem sobre a criação. A ciência e a técnica
são recursos preciosos quando, postos ao serviço do
homem, promovem o seu desenvolvimento integral em
benefício de todos. Mas, só por si, não podem indicar o
sentido da existência e do progresso humano. A ciência e
a técnica estão ordenadas para o homem, a quem devem a
sua origem e progressos. Por isso, é na pessoa e nos
seus valores morais que encontram a indicação da sua
finalidade e a consciência dos seus limites.
2294. É ilusório reivindicar a neutralidade moral da
investigação científica e das suas aplicações. Por outro
lado, os critérios de orientação não podem deduzir-se
nem da simples eficácia nem da utilidade que daí pode
advir para uns em prejuízo de outros, nem, pior ainda,
das ideologias dominantes. A ciência e a técnica
requerem, pelo seu próprio significado intrínseco, o
respeito incondicional dos critérios fundamentais da
moralidade: devem estar ao serviço da pessoa humana, dos
seus direitos inalienáveis, do seu bem autêntico e
integral, de acordo com o projeto e a vontade de Deus.
2295. As investigações ou experiências sobre o ser
humano não podem legitimar atos em si mesmos contrários
à dignidade das pessoas e à lei moral. O eventual
consentimento dos sujeitos não justifica tais atos. A
experimentação sobre o ser humano não é moralmente
legítima, se fizer correr riscos desproporcionados, ou
evitáveis, à vida ou à integridade física ou psíquica do
sujeito. A experimentação sobre seres humanos não é
conforme à dignidade da pessoa se, ainda por cima, for
feita sem o consentimento esclarecido do sujeito ou de
quem sobre ele tem responsabilidades.
2296. A transplantação de órgãos é conforme à lei
moral se os perigos e riscos físicos e psíquicos, em que
o doador incorre, forem proporcionados ao bem que se
procura em favor do destinatário. A doação de órgãos
após a morte é um ato nobre e meritório e deve ser
encorajado como uma manifestação de generosa
solidariedade. Mas não é moralmente aceitável se o
doador ou os seus representantes lhe não tiverem dado o
seu consentimento expresso. Para além disso, e
moralmente inadmissível provocar diretamente a mutilação
que leve à invalidez ou à morte dum ser humano, ainda
que isso se faça para retardar a morte de outras
pessoas.
O RESPEITO PELA INTEGRIDADE CORPORAL
2297. Os raptos e o sequestro de reféns
espalham o terror e, pela ameaça, exercem intoleráveis
pressões sobre as vítimas. São moralmente ilegítimos.
O terrorismo ameaça, fere e mata sem descriminação;
é gravemente contrário à justiça e à caridade. A
tortura, que usa a violência física ou moral para
arrancar confissões, para castigar culpados, atemorizar
opositores ou satisfazer ódios, é contrária ao respeito
pela pessoa e pela dignidade humana. A não ser por
indicações médicas de ordem estritamente terapêutica, as
amputações, mutilações ou esterilizações
diretamente voluntárias de pessoas inocentes, são
contrárias à lei moral
(Cf. Pio XI. Enc. Casti connubii: DS 3722-3723).
2298. Nos tempos passados, certas práticas de crueldade
foram comummente adotadas por governos legítimos para
manter a lei e a ordem, muitas vezes sem protesto dos
pastores da Igreja, tendo eles mesmos adotado, nos seus
próprios tribunais, as prescrições do direito romano
sobre a tortura. A par destes fatos lastimáveis, a
Igreja ensinou sempre o dever da clemência e da
misericórdia; e proibiu aos clérigos o derramamento de
sangue. Nos tempos recentes, tornou-se evidente que
estas práticas cruéis não eram necessárias à ordem
pública nem conformes aos direitos legítimos da pessoa
humana. Pelo contrário, tais práticas conduzem às piores
degradações. Deve trabalhar-se pela sua abolição e orar
pelas vítimas e seus carrascos.
O RESPEITO PELOS MORTOS
2299. Aos moribundos deve dispensar-se toda a atenção e
cuidado, para os ajudar a viver os últimos momentos com
dignidade e paz. Devem ser ajudados pela oração dos que
lhes são mais próximos. Estes velarão por que os doentes
recebam, em tempo oportuno, os sacramentos que os
preparam para o encontro com o Deus vivo.
2300. Os corpos dos defuntos devem ser tratados com
respeito e caridade, na fé e confiança da ressurreição.
Enterrar os mortos é uma obra de misericórdia corporal
(Cf. Tb. 1, 16-18)
que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo.
2301. A autópsia dos cadáveres pode ser moralmente
admitida por motivos de investigação legal ou pesquisa
científica. O dom gratuito de órgãos depois da morte é
legítimo e até pode ser meritório.
A Igreja permite a cremação a não ser que esta ponha em
causa a fé na ressurreição dos corpos
(Cf. CIC can. 1176, §3. III).
A salvaguarda da paz
A PAZ
2302. Evocando o preceito «não matarás» (Mt. 5,
21), nosso Senhor pede a paz do coração e denuncia a
imoralidade da cólera assassina e do ódio:
- a ira é um desejo de vingança. «Desejar a
vingança, para mal daquele que deve ser castigado, é
ilícito»; mas impor uma reparação «para correção
do vício e para conservar o bem da justiça», isso é
louvável
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2,
q. 158. a. 1. ad 3: Ed. Leon, 10, 273).
Se a ira for até ao desejo deliberado de matar o próximo
ou de o ferir gravemente, ofende de modo grave a
caridade, e é pecado mortal. O Senhor diz: «quem se
irar contra o seu irmão, será sujeito a julgamento»
(Mt. 5, 22).
2303. O ódio voluntário é contra a caridade.
Odiar o próximo, querendo-lhe mal deliberadamente é
pecado. É pecado grave, quando deliberadamente se lhe
deseja um mal grave. «Eu, porém, digo-vos: amai os
vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem,
para serdes filhos do vosso Pai que está nos céus...»
(Mt. 5, 44-45).
2304. O respeito e o crescimento da vida humana exigem a
paz. A paz não é só ausência da guerra, nem se
limita a assegurar o equilíbrio das forças adversas. A
paz não é possível na terra sem a salvaguarda dos bens
das pessoas, a livre comunicação entre os seres humanos,
o respeito pela dignidade das pessoas e dos povos e a
prática assídua da fraternidade. Ela é «tranquilidade
da ordem»
(Santo Agostinho, De civitate Dei, 19, 13: CSEL
40/2, 395 (PL 41, 640));
é «obra da justiça» (Is. 32, 17) e efeito da
caridade
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 78: AAS 58 (1966) 1101).
2305. A paz terrena é imagem e fruto da paz de
Cristo, o «Príncipe da Paz» messiânico (Is.
9, 5). Pelo sangue da sua cruz, Ele, levando em
Si próprio a morte à inimizade
(Cf. Ef. 2, 6: Cl 1, 20-22),
reconciliou com Deus os homens e fez da sua Igreja o
sacramento da unidade do género humano e da sua união
com Deus
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen
Gentium, 1: AAS 57 (1965) 5).
«Ele é a nossa paz» (Ef. 2, 14) e declara
«bem-aventurados os obreiros da paz» (Mt. 5, 9).
2306. Os que, renunciando à ação violenta e sangrenta,
recorrem a meios de defesa ao alcance dos mais fracos
para a salvaguarda dos direitos humanos, dão testemunho
da caridade evangélica, desde que o façam sem lesar os
direitos e obrigações dos outros homens e das
sociedades. E atestam legitimamente a gravidade dos
riscos físicos e morais do recurso à violência, com as
suas ruínas e mortes
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 78: AAS 58 (1966) 1101-1102).
EVITAR A GUERRA
2307. O quinto mandamento proíbe a destruição voluntária
da vida humana. Por causa dos males e injustiças que
toda a guerra traz consigo, a Igreja exorta
instantemente a todos para que orem e atuem para que a
Bondade divina nos livre da antiga escravidão da guerra
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 81: AAS 58 (1966) 1105).
2308. Cada cidadão e cada governante deve trabalhar no
sentido de evitar as guerras.
No entanto, enquanto «subsistir o perigo de guerra e
não houver uma autoridade internacional competente,
dotada dos convenientes meios, não se pode negar aos
governos, uma vez esgotados todos os recursos de
negociações pacíficas, o direito de legítima defesa»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 79: AAS 58 (1966) 1103).
2309. Devem ser ponderadas com rigor as estritas
condições duma legítima defesa pela força das armas.
A gravidade duma tal decisão submete-a a condições
rigorosas de legitimidade moral. É necessário, ao mesmo
tempo:
- que o prejuízo causado pelo agressor à nação ou
comunidade de nações seja duradouro, grave e certo;
- que todos os outros meios de lhe pôr fim se tenham
revelado impraticáveis ou ineficazes;
- que estejam reunidas condições sérias de êxito;
- que o emprego das armas não traga consigo males e
desordens mais graves do que o mal a eliminar. O poder
dos meios modernos de destruição tem um peso gravíssimo
na apreciação desta condição.
Estes são os elementos tradicionalmente apontados na
doutrina da chamada «guerra justa».
A apreciação destas condições de legitimidade moral
pertence ao juízo prudencial daqueles que têm o encargo
do bem comum.
2310 Os poderes públicos têm, neste caso, o direito e o
dever de impor aos cidadãos as obrigações necessárias
à defesa nacional.
Aqueles que se dedicam ao serviço da pátria na vida
militar são servidores da segurança e da liberdade dos
povos. Na medida em que desempenharem como convém esta
tarefa, contribuem verdadeiramente para o bem comum e
para a salvaguarda da paz
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 79: AAS 58 (1966) 1103).
2311. Os poderes públicos atenderão equitativamente o
caso daqueles que, por motivos de consciência, recusam o
uso de armas; estes continuam obrigados a servir, de
outra forma, a comunidade humana
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 79: AAS 58 (1966) 1103).
2312. A Igreja e a razão humana declaram a validade
permanente da lei moral durante os conflitos armados.
«Uma vez lamentavelmente começada a guerra, nem por isso
tudo se torna lícito entre as partes beligerantes»
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 79: AAS 58 (1966) 1103).
2313. Devem ser respeitados e tratados com humanidade os
não-combatentes, os soldados feridos e os prisioneiros.
As ações deliberadamente contrárias ao direito dos povos
e aos seus princípios universais, bem como as ordens que
comandam tais ações, são crimes. Uma obediência cega não
basta para desculpar os que a elas se submetem. Assim, o
extermínio dum povo, duma nação ou duma minoria étnica
deve ser condenado como pecado mortal. É-se moralmente
obrigado a resistir às ordens para praticar um
genocídio.
2314. «Toda a ação bélica, que tende
indiscriminadamente à destruição de cidades inteiras ou
vastas regiões com os seus habitantes, é um crime contra
Deus e o próprio homem, que se deve condenar com
firmeza, sem hesitação»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 80: AAS 58 (1966) 1104).
Um dos perigos da guerra moderna é o de oferecer aos
detentores das armas científicas, nomeadamente atómicas,
biológicas ou químicas, ocasião para cometer tais
crimes.
2315. A acumulação de armas é considerada por
muitos como um processo paradoxal de dissuadir da guerra
eventuais adversários. Veem nisso o mais eficaz dos
meios susceptíveis de garantir a paz entre as nações. No
entanto, esse processo de dissuasão suscita severas
reservas morais. A corrida aos armamentos não
garante a paz. Longe de eliminaras causas da guerra,
corre o risco de as agravar. O dispêndio de fabulosas
riquezas na preparação de armas sempre novas impede que
se auxiliem as populações indigentes
(Cf. Paulo VI, Enc. Populorum progressio, 53: AAS
59 (1967) 283), e trava o desenvolvimento dos povos. O
superarmamento multiplica as razões de conflito e
aumenta o risco da sua propagação.
2316. O fabrico e comércio de armas tem a ver com
o bem comum das nações e da comunidade internacional.
Daí que as autoridades públicas tenham o direito e o
dever de os regulamentar. A busca de interesses privados
ou coletivos a curto prazo não pode legitimar empresas
que incentivam a violência e os conflitos entre as
nações e que comprometem a ordem jurídica internacional.
2317. As injustiças, as excessivas desigualdades de
ordem econômica ou social, a inveja, a desconfiança e o
orgulho que grassam entre os homens e as nações, são uma
constante ameaça à paz e provocam as guerras. Tudo o que
se fizer para superar estas desordens contribui para
edificar a paz e evitar a guerra:
- «na medida em que os homens são pecadores, o perigo da
guerra ameaça-os e continuará a ameaçá-los até à vinda
de Cristo: mas, na medida em que, unidos na caridade,
superam o pecado, superadas ficam também as violências,
até que se realize aquela palavra: "com as espadas
forjarão arados e foices com as lanças. Não mais
levantará a espada povo contra povo, nem jamais se
exercitarão para a guerra"»
(Is. 2, 4)
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 78: AAS 58 (1966) 1102).
Resumindo:
2318. «Deus tem nas suas mãos a vida de todo o ser
vivo e o sopro de vida de todos os homens» (Job. 12,
10).
2319. Toda a vida humana, desde o momento da
concepção até à morte, é sagrada, porque a pessoa humana
foi querida por si mesma e criada à imagem e semelhança
do Deus vivo e santo.
2320. O assassínio de um ser humano é gravemente
contrário à dignidade da pessoa e à santidade do
Criador.
2321. A proibição de matar não derroga o direito de
retirar ao injusto agressor a possibilidade de fazer
mal. A legítima defesa é um dever grave para quem é
responsável pela vida de outrem ou pelo bem comum.
2322. Desde que foi concebida, a criança tem direito
à vida. O aborto direto, isto é, querido como fim ou
como meio, é uma «prática infame»
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 27: AAS 58 (1966) 1048),
gravemente contrária à lei moral. A Igreja pune com a
pena canônica da excomunhão este delito contra a vida
humana.
2323. Uma vez que deve ser tratado como pessoa desde
a sua concepção, o embrião deve ser defendido na sua
integridade, atendido e cuidado medicamente como
qualquer outro ser humano.
2324. A eutanásia voluntária, quaisquer que sejam as
formas e os motivos, é um homicídio. É gravemente
contrária à dignidade da pessoa humana e ao respeito
pelo Deus vivo, seu Criador.
2325. O suicídio é gravemente contrário à justiça, à
esperança e à caridade. É proibido pelo quinto
mandamento.
2326. O escândalo constitui uma falta grave quando,
por ação ou omissão, leva deliberadamente outrem a pecar
gravemente.
2327. Devido aos males e injustiças que toda a guerra
traz consigo, devemos fazer tudo o que for humanamente
possível para evitá-la. A Igreja ora: «da fome, da peste
e da guerra - livrai-nos, Senhor»!
2328. A Igreja e a razão humana declaram a validade
permanente da lei moral durante os conflitos armados. As
práticas deliberadamente contrárias ao direito das
gentes e aos seus princípios universais são crimes.
2329. A corrida aos armamentos é um terrível flagelo
para a humanidade e prejudica os pobres de uma forma
intolerável
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 81: AAS 58 (1966) 1105).
2330. «Bem-aventurados os obreiros da paz, porque
serão chamados filhos de Deus» (Mt. 5, 9).
ARTIGO 6
O SEXTO MANDAMENTO
«Não cometerás adultério»
(Ex. 20, l4)
(Cf. Dt. 5, 18).
«Ouvistes que foi dito: "não cometerás adultério". Eu,
porém, digo-vos: todo aquele que olhar para uma mulher,
desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu
coração»
(Mt. 5, 27-28).
I. «Homem e mulher os criou»...
2331. «Deus é amor e vive em Si mesmo um mistério de
comunhão pessoal de amor. Ao criar a humanidade do homem
e da mulher à sua imagem [...] Deus inscreveu nela a
vocação para o amor e para a comunhão e, portanto, a
capacidade e a responsabilidade correspondentes»
(João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 11:
AAS 74 (1982) 91-92).
«Deus criou o homem à sua imagem; [...] homem e mulher
os criou»
(Gn. 1, 27); «crescei e multiplicai-vos» (Gn. 1,
28); «quando Deus criou o ser humano, fê-lo à
semelhança de Deus. Criou-os homem e mulher e
abençoou-os; e chamou-lhes «Adão» no dia em que os
criou» (Gn. 5, 1-2).
2332. A sexualidade afeta todos os aspectos da
pessoa humana, na unidade do seu corpo e da sua alma.
Diz respeito particularmente à afetividade, à capacidade
de amar e de procriar, e, de um modo mais geral, à
aptidão para criar laços de comunhão com outrem.
2333. Compete a cada um, homem e mulher, reconhecer e
aceitar a sua identidade sexual. A diferença
e a complementaridade físicas, morais e
espirituais orientam-se para os bens do matrimónio e
para o progresso da vida familiar. A harmonia do casal e
da sociedade depende, em parte, da maneira como são
vividos, entre os sexos, a complementaridade, a
necessidade mútua e o apoio recíproco.
2334. «Ao criar o ser humano homem e mulher, Deus
conferiu a dignidade pessoal, de igual modo ao homem e à
mulher»
(João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 22:
AAS 74 (1982) 107: cf. II Concílio do Vaticano, Const.
past. Gaudium et spes, 49: AAS 58 (1966) 1070).
«O homem é uma pessoa; e isso na mesma medida para o
homem e para a mulher, porque ambos são criados à imagem
e semelhança dum Deus pessoal»
(João
Paulo II. Ep. ap. Mulieris dignitatem, 6: AAS 80
(1988) 1663).
2335. Cada um dos dois sexos é, com igual dignidade,
embora de modo diferente, imagem do poder e da ternura
de Deus. A união do homem e da mulher no
matrimónio é um modo de imitar na carne a generosidade e
a fecundidade do Criador: «o homem deixará o seu pai
e a sua mãe para se unir à sua mulher; e os dois serão
uma só carne» (Gn. 2, 24). Desta união procedem
todas as gerações humanas
(Cf. Gn. 4, 1-2.25-26; 5,1).
2336. Jesus veio restaurar a criação na pureza das suas
origens. No sermão da montanha, interpreta de modo
rigoroso o desígnio de Deus:
- «ouvistes que foi dito: "não cometerás adultério".
Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que olhar para uma
mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu
coração» (Mt. 5, 27-28). Não separe o homem o
que Deus uniu (Cf. Mt. 19, 6).
A Tradição da Igreja entendeu o sexto mandamento como
englobando o conjunto da sexualidade humana.
II. A vocação à castidade
2337. A castidade significa a integração conseguida da
sexualidade na pessoa, e daí a unidade interior do homem
no seu ser corporal e espiritual. A sexualidade, na qual
se exprime a pertença do homem ao mundo corporal e
biológico, torna-se pessoal e verdadeiramente humana
quando integrada na relação de pessoa a pessoa, no dom
mútuo total e temporalmente ilimitado, do homem e da
mulher.
A virtude da castidade engloba, portanto, a integridade
da pessoa e a integralidade da doação.
A INTEGRIDADE DA PESSOA
2338. A pessoa casta mantém a integridade das forças de
vida e de amor em si depositadas. Esta integridade
garante a unidade da pessoa e opõe-se a qualquer
comportamento susceptível de a ofender. Não tolera nem a
duplicidade da vida, nem a da linguagem
(Cf. Mt. 5, 37).
2339. A castidade implica uma aprendizagem do domínio
de si, que é uma pedagogia da liberdade humana. A
alternativa é clara: ou o homem comanda as suas paixões
e alcança a paz, ou se deixa dominar por elas e torna-se
infeliz (Cf. Sir. 1, 22).
«A dignidade do homem exige que ele proceda segundo
uma opção consciente e livre, isto é, movido e
determinado por uma convicção pessoal e não sob a
pressão de um cego impulso interior ou da mera coação
externa. O homem atinge esta dignidade quando,
libertando-se de toda a escravidão das paixões,
prossegue o seu fim na livre escolha do bem e se procura
de modo eficaz e com diligente iniciativa os meios
adequados»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 17: AAS 58 (1966) 1037-1038).
2340. Aquele que quiser permanecer fiel às promessas do
seu Batismo e resistir às tentações, terá o cuidado de
procurar os meios: o conhecimento de si, a
prática duma ascese adaptada às situações em que se
encontra, a obediência aos mandamentos divinos, a
prática das virtudes morais e a fidelidade à oração.
«A continência, na verdade, recolhe-nos e reconduz-nos
àquela unidade que tínhamos perdido, dispersando-nos na
multiplicidade»
(Santo Agostinho, Confissões, 10, 29, 40: CCL 27,
176 (PL 32. 796)).
2341. A virtude da castidade gira na órbita da virtude
cardial da temperança, a qual visa impregnar de
razão as paixões e os apetites da sensibilidade humana.
2342. O domínio de si é uma obra de grande fôlego.
Nunca poderá considerar-se total e definitivamente
adquirido. Implica um esforço constantemente retomado,
em todas as idades da vida
(Cf. Tt. 2, 1-6);
mas o esforço requerido pode ser mais intenso em certas
épocas, como quando se forma a personalidade, durante a
infância e a adolescência.
2343. A castidade conhece leis de crescimento e
passa por fases marcadas pela imperfeição, muitas vezes
até pelo pecado. O homem virtuoso e casto
«constrói-se dia a dia com as suas numerosas decisões
livres. Por isso, conhece, ama e cumpre o bem moral
segundo fases de crescimento»
(João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 34:
AAS 74 (1982) 123).
2344. A castidade representa uma tarefa eminentemente
pessoal; implica também um esforço cultural,
porque existe «interdependência entre o
desenvolvimento da pessoa e o da própria sociedade»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 25: AAS 58 (1966) 1045).
A castidade pressupõe o respeito pelos direitos da
pessoa, particularmente o de receber uma informação e
educação que respeitem as dimensões morais e espirituais
da vida humana.
2345. A castidade é uma virtude moral. Mas é também um
dom de Deus, uma graça, um fruto do trabalho
espiritual
(Cf. Gl. 5. 22-23).
O Espírito Santo concede a graça de imitar a pureza de
Cristo
(Cf. 1ª Jo. 3, 3)
àquele que regenerou pela água do Batismo.
A INTEGRALIDADE DO DOM DE SI
2346. A caridade é a forma de todas as virtudes. Sob a
sua influência, a castidade aparece como uma escola de
doação da pessoa. O domínio de si ordena-se para o dom
de si. A castidade leva quem a pratica a tornar-se,
junto do próximo, testemunha da fidelidade e da ternura
de Deus.
2347. A virtude da castidade expande-se na amizade.
Indica ao discípulo o modo de seguir e imitar aquele
que nos escolheu como seus próprios amigos
(Cf. Jo. 15, 15),
que se deu totalmente a nós e nos faz participar da sua
condição divina. A castidade é promessa de imortalidade.
A castidade exprime-se especialmente na amizade para
com o próximo. Desenvolvida entre pessoas do mesmo
sexo ou de sexos diferentes, a amizade representa um
grande bem para todos. Conduz à comunhão espiritual.
OS DIVERSOS REGIMES DA CASTIDADE
2348. Todo o batizado é chamado à castidade. O cristão
«revestiu-se de Cristo»
(Cf. Gl 3, 27),
modelo de toda a castidade. Todos os fiéis de Cristo são
chamados a levar uma vida casta, segundo o seu estado de
vida particular. No momento do seu Batismo, o cristão
comprometeu-se a orientar a sua afetividade na
castidade.
2349. «A castidade deve qualificar as pessoas segundo
os seus diferentes estados de vida: uns, na virgindade
ou celibato consagrado, forma eminente de se entregarem
mais facilmente a Deus com um coração indiviso: outros,
do modo que a lei moral para todos determina, e conforme
são casados ou solteiros»
(Congregação da Doutrina da Fé, Decl. Persona
humana, 11: AAS 68 (1976) 90-91).
As pessoas casadas são chamadas a viver a castidade
conjugal; as outras praticam a castidade na continência:
- «existem três formas da virtude da castidade: uma, das
esposas: outra, das viúvas; a terceira, da virgindade.
Não louvamos uma com exclusão das outras. [...] É nisso
que a disciplina da Igreja é rica»
(Santo Ambrósio, De viduis 23: Sancti Ambrosii
Episcopi Mediolanensis opera, v. 14/1 (Milano-Roma
1989), p. 266 (PL 16, 241-242)).
2350. Os noivos são chamados a viver a castidade
na continência. Eles farão, neste tempo de prova, a
descoberta do respeito mútuo, a aprendizagem da
fidelidade e da esperança de se receberem um ao outro de
Deus. Reservarão para o tempo do matrimónio as
manifestações de ternura específicas do amor conjugal.
Ajudar-se-ão mutuamente a crescer na castidade.
AS OFENSAS À CASTIDADE
2351. A luxúria é um desejo desordenado ou um
gozo desregrado de prazer venéreo. O prazer sexual é
moralmente desordenado quando procurado por si mesmo,
isolado das finalidades da procriação e da união.
2352. Por masturbação entende-se a excitação
voluntária dos órgão genitais, para daí retirar um
prazer venéreo. «Na linha duma tradição constante,
tanto o Magistério da Igreja como o sentido moral dos
fiéis têm afirmado sem hesitação que a masturbação é um
ato intrínseca e gravemente desordenado». «Seja
qual for o motivo, o uso deliberado da faculdade sexual
fora das normais relações conjugais contradiz a
finalidade da mesma». O prazer sexual é ali
procurado fora da «relação sexual requerida pela
ordem moral, que é aquela que realiza, no contexto dum
amor verdadeiro, o sentido integral da doação mútua e da
procriação humana»
(Congregação da Doutrina da Fé, Decl. Persona humana,
9: AAS 68 (1976) 86).
Para formar um juízo justo sobre a responsabilidade
moral dos sujeitos, e para orientar a ação pastoral,
deverá ter-se em conta a imaturidade afetiva, a força de
hábitos contraídos, o estado de angústia e outros
fatores psíquicos ou sociais que podem atenuar, ou até
reduzir ao mínimo, a culpabilidade moral.
2353. A fornicação é a união carnal fora
do matrimónio entre um homem e uma mulher livres. É
gravemente contrária à dignidade das pessoas e da
sexualidade humana, naturalmente ordenada para o bem dos
esposos, assim como para a geração e educação dos
filhos. Além disso, é um escândalo grave, quando há
corrupção dos jovens.
2354. A pornografia consiste em retirar os
atos sexuais, reais ou simulados, da intimidade dos
parceiros, para os exibir a terceiras pessoas, de modo
deliberado. Ofende a castidade, porque desnatura o ato
conjugal, doação íntima dos esposos um ao outro. É um
grave atentado contra a dignidade das pessoas
intervenientes (atores, comerciantes, público), uma vez
que cada um se torna para o outro objeto dum prazer
vulgar e dum lucro ilícito. E faz mergulhar uns e outros
na ilusão dum mundo fictício. É pecado grave. As
autoridades civis devem impedir a produção e a
distribuição de material pornográfico.
2355. A prostituição é um atentado contra
a dignidade da pessoa que se prostitui, reduzida ao
prazer venéreo que dela se tira. Quem paga,
peca gravemente contra si mesmo: quebra a castidade a
que o obriga o seu Batismo e mancha o seu corpo, que é
templo do Espírito Santo
(Cf. 1ª Cor. 6, 15-20).
A prostituição constitui um flagelo social. Envolve
habitualmente mulheres, mas também homens, crianças ou
adolescentes (nestes dois últimos casos, o pecado
duplica com o escândalo). É sempre gravemente pecaminoso
entregar-se à prostituição; mas a miséria, a chantagem e
a pressão social podem atenuar a imputabilidade do
pecado.
2356. A violação designa a entrada na intimidade
sexual duma pessoa à força, com violência. É um atentado
contra a justiça e a caridade. A violação ofende
profundamente o direito de cada um ao respeito, à
liberdade e à integridade física e moral. Causa um
prejuízo grave, que pode marcar a vítima para toda a
vida. É sempre um ato intrinsecamente mau. É mais grave
ainda, se cometido por parentes próximos (incesto) ou
por educadores contra crianças a eles confiadas.
CASTIDADE E HOMOSSEXUALIDADE
2357 A homossexualidade designa as relações entre homens
ou mulheres, que experimentam uma atracção sexual
exclusiva ou predominante para pessoas do mesmo sexo.
Tem-se revestido de formas muito variadas, através dos
séculos e das culturas. A sua génese psíquica continua
em grande parte por explicar. Apoiando-se na Sagrada
Escritura, que os apresenta como depravações graves
(Cf. Gn. 19, 1-29; Rm. 1, 24-27; 1ª Cor. 6, 9-10; 1ª Tm.
1, 10)
a Tradição sempre declarou que «os atos de
homossexualidade são intrinsecamente desordenados»
(Congregação da Doutrina da Fé, Decl. Persona humana,
8: AAS 68 (1976) 95).
São contrários à lei natural, fecham o ato sexual ao dom
da vida, não procedem duma verdadeira complementaridade
afetiva sexual, não podem, em caso algum, ser aprovados.
2358. Um número considerável de homens e de mulheres
apresenta tendências homossexuais profundamente
radicadas. Esta propensão, objetivamente desordenada,
constitui, para a maior parte deles, uma provação. Devem
ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza.
Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de
discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a
realizar na sua vida a vontade de Deus e, se forem
cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as
dificuldades que podem encontrar devido à sua condição.
2359. As pessoas homossexuais são chamadas à castidade.
Pelas virtudes do autodomínio, educadoras da liberdade
interior, e, às vezes, pelo apoio duma amizade
desinteressada, pela oração e pela graça sacramental,
podem e devem aproximar-se, gradual e resolutamente, da
perfeição cristã.
III. O amor dos esposos
2360. A sexualidade ordena-se para o amor conjugal do
homem e da mulher. No matrimónio, a intimidade corporal
dos esposos torna-se sinal e penhor de comunhão
espiritual. Entre os batizados, os laços do matrimónio
são santificados pelo sacramento.
2361. «A sexualidade, mediante a qual o homem e a
mulher se dão um ao outro com os atos próprios e
exclusivos dos esposos, não é algo de puramente
biológico, mas diz respeito à pessoa humana como tal, no
que ela tem de mais íntimo. Esta só se realiza de
maneira verdadeiramente humana se for parte integrante
do amor com o qual homem e mulher se comprometem
totalmente um para com o outro até à morte»
(João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 11:
AAS 74 (1982) 92).
«Tobias ergueu-se do leito e disse [...] [a Sara]:
"irmã, levanta-te; vamos orar ao Senhor e pedir-lhe que
nos conceda a sua misericórdia e salvação".
Levantaram-se ambos e puseram-se a orar e a implorar que
lhes fosse enviada a salvação, dizendo: "bendito sejas,
Deus dos nossos pais [...]. Tu criaste Adão e deste-lhe
Eva, sua esposa, como amparo valioso, e de ambos
procedeu o género humano. Com efeito, disseste: 'não é
bom que o homem esteja só; façamos-lhe uma auxiliar
semelhante a ele'. Agora, Senhor, Tu bem sabes que não é
por luxúria que agora tomo por esposa esta minha irmã,
mas é com intenção pura. Permite, pois, que eu e ela
encontremos misericórdia e cheguemos juntos à velhice»
(Tb. 8, 4-9).
2362. «Os atos pelos quais os esposos se unem íntima
e castamente são honestos e dignos; realizados de modo
autenticamente humano, exprimem e alimentam a mútua
entrega pela qual se enriquecem um ao outro com alegria
e gratidão»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 49: AAS 58 (1966) 1070).
A sexualidade é fonte de alegria e de prazer:
- «foi o próprio Criador Quem [...] estabeleceu que,
nesta função [da geração], os esposos experimentassem
prazer e satisfação do corpo e do espírito. Portanto, os
esposos não fazem nada de mal ao procurar este prazer e
gozar dele. Aceitam o que o Criador lhes destinou. No
entanto, devem saber manter-se dentro dos limites duma
justa moderação»
(Pio XII, Alocução aos participantes no Congresso da
União Católica Italiana de Obstetras (29 de
outubro de 1951): AAS 43 (1951) 851).
2363. Pela união dos esposos realiza-se o duplo fim do
matrimónio: o bem dos próprios esposos e a transmissão
da vida. Não podem separar-se estes dois significados ou
valores do matrimónio sem alterar a vida espiritual do
casal nem comprometer os bens do matrimónio e o futuro
da família.
O amor conjugal do homem e da mulher está, assim,
colocado sob a dupla exigência da fidelidade e da
fecundidade.
A FIDELIDADE CONJUGAL
2364. Ambos os esposos constituem «uma íntima
comunidade de vida e de amor, fundada pelo Criador e por
Ele dotada de leis próprias». Esta comunidade «é
instaurada pela aliança conjugal, ou seja, por um
irrevogável consentimento pessoal»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 48: AAS 58 (1966) 1067).
Os dois entregam-se, definitiva e totalmente, um ao
outro. Doravante, já não são dois, mas uma só carne. A
aliança livremente contraída pelos esposos impõe-lhes a
obrigação de a manter una e indissolúvel
(Cf. CIC can. 1056).
«O que Deus uniu, não o separe o homem» (Mc. 10,
9)
(Cf. Mt. 19, 1-12; 1ª Cor. 7, 10-11).
2365. A fidelidade exprime a constância em manter a
palavra dada. Deus é fiel. O sacramento do matrimónio
introduz o homem e a mulher na fidelidade de Cristo à
sua Igreja. Pela castidade conjugal, eles dão testemunho
deste mistério perante o mundo.
São João Crisóstomo sugere aos jovens casados que façam
este discurso às suas esposas: «tomei-te nos meus
braços, amo-te e prefiro-te à minha própria vida. Porque
a vida presente não é nada e o meu sonho mais ardente é
passá-la contigo, de tal maneira que tenhamos a certeza
de não ser separados naquela que nos está reservada
[...]. Eu ponho o teu amor acima de tudo, e nada me
seria mais penoso do que não ter os mesmos pensamentos
que tu»
(São João Crisóstomo, In epistulam ad Ephesios,
homilia 20, 8: PG 62, 146-147).
A FECUNDIDADE DO MATRIMÓNIO
2366. A fecundidade é um dom, uma finalidade do
matrimónio, porque o amor conjugal tende
naturalmente a ser fecundo. O filho não vem de fora
juntar-se ao amor mútuo dos esposos; surge no próprio
coração deste dom mútuo, do qual é fruto e complemento.
Por isso, a Igreja, que «toma partido pela vida»
(João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 30:
AAS 74 (1982) 116), ensina que «todo o ato matrimonial
deve, por si estar aberto à transmissão da vida»
(Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 11: AAS 60 (1968)
488).
«Esta doutrina, muitas vezes exposta pelo Magistério,
funda-se sobre o nexo indissolúvel estabelecido por Deus
e que o homem não pode quebrar por sua iniciativa, entre
os dois significados inerentes ao ato conjugal: união e
procriação»
(Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 12: AAS 60 (1968)
488; cf. Pio XI, Enc. Casti connubii: DS
3717).
2367. Chamados a dar a vida, os esposos participam do
poder criador e da paternidade de
Deus (Cf. Ef. 3, 14-15; Mt. 23, 9).
«No dever de transmitir e educar a vida humana -
dever que deve ser considerado como a sua missão própria
- saibam os esposos que são cooperadores do amor de Deus
e como que os seus intérpretes. Cumprirão, pois, esta
missão, com responsabilidade humana e cristã»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 50: AAS 58 (1966) 1071).
2368. Um aspecto particular desta responsabilidade diz
respeito à regulação da procriação. Os esposos
podem querer espaçar o nascimento dos seus filhos por
razões justificadas
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 50: AAS 58 (1966) 1071).
Devem, porém, verificar se tal desejo não procede do
egoísmo, e se está de acordo com a justa generosidade
duma paternidade responsável. Além disso, regularão o
seu comportamento segundo os critérios objetivos da
moralidade:
- «quando se trata de conciliar o amor conjugal com a
transmissão responsável da vida, a moralidade do
comportamento não depende apenas da sinceridade da
intenção e da apreciação dos motivos; deve também
determinar-se por critérios objetivos, tomados da
natureza da pessoa e dos seus atos; critérios que
respeitem, num contexto de autêntico amor, o sentido da
mútua doação e da procriação humana. Tudo isto só é
possível, se se cultivar sinceramente a virtude da
castidade conjugal»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 51: AAS 58 (1966) 1072).
2369. «É salvaguardando estes dois aspectos
essenciais, união e procriação, que o ato conjugal
conserva integralmente o sentido de mútuo e verdadeiro
amor e a sua ordenação para a altíssima vocação do homem
para a paternidade»
(Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 12: AAS 60 (1968)
489).
2370. A continência periódica, os métodos de regulação
dos nascimentos baseados na auto-observação e no recurso
aos períodos infecundos
(Cf. Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 16: AAS 60
(1968) 491-492),
são conformes aos critérios objetivos da moralidade.
Estes métodos respeitam o corpo dos esposos, estimulam a
ternura entre eles e favorecem a educação duma liberdade
autêntica. Em contrapartida, é intrinsecamente má
«qualquer ação que, quer em previsão do ato conjugal,
quer durante a sua realização, quer no desenrolar das
suas consequências naturais, se proponha, como fim ou
como meio, tornar impossível a procriação»
(Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 14: AAS 60 (1968)
490).
- «À linguagem que exprime naturalmente a doação
recíproca e total dos esposos, a contracepção opõe uma
linguagem objetivamente contraditória, segundo a qual já
não se trata de se darem totalmente um ao outro. Daí
deriva, não somente a recusa positiva da abertura à
vida, mas também uma falsificação da verdade interna do
amor conjugal, chamado a ser um dom da pessoa toda.
[...] Esta diferença antropológica e moral, entre a
contracepção e o recurso aos ritmos periódicos, implica
dois conceitos de pessoa e de sexualidade humana
irredutíveis um ao outro»
(João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 32:
AAS 74 (1982) 119-120).
2371. «Aliás, todos devem ter bem presente que a vida
humana e a missão de a transmitir não se limitam aos
horizontes deste mundo, nem podem ser medidas ou
compreendidas unicamente em função dele, mas estão
sempre relacionadas com o destino eterno do homem»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 51: AAS 58 (1966) 1073).
2372. O Estado é responsável pelo bem-estar dos
cidadãos. A tal título, é legítimo que intervenha para
orientar o crescimento da população. Pode fazê-lo
mediante uma informação objetiva e respeitosa, não,
porém com imposições autoritárias e obrigatórias. O
Estado não pode legitimamente substituir-se à iniciativa
dos esposos, primeiros responsáveis pela procriação e
educação dos seus filhos
(Cf. Paulo VI, Enc. Populorum progressio, 37: AAS
59 (1967) 275-276; Id., Enc. Humanae vitae, 23:
AAS 60 (1968) 497-498).
Neste domínio, não tem autoridade para intervir com
medidas contrárias à lei moral.
O DOM DO FILHO
2373. A Sagrada Escritura e a prática tradicional da
Igreja veem nas famílias numerosas um sinal da
bênção divina e da generosidade dos pais
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 50: AAS 58 (1966) 1071).
2374. É grande o sofrimento dos casais que descobrem que
são estéreis. «Que me dareis, Senhor Deus» -
pergunta Abraão a Deus. «vou-me sem filhos...»
(Gn. 15, 2). - «Dá-me filhos ou então morro» -
grita Raquel ao seu marido Jacob (Gn. 30, 1).
2375. As pesquisas que se destinam a reduzir a
esterilidade humana devem ser encorajadas, com a
condição de serem colocadas «ao serviço da pessoa
humana, dos seus direitos inalienáveis e do seu bem
verdadeiro e integral, em conformidade com o projeto e a
vontade de Deus»
(Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae,
Introductio, 2: AAS 80 (1988) 73).
2376. As técnicas que provocam a dissociação dos
progenitores pela intervenção duma pessoa estranha ao
casal (dádiva de esperma ou ovócito, empréstimo de
útero) são gravemente desonestas. Estas técnicas
(inseminação e fecundação artificial heteróloga) lesam o
direito do filho a nascer dum pai e duma mãe seus
conhecidos e unidos entre si pelo casamento. E atraiçoam
«o direito exclusivo a não serem nem pai nem mãe
senão um pelo outro»
(Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae,
2, 1: AAS 80 (1988) 87).
2377. Praticadas no seio do casal, estas técnicas
(inseminação e fecundação artificial homóloga) são
talvez menos prejudiciais, mas continuam moralmente
inaceitáveis. Dissociam o ato sexual do ato procriador.
O ato fundador da existência do filho deixa de ser um
ato pelo qual duas pessoas se dão uma à outra, e
«remete a vida e a identidade do embrião para o poder
dos médicos e biólogos. Instaurando o domínio da técnica
sobre a origem e destino da pessoa humana. Tal relação
de domínio é, de si, contrária à dignidade e à igualdade
que devem ser comuns aos pais e aos filhos»
(Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae,
2, 5: AAS 80 (1988) 93).
«A procriação é moralmente privada da sua perfeição
própria, quando não é querida como fruto do ato
conjugal, isto é, do gesto específico da união dos
esposos. [...] Só o respeito pelo laço que existe entre
os significados do ato conjugal e o respeito pela
unidade do ser humano permite uma procriação conforme à
dignidade da pessoa»
(Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae,
2, 4: AAS 80 (1988) 91).
2378. O filho não é uma dívida, é uma
dádiva. O «dom mais excelente do matrimónio»
é uma pessoa humana. O filho não pode ser considerado
como objeto de propriedade, conclusão a que levaria o
reconhecimento dum pretenso «direito ao filho».
Neste domínio, só o filho é que possui verdadeiros
direitos: o de «ser fruto do ato específico do amor
conjugal dos seus pais, e também o de ser respeitado
como pessoa desde o momento da sua concepção»
(Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae,
2, 8: AAS 80 (1988) 97).
2379. O Evangelho mostra que a esterilidade física não é
um mal absoluto. Os esposos que, depois de esgotados os
recursos médicos legítimos, sofrem de infertilidade,
associar-se-ão à cruz do Senhor, fonte de toda a
fecundidade espiritual. Podem mostrar a sua generosidade
adotando crianças abandonadas ou realizando serviços
significativos em favor do próximo.
IV. As ofensas à dignidade do matrimónio
2380. O adultério. É o termo que designa a
infidelidade conjugal. Quando dois parceiros, dos quais
pelo menos um é casado, estabelecem entre si uma relação
sexual, mesmo efémera, cometem adultério. Cristo condena
o adultério, mesmo de simples desejo
(Cf. Mt. 5, 27-28).
O sexto mandamento e o Novo Testamento proíbem
absolutamente o adultério
(Cf. Mt. 5, 32; 19, 6; Mc. 10, 11-12; 1ª Cor. 6, 9-10).
Os profetas denunciam-lhe a gravidade. E veem no
adultério a figura do pecado da idolatria
(Cf. Os. 2. 7; Jr. 5, 7; 13, 27).
2381. O adultério é uma injustiça. Aquele que o comete,
falta aos seus compromissos. Viola o sinal da Aliança,
que é o vínculo matrimonial, lesa o direito do outro
cônjuge e atenta contra a instituição do matrimónio,
violando o contrato em que assenta. Compromete o bem da
geração humana e dos filhos que têm necessidade da união
estável dos pais.
O DIVÓRCIO
2382. O Senhor Jesus insistiu na intenção original do
Criador, que queria um matrimónio indissolúvel
(Cf. Mt 5, 31-32; 19, 3-9; Mc 10, 9; Lc
16, 18; 1 Cor 7, 10-11).
E ab-rogou as tolerâncias que se tinham infiltrado na
antiga Lei
(Cf. Mt. 19, 7-9).
Entre batizados, «o matrimónio rato e consumado não
pode ser dissolvido por nenhum poder humano, nem por
nenhuma causa, além da morte»
(CIC can. 1141).
2383. A separação dos esposos, permanecendo o
vínculo matrimonial, pode ser legítima em certos casos
previstos pelo direito canónico
(Cf. CIC can. 1151-1155).
Se o divórcio civil for a única maneira possível de
garantir certos direitos legítimos, tais como o cuidado
dos filhos ou a defesa do património, pode ser tolerado
sem constituir falta moral.
2384. O divórcio é uma ofensa grave à lei
natural. Pretende romper o contrato livremente aceite
pelos esposos de viverem um com o outro até à morte. O
divórcio é uma injúria contra a aliança da salvação, de
que o matrimónio sacramental é sinal. O fato de se
contrair nova união, embora reconhecida pela lei civil,
aumenta a gravidade da ruptura: o cônjuge casado outra
vez encontra-se numa situação de adultério público e
permanente:
- «não é lícito ao homem, despedida a esposa, casar
com outra; nem é legítimo que outro tome como esposa a
que foi repudiada pelo marido»
(São Basílio Magno, Moralia, regra 73: PG 31,
852).
2385. O carácter imoral do divórcio advém-lhe também da
desordem que introduz na célula familiar e na sociedade.
Esta desordem traz consigo prejuízos graves: para o
cônjuge que fica abandonado; para os filhos,
traumatizados pela separação dos pais e, muitas vezes,
objeto de contenda entre eles; e pelo seu efeito de
contágio, que faz dele uma verdadeira praga social.
2386. Pode acontecer que um dos cônjuges seja a vítima
inocente do divórcio declarado pela lei civil; esse,
então, não viola o preceito moral. Há uma grande
diferença entre o cônjuge que sinceramente se esforçou
por ser fiel ao sacramento do matrimónio e se vê
injustamente abandonado, e aquele que, por uma falta
grave da sua parte, destrói um matrimónio canonicamente
válido
(Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio,
84: AAS 74 (1982) 185).
OUTRAS OFENSAS À DIGNIDADE DO MATRIMÓNIO
2387. É compreensível o drama daquele que, desejoso de
se converter ao Evangelho, se vê obrigado a repudiar uma
ou mais mulheres com quem partilhou anos de vida
conjugal. Contudo, a poligamia não está de acordo
com a lei moral. «Opõe-se radicalmente à comunhão
conjugal: porque nega, de modo direto, o desígnio de
Deus, tal como nos foi revelado no princípio e é
contrária à igual dignidade pessoal da mulher e do
homem, os quais, no matrimónio, se dão um ao outro num
amor total que, por isso mesmo, é único e exclusivo»
(João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 19:
AAS 74 (1982) 102; cf. II Concílio do Vaticano, Const.
past. Gaudium et spes, 47: AAS 58 (1966) 1067).
O cristão que anteriormente foi polígamo é gravemente
obrigado, por justiça, a honrar as obrigações contraídas
para com as suas antigas mulheres e respectivos filhos.
2388. O incesto designa relações íntimas
entre parentes ou afins, num grau que proíbe o
matrimónio entre eles
(Cf. Lv. 18, 7-20). São Paulo estigmatiza esta falta
particularmente grave: «é voz corrente que existe
entre vós um caso de imoralidade [...] ao ponto de certo
homem viver com a mulher de seu pai! [...] Em nome do
Senhor Jesus [...], que esse homem seja entregue a
Satanás [...] para ruína do seu corpo»
(1ª Cor. 5, 1. 4-5).
O incesto corrompe as relações familiares e representa
uma regressão à animalidade.
2389. Podem relacionar-se com o incesto os abusos
sexuais cometidos por adultos em relação a crianças ou
adolescentes confiados à sua guarda. Nesse caso a culpa
é dupla por se tratar dum escandaloso atentado contra a
integridade física e moral dos jovens, que assim ficarão
marcados para toda a sua vida e duma violação da
responsabilidade educativa.
2390. Há união livre quando homem e mulher
recusam dar forma jurídica e pública a uma ligação que
implica intimidade sexual.
A expressão é falaciosa: que pode significar uma união
em que as pessoas não se comprometem uma para com a
outra, testemunhando assim uma falta de confiança na
outra, em si mesmas, ou no futuro?
A expressão tenta camuflar situações diferentes:
concubinato, recusado matrimónio como tal, incapacidade
de se ligar por compromissos a longo prazo
(Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio,
81: AAS 74 (1982) 181-182). Todas estas situações ofendem a dignidade
do matrimónio; destroem a própria ideia de família;
enfraquecem o sentido da fidelidade. São contrárias à
lei moral: o ato sexual deve ter lugar exclusivamente no
matrimónio; fora dele constitui sempre um pecado grave e
exclui da comunhão sacramental.
2391. Hoje em dia, há muitos que reclamam uma espécie de
«direito à experiência», quando há intenção de
contrair matrimónio. Seja qual for a firmeza do
propósito daqueles que enveredam por relações sexuais
prematuras, «estas não permitem assegurar que a
sinceridade e a fidelidade da relação interpessoal dum
homem e duma mulher fiquem a salvo nem, sobretudo, que
esta relação fique protegida de volubilidade dos desejos
e dos caprichos»
(Congregação da Doutrina da Fé, Decl. Persona humana,
7: AAS 68 (1976) 82).
A união carnal só é legítima quando se tiver instaurado
uma definitiva comunidade de vida entre o homem e a
mulher. O amor humano não tolera o «ensaio».
Exige o dom total e definitivo das pessoas entre si
(Cf. João Paulo, Ex. ap. Familiaris consortio,
80: AAS 74 (1982) 180-181).
Resumindo:
2392. «O amor é a vocação fundamental e inata de todo
o ser humano»
(João Paulo II, Ex. ap. Familiares consortio, 11:
AAS 74 (1982) 92).
2393. Ao criar o ser humano homem e mulher, Deus
conferiu a dignidade pessoal, de igual modo, a um e a
outra. Compete a cada um, homem e mulher, reconhecer e
aceitar a sua identidade sexual.
2394. Cristo é o modelo da castidade. Todo o batizado
é chamado a levar uma vida casta, cada um segundo o seu
próprio estado de vida.
2395. A castidade significa a integração da
sexualidade na pessoa. Implica a aprendizagem do
autodomínio.
2396. Entre os pecados gravemente contrários à
castidade, devem citar-se: a masturbação, a fornicação,
a pornografia e as práticas homossexuais.
2397. A aliança livremente contraída pelos esposos
implica um amor fiel. Ele impõe-lhes a obrigação de
guardar indissolúvel o seu matrimónio.
2398. A fecundidade é um bem, um dom, uma finalidade
do matrimónio. Dando a vida, os esposos participam da
paternidade de Deus.
2399. A regulação dos nascimentos representa um dos
aspectos da paternidade e da maternidade responsáveis. A
legitimidade das intenções dos esposos não justifica o
recurso a meios moralmente inadmissíveis (por exemplo, a
esterilização direta ou a contracepção).
2400. O adultério e o divórcio, a poligamia e a união
livre são ofensas graves à dignidade do matrimónio.
ARTIGO 7
O SÉTIMO MANDAMENTO
«Não furtarás»
(Ex. 20, 15)
(Cf. Dt. 5. 19).
«Não roubarás» (Mt 19, 18).
2401. O sétimo mandamento proíbe tomar ou reter
injustamente o bem do próximo e prejudicá-lo nos seus
bens, seja como for. Prescreve a justiça e a caridade na
gestão dos bens terrenos e do fruto do trabalho dos
homens. Exige, em vista do bem comum, o respeito pelo
destino universal dos bens e pelo direito à propriedade
privada. A vida cristã esforça-se por ordenar para Deus
e para a caridade fraterna os bens deste mundo.
I. O destino universal e a propriedade privada dos bens
2402. No princípio, Deus confiou a terra e os seus
recursos à gestão comum da humanidade, para que dela
cuidasse, a dominasse pelo seu trabalho e gozasse dos
seus frutos
(Cf. Gn. 1, 26-29).
Os bens da criação são destinados a todo o género
humano. No entanto, a terra foi repartida entre os
homens para garantir a segurança da sua vida, exposta à
penúria e ameaçada pela violência. A apropriação dos
bens é legítima, para garantir a liberdade e a dignidade
das pessoas, e para ajudar cada qual a ocorrer às suas
necessidades fundamentais e às necessidades daqueles que
tem a seu cargo. Tal apropriação deve permitir que se
manifeste a solidariedade natural entre os homens.
2403. O direito à propriedade privada, adquirida
ou recebida de maneira justa, não anula a doação
original da terra à humanidade no seu conjunto. O
destino universal dos bens continua a ser
primordial, embora a promoção do bem comum exija o
respeito pela propriedade privada, do direito a ela e do
respectivo exercício.
2404. «Quem usa desses bens, não deve considerar as
coisas exteriores, que legitimamente possui, só como
próprias, mas também como comuns, no sentido de que
possam beneficiar, não só a si, mas também aos outros»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 69: AAS 58 (1966) 1090).
A propriedade dum bem faz do seu detentor um
administrador da providência de Deus, com a obrigação de
o fazer frutificar e de comunicar os seus benefícios aos
outros, a começar pelos seus próximos.
2405. Os bens de produção - materiais ou imateriais -
como terras ou fábricas, competências ou artes,
requerem os cuidados dos seus possuidores, para que a
sua fecundidade aproveite ao maior número. Os detentores
dos bens de uso e de consumo devem utilizá-los com
moderação, reservando a melhor parte para o hóspede, o
doente, o pobre.
2406. A autoridade política tem o direito e o
dever de regular, em função do bem comum, o exercício
legítimo do direito de propriedade
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 71. AAS 58 (1966) 1093.; João Paulo II. Enc.
Sollicitudo rei socialis, 42: AAS 80 (1988)
572-574; Id. Enc. Centesimus annus, 40: AAS 83
(1991) 843, Ibid., 48: AAS 83 (1991) 852-854)
II. O respeito pelas pessoas e seus bens
2407. Em matéria económica, o respeito pela dignidade
humana exige a prática da virtude da temperança,
para moderar o apego aos bens deste mundo; da virtude da
justiça, para acautelar os direitos do próximo e
dar-lhe o que lhe é devido; e da solidariedade,
segundo a regra de ouro e conforme a liberalidade do
Senhor, que «sendo rico Se fez pobre, para nos
enriquecer com a sua pobreza»
(Cf. 2ª Cor. 8, 9)
O RESPEITO PELOS BENS ALHEIOS
2408. O sétimo mandamento proíbe o roubo, isto é,
a usurpação do bem alheio, contra a vontade razoável do
seu proprietário. Não há roubo quando o consentimento se
pode presumir ou a recusa é contrária à razão e ao
destino universal dos bens. É o caso da necessidade
urgente e evidente, em que o único meio de remediar
necessidades imediatas e essenciais (alimento, abrigo,
vestuário...) é dispor e usar dos bens alheios
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 69: AAS 58 (1966) 1090-1091).
2409. Todo o processo de se apoderar e de reter
injustamente o bem alheio, mesmo que não esteja em
desacordo com as disposições da lei civil, é contrário
ao sétimo mandamento. Assim, reter deliberadamente bens
emprestados ou objetos perdidos; cometer fraude no
comércio
(Cf. Dt. 25, 13-16);
pagar salários injustos
(Cf. Dt. 24, 14-15; Tg. 5, 4);
subir os preços especulando com a ignorância ou a
necessidade dos outros
(Cf. Am. 8, 4-6).
São também processos moralmente ilícitos: a especulação
pela qual se manobra no sentido de fazer variar
artificialmente a avaliação dos bens, com vista a daí
tirar vantagem em detrimento de outrem; a corrupção,
pela qual se desvia o juízo daqueles que devem tomar
decisões segundo o direito; a apropriação e o uso
privado de bens sociais duma empresa; os trabalhos mal
executados, a fraude fiscal, a falsificação de cheques e
faturas, as despesas excessivas, o desperdício. Causar
voluntariamente um prejuízo em propriedades privadas ou
públicas é contra a lei moral e exige reparação.
2410. As promessas devem ser cumpridas e os
contratos rigorosamente observados, desde que o
compromisso assumido seja moralmente justo. Grande parte
da vida económica e social depende da validade dos
contratos entre pessoas físicas ou morais. Por exemplo,
os contratos comerciais de compra e venda, os contratos
de arrendamento ou de trabalho. Todo o contrato deve ser
convencionado e executado de boa-fé.
2411. Os contratos estão sujeitos à justiça
comutativa, que regula as permutas entre as pessoas
e entre as instituições no exato respeito pelos seus
direitos. A justiça comutativa obriga estritamente;
exige a salvaguarda dos direitos de propriedade, o
pagamento das dívidas e a prestação das obrigações
livremente contraídas. Sem a justiça comutativa, nenhuma
outra forma de justiça é possível.
A justiça comutativa distingue-se da justiça
legal, a qual diz respeito ao que o cidadão
equitativamente deve à comunidade, e da justiça
distributiva, que regula o que a comunidade deve aos
cidadãos, proporcionalmente às suas contribuições e às
suas necessidades.
2412. Em virtude da justiça comutativa, a reparação
da injustiça cometida exige a restituição do bem
roubado ao seu proprietário:
Jesus louvou Zaqueu pelo seu compromisso: «Se causei
qualquer prejuízo a alguém, restituir-lhe-ei quatro
vezes mais» (Lc. 19, 8). Aqueles que, de maneira
direta ou indireta, se apoderaram de um bem alheio,
estão obrigados a restituí-lo, ou a dar o equivalente em
natureza ou espécie, se a coisa desapareceu, assim como
os frutos e vantagens que o seu dono teria legitimamente
auferido. Estão igualmente obrigados a restituir, na
proporção da sua responsabilidade e do seu proveito,
todos aqueles que de qualquer modo participaram no roubo
ou dele se aproveitaram com conhecimento de causa; por
exemplo, aqueles que o ordenaram, o ajudaram ou o
ocultaram.
2413. Os jogos de azar (jogo de cartas, etc.) e
as apostas não são, em si mesmos, contrários à
justiça. Mas tornam-se moralmente inaceitáveis, quando
privam a pessoa do que lhe é necessário para as suas
necessidades e as de outrem. A paixão do jogo pode
tornar-se uma grave servidão. Apostar injustamente ou
fazer batota nos jogos constitui matéria grave, a menos
que o prejuízo causado seja tão leve que quem o sofre
não possa razoavelmente considerá-lo significativo.
2414. O sétimo mandamento proíbe os atos ou
empreendimentos que, seja por que motivo for - egoísta
ou ideológico, mercantil ou totalitário - conduzam a
escravizar seres humanos, a desconhecer a sua
dignidade pessoal, a comprá-los, vendê-los e trocá-los
como mercadoria. É um pecado contra a dignidade das
pessoas e seus direitos fundamentais reduzi-las, pela
violência, a um valor utilitário ou a uma fonte de
lucro. São Paulo ordenava a um amo cristão que tratasse
o seu escravo, também cristão, «não já como escravo,
mas como irmão [...], tanto humanamente como no Senhor»
(Flm. 16).
O RESPEITO PELA INTEGRIDADE DA CRIAÇÃO
2415. O sétimo mandamento exige o respeito pela
integridade da criação. Os animais, tal como as plantas
e os seres inanimados, são naturalmente destinados ao
bem comum da humanidade, passada, presente e futura
(Cf. Gn. 1, 28-31) O uso dos recursos minerais, vegetais e
animais do universo não pode ser desvinculado do
respeito pelas exigências morais. O domínio concedido
pelo Criador ao homem sobre os seres inanimados e os
outros seres vivos, não é absoluto, mas regulado pela
preocupação da qualidade de vida do próximo, inclusive
das gerações futuras; exige um respeito religioso pela
integridade da criação
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 37-38:
AAS 83 (1991) 840-841).
2416. Os animais são criaturas de Deus. Deus
envolve-os na sua solicitude providencial
(Cf. Mt. 6, 26).
Pelo simples fato de existirem, eles O bendizem e lhe
dão glória
(Cf. Dn. 3, 79-81).
Por isso, os homens devem estimá-los. É de lembrar com
que delicadeza os santos, como São Francisco de Assis ou
São Filipe de Néri, tratavam os animais.
2417. Deus confiou os animais ao governo daquele que foi
criado à Sua imagem
(Cf. Gn. 2, 19-20; 9, 1-4).
É, portanto, legítimo servimo-nos dos animais para a
alimentação e para a confecção do vestuário. Podemos
domesticá-los para que sirvam o homem nos seus trabalhos
e lazeres. As experiências médicas e científicas em
animais são práticas moralmente admissíveis desde que
não ultrapassem os limites do razoável e contribuam para
curar ou poupar vidas humanas.
2418. É contrário à dignidade humana fazer sofrer
inutilmente os animais e dispor indiscriminadamente das
suas vidas. É igualmente indigno gastar com eles somas
que deveriam, prioritariamente, aliviar a miséria dos
homens. Pode-se amar os animais, mas não deveria
desviar-se para eles o afeto só devido às pessoas.
III. A doutrina social da Igreja
2419. «A Revelação cristã conduz [...] a uma
inteligência mais penetrante das leis da vida social»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 23: AAS 58 (1966) 1044).
A Igreja recebe do Evangelho a revelação plena da
verdade acerca do homem. Quando cumpre a sua missão de
anunciar o Evangelho, a Igreja atesta ao homem, em nome
de Cristo, a sua dignidade própria e a sua vocação para
a comunhão das pessoas, e ensina-lhe as exigências da
justiça e da paz, conformes à sabedoria divina.
2420. A Igreja emite um juízo moral em matéria económica
e social, «quando os direitos fundamentais da pessoa
ou a salvação das almas o exigem»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 76: AAS 58 (1966) 1100).
Na ordem da moralidade, ela exerce uma missão diferente
da que concerne às autoridades políticas: a Igreja
preocupa-se com os aspectos temporais do bem comum em
razão da sua ordenação ao Bem soberano, nosso fim
último. E esforça-se por inspirar as atitudes justas, no
que respeita aos bens terrenos e às relações
socioeconômicas.
2421. A doutrina social da Igreja desenvolveu-se no
século XIX aquando do confronto do Evangelho com a
sociedade industrial moderna, as suas novas estruturas
para a produção de bens de consumo, o seu novo conceito
de sociedade, de Estado e de autoridade, as suas novas
formas de trabalho e de propriedade. O desenvolvimento
da doutrina da Igreja em matéria económica e social
comprova o valor permanente da doutrina da mesma Igreja,
ao mesmo tempo que o verdadeiro sentido da sua Tradição,
sempre viva e ativa
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 3: AAS
83 (1991) 794-796).
2422. O ensino social da Igreja inclui um corpo de
doutrina que se vai articulando à medida que a mesma
Igreja interpreta os acontecimentos no decurso da
história à luz do conjunto da Palavra revelada por
Cristo Jesus, com a assistência do Espírito Santo
(Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis,
1: AAS 80 (1988) 513-514; Ibid., 41: AAS 80
(1988) 570-572).
Este ensino torna-se tanto mais aceitável para os homens
de boa vontade, quanto mais inspira o procedimento dos
fiéis.
2423. A doutrina social da Igreja propõe princípios de
reflexão, salienta critérios de julgamento e fornece
orientações para a ação:
Todo o sistema, segundo o qual as relações sociais forem
inteiramente determinadas pelos fatores económicos, é
contrário à natureza da pessoa humana e dos seus atos
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 24:
AAS 83 (1991) 821-822).
2424. Uma teoria que faça do lucro a regra exclusiva e o
fim último da atividade económica, é moralmente
inaceitável. O apetite desordenado do dinheiro não deixa
de produzir os seus efeitos perversos e é uma das causas
dos numerosos conflitos que perturbam a ordem social
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 63: AAS 58 (1966) 1085; João Paulo II, Enc.
Laborem exercens, 7: AAS 73 (1981) 592-594: Id.,
Enc. Centesimus annus, 35: AAS 83 (1991) 836-838).
Um sistema que «sacrifique os direitos fundamentais
das pessoas e dos grupos à organização coletiva da
produção», é contrário à dignidade humana
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 65: AAS 58 (1966) 1087).
Toda a prática que reduza as pessoas a não serem mais
que simples meios com vista ao lucro, escraviza o homem,
conduz à idolatria do dinheiro e contribui para propagar
o ateísmo. «Não podeis servir a Deus e ao dinheiro»
(Mt. 6, 24; Lc. 16, 13).
2425. A Igreja rejeitou as ideologias totalitárias e
ateias, associadas, nos tempos modernos, ao
«comunismo» ou ao «socialismo». Por outro
lado, recusou, na prática do «capitalismo», o
individualismo e o primado absoluto da lei do mercado
sobre o trabalho humano
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 10:
AAS 83 (1991) 804-806; Ibid., 13: AAS 83 (1991)
809-810; Ibid., 44: AAS 83 (1991) 848-849).
Regular a economia só pela planificação centralizada
perverte a base dos laços sociais: regulá-la só pela lei
do mercado é faltar à justiça social, «porque há
numerosas necessidades humanas que não podem ser
satisfeitas pelo mercado»
(João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 34: AAS 83
(1991) 836).
É necessário preconizar uma regulação racional do
mercado e das iniciativas económicas, segundo uma justa
hierarquia dos valores e tendo em vista o bem comum.
IV. A atividade económica e a justiça social
2426. O desenvolvimento das atividades económicas e o
crescimento da produção destinam-se a ocorrer às
necessidades dos seres humanos. A vida económica não
visa somente multiplicar os bens produzidos e aumentar o
lucro ou o poder; ordena-se, antes de mais, para o
serviço das pessoas, do homem integral e de toda a
comunidade humana. Conduzida segundo métodos próprios, a
atividade económica deve exercer-se dentro dos limites
da ordem moral e segundo as normas da justiça social, a
fim de corresponder ao desígnio de Deus sobre o homem
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 64: AAS 58 (1966) 1086).
2427. O trabalho humano procede imediatamente das
pessoas criadas à imagem de Deus e chamadas a prolongar,
umas com as outras, a obra da criação, dominando a terra
(Cf. Gn. 1, 28; II Concílio do Vaticano, Const.
past. Gaudium et spes, 34: AAS 58 (1966)
1052-1053; João Paulo II, Enc. Centesimus annus,
31: AAS 83 (1991) 831-832).
Portanto, o trabalho é um dever: «se algum de vós não
quer trabalhar, também não coma» (2ª Ts. 3, 10)
(Cf. 1ª Ts. 4, 11).
O trabalho honra os dons do Criador e os talentos
recebidos. Também pode ser redentor: suportando o que o
trabalho tem de penoso
(Cf. Gn. 3, 14-19)
em união com Jesus, o artesão de Nazaré e crucificado do
Calvário, o homem colabora, de certo modo, com o Filho
de Deus na sua obra redentora. Mostra-se discípulo de
Cristo, levando a cruz de cada dia na atividade que foi
chamado a exercer
(Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 27:
AAS 73 (1981) 644-647). O trabalho pode ser um meio de
santificação e uma animação das realidades terrenas no
Espírito de Cristo.
2428. No trabalho, a pessoa exerce e cumpre uma parte
das capacidades inscritas na sua natureza. O valor
primordial do trabalho pertence ao próprio homem, seu
autor e destinatário. O trabalho é para o homem e não o
homem para o trabalho
(Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 6: AAS
73 (1981) 589-592).
Cada um deve poder tirar do trabalho os meios de
subsistência, para si e para os seus, e a possibilidade
de servir a comunidade humana.
2429. Cada um tem o direito de iniciativa económica e
usará legitimamente os seus talentos, a fim de
contribuir para uma abundância proveitosa a todos e
recolher os justos frutos dos seus esforços. Mas terá o
cuidado de se conformar com as regulamentações impostas
pelas legítimas autoridades em vista do bem comum
(Cf. João Paulo II, Enc. Centessimus annus, 32:
AAS 83 (1991) 832-833: Ibid. 34: AAS 83 (1991)
835-836).
2430. A vida económica põe em causa interesses
diversos, muitas vezes opostos entre si. Assim se
explica a emergência dos conflitos que a caracterizam
(Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 11:
AAS 73 (1981) 602-605. 07).
Todos devem esforçar-se por reduzir estes últimos
através de uma negociação que respeite os direitos e
deveres de todos os parceiros sociais: os responsáveis
das empresas, os representantes dos assalariados (por
exemplo, organizações sindicais) e, eventualmente, os
poderes públicos.
2431. A responsabilidade do Estado. «A atividade
económica, particularmente a da economia de mercado, não
pode desenrolar-se num vazio institucional, jurídico e
político. Pressupõe asseguradas as garantias das
liberdades individuais e da propriedade, sem falar duma
moeda estável e de serviços públicos eficientes. Mas o
dever essencial do Estado é assegurar estas garantias,
de modo que, quem trabalha, possa usufruir do fruto do
seu trabalho e, portanto, se sinta estimulado a
realizá-lo com eficiência e honestidade [...]. O Estado
tem o dever de zelar e orientar a aplicação dos direitos
humanos no sector económico. Todavia, neste domínio, a
primeira responsabilidade não cabe ao Estado, mas sim às
instituições e diferentes grupos e associações que
compõem a sociedade»
(João Paulo II, Enc. Centesimus annnus, 48: AAS
83 (1991) 852-853).
2432. Os responsáveis de empresas têm, perante a
sociedade, a responsabilidade económica e ecológica das
suas operações
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 37:
AAS 83 (1991) 840).
Estão obrigados a ter em consideração o bem das pessoas,
e não somente o aumento dos lucros. Estes são
necessários, pois permitem realizar investimentos que
assegurem o futuro das empresas e garantam o emprego.
2433. O acesso ao trabalho e ao exercício da
profissão deve ser aberto a todos sem descriminação
injusta: homens e mulheres, sãos e deficientes, naturais
e imigrados
(Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 19:
AAS 73 (1981) 625-629; Ibid., 22-23: AAS 73
(1981) 634-637).
Por sua vez, a sociedade deve, nas diversas
circunstâncias, ajudar os cidadãos a conseguir um
trabalho e um emprego
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 48:
AAS 83 (1991) 852-854).
2434. O salário justo é o fruto legítimo do
trabalho. Recusá-lo ou retê-lo, pode constituir grave
injustiça
(Cf. Lv. 19, 13; Dt. 24, 14-15; Tg. 5, 4).
Para calcular a remuneração equitativa, há que ter em
conta, ao mesmo tempo, as necessidades de cada um e o
contributo que presta. «Tendo em conta as funções e a
produtividade de cada um, bem como a situação da empresa
e o bem comum, o trabalho deve ser remunerado de maneira
a assegurar ao homem e aos seus os recursos necessários
para uma vida digna no plano material, social, cultural
e espiritual»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 67: AAS 58 (1966) 1088-1089).
O acordo das partes não basta para justificar moralmente
o montante do salário.
2435. A greve é moralmente legítima,
quando se apresenta como recurso inevitável, senão mesmo
necessário, em vista dum benefício proporcionado. Mas
torna-se moralmente inaceitável quando acompanhada de
violências, ou ainda quando por feita com objetivos não
diretamente ligados às condições de trabalho ou
contrários ao bem comum.
2436. É injusto não pagar aos organismos de segurança
social as quotas estabelecidas pelas autoridades
legítimas.
O desemprego
devido à falta de trabalho é, quase sempre, para quem
dele é vítima, um atentado à sua dignidade e uma ameaça
ao equilíbrio da vida. Para além do prejuízo
pessoalmente sofrido, derivam dele numerosos riscos para
a respectiva família
(Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 18:
AAS 73 (1981) 622-625).
V. Justiça e solidariedade entre as nações
2437. No plano internacional, a desigualdade dos
recursos e meios económicos é tal que cava entre as
nações um verdadeiro «fosso»
(Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis,
14: AAS 80 (1988) 526-528)
Dum lado, estão os que detêm e desenvolvem os meios do
crescimento; do outro, os que acumulam dívidas.
2438. Diversas causas, de natureza religiosa, política,
económica e financeira, conferem hoje «à questão
social uma dimensão mundial»
(João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 9:
AAS 80 (1988) 520-521).
A solidariedade é necessária entre nações cujas
políticas já são interdependentes. E é ainda mais
indispensável quando se trata de travar «mecanismos
perversos» que contrariam o desenvolvimento dos
países menos avançados
(Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis,
17: AAS 80 (1988) 532-533; Ibid., 45: AAS 80
(1988) 577-578).
Os sistemas financeiros abusivos, quando não usurários
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus aunus, 35:
AAS 83 (1991) 836-838), as relações comerciais iníquas entre as
nações, a corrida aos armamentos, têm de ser
substituídos por um esforço comum para mobilizar os
recursos em ordem a objetivos de desenvolvimento moral,
cultural e económico, predefinindo as prioridades e as
escalas de valores
(João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 28: AAS 83
(1991) 828).
1439. As nações ricas têm uma grave
responsabilidade moral em relação aquelas que não podem,
por si mesmas, assegurar os meios do seu desenvolvimento
ou disso foram impedidas por trágicos acontecimentos
históricos. É um dever de solidariedade e caridade; é
também uma obrigação de justiça, se o bem-estar das
nações ricas provier de recursos que não foram
equitativamente pagos.
2440. A ajuda direta constitui uma resposta
apropriada a necessidades imediatas, extraordinárias,
causadas, por exemplo, por catástrofes naturais,
epidemias, etc. Mas não basta para reparar os graves
prejuízos resultantes de situações de indigência nem
para prover, de modo durável, às necessidades. É
necessário também reformar as instituições
económicas e financeiras internacionais, para que melhor
promovam relações equitativas com os países menos
avançados
(Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis,
16: AAS 80 (1988) 531). É necessário apoiar o esforço dos países
pobres, trabalhando pelo seu crescimento e pela sua
libertação
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 26:
AAS 83 (1991) 824-826). Esta doutrina deve ser aplicada de modo
muito particular no domínio do trabalho agrícola. Os
camponeses, sobretudo no terceiro mundo, formam a massa
preponderante dos pobres.
2441. Aumentar o sentido de Deus e o conhecimento de si
mesmo está na base de todo o desenvolvimento completo
da sociedade humana. Este multiplica os bens
materiais e põe-nos ao serviço da pessoa e da sua
liberdade. Diminui a miséria e a exploração económicas.
Faz crescer o respeito pelas identidades culturais e a
abertura à transcendência
(Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis,
32: AAS 80 (1988) 556-557; ID., Enc. Centesimus
annus, 51: AAS 83 (1991) 856-857).
2442. Não compete aos pastores da Igreja intervir
diretamente na construção política e na organização da
vida social. Este papel faz parte da vocação dos
fiéis leigos, agindo por sua própria iniciativa
juntamente com os seus concidadãos. A ação social pode
implicar uma pluralidade de caminhos concretos; mas
deverá ter sempre em vista o bem comum e conformar-se a
mensagem evangélica e o ensinamento da Igreja. Compete
aos fiéis leigos «animar as realidades temporais com
o seu compromisso cristão, comportando-se nelas como
artífices da paz e da justiça»
(João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis,
47: AAS 80 (1988) 582; cf. Ibid., 42: AAS 80
(1988) 572-574).
VI. O amor dos pobres
2443. Deus abençoa os que ajudam os pobres e reprova os
que deles se afastam: «dá a quem te pede; não voltes
as costas a quem pretende pedir-te emprestado» (Mt.
5, 42). «Recebestes gratuitamente; pois daí também
gratuitamente» (Mt, 10, 8). É pelo que
tiverem feito pelos pobres, que Jesus reconhecerá os
seus eleitos
(Cf. Mt. 25, 31-36).
Quando «a boa-nova é anunciada aos pobres» (Mt.
11, 5)
(Cf. Lc. 4, 18),
é sinal de que Cristo está presente.
2444. «O amor da Igreja pelos pobres [...] faz parte
da sua constante tradição»
(João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 57: AAS 83
(1991) 862-863). Esse amor inspira-se no Evangelho das
bem-aventuranças
(Cf. Lc. 6, 20-22),
na pobreza de Jesus
(Cf. Mt. 8, 20)
e na sua atenção aos pobres
(Cf. Mc. 12, 41-44).
O amor dos pobres é mesmo um dos motivos do dever de
trabalhar: para «poder fazer o bem, socorrendo os
necessitados»
(Cf. Ef. 4, 28).
E não se estende somente à pobreza material, mas também
às numerosas formas de pobreza cultural e religiosa
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 57:
AAS 83 (1991) 863).
2445. O amor dos pobres é incompatível com o amor
imoderado das riquezas ou com o uso egoísta das mesmas:
- «e agora, ó ricos, chorai em altos brados por causa
das desgraças que virão sobre vós. As vossas riquezas
estão podres e as vossas vestes roídas pela traça. O
vosso oiro e a vossa prata enferrujaram-se e a sua
ferrugem servirá de testemunho contra vós e devorará a
vossa carne como o fogo. Entesourastes, afinal, para os
vossos últimos dias! Olhai que o salário que não
pagastes aos trabalhadores que ceifaram os vossos campos
está a clamar: e os clamores dos ceifeiros chegaram aos
ouvidos do Senhor do universo! Tendes vivido na terra
entregues ao luxo e aos prazeres, cevando assim os
vossos apetites para o dia da matança! Condenastes e
destes a morte ao inocente, e Deus não vai opor-se»?
(Tg. 5, 1-6).
2446. São João Crisóstomo lembra com vigor: «não
fazer os pobres participar dos seus próprios bens é
roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são nossos, mas
deles, os bens que aferrolhamos»
(São João Crisóstomo, In Lazarum, concio 2, 6: PG
48, 992).
«Satisfaçam-se, antes de mais, as exigências da
justiça e não se ofereça como dom da caridade aquilo que
é devido a título de justiça»
(II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam
actuositatem, 8: AAS 58 (1966) 845):
- «quando damos aos indigentes o que lhes é necessário,
não lhes ofertamos o que é nosso: limitamos a
restituir-lhes o que lhes pertence. Mais do que praticar
uma obra de misericórdia, cumprimos um dever de justiça»
(São Gregório Magno, Regula pastoralis, 3, 21,
45: SC 382, 394 (PL 77, 87)).
2447. As obras de misericórdia são as ações
caridosas pelas quais vamos em ajuda do nosso próximo,
nas suas necessidades corporais e espirituais
(Cf. Is. 58, 6-7; Heb. 13, 3).
Instruir, aconselhar, consolar, confortar, são obras
de misericórdia espirituais, como perdoar e suportar com
paciência. As obras de misericórdia corporais consistem
nomeadamente em dar de comer a quem tem fome, albergar
quem não tem teto, vestir os nus, visitar os doentes e
os presos, sepultar os mortos
(Cf. Mt. 25, 31-46).
Entre estes gestos, a esmola dada aos pobres
(Cf. Tb. 4, 5-11; Sir. 17, 18)
é um dos principais testemunhos da caridade fraterna e
também uma prática de justiça que agrada a Deus
(Cf. Mt. 6, 2-4):
- «quem tem duas túnicas reparta com quem não tem
nenhuma, e quem tem mantimentos, faça o mesmo» (Lc.
3, 11). «Daí antes de esmola do que possuis, e
tudo para vós ficará limpo» (Lc. 11, 41). «Se um
irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem do alimento
quotidiano, e um de vós lhe disser: "ide em paz; tratai
de vos aquecer e de matar a fome", mas não lhes der o
que é necessário para o corpo, de que lhes aproveitará»?
(Tg. 2, 15-16) (208).
2448. «Sob as suas múltiplas formas: indigência
material, opressão injusta, doenças físicas e psíquicas,
e finalmente a morte, a miséria humana é o sinal
manifesto da condição congénita de fraqueza em que o
homem se encontra desde o primeiro pecado e da
necessidade que tem de salvação. Foi por isso que ela
atraiu a compaixão de Cristo Salvador, que quis tomá-la
sobre Si e identificar-Se com os "mais pequenos de entre
os seus irmãos" (Mt. 25, 40-45). É por isso, os
que se sentem acabrunhados por ela são objeto de um amor
preferencial por parte da Igreja que, desde o princípio,
apesar das falhas de muitos dos seus membros, nunca
deixou de trabalhar por aliviá-los, defendê-los e
libertá-los; fê-lo através de inúmeras obras de
beneficência, que continuam indispensáveis, sempre e em
toda a parte»
(Congregação para a Doutrina da Fé, Instr.
Libertatis conscientia, 68: AAS 79 (1987) 583).
2449. Desde o Antigo Testamento, toda a espécie de
medidas jurídicas (ano de remissão, interdição de
empréstimos a juros e da retenção dum penhor, obrigação
do dízimo, pagamento quotidiano da jorna, direito de
apanhar os restos da vindima e da ceifa) são uma
resposta à exortação do Deuteronómio: «nunca faltarão
os pobres na terra; por isso, faço-te esta recomendação:
abre, abre a mão para o teu irmão, para o pobre e
necessitado que estiver na tua terra» (Dt. 15, 1 l
). E Jesus faz sua esta palavra: «pobres, sempre os
haveis de ter convosco; a Mim, nem sempre Me tereis»
(Jo. 12, 8). Com isto não faz caducar a força dos
oráculos antigos: «compraremos os necessitados por
dinheiro e os pobres por um par de sandálias» (Am.
8, 6), mas convida-nos a reconhecer a sua presença na
pessoa dos pobres que são seus irmãos
(Cf. Mt. 25, 40):
No dia em que a sua mãe a repreendeu por manter em sua
casa pobres e doentes. Santa Rosa de Lima respondeu-lhe:
«quando servimos os pobres e os doentes, é a Jesus
servimos. Não devemos cansar-nos de ajudar o nosso
próximo, porque nele servimos a Jesus»
(P. Hansen, Vita mirabilis [...] venerabilis sororis
Rosae de sancta Maria Limensis (Romae 1664) p. 200).
Resumindo:
2450. «Não roubarás» (Dt. 5, 19). «Nem
ladrões, nem gananciosos [...] nem salteadores herdarão
o Reino de Deus» (1ª Cor. 6, 10).
2451. O sétimo mandamento prescreve a prática da
Justiça e da caridade na gestão dos bens terrenos e dos
frutos do trabalho dos homens.
2452. Os bens da criação são destinados a todo o
género humano. O direito à propriedade privada não pode
abolir o destino universal dos bens.
2453. O sétimo mandamento proíbe o roubo. O roubo é a
usurpação de um bem de outrem contra a vontade razoável
do proprietário.
2454. Todo o processo de tomar e usar injustamente um
bem alheio é contrário ao sétimo mandamento. A injustiça
cometida exige reparação. A justiça comutativa exige a
restituição do bem roubado.
2455. A lei moral proíbe os atos que, com fins
mercantis ou totalitários, conduzem a escravizar seres
humanos, comprá-los, vendê-los e trocá-los como
mercadoria.
2456. O domínio concedido pelo Criador sobre os
recursos minerais, vegetais e animais do universo, não
pode ser separado do respeito pelas obrigações morais,
inclusivamente para com as gerações futuras.
2457. Os animais são confiados ao cuidado do homem,
que lhes deve benevolência. Podem servir para a justa
satisfação das necessidades do homem.
2458. A Igreja pronuncia-se em matéria económica e
social, sempre que os direitos fundamentais da pessoa ou
a salvação das almas o exigem. Ela preocupa-se
com o bem comum temporal dos homens, em razão da
ordenação do mesmo ao soberano Bem, nosso último fim.
2459. O homem é o autor; o centro e o fim de toda a
vida económica e social. O ponto decisivo da questão
social é que os bens criados por Deus para todos,
cheguem de facto a todos, segundo a justiça e com a
ajuda da caridade.
2460. O valor primordial do trabalho diz respeito ao
próprio homem, que dele é autor e destinatário. Mediante
o seu trabalho, o homem participa na obra da criação.
Unido a Cristo, o trabalho pode ser redentor.
2461. O verdadeiro desenvolvimento é o do homem
integral. Trata-se de fazer crescer a capacidade de cada
pessoa para responder à sua vocação e, portanto, ao
apelo de Deus
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 29:
AAS83 (1991) 828-830).
2462. A esmola dada aos pobres é um testemunho de
caridade fraterna; é também uma prática de justiça que
agrada a Deus.
2463. Na multidão de seres humanos sem pão, sem teto,
sem residência, como não reconhecer Lázaro, o mendigo
esfomeado da parábola
(Cf. Lc. 16, 19-31). Como não ouvir Jesus quando diz:
«também a Mim o deixastes de fazer» (Mt. 25, 45)? |