A Intermediação de Maria Mãe dos Homens
para nos levar ao Cordeiro de Deus

'O ROSÁRIO É A VIDA DE CRISTO CONTEMPLADA COM O OLHAR DE MARIA'
"
Maria é aquela que nos acompanha na escuridão da noite até o clarear do novo dia”

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                                                   Criado em 30 de março de 2005

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86 ANOS DE GRAÇAS E BÊNÇÃOS no Brasil e no mundo

Catecismo da Igreja - Parte 8

PÁGINA INICIAL

ARTIGO 3

A IGREJA, MÃE E EDUCADORA

2030. É em Igreja, em comunhão com todos os batizados, que o cristão realiza a sua vocação. Da Igreja recebe a Palavra de Deus, que contém os ensinamentos da «Lei de Cristo» (Cf. Gl. 6, 2); da Igreja recebe a graça dos sacramentos que o sustentam no «caminho»: da Igreja recebe o exemplo da santidade: reconhece-lhe a figura e a fonte na santíssima Virgem Maria; distingue-a no testemunho autêntico dos que a vivem: descobre-a na tradição espiritual e na longa história dos santos que o precederam e que a liturgia celebra ao ritmo do Santoral.

2031. A vida moral é um culto espiritual. Nós «oferecemos os nossos corpos como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus» (Cf. Rm. 12, 1), no seio do corpo de Cristo que formamos e em comunhão com a oferenda da sua Eucaristia. Na liturgia e na celebração dos sacramentos, a oração e doutrina conjugam-se com a graça de Cristo, para esclarecer e alimentar o agir cristão. Como todo o conjunto da vida cristã, a vida moral tem a sua fonte e o seu ponto alto no sacrifício eucarístico.

I. Vida moral e Magistério da Igreja

2032. A Igreja, «coluna e fundamento da verdade» (1ª Tm. 3, 15), «recebeu dos Apóstolos o solene mandamento de Cristo de anunciar a verdade da salvação» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 17: AAS 57 (1965) 21). «À Igreja compete anunciar sempre e em toda a parte os princípios morais, mesmo de ordem social, bem como emitir juízo acerca de quaisquer realidades humanas, na medida em que o exigirem os direitos fundamentais da pessoa humana ou a salvação das almas» (CIC can. 747, § 2).

2033. O Magistério dos pastores da Igreja, em matéria moral, exerce-se ordinariamente na catequese e na pregação, com a ajuda das obras dos teólogos e autores espirituais. Assim se transmitiu, de geração em geração, sob a égide e a vigilância dos pastores, o «depósito» da moral cristã, formado por um conjunto característico de regras, mandamentos e virtudes procedentes da fé em Cristo e vivificados pela caridade. Esta catequese tomou por fundamento, tradicionalmente, a par do Credo e do Pai Nosso, o Decálogo, que enuncia os princípios da vida moral válidos para todos os homens.

2034. O Romano Pontífice e os Bispos, como «doutores autênticos, investidos na autoridade de Cristo, pregam ao povo a eles confiado a fé que deve ser acreditada e aplicada aos costumes» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 25: AAS 57 (1965) 29). O Magistério ordinário e universal do Papa, e dos Bispos em comunhão com ele, ensina aos fiéis a verdade que se deve crer, a caridade que se deve praticar e a bem-aventurança que se deve esperar.

2035. O grau supremo na participação da autoridade de Cristo está garantido pelo carisma da infalibilidade. Esta «é tão ampla quanto o depósito da Revelação divina» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 25: AAS 57 (1965) 30); e estende-se também a todos os elementos de doutrina, mesmo moral, sem os quais as verdades salvíficas da fé não podem ser guardadas, expostas e observadas (Cf. Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Mysterium Ecclesiae, 3: AAS 65 (1973) 401).

2036. A autoridade do Magistério estende-se também aos preceitos específicos da lei natural, porque a sua observância, exigida pelo Criador, é necessária à salvação. Ao lembrar as prescrições da lei natural, o Magistério da Igreja exerce uma parte essencial da sua função profética, de anunciar aos homens o que eles são na verdade e de lhes lembrar o que devem ser perante Deus (Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 14: AAS 58 (1966) 940).

2037. A Lei de Deus, confiada à Igreja, é ensinada aos fiéis como caminho de vida e de verdade. Os fiéis têm, portanto, o direito (Cf. CIC can. 213) de serem instruídos sobre os preceitos divinos salvíficos que purificam o juízo e, com a graça, curam a razão humana ferida. E têm o dever de observar as constituições e decretos emanados da autoridade legítima da Igreja. Mesmo que sejam disciplinares, tais determinações requerem docilidade na caridade.

2038. Na tarefa do ensino e da aplicação da moral cristã, a Igreja precisa da dedicação dos pastores, da ciência dos teólogos, do contributo de todos os cristãos e homens de boa vontade. A fé e a prática do Evangelho conferem a cada qual uma experiência da vida «em Cristo» que o ilumina e o torna capaz de avaliar as realidades divinas e humanas, segundo o Espírito de Deus (Cf. 1ª Cor. 2, 10-15). Assim, o Espírito Santo pode servir-se dos mais humildes para iluminar os sábios e os mais elevados em dignidade.

2039. Os ministérios devem exercer-se num espírito de serviço fraterno e de dedicação à Igreja, em nome do Senhor (Cf. Rm. 12, 8.11). Ao mesmo tempo, a consciência de cada um, no seu juízo moral sobre os seus atos pessoais, deve evitar fechar-se numa consideração individual. Deve abrir-se o mais possível à consideração do bem de todos, tal como ele se exprime na lei moral, natural e revelada, e consequentemente, na lei da Igreja e no ensino autorizado do Magistério sobre as questões morais. Não convém opor a consciência pessoal e a razão à lei moral ou ao Magistério da Igreja.

2040. Assim, pode desenvolver-se entre os cristãos um verdadeiro espírito filial em relação à Igreja. Esse espírito é a expansão normal da graça batismal, que nos gerou no seio da Igreja e nos tornou membros do corpo de Cristo. Na sua solicitude maternal, a Igreja concede-nos a misericórdia de Deus, que supera todos os nossos pecados e age especialmente através do sacramento da Reconciliação. Como mãe solícita, administra-nos também, na sua liturgia, diariamente, o alimento da Palavra e da Eucaristia do Senhor.

II. Os preceitos da Igreja

2041. Os preceitos da Igreja inserem-se nesta linha duma vida moral ligada à vida litúrgica e nutrindo-se dela. O carácter obrigatório destas leis positivas, promulgadas pelas autoridades pastorais, tem por fim garantir aos fiéis o mínimo indispensável de espírito de oração e de esforço moral e de crescimento no amor a Deus e ao próximo. (Cf. Rm. 12, 8.11) Os preceitos mais gerais da Igreja são cinco:

2042. O primeiro preceito («ouvir missa inteira e abster-se de trabalhos servis nos domingos e festas de guarda») exige aos fiéis que santifiquem o dia em que se comemora a ressurreição do Senhor, bem como as principais festas litúrgicas em honra dos mistérios do Senhor, da Bem-aventurada Virgem Maria e dos Santos, que a Igreja declara como sendo de preceito, sobretudo participando na celebração eucarística em que a comunidade cristã se reúne e descansando de trabalhos e ocupações que possam impedir a santificação desses dias (Cf. CIC can. 1246-1248: CCEO can. 880, § 3, 881, §§ 1.2.4).

O segundo preceito («confessar-se ao menos uma vez em cada ano») assegura a preparação para a Eucaristia, mediante a recepção do sacramento da Reconciliação que continua a obra de conversão e perdão do Batismo (Cf. CIC can. 989: CCEO can. 719).

O terceiro preceito («comungar ao menos pela Páscoa da Ressurreição») garante um mínimo na recepção do Corpo e Sangue do Senhor, em ligação com as festas pascais, origem e centro da liturgia cristã (Cf. CIC can. 920: CCEO can. 708. 881, § 3).

2043. O quarto preceito («guardar abstinência e jejuar nos dias determinados pela Igreja») assegura os dias de ascese e de penitência que nos preparam para as festas litúrgicas e contribuem para nos fazer adquirir domínio sobre os nossos instintos e a liberdade do coração (Cf. CIC can. 1249-1251; CCEO can. 882).

O quinto preceito («prover as necessidades da Igreja, segundo os legítimos usos e costumes e as determinações») aponta ainda aos fiéis a obrigação de prover, às necessidades materiais da Igreja consoante as possibilidades de cada um (Cf. CIC can. 222: CCEO can. 25. As Conferências Episcopais podem, para além destes, estabelecer outros preceitos eclesiásticos para o seu território: cf. CIC can. 455).

III. Vida moral e testemunho missionário

2044. A fidelidade dos batizados é condição primordial para o anúncio do Evangelho e para a missão da Igreja no mundo. Para manifestar diante dos homens a sua força de verdade e irradiação, a mensagem de salvação deve ser autenticada pelo testemunho de vida dos cristãos. «O testemunho de vida cristã e as obras realizadas com espírito sobrenatural são meios poderosos para atrair os homens à fé e a Deus» (II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam actuositatem, 6: AAS 58 (1966) 842).

2045. Porque são membros do corpo cuja cabeça é Cristo (Cf. Ef. 1, 22), os cristãos contribuem, pela constância das suas convicções e dos seus costumes, para a edificação da Igreja. A Igreja cresce, aumenta e desenvolve-se pela santidade dos seus fiéis (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 39: AAS 57 (1965) 44), até ao «estado do homem perfeito, à medida da estatura de Cristo na sua plenitude» (Ef. 4, 13).

2046. Vivendo segundo Cristo, os cristãos apressam a vinda do Reino de Deus, do «Reino da justiça, da verdade e da paz» (Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do universo, Prefácio: Missale Romanum. editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 381 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 429].). Mas nem por isso descuram as suas tarefas terrestres. Fiéis ao seu Mestre, cumprem-nas com retidão, paciência e amor.

Resumindo:

2047. A vida moral é um culto espiritual. O agir cristão encontra alimento na liturgia e na celebração dos sacramentos.

2048. Os preceitos da Igreja dizem respeito à vida moral e cristã, unida à liturgia e nutrindo-se dela.

2049. O magistério dos pastores da Igreja em matéria moral exerce-se ordinariamente na catequese e na pregação, com base no Decálogo, que enuncia os princípios da vida moral válidos para todo o homem.

2050. O Romano Pontífice e os Bispos, na qualidade de doutores autênticos, pregam ao povo de Deus a fé que deve ser acreditada e aplicada nos costumes. Compete-lhes também pronunciarem-se sobre as questões morais da área da lei natural e da razão.

2051. A infalibilidade do Magistério dos pastores abrange todos os elementos de doutrina, mesmo moral, sem os quais as verdades salvíficas da fé não podem ser guardadas, expostas ou observadas.

OS DEZ MANDAMENTOS

 Êxodo 20, 2-17

Deuteronômio 5, 6-21

Fórmula Catequética

Eu sou o Senhor teu Deus,
Que te tirei da terra do Egito,
dessa casa da escravidão.

Não terás outros deuses perante Mim.
Não farás de ti nenhuma imagem esculpida, nem figura que existe lá no alto do céu ou cá em baixo na terra ou nas águas debaixo da terra.
Não te prostrarás diante delas
nem lhes prestarás culto porque eu, o Senhor teu Deus, sou um Deus cios: castigo a ofensa dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que Me ofendem; mas uso de misericórdia até à milésima geração com aqueles que Me amam e guardam os meus mandamentos.

Eu sou o Senhor teu Deus,
que te fiz tirei da terra do Egito dessa da casa da escravidão.

Não terás outros deuses diante de mim...

 

 

 

 

 

 

 

Primeiro: Adorar a Deus e amá-Lo sobre todas as coisas.
Não invocarás em vão o Nome do Senhor teu Deus, porque o Senhor não deixa sem castigo
quem invocar o seu Nome em vão
.
Não invocarás em vão o Nome do Senhor teu Deus... Segundo: Não invocar o santo nome de Deus em vão.
Lembrar-te do dia do Sábado
para o santificar.
Durante seis dias trabalharás
e farás todos os trabalhos.
Mas o sétimo dia é sábado do Senhor teu Deus.
Não farás nele nenhum trabalho,
nem tu, nem teu filho ou tua filha,
nem o teu servo nem a tua serva,
nem o teu gado, nem o estrangeiro que vive em tua cidade.
Porque em seis dias o Senhor fez o céu e a terra, o mar e tudo o que eles contêm: mas ao sétimo diz descansou.
Por isso o Senhor abençoou
o dia de sábado e o consagrou.
Guarda o dia do sábado para o santificar Terceiro: Santificar os domingos e festas de guarda.
Honra pai mãe, a fim de prolongares os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te vai dar. Honra teu pai e tua mãe... Quarto: Honrar pai e mãe (e os outros legítimos superiores).
Não matarás. Não matarás. Quinto: Não matar (nem causar outro dano, no corpo ou na alma, a si mesmo ou ao próximo).
Não cometerás adultério. Não cometerás adultério. Sexto: Guardar castidade nas palavras e nas obras.
Não roubarás. Não roubarás. Sétimo: Não furtar (nem injustamente reter ou danificar os bens do próximo).
Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo. Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo. Oitavo: Não levantar falsos testemunhos (nem de qualquer outro modo faltar à verdade ou difamar o próximo).
Não cobiçarás a casa do teu próximo.   Nono: Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos.
Não desejarás a mulher do próximo, nem o seu servo nem a sua serva, o seu boi ou o seu jumento, nem nada que lhe pertença.

Não desejarás a mulher do teu próximo; não cobiçarás ... nada que pertença ao teu próximo.

 

Décimo: Não cobiçar as coisas alheias.
Estes dez mandamentos resumem-se em dois que são: amar a Deus sobre todas as coisas,
e ao próximo como a nós mesmos.

 
A VIDA EM CRISTO

SEGUNDA SECÇÃO

OS DEZ MANDAMENTOS

«MESTRE, QUE HEI DE FAZER... »?

2052. «Mestre, que devo fazer de bom para ter a vida eterna»? Ao jovem que Lhe faz esta pergunta, Jesus responde, primeiro, invocando a necessidade de reconhecer a Deus como «o único Bom», o Bem por excelência e a fonte de todo o bem. Depois, declara-lhe: «se queres entrar na vida, observa os mandamentos». E cita ao seu interlocutor os mandamentos que dizem respeito ao amor do próximo: «não matarás; não cometerás adultério: não furtarás; não levantarás falso testemunho; honra pai e mãe». Finalmente, resume estes mandamentos de modo positivo: «amarás o teu próximo como a ti mesmo» (Mt. 19, 16-19).

2053. A esta primeira resposta vem juntar-se uma segunda: «se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens e dá-os aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Vem, depois, e segue-Me» (Mt. 19, 21). Esta resposta não anula a primeira. Seguir Jesus implica cumprir os mandamentos. A Lei não é abolida (Cf. Mt. 5, 17): mas o homem é convidado a reencontrá-la na Pessoa do seu mestre, em Quem ela encontra o seu perfeito cumprimento. Nos três evangelhos sinópticos, o apelo de Jesus ao jovem rico, para O seguir na obediência de discípulo e na observância dos preceitos, está associado ao apelo à pobreza e à castidade (Cf. Mt. 19, 6-12.21.23-29). Os conselhos evangélicos são inseparáveis dos mandamentos.

2054. Jesus retomou os dez mandamentos, mas manifestou a força do Espírito que atua na letra em que eles se exprimem. Pregou a «justiça que excede a dos escribas e fariseus» (Cf. Mt. 5, 20), do mesmo modo que a dos pagãos (Cf. Mt. 5, 46-47). E explicou todas as exigências dos mandamentos: «ouvistes que foi dito aos antigos: não matarás [...]; Eu, porém, digo-vos: quem se irritar contra o seu irmão será réu perante o tribunal» (Mt. 5, 21-22).

2055. Quando Lhe perguntam: «qual é o maior mandamento que há na Lei»? (Mt. 22, 36), Jesus responde: «amarás o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente: tal é o maior e primeiro mandamento. O segundo é semelhante a este: amarás o teu próximo como a ti mesmo. A estes dois mandamentos está Ligada toda a Lei, bem como os Profetas» (Mt. 22, 37-40) (Cf. Dt. 6, 5: Lv. 19, 18). O Decálogo deve ser interpretado à luz deste duplo e único mandamento da caridade, plenitude da Lei.

- «De fato: ''não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás" bem como qualquer outro mandamento, estão resumidos numa só frase: "amarás o teu próximo como a ti mesmo". O amor não faz mal ao próximo. Assim, é no amor que está o pleno cumprimento da Lei» (Rm. 13, 9-10).

O DECÁLOGO NA SAGRADA ESCRITURA

2056. A palavra «Decálogo» significa literalmente «dez palavras» (Ex. 34, 28: Dt. 4, 13: 10, 4). Estas dez palavras, Deus as revelou ao seu povo na montanha sagrada. Escreveu-as com o «seu Dedo» (Cf. Ex. 31,18; Dt. 5, 22), o que não aconteceu com os outros preceitos escritos por Moisés (Cf. Dt. 31, 9.24). São palavras de Deus num sentido eminente e foram-nos transmitidas no Livro do Êxodo (Cf. Ex. 20, 1-17) e no do Deuteronómio (Cf. Dt. 5, 6-22). Desde o Antigo Testamento que os livros santos fazem referência às «dez palavras», mas é na Nova Aliança em Jesus Cristo que será revelado o seu sentido pleno.

2057. O Decálogo compreende-se, antes de mais nada, no contexto do Êxodo que é o grande acontecimento libertador de Deus, no centro da Antiga Aliança. Quer sejam formuladas como preceitos negativos ou interdições, quer como mandamentos positivos (por exemplo: «honra teu pai e tua mãe»), as «dez palavras» indicam as condições duma vida liberta da escravidão do pecado. O Decálogo é um caminho de vida:

- «se amares o teu Deus, andares nos seus caminhos e guardares os seus mandamentos, leis e costumes, viverás e multiplicar-te-ás» (Dt. 30, 16).

Esta força libertadora do Decálogo aparece, por exemplo, no mandamento sobre o repouso do sábado, que abrange igualmente os estrangeiros e os escravos:

- «recorda-te de que foste escravo no país do Egito, de onde o Senhor teu Deus te fez sair com mão forte e braço poderoso» (Dt. 5, 15).

2058. As «dez palavras» resumem e proclamam a Lei de Deus: «estas palavras dirigiu-as o Senhor a toda a vossa assembleia sobre a montanha, do meio do fogo, da nuvem e das trevas, com voz forte, sem acrescentar mais nada: escreveu-as em duas tábuas de pedra e entregou-mas» (Dt. 5, 22). Por isso é que estas duas tábuas são chamadas «o testemunho» (Ex. 25, 16). De fato, elas contêm as cláusulas da aliança concluída entre Deus e o seu povo. Estas «tábuas do testemunho» (Ex. 31, 18; 32, 15; 34, 29) devem ser depositadas na «arca» (Ex. 25, 16: 40, 1-2).

2059. As «dez palavras» são pronunciadas por Deus no decurso duma teofania («sobre a montanha, no meio do fogo, o Senhor vos falou face a face»: Dt. 5, 4). Fazem parte da revelação que Deus fez de Si mesmo e da sua glória. (Cf., por exemplo. Os 4, 2; Jr 7, 9: Ez 18, 5-9) O dom dos mandamentos é uma dádiva do próprio Deus e da sua santa vontade. Dando a conhecer as suas vontades, Deus revela-se ao seu povo.

2060. O dom dos mandamentos e da Lei faz parte da Aliança selada por Deus com os seus. Segundo o Livro do Êxodo, a revelação das «dez palavras» teve lugar entre a proposta da Aliança (Cf. Ex. 19) e a sua conclusão (Cf. Ex. 24) depois de o povo se ter comprometido a «fazer» tudo o que o Senhor tinha dito e a «obedecer» (Cf. Ex. 24, 7). O Decálogo nunca é transmitido sem primeiro se evocar a Aliança («o Senhor nosso Deus firmou conosco uma Aliança no Horeb»: Dt. 5, 2).

2061. É no âmbito da Aliança que os mandamentos recebem o seu pleno significado. Segundo a Escritura, o procedimento moral do homem atinge todo o seu sentido na e pela Aliança. A primeira das "dez palavras" lembra o amor primeiro de Deus pelo seu povo:

- «como, em castigo do pecado, se tinha dado a passagem do paraíso da liberdade para a escravidão deste mundo, por esse motivo, a primeira frase do Decálogo, primeira palavra dos mandamentos de Deus, incide sobre a liberdade: "Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, de uma casa de escravidão"» (Ex. 20, 2: Dt. 5, 6) (Orígenes, In Exodum homilia 8, 1; SC 321, 242 (PG 12, 350)).

2062. Os mandamentos propriamente ditos vêm em segundo lugar e traduzem as implicações da pertença a Deus, instituída pela Aliança. A existência moral é resposta à iniciativa amorosa do Senhor. É reconhecimento, homenagem a Deus e culto de ação de graças. É cooperação com o plano que Deus prossegue na história.

2063. A Aliança e o diálogo entre Deus e o homem são ainda comprovados pelo fato de todas as obrigações serem enunciadas em primeira pessoa ("Eu sou o Senhor...") e dirigidas a um outro sujeito ("tu..."). Em todos os mandamentos de Deus, é um pronome pessoal singular que designa o destinatário. Ao mesmo tempo que a todo o povo, Deus faz conhecer a sua vontade a cada um em particular:

- «o Senhor prescreveu o amor para com Deus e ensinou a justiça para com o próximo, para que o homem não fosse nem injusto nem indigno de Deus. Assim, através do Decálogo, Deus preparava o homem para se tornar seu amigo e ter um só coração com o seu próximo [...]. As palavras do Decálogo continuam a ser para nós [cristãos] o que eram; longe de serem abolidas, elas receberam amplificação e desenvolvimento, com o fato da vinda do Senhor na carne» (Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses, 4, 16, 3-4: SC 100, 566-570 (PG 7, 1017-1018)).

O DECÁLOGO NA TRADIÇÃO DA IGREJA

2064. Na fidelidade à Sagrada Escritura e em conformidade com o exemplo de Jesus, a Tradição da Igreja reconheceu no Decálogo uma importância e um significado primordiais.

2065. A partir de Santo Agostinho, os "Dez Mandamentos" têm um lugar preponderante na catequese dos futuros batizados e dos fiéis. No século XV, começou o costume de exprimir os preceitos do Decálogo em fórmulas rimadas, fáceis de decorar, e positivas, que ainda hoje se usam. Os catecismos da Igreja expuseram muitas vezes a moral cristã seguindo a ordem dos «Dez Mandamentos».

2066. A divisão e a numeração dos mandamentos variou no decurso da história. O atual catecismo segue a divisão dos mandamentos estabelecida por Santo Agostinho e que passou a ser tradicional na Igreja Católica. É a mesma das «confissões» luteranas. Os Padres gregos procederam a uma divisão um tanto diversa, que se encontra nas Igrejas ortodoxas e nas comunidades reformadas.

2067. Os Dez Mandamentos enunciam as exigências do amor de Deus e do próximo. Os três primeiros referem-se mais ao amor de Deus: os outros sete, ao amor do próximo:

- «como a caridade abrange dois preceitos, nos quais o Senhor resume toda a Lei e os Profetas, [...] assim também os Dez Mandamentos estão divididos em duas tábuas. Três foram escritos numa tábua e sete na outra» (Santo Agostinho, Sermão 33, 2; CCL 41, 414 (PL 38, 208)).

2068. O Concílio de Trento ensina que os Dez Mandamentos obrigam os cristãos e que o homem justificado continua obrigado a cumpri-los (Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, can.19-20: DS 1569-1570). E o II Concilio do Vaticano também o afirma: «os Bispos, sucessores dos Apóstolos, recebem do Senhor [...] a missão de ensinar todas as nações e de pregar o Evangelho a toda a criatura, para que todos os homens se salvem pela fé, pelo Batismo e pelo cumprimento dos mandamentos» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 24: AAS 57 (1965) 29).

A UNIDADE DO DECÁLOGO

2069. O Decálogo forma um todo indissociável. Cada «Palavra» remete para cada uma das outras e para todas; elas condicionam-se reciprocamente. As duas «tábuas» esclarecem-se mutuamente; formam uma unidade orgânica. Transgredir um mandamento é infringir todos os outros (Cf. Tg. 2, 10-11). Não é possível honrar a outrem sem louvar a Deus seu criador; nem se pode adorar a Deus sem amar todos os homens, suas criaturas. O Decálogo unifica a vida teologal e a vida social do homem.

O DECÁLOGO E A LEI NATURAL

2070. Os Dez Mandamentos fazem parte da revelação de Deus. Mas, ao mesmo tempo, ensinam-nos a verdadeira humanidade do homem. Põem em relevo os deveres essenciais e, por conseguinte, indiretamente, os direitos fundamentais inerentes à natureza da pessoa humana. O Decálogo encerra uma expressão privilegiada da «lei natural»:

- no princípio, Deus admoestou os homens com os preceitos da lei natural, que tinha enraizado nos seus corações, isto é, pelo Decálogo. «Se alguém não os cumprisse, não se salvaria. E Deus não exigiu mais nada aos homens» (Santo Ireneu de Lião, Adversas haereses, 4, 15, 1: SC 100, 548 (PG 7, 1012)).

2071. Embora acessíveis à simples razão, os preceitos do Decálogo foram revelados. Para atingir um conhecimento completo e certo das exigências da lei natural, a humanidade pecadora precisava desta revelação:

- «uma explicação completa dos mandamentos do Decálogo tornou-se necessária no estado de pecado, por causa do obscurecimento da lei da razão e do desvio da vontade» (São Boaventura, In quattuor libros Sentenciarum, 3, 37, 1, 3: Opera amnia, v. 3 (Ad Claras Aquas 1887) p. 819-820)

Nós conhecemos os mandamentos de Deus pela revelação divina que nos é proposta na Igreja e pela voz da consciência moral.

A OBRIGAÇÃO DO DECÁLOGO

2072. Uma vez que exprimem os deveres fundamentais do homem para com Deus e para com o próximo, os Dez Mandamentos revelam, no seu conteúdo primordial, obrigações graves. São basicamente imutáveis e a sua obrigação impõe-se sempre e em toda a parte. Ninguém pode dispensar-se dela. Os Dez Mandamentos foram gravados por Deus no coração do ser humano.

2073. Mas a obediência aos mandamentos também implica obrigações cuja matéria, em si mesma, é leve. Assim, a injúria por palavras é proibida pelo quinto mandamento, mas só poderá ser falta grave em razão das circunstâncias ou da intenção de quem a profere.

«SEM MIM, NADA PODEIS FAZER»

2074. Jesus diz: «Eu sou a cepa, vós as varas. Quando alguém permanece em Mim, e Eu nele, esse é que dá muito fruto, porque, sem Mim, nada podeis fazer» (Jo. 15, 5). O fruto, a que se faz referência nesta palavra, é a santidade duma vida fecundada pela união com Cristo. Quando cremos em Jesus Cristo, comungamos nos seus mistérios e guardamos os seus mandamentos, o Salvador vem em pessoa amar em nós o seu Pai e os seus irmãos, o nosso Pai e os nossos irmãos. A sua pessoa toma-se, graças ao Espírito, a regra viva e interior do nosso agir. «É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei» (Jo. 15, 12).

Resumindo:

2075. «Que devo fazer de bom para ter a vida eterna; - se queres entrar na vida, observa os mandamentos» (Mt. 19, 16-17).

2076. Com o seu modo de agir e com a sua pregação, Jesus confirmou a perenidade do Decálogo.

2077. A dádiva do Decálogo foi feita no âmbito da Aliança concluída por Deus com o seu povo. É nesta e por esta Aliança que os mandamentos de Deus recebem o seu verdadeiro significado.

2078. Por fidelidade à Escritura e em conformidade com o exemplo de Jesus, a Tradição da Igreja reconheceu ao Decálogo uma importância e um significado primordiais.

2079. O Decálogo forma uma unidade orgânica, em que cada «palavra» ou «mandamento» remete para todo o conjunto. Transgredir um mandamento é infringir toda a Lei (Cf. Tg. 2, 10-11).

2080. O Decálogo encerra uma expressão privilegiada da lei natural. É-nos dado a conhecer pela revelação divina e pela razão humana.

2081. Os Dez Mandamentos enunciam, no seu conteúdo fundamental, obrigações graves. No entanto, a obediência a estes mandamentos implica também obrigações, cuja matéria, em si mesma, é leve.

2082. Aquilo que Deus manda, Ele o torna possível pela sua grata.

A VIDA EM CRISTO

SEGUNDA SECÇÃO

OS DEZ MANDAMENTOS

 CAPÍTULO PRIMEIRO

«AMARÁS O SENHOR TEU DEUS COM TODO O TEU CORAÇÃO,
COM TODA A TUA ALMA E COM TODAS AS TUAS FORÇAS»

2083. Jesus resumiu os deveres do homem para com Deus nestas palavras: «amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente» (Mt. 22, 37) (Cf. Lc. 10, 27: «...com todas as tuas forças»). Elas são um eco imediato do apelo solene: «escuta, Israel: o Senhor nosso Deus é o único» (Dt. 6, 4).

Deus foi o primeiro a amar. O amor do Deus único é lembrado na primeira das «dez palavras». Em seguida, os mandamentos explicitam a resposta de amor que o homem é chamado a dar ao seu Deus.

ARTIGO 1

O PRIMEIRO MANDAMENTO

«Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, dessa casa da escravidão. Não terás outros deuses perante mim. Não farás de ti nenhuma imagem esculpida, nem figura que existe lá no alto do céu ou cá em baixo, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas nem lhes prestarás culto» (Ex. 20, 2-5) (Cf. Dt. 5, 6-9).

«Está escrito: "ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto"» (Mt. 4, 10).

I. «Ao Senhor teu Deus adorarás, a Ele servirás»

2084. Deus dá-se a conhecer lembrando a sua ação onipotente, benevolente e libertadora, na história daquele a quem se dirige: «sou Eu [...] que te tirei da terra do Egito, dessa casa da escravidão» (Dt. 5, 6). A primeira palavra encerra o primeiro mandamento da Lei: «ao Senhor, teu Deus, adorarás, a Ele servirás [...]. Não ireis atrás de outras divindades» (Dt. 6, 13-14). O primeiro apelo e a justa exigência de Deus é que o homem O acolha e O adore.

2085. O Deus único e verdadeiro revela, antes de mais, a sua glória a Israel (Cf. Ex. 19, 16-25; 24, 15-18). A revelação da vocação e da verdade do homem está ligada à revelação de Deus. O homem tem a vocação de manifestar Deus pelo seu agir, em conformidade com a sua criação, «à imagem e semelhança de Deus» (Gn. 1, 26).

- «Não haverá jamais outro Deus, ó Trifão, e nunca houve outro, desde os séculos [...], senão Aquele que fez e ordenou o Universo. Não pensamos que o nosso Deus seja diferente do vosso. É o mesmo que fez sair os vossos pais do Egito, pela sua mão poderosa e braço levantado. Nós não pomos as nossas confianças em qualquer outro, que não há, mas no mesmo que vós, o Deus de Abraão, Isaac e Jacob» (São Justino, Diálogo com o judeu Trifão, 11, 1: CA 2, 40 (Pg. 6. 497)).

2086. «O primeiro dos preceitos abrange a fé, a confiança e a caridade. De fato, quem diz Deus diz um ser constante, imutável, sempre o mesmo, fiel, perfeitamente justo. Daí se segue que devemos necessariamente aceitar as suas palavras e ter n'Ele uma fé e confiança plenas. É todo-poderoso, clemente, infinitamente propenso a bem-fazer. Quem poderia não pôr n'Ele todas as suas esperanças? E quem seria capaz de não O amar, ao ver os tesouros de bondade e ternura que derramou sobre nós? Daí a fórmula que Deus emprega na Sagrada Escritura, quer no princípio, quer no fim dos seus preceitos: Eu sou o Senhor» (Cat Rom. 3, 2, 4. p. 408-409).

A FÉ

2087. A nossa vida moral tem a sua fonte na fé em Deus, que nos revela o seu amor. São Paulo fala da «obediência da fé» (Cf. Rm. 1, 5; 16, 26) como a primeira obrigação. E faz ver, no «desconhecimento de Deus», o princípio e a explicação de todos os desvios morais (Cf Rm. 1, 18-32). O nosso dever para com Deus é crer n'Ele e dar testemunho d'Ele.

2088. O primeiro mandamento ordena-nos que alimentemos e guardemos com prudência e vigilância a nossa fé, rejeitando tudo quanto a ela se opõe. Pode-se pecar contra a fé de vários modos:

a dúvida voluntária em relação à fé negligencia ou recusa ter por verdadeiro o que Deus revelou e a Igreja nos propõe para crer. A dúvida involuntária é a hesitação em crer, a dificuldade em superar as objecções relacionadas com a fé, ou ainda a angústia suscitada pela sua obscuridade. Quando deliberadamente cultivada, a dúvida pode levar à cegueira do espírito.

2089. A incredulidade é o desprezo da verdade revelada ou a recusa voluntária de lhe prestar assentimento. A «heresia é a negação pertinaz, depois de recebido o Baptismo, de alguma verdade que se deve crer com fé divina e católica, ou ainda a dúvida pertinaz acerca da mesma; apostasia é o repúdio total da fé cristã; cisma é a recusa da sujeição ao Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja que lhe estão sujeitos» (CIC can. 751).

A ESPERANÇA

2090. Quando Deus Se revela e chama o homem, este não pode responder plenamente ao amor divino pelas suas próprias forças. Deve esperar que Deus lhe dará a capacidade de, por sua vez, O amar e de agir de acordo com os mandamentos da caridade. A esperança é a expectativa confiante da bênção divina e da visão beatífica de Deus: é também o receio de ofender o amor de Deus e de provocar o castigo.

2091. O primeiro mandamento visa igualmente os pecados contra a esperança, que são o desespero e a presunção:

Pelo desespero, o homem deixa de esperar de Deus a sua salvação pessoal, os socorros para a atingir, ou o perdão dos seus pecados. Opõe-se à bondade de Deus, à sua justiça (porque o Senhor é fiel às suas promessas) e à sua misericórdia.

2092. Há duas espécies de presunção: o homem ou presume das suas capacidades (esperando poder salvar-se sem a ajuda do Alto), ou presume da omnipotência ou misericórdia divinas (esperando obter o perdão sem se converter, e a glória sem a merecer).

A CARIDADE

2093. A fé no amor de Deus implica o apelo e a obrigação de corresponder à caridade divina com um amor sincero. O primeiro mandamento manda-nos amar a Deus sobre todas as coisas (Cf. Dt. 6, 4-5) e a todas as criaturas por Ele e por causa d'Ele.

2094. Pode-se pecar contra o amor de Deus de diversas maneiras: a indiferença descuida ou recusa a consideração da caridade divina; desconhece-lhe o cuidado preveniente e nega-lhe a força. A ingratidão não reconhece, por desleixo ou recusa formal, a caridade divina, não retribuindo amor com amor. A tibieza, que é hesitação ou negligência em corresponder ao amor divino, pode implicar a recusa de se entregar ao movimento da caridade. A acedia ou preguiça espiritual chega a recusar a alegria que vem de Deus e a aborrecer o bem divino. O ódio a Deus nasce do orgulho: opõe-se ao amor de Deus, cuja bondade nega, e ousa amaldiçoá-lo como Aquele que proíbe o pecado e lhe inflige o castigo.

II. «Só a Ele prestarás culto»

2095. As virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade informam e vivificam as virtudes morais. Assim, a caridade leva-nos a prestar a Deus o que com toda a justiça Lhe devemos, enquanto criaturas. A virtude da religião dispõe-nos para tal atitude.

A ADORAÇÃO

2096. A adoração é o primeiro ato da virtude da religião. Adorar a Deus é reconhecê-Lo como tal, Criador e Salvador, Senhor e Dono de tudo quanto existe, Amor infinito e misericordioso. «Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto» (Lc. 4, 8) - diz Jesus, citando o Deuteronómio (Dt. 6, 13).

2097. Adorar a Deus é reconhecer, com respeito e submissão absoluta, o «nada da criatura», que só por Deus existe. Adorar a Deus é, como Maria no Magnificat, louvá-Lo, exaltá-Lo e humilhar-se, confessando com gratidão que Ele fez grandes coisas e que o seu Nome é santo (Cf. Lc 1, 46-49). A adoração do Deus único liberta o homem de se fechar sobre si próprio, da escravidão do pecado e da idolatria do mundo.

A ORAÇÃO

2098. Os atos de fé, de confiança e de caridade, exigidos pelo primeiro mandamento, fazem-se na oração. A elevação do espírito para Deus é uma expressão da nossa adoração ao mesmo Deus: oração de louvor e de ação de graças, de intercessão e de súplica. A oração é condição indispensável para se poder obedecer aos mandamentos de Deus. «e preciso orar sempre, sem desfalecer» (Lc. 18, 1).

O SACRIFÍCIO

2099. É justo que se ofereçam a Deus sacrifícios, em sinal de adoração e de reconhecimento, de súplica e de comunhão: «verdadeiro sacrifício é todo o ato realizado para se unir a Deus em santa comunhão e poder ser feliz» (Santo Agostinho, De civitate Dei. 10, 6: CSEL 40/1. 454-455 (PL 41, 283)).

2100. Para ser autêntico, o sacrifício exterior deve ser expressão do sacrifício espiritual: «o meu sacrifício é um espírito arrependido...» (Sl. 51, 19). Os profetas da Antiga Aliança denunciaram muitas vezes os sacrifícios feitos sem participação interior (Cf. Am. 5, 21-25) ou sem ligação com o amor do próximo (Cf. Is. 1, 10-20). Jesus recorda a palavra do profeta Oseias: «Eu quero misericórdia e não sacrifício» (Mt. 9, 13; 12, 7) (Cf. Os. 6, 6). O único sacrifício perfeito é o que Cristo ofereceu na cruz, em total oblação ao amor do Pai e para nossa salvação (Cf. Heb. 9, 13-14). Unindo-nos ao seu sacrifício, podemos fazer da nossa vida um sacrifício a Deus.

PROMESSAS E VOTOS

2101. Em muitas circunstâncias, o cristão chamado a fazer promessas a Deus. O Batismo e a Confirmação, o Matrimónio e a Ordenação comportam sempre promessas. Por devoção pessoal, o cristão pode também prometer a Deus tal ou tal ato, uma oração, uma esmola, uma peregrinação, etc. A fidelidade às promessas feitas a Deus é uma manifestação do respeito devido à majestade divina e do amor para com o Deus fiel.

2102. «O voto, isto é, a promessa deliberada e livre feita a Deus de um bem possível e melhor, deve cumprir-se por virtude da religião» (CIC can. 1191. §1). O voto é um ato de devoção, no qual o cristão se oferece a si próprio a Deus ou Lhe promete uma obra boa. Portanto, pelo cumprimento dos seus votos, ele dá a Deus o que Lhe foi prometido e consagrado. Os Atos dos Apóstolos mostram-nos São Paulo cuidadoso em cumprir os votos que fez (Cf. At. 18, 18; 21, 23-24).

2103. A Igreja reconhece um valor exemplar aos votos de praticar os conselhos evangélicos (Cf. CIC can. 654):

- «a Mãe Igreja alegra-se por encontrar no seu seio muitos homens e mulheres que seguem mais de perto o abaixamento do Salvador e mais claramente o manifestam, abraçando a pobreza na liberdade dos filhos de Deus e renunciando à própria vontade: em matéria de perfeição, sujeitam-se ao homem, por amor de Deus, para além do que é obrigação, a fim de mais plenamente se conformarem a Cristo obediente» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 42: AAS 57 (1965) 48-49).

Em certos casos, a Igreja pode, por razões proporcionadas, dispensar dos votos e das promessas (Cf. CIC can 692.1196-1197).

O DEVER SOCIAL DE RELIGIÃO E O DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA

2104. «Todos os homens têm o dever de buscar a verdade, sobretudo no que diz respeito a Deus e à sua Igreja; e de uma vez conhecida, a abraçar e guardar» (II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 1: AAS 58 (1966) 930) Este dever funda-se na «própria natureza dos homens» (II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 2: AAS 58 (1966) 931). Não está em oposição ao «respeito sincero» pelas diversas religiões, que «muitas vezes refletem um raio da verdade que ilumina todos os homens» (II Concílio do Vaticano, Decl. Nostra aetate, 2: AAS 58 (1966) 742), nem à exigência da caridade que impele os cristãos «a agir com amor, prudência e paciência para com os homens que se encontram no erro ou na ignorância da fé» (II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 14: AAS 58 (1966) 940).

2105. O dever de prestar a Deus um culto autêntico diz respeito ao homem individual e socialmente. Esta é «a doutrina católica tradicional sobre o dever moral que os homens e as sociedades têm para com a verdadeira religião e a única Igreja de Cristo» (II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 1: AAS 58 (1966) 930). Ao evangelizar incessantemente os homens, a Igreja trabalha para que eles possam «impregnar de espírito cristão as mentalidades e os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que vivem» (II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam actuositatem, 13: AAS 58 (1966) 849). É dever social dos cristãos respeitar e despertar em cada homem o amor da verdade e do bem. Esse dever exige que tornem conhecido o culto da única verdadeira religião que subsiste na Igreja católica e apostólica (Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 1: AAS 58 (1966) 930). Os cristãos são chamados a ser a luz do mundo (Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam actuositatem, 13: AAS 58 (1966) 850). A Igreja manifesta assim a realeza de Cristo sobre toda a criação, e em particular sobre as sociedades humanas (Cf. Leão XIII. Enc. Immortale Dei: Leonis XIII Acta 5, 118-150: Pio XI. Enc. Quas primas: AAS 17 (1925) 593-610).

2106. «Que em matéria religiosa ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder dentro dos justos limites segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros» (II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 2: AAS 58 (1966) 931; cf. Id,. Const. past. Gaudium et spes, 26: AAS 58 (1966) 1046). Este direito funda-se na própria natureza da pessoa humana, cuja dignidade a leva a aderir livremente à verdade divina, que transcende a ordem temporal: e por isso, «permanece mesmo naqueles que não satisfazem a obrigação de buscar e aderir à verdade» (II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 2: AAS 58 (1966) 931).

2107. «Se, em razão das circunstâncias particulares dos diferentes povos, se atribui a determinado grupo religioso um reconhecimento civil especial na ordem jurídica, é necessário que, ao mesmo tempo, se reconheça e assegure a todos os cidadãos e comunidades religiosas o direito à liberdade em matéria religiosa» (II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 6: AAS 58 (1966) 934).

2108. O direito à liberdade religiosa não é nem a permissão moral de aderir ao erro (Cf. Leão XIII, Enc. Libertas praestantissimum: Leonis XIII Acta 8, 229-230), nem um suposto direito ao erro (Cf. Pio XII, Alocução aos participantes no quinto Congresso nacional italiano da União dos Juristas católicos (6 de Dezembro de 1953): AAS 45 (1953) 799), mas um direito natural da pessoa humana à liberdade civil, isto é, à imunidade do constrangimento exterior, dentro dos justos limites, em matéria religiosa, por parte do poder político. Este direito natural deve ser reconhecido na ordem jurídica da sociedade, de tal maneira que constitua um direito civil (Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 2: AAS 58 (1966) 930-931).

2109. O direito à liberdade religiosa não pode, de per si, ser ilimitado (Cf. Pio VI, Breve Quod aliquantum (10 de março de 1791): Collectio Brevium atque Instructionum SS. D. N. Pii Papae VI, quae ad praesentes Ecclesiae Catholicae in Gallia 1...] calamitates pertinent (Romae 1800) p. 54-55) nem limitado somente por uma «ordem pública» concebida de maneira positivista ou naturalista (Cf. Pio IX. Enc. Quanta cura: DS 2890). Os «justos limites» que lhe são próprios devem ser determinados para cada situação social pela prudência política, segundo as exigências do bem comum, e ratificadas pela autoridade civil, segundo «regras jurídicas conformes à ordem moral objetiva» (II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 7: AAS 58 (1966) 935).

III. «Não terás outros deuses perante Mim»

2110. O primeiro mandamento proíbe honrar outros deuses, além do único Senhor que se revelou ao seu povo: e proíbe a superstição e a irreligião. A superstição representa, de certo modo, um excesso perverso de religião; a irreligião é um vício oposto por defeito à virtude da religião.

A SUPERSTIÇÃO

2111. A superstição é um desvio do sentimento religioso e das práticas que ele impõe. Também pode afetar o culto que prestamos ao verdadeiro Deus: por exemplo, quando atribuímos uma importância de algum modo mágica a certas práticas, aliás legítimas ou necessárias. Atribuir só à materialidade das orações ou aos sinais sacramentais a respectiva eficácia, independentemente das disposições interiores que exigem, é cair na superstição (Cf. Mt 23, 16-22).

A IDOLATRIA

2112. O primeiro mandamento condena o politeísmo. Exige do homem que não acredite em outros deuses além de Deus, que não venere outras divindades além da única. A Sagrada Escritura está constantemente a lembrar esta rejeição dos «ídolos, ouro e prata, obra das mãos do homem, que têm boca e não falam, têm olhos e não veem...». Estes ídolos vãos tornam vão o homem: «sejam como eles os que os fazem e quantos põem neles a sua confiança» (Sl. 115, 4-5.8) (Cf. Is. 44, 9-20; Jr. 10, 1-16; Dn. 14, 1-30; Br. 6; Sb. 13, 1-15.19). Deus, pelo contrário, é o «Deus vivo» (Js. 3, 10) (Cf. Sl 42, 3; etc.), que faz viver e intervém na história.

2113. A idolatria não diz respeito apenas aos falsos cultos do paganismo. Continua a ser uma tentação constante para a fé. Ela consiste em divinizar o que não é Deus. Há idolatria desde o momento em que o homem honra e reverencia uma criatura em lugar de Deus, quer se trate de deuses ou de demónios (por exemplo, o satanismo), do poder, do prazer, da raça, dos antepassados, do Estado, do dinheiro, etc., «Vós não podereis servir a Deus e ao dinheiro», diz Jesus (Mt. 6, 24). Muitos mártires foram mortos por não adorarem «a Besta» (Cf. Ap. 13-14), recusando-se mesmo a simularem-lhe o culto. A idolatria recusa o senhorio único de Deus; é, pois, incompatível com a comunhão divina (Cf. Gl 5, 20: Ef 5, 5).

2114. A vida humana unifica-se na adoração do Único. O mandamento de adorar o único Senhor simplifica o homem e salva-o duma dispersão ilimitada. A idolatria é uma perversão do sentido religioso inato no homem. Idólatra é aquele que «refere a sua indestrutível noção de Deus seja ao que for, que não a Deus» (Orígenes, Contra Celsum 2, 40; SC 132, 378 (PG 11, 861)).

ADIVINHAÇÃO E MAGIA

2115. Deus pode revelar o futuro aos seus profetas ou a outros santos. Mas a atitude certa do cristão consiste em pôr-se com confiança nas mãos da Providência, em tudo quanto se refere ao futuro, e em pôr de parte toda a curiosidade malsã a tal propósito. A imprevidência, no entanto, pode constituir uma falta de responsabilidade.

2116. Todas as formas de adivinhação devem ser rejeitadas: recurso a Satanás ou aos demónios, evocação dos mortos ou outras práticas supostamente «reveladoras» do futuro (Cf. Dr. 18, 10; Jr. 29, 8). A consulta dos horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a interpretação de presságios e de sortes, os fenómenos de vidência, o recurso aos "médiuns", tudo isso encerra uma vontade de dominar o tempo, a história e, finalmente, os homens, ao mesmo tempo que é um desejo de conluio com os poderes ocultos. Todas essas práticas estão em contradição com a honra e o respeito, penetrados de temor amoroso, que devemos a Deus e só a Ele.

2117. Todas as práticas de magia ou de feitiçaria, pelas quais se pretende domesticar os poderes ocultos para os pôr ao seu serviço e obter um poder sobrenatural sobre o próximo - ainda que seja para lhe obter a saúde - são gravemente contrárias à virtude de religião. Tais práticas são ainda mais condenáveis quando acompanhadas da intenção de fazer mal a outrem ou quando recorrem à intervenção dos demónios. O uso de amuletos também é repreensível. O espiritismo implica muitas vezes práticas divinatórias ou mágicas; por isso, a Igreja adverte os fiéis para que se acautelem dele. O recurso às medicinas ditas tradicionais não legitima nem a invocação dos poderes malignos, nem a exploração da credulidade alheia.

A IRRELIGIÃO

2118. O primeiro mandamento da Lei de Deus reprova os principais pecados de irreligião: tentar a Deus por palavras ou atos, o sacrilégio, a simonia.

 2119. Tentar a Deus consiste em pôr à prova, por palavras ou atos, a sua bondade e a sua omnipotência. Foi assim que Satanás quis que Jesus se atirasse do templo abaixo, para com isso forçar Deus a intervir (Cf. Lc. 4, 9). Jesus opôs-lhe a Palavra de Deus: «não tentarás o Senhor teu Deus» (Dt. 6, 16). O desafio contido em semelhante tentação a Deus fere o respeito e a confiança que devemos ao nosso Criador e Senhor, implicando sempre uma dúvida relativamente ao seu amor, à sua providência e ao seu poder (Cf. 1ª Cor. 10, 9; Ex. 17, 2-7: Sl. 95, 9).

2120. O sacrilégio consiste em profanar ou em tratar indignamente os sacramentos e outras ações litúrgicas, bem como as pessoas, as coisas e os lugares consagrados a Deus. O sacrilégio é um pecado grave, sobretudo quando é cometido contra a Eucaristia, pois que, neste sacramento, é o próprio corpo de Cristo que se nos torna presente substancialmente (Cf. CIC can. 1367.1376).

2121. A simonia (Cf. At. 8, 9-24) define-se como a compra ou venda das realidades espirituais. A Simão, o mago, que queria comprar o poder espiritual que via operante nos Apóstolos, Pedro responde: «vá contigo o teu dinheiro para a perdição, porque julgaste poder adquirir por dinheiro o dom de Deus» (At. 8, 20). O apóstolo conformava-se, assim, à Palavra de Jesus: «recebestes de graça, pois daí gratuitamente» (Mt. 10, 8) (Cf. já Is. 55, 1). É impossível alguém apropriar-se dos bens espirituais e comportar-se a respeito deles como proprietário ou dono, pois eles têm a sua fonte em Deus, e só d'Ele se podem receber gratuitamente.

2122. «Além das ofertas determinadas pela autoridade competente, o ministro nada peça pela administração dos sacramentos, e tenha o cuidado de que os pobres, em razão da pobreza, não se vejam privados do auxílio dos sacramentos» (CIC can 848). A autoridade competente fixa essas «oblações» em virtude do princípio segundo o qual o povo cristão tem o dever de contribuir para o sustento dos ministros da Igreja. «O trabalhador merece o seu sustento» (Mt. 10, 10) (52).

O ATEÍSMO

2123. «Muitos [...] dos nossos contemporâneos não percebem esta íntima e vital ligação a Deus, ou até a rejeitam explicitamente; de tal maneira que o ateísmo deve ser considerado um dos factos mais graves do tempo atual» (Cf. Lc. 10, 7; 1ª Cor. 9, 4-18; 1ª Tm. 5, 17-18).

2124. A palavra «ateísmo» abrange fenómenos muito diversos. Uma forma frequente dele é o materialismo prático, que limita as suas necessidades e ambições ao espaço e ao tempo (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 19: AAS 58 (1966) 1039). O humanismo ateu julga falsamente que o homem «é para si mesmo o seu próprio fim, o único artífice e demiurgo da sua própria história» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 20: AAS 58 (1966) 1040). Uma outra forma do ateísmo contemporâneo é a que espera a libertação do homem exclusivamente através duma libertação económica e social, à qual «a religião, por sua mesma natureza, se oporia, na medida em que, dando ao homem a esperança duma enganosa vida futura, o afasta da construção da cidade terrena» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 20: AAS 58 (1966) 1040).

2125. Na medida em que nega ou rejeita a existência de Deus, o ateísmo é um pecado contra a virtude da religião (Cf. Rm. 1,18). A imputabilidade desta falta pode ser largamente diminuída, atendendo às intenções e às circunstâncias. Na génese e difusão do ateísmo, «os crentes podem ter tido parte não pequena, na medida em que, pela negligência na educação da sua fé, ou por exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que mais esconderam do que revelaram o autêntico rosto de Deus e da religião» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 19: AAS 58 (1966) 1039).

2126. Muitas vezes, o ateísmo funda-se num falso conceito da autonomia humana, levado até à recusa de qualquer dependência em relação a Deus (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 20: AAS 58 (1966) 1040). No entanto, «o reconhecimento de Deus de modo nenhum se opõe à dignidade do homem, uma vez que está se funda e se realiza no próprio Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 21: AAS 58 (1966) 1040). A Igreja sabe que «a sua mensagem está de acordo com os desejos mais profundos do coração humano» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 21: AAS 58 (1966) 1042).

O AGNOSTICISMO

2127. O agnosticismo reveste muitas formas. Em certos casos, o agnóstico recusa-se a negar Deus. Postula, pelo contrário, a existência dum ser transcendente, incapaz de se revelar e do qual ninguém seria capaz de dizer fosse o que fosse. Em outros casos, não se pronuncia sobre a existência de Deus, declarando ser impossível prová-la, e até afirmá-la ou negá-la.

2128. O agnosticismo pode, por vezes, encerrar uma certa busca de Deus. Mas pode igualmente representar um indiferentismo, uma fuga perante a questão última da existência e uma preguiça da consciência moral. Com muita frequência, o agnosticismo equivale a um ateísmo prático.

IV. «Não farás para ti nenhuma imagem esculpida...»

2129. Esta imposição divina comportava a interdição de qualquer representação de Deus feita pela mão do homem. O Deuteronómio explica: «tomai muito cuidado convosco, pois não vistes imagem alguma no dia em que o Senhor vos falou no Horeb do meio do fogo. Portanto, não vos deixeis corromper, fabricando para vós imagem esculpida» do quer que seja (Dt. 4, 15-16). Quem Se revelou a Israel foi o Deus absolutamente transcendente. «Ele é tudo», mas, ao mesmo tempo, «está acima de todas as suas obras» (Sir. 43, 27-28). Ele é «a própria fonte de toda a beleza criada» (Sb. 13, 3).

2130. No entanto, já no Antigo Testamento Deus ordenou ou permitiu a instituição de imagens, que conduziriam simbolicamente à salvação pelo Verbo encarnado: por exemplo, a serpente de bronze (Cf. Nm. 21, 4-9: Sb. 16, 5-14; Jo. 3, 14-15) a arca da Aliança e os querubins (Cf. Ex. 25, 10-22: 1º Rs. 6, 23-28; 7, 23-26).

2131. Com base no mistério do Verbo encarnado, o sétimo Concílio ecuménico, de Niceia (ano de 787) justificou, contra os iconoclastas, o culto dos ícones: dos de Cristo, e também dos da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. Encarnando, o Filho de Deus inaugurou uma nova «economia» das imagens.

2132. O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe os ídolos. Com efeito, «a honra prestada a uma imagem remonta (São Basílio Magno, Liber de Spiritu Sancto, 18, 45: SC 17bis. 406 (Pg. 32, 149)) ao modelo original» e «quem venera uma imagem venera nela a pessoa representada» (II Concílio de Niceia, Definitio de sacris imaginibus: DS 601; cf. Concílio de Trento, Sess. 25ª, Decretum de invocatione, veneratione et reliquiis sanctorum, et sacris imaginibus: DS 1821-1825: II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 125: AAS 56 (1964) 132: Id., Const. dogm. Lumen Gentium, 67: AAS 57 (1965) 65-66). A honra prestada às santas imagens é uma «veneração respeitosa», e não uma adoração, que só a Deus se deve:

- «o culto da religião não se dirige às imagens em si mesmas como realidades, mas olha-as sob o seu aspecto próprio de imagens que nos conduzem ao Deus encarnado. Ora, o movimento que se dirige à imagem enquanto tal não se detém nela, mas orienta-se para a realidade de que ela é imagem» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2. q. 81, a. 3, ad 3: Ed. Leon. 9, 180).

Resumindo:

2133. «Amarás o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças» (Dt. 6, 5).

2134. O primeiro mandamento chama o homem a crer em Deus, a esperar n'Ele e a amá-Lo sobre todas as coisas.

2135. «Ao Senhor teu Deus adorarás» (Mt. 4, 10). Adorar a Deus, orar-Lhe, prestar-Lhe o culto que Lhe é devido, cumprir as promessas e votos que se Lhe fizeram, são atos da virtude da religião, que traduzem a obediência ao primeiro mandamento.

2136. O dever de prestar a Deus um culto autêntico diz respeito ao homem, individual e socialmente.

2137. O homem deve poder professar livremente a religião, tanto em privado como em público (Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 15: AAS 58 (1966) 940).

2138. A superstição é um desvio do culto que prestamos ao verdadeiro Deus. Manifesta-se na idolatria, bem como nas diferentes formas de adivinhação e magia.

2139. O ato de tentar a Deus por palavras ou por obras, o sacrilégio e a simonia são pecados de irreligião, proibidos pelo primeiro mandamento.

2140. Na medida em que rejeita ou recusa a existência de Deus, o ateísmo é um pecado contra o primeiro mandamento.

2141. O culto das imagens sagradas funda-se no mistério da encarnação do Verbo de Deus. E não é contrário ao primeiro mandamento.

ARTIGO 2

O SEGUNDO MANDAMENTO

«Não invocarás em vão o nome do Senhor teu Deus» (Ex. 20, 7) (Cf. Dt. 5, 11). «Foi dito aos antigos: "não faltarás ao que tiveres jurado" [...]. Pois Eu digo-vos que não jureis, em caso algum» (Mt. 5, 33-34).

 I. O nome do Senhor é Santo

2142. O segundo mandamento manda respeitar o nome do Senhor. Depende, como o primeiro mandamento, da virtude da religião, e regula, dum modo mais particular, o nosso uso da palavra nas coisas santas.

2143. Entre todas as palavras da Revelação, há uma, singular, que é a revelação do nome de Deus. Deus confia o seu nome aos que creem n'Ele; revela-se-lhes no seu mistério pessoal. O dom do nome é da ordem da confidência e da intimidade. «O nome do Senhor é Santo»; por isso, o homem não pode abusar dele. Deve guardá-lo na memória, num silêncio de adoração amorosa (Cf. Zc. 2, 17). E não o empregará nas suas próprias palavras senão para o bendizer, louvar e glorificar (Cf. Sl. 29, 2; 96, 2; 113, 1-2).

2144. A deferência para com o seu nome exprime a que é devida ao mistério do próprio Deus e a toda a realidade sagrada que ele evoca. O sentido do sagrado deriva da virtude da religião:

«Os sentimentos de temor e de sagrado serão ou não sentimentos cristãos? [...] Ninguém pode razoavelmente pôr isso em dúvida. São os sentimentos que nós teríamos, e num grau intenso, se tivéssemos a visão do Deus soberano. São os sentimentos que nós teríamos, se tivéssemos consciência da sua presença. Ora, na medida em que acreditamos que Ele está presente, devemos ter tais sentimentos. Não os ter é não estar conscientes desta realidade, é não crer que Ele está presente» (Ioannes Henricus Newman, Parochial and Plain Sermons, v. 5, Sermon 2 [Reverence, a Belief in God's Presence] (Westminster 1967) p. 21-22).

2145. O fiel deve dar testemunho do nome do Senhor, confessando a sua fé sem ceder ao medo (Cf. Mt. 10, 32; 1ª Tm. 6, 12). A pregação e a catequese devem estar compenetradas de adoração e respeito pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo.

2146. O segundo mandamento proíbe o abuso do nome de Deus, isto é, todo o uso inconveniente do nome de Deus, de Jesus Cristo, da Virgem Maria e de todos os santos.

2147. As promessas feitas a outrem, em nome de Deus, comprometem a honra, a fidelidade, a veracidade e a autoridade divinas. Devem ser respeitadas por justiça. Ser-lhes infiel é abusar do nome de Deus e, de certo modo, fazer de Deus um mentiroso (Cf. 1ª Jo. 1, 10)

2148. A blasfémia opõe-se diretamente ao segundo mandamento. Consiste em proferir contra Deus - interior ou exteriormente - palavras de ódio, de censura, de desafio; dizer mal de Deus; faltar-Lhe ao respeito nas conversas; abusar do nome d'Ele. São Tiago reprova aqueles «que blasfemam o bom nome [de Jesus] que sobre eles foi invocado» (Tg. 2, 7). A proibição da blasfémia estende-se às palavras contra a Igreja de Cristo, contra os santos, contra as coisas sagradas. É também blasfematório recorrer ao nome de Deus para justificar práticas criminosas, reduzir povos à escravidão, torturar ou condenar à morte. O abuso do nome de Deus para cometer um crime provoca a rejeição da religião.

A blasfémia é contrária ao respeito devido a Deus e ao seu santo nome. É, em si mesma, pecado grave (Cf. CIC can. 1369).

2149. As juras, que invocam o nome de Deus sem intenção de blasfémia, são uma falta de respeito para com o Senhor. O segundo mandamento interdiz também o uso mágico do nome divino.

- «O nome de Deus é grande, quando é pronunciado com o respeito devido à sua grandeza e majestade. O nome de Deus é santo. quando se pronuncia com veneração e temor de o ofender» (Santo Agostinho, De Sermone Domini in monte, 2, 5, 19: CCL 35, 109 (PL 34, 1278)).

II. O nome do Senhor invocado em vão

2150. O segundo mandamento proíbe jurar falso. Fazer um juramento, ou jurar, é tomar a Deus como testemunha do que se afirma. É invocar a veracidade divina como garantia da própria veracidade. O juramento compromete o nome do Senhor. «Ao Senhor, teu Deus, adorarás, a Ele servirás e pelo seu nome jurarás» (Dt. 6, 13).

2151. A reprovação do falso juramento é um dever para com Deus. Como Criador e Senhor, Deus é a regra de toda a verdade. A palavra humana, ou está de acordo ou em oposição a Deus, que é a própria verdade. Quando é verídico e legítimo, o juramento realça a relação da palavra humana com a verdade de Deus. O juramento falso invoca Deus como testemunha de uma mentira.

2152. Comete perjúrio aquele que, sob juramento, faz uma promessa que não tem a intenção de cumprir ou que, depois de ter prometido sob juramento, de fato não cumpre. O perjúrio constitui uma grave falta de respeito para com o Senhor de toda a palavra. Comprometer-se sob juramento a praticar uma ação má é contrário à santidade do nome divino.

2153. Jesus expôs o segundo mandamento no sermão da montanha: «ouvistes que foi dito aos antigos: "não faltarás ao que tiveres jurado, mas cumprirás os teus juramentos para com o Senhor". Eu, porém, digo-vos que não jureis em caso algum [...]. A vossa linguagem deve ser: "sim, sim; não, não". O que passa disto vem do Maligno» (Mt. 5, 33-34. 37) (Cf. Tg. 5, 12). Jesus ensina que todo o juramento implica uma referência a Deus e que a presença de Deus e da sua verdade deve ser honrada em toda a palavra. A discrição no recurso a Deus, ao falar, anda a par com a atenção respeitosa à sua presença, testemunhada ou desrespeitada em cada uma das nossas afirmações.

2154. Seguindo o exemplo de São Paulo (Cf. 2ª Cor. 1, 23; Gl. 1, 20), a Tradição da Igreja entendeu a palavra de Jesus como não se opondo ao juramento, quando feito por uma causa grave e justa (por exemplo, diante do tribunal). «O juramento, isto é, a invocação do nome de Deus como testemunha da verdade, não se pode prestar senão com verdade, discernimento e justiça» (CIC can. 1199. § 1).

2155. A santidade do nome de Deus exige que não se recorra a ele por questões fúteis, e que não se preste juramento em circunstâncias susceptíveis de serem interpretadas como uma aprovação do poder que injustamente o exigisse. Quando o juramento é exigido por autoridades civis ilegítimas, pode ser recusado. E deve sê-lo, se for pedido para fins contrários à dignidade das pessoas ou à comunhão da Igreja.

III. O nome cristão

2156. O sacramento do Batismo é conferido «em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo» (Mt. 28, 19). No Batismo, o nome do Senhor santifica o homem, e o cristão recebe o seu nome na Igreja. Pode ser o dum santo, isto é, dum discípulo que levou uma vida de fidelidade exemplar ao seu Senhor. O patrocínio do santo oferece um modelo de caridade e assegura a sua intercessão. O «nome de batismo» pode também exprimir um mistério cristão ou uma virtude cristã. «Procurem os pais, os padrinhos e o pároco que não se imponham nomes alheios ao sentir cristão» (CIC can. 855).

2157. O cristão começa o seu dia, as suas orações, as suas atividades, pelo sinal da cruz «em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ámen». O batizado consagra o dia à glória de Deus e apela para a graça do Salvador, que lhe permite agir no Espírito, como filho do Pai. O sinal da cruz fortalece-nos nas tentações e nas dificuldades.

2158. Deus chama a cada um pelo seu nome (Cf. Is. 43, 1: Jo. 10, 3). O nome de todo o homem é sagrado. O nome é a imagem da pessoa. Exige respeito, como sinal da dignidade de quem por ele se identifica.

2159. O nome recebido é um nome de eternidade. No Reino, o carácter misterioso e único de cada pessoa marcada com o nome de Deus resplandecerá em plena luz. «Ao vencedor [...] dar-lhe-ei uma pedra na qual estará escrito um novo nome, que ninguém conhece, a não ser aquele que a recebe» (Ap. 2, 17). «Olhei e vi: o Cordeiro estava sobre o monte de Sido, e com Ele cento e quarenta e quatro mil pessoas, que tinham inscrito na fronte o nome d'Ele e o do seu Pai» (Ap. 14, 1).

Resumindo:

2160. «Senhor; nosso Deus, como é admirável o vosso nome em toda a terra! (Sl. 8, 2).

2161. O segundo mandamento manda respeitar o nome do Senhor: o nome do Senhor é santo.

2162. O segundo mandamento proíbe o uso inconveniente do nome de Deus. A blasfémia consiste em usar o nome de Deus, de Jesus Cristo, da Virgem Maria e dos santos de modo injurioso.

2163. O juramento falso invoca Deus como testemunha duma mentira. O perjúrio é uma falta grave contra o Senhor; sempre fiel às suas promessas.

2164. «Não jurar nem pelo Criador, nem pela criatura, senão com verdade, por necessidade e com reverência» (Santo Inácio de Loiola, Exercitia spiritualia, 38: MHSI 100, 174).

2165. No Batismo, o cristão recebe o seu nome na Igreja. Procurem os pais, os padrinhos e o pároco que lhe seja imposto um nome cristão. O patrocínio dum santo oferece um modelo de caridade e assegura a sua intercessão.

2166. O cristão começa as suas orações e as suas atividades pelo sinal da cruz «em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ámen».

2167. Deus chama a cada um pelo seu nome (Cf. Is. 43, 1).

ARTIGO 3

O TERCEIRO MANDAMENTO

«Lembra-te do dia do sábado para o santificares. Durante seis dias trabalharás e farás todos os teus trabalhos. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus. Não farás nele nenhum trabalho» (Ex. 20, 8-10) (Cf. Dt. 5, 12-15).

«O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado: o Filho do Homem até do sábado é Senhor» (Mc. 2, 27-28).

I. O dia do sábado

2168. O terceiro mandamento do Decálogo refere-se à santificação do sábado: «o sétimo dia é um sábado: um descanso completo consagrado ao Senhor» (Ex. 31, 15).

2169. A Escritura faz, a este propósito, memória da criação: «porque em seis dias o Senhor fez o céu e a terra, o mar e tudo o que nele se encontra, mas ao sétimo dia descansou. Eis porque o Senhor abençoou o dia do sábado e o santificou» (Ex. 20, 11).

2170. A Escritura vê também, no dia do Senhor, o memorial da libertação de Israel da escravidão do Egito: «recorda-te de que foste escravo no país do Egito, de onde o Senhor, teu Deus, te fez sair com mão forte e braço poderoso. É por isso que o Senhor, teu Deus, te ordenou que guardasses o dia de sábado» (Dt. 5, 15).

2171. Deus confiou a Israel o sábado, para ele o guardar em sinal da Aliança inviolável (Cf. Ex. 31, 16). O sábado é para o Senhor, santamente reservado ao louvor de Deus, da sua obra criadora e das suas ações salvíficas a favor de Israel.

2172. O agir de Deus é o modelo do agir humano. Se Deus «descansou» no sétimo dia (Ex. 31, 17), o homem deve também «descansar» e deixai que os outros, sobretudo os pobres, «tomem fôlego» (Cf. Ez. 23, 12). O sábado faz cessar os trabalhos quotidianos e concede uma folga. É um dia de protesto contra as servidões do trabalho e o culto do dinheiro 

2173. O Evangelho relata numerosos incidentes em que Jesus é acusado de violar a lei do sábado. Mas Jesus nunca viola a santidade deste dia (Cf. Ne. 13, 15-22; 2º Cr. 36, 21). É com autoridade que Ele dá a sua interpretação autêntica desta lei: «o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado» (Mc. 2, 27). Cheio de compaixão, Cristo autoriza-Se, em dia de sábado, (Cf. Mc. 1, 21; Jo. 9, 16) a fazer o bem em vez do mal, a salvar uma vida antes que perdê-la (Cf. Mc. 3, 4). O sábado é o dia do Senhor das misericórdias e da honra de Deus (Cf. Mt. 12, 5; Jo. 7, 23). «O Filho do Homem é Senhor do próprio sábado» (Mc. 2, 28).

II. O dia do Senhor

«Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria» (Sl. 118, 24).

O DIA DA RESSURREIÇÃO: A NOVA CRIAÇÃO

2174. Jesus ressuscitou de entre os mortos «no primeiro dia da semana» (Mc. 16, 2) (Cf. Mt. 28, 1; Lc. 24, 1; Jo. 20, 1). Enquanto «primeiro dia», o dia da ressurreição de Cristo lembra a primeira criação. Enquanto «oitavo dia», a seguir ao sábado (Cf. Mc. 16, 1: Mt. 28, 1), significa a nova criação, inaugurada com a ressurreição de Cristo. Este dia tornou-se para os cristãos o primeiro de todos os dias, a primeira de todas as festas, o dia do Senhor (Hê kuriakê hêméra, dies dominica), o «Domingo»:

- «reunimo-nos todos no dia do Sol, porque foi o primeiro dia [após o Sábado judaico, mas também o primeiro dia] em que Deus, tirando das trevas a matéria, criou o mundo, mas também porque Jesus Cristo, nosso Salvador, nesse mesmo dia ressuscitou dos mortos» (São Justino, Apologia, 1, 67: CA 1, 188 (Pg. 6, 429-432)).

O DOMINGO - REALIZAÇÃO DO SÁBADO

2175. O domingo distingue-se expressamente do sábado, ao qual sucede cronologicamente, em cada semana, e cuja prescrição ritual substitui, para os cristãos. O domingo realiza plenamente, na Páscoa de Cristo, a verdade espiritual do sábado judaico e anuncia o descanso eterno do homem, em Deus. Porque o culto da Lei preparava para o mistério de Cristo e o que nela se praticava era figura de algum aspecto relativo a Cristo (Cf. 1ª Cor. 10, 11):

- «os que viveram segundo a antiga ordem das coisas alcançaram uma nova confiança, não guardando já o sábado mas o dia do Senhor, em que a nossa vida foi abençoada por Ele e pela sua morte» (Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Mgnesios, 9, 11: SC 10bis, 88 (Fusk 1, 236-238)).

2176. A celebração do domingo é o cumprimento da prescrição moral, naturalmente inscrita no coração do homem, de «prestar a Deus um culto exterior, visível, público e regular, sob o signo da sua bondade universal para com os homens» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2. q. 122. a. 4. c: Ed. Leon. 9, 478). O culto dominical cumpre o preceito moral da Antiga Aliança, cujo ritmo e espírito retoma, ao celebrar em cada semana o Criador e o Redentor do seu povo.

A EUCARISTIA DOMINICAL

2177. A celebração dominical do Dia e da Eucaristia do Senhor está no coração da vida da Igreja. «O domingo, em que se celebra o mistério pascal, por tradição apostólica, deve guardar-se em toda a Igreja como o primordial dia festivo de preceito» (CIC can. 1246, § 1).

«Do mesmo modo devem guardar-se os dias do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, Epifania, Ascensão e santíssimo corpo e sangue de Cristo, Santa Maria Mãe de Deus, sua Imaculada Conceição e Assunção, São José e os Apóstolos São Pedro e São Paulo, e finalmente o de todos os Santos»
(CIC can. 1246, § 1).

2178. Esta prática da reunião da assembleia cristã data dos princípios da idade apostólica (Cf. At. 2, 42-46; 1ª Cor. 11, 17). A Epístola aos Hebreus lembra: «sem abandonarmos a nossa assembleia, como é costume de alguns, mas exortando-nos mutuamente» (Heb. 10, 25).

A Tradição guarda a lembrança duma exortação sempre atual: «vir cedo à igreja. aproximar-se do Senhor e confessar os próprios pecados, arrepender-se deles na oração [...], assistir à santa e divina liturgia, acabar a sua oração e não sair antes da despedida [...]. Muitas vezes o temos dito: este dia é-vos dado para a oração e o descanso. É o dia que o Senhor fez: nele exultemos e cantemos de alegria» (Pseudo Eusébio de Alexandria, Sermo de die dominica: PG 86 / 1, 416 e 421).

2179. «A paróquia é uma certa comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular, cuja cura pastoral, sob a autoridade do Bispo Diocesano, está confiada ao pároco, como a seu pastor próprio» (CIC can. 515. § 1). É o lugar onde todos os fiéis podem reunir-se para a celebração dominical da Eucaristia. A paróquia inicia o povo cristão na expressão ordinária da vida litúrgica e reúne-o nesta celebração; ensina a doutrina salvífica de Cristo; e pratica a caridade do Senhor em obras boas e fraternas (Cf. João Paulo II, Ex. ap. Christifideles laici, 26: AAS 81 (1989) 437-440):

- «podes também rezar em tua casa; mas não podes rezar aí como na Igreja, onde muitos se reúnem, onde o grito é lançado a Deus de um só coração. [...] Há lá qualquer coisa mais: a união dos espíritos, a harmonia das almas, o laço da caridade, as orações dos sacerdotes» (São João Crisóstomo, De incomprehensibili Dei natura seu contra Anomeos, 3, 6: SC 28bis, 218 (PL 48, 725)).

A OBRIGAÇÃO DO DOMINGO

2180. O mandamento da Igreja determina e precisa a lei do Senhor: «no domingo e nos outros dias festivos de preceito, os fiéis têm obrigação de participar na missa» (CIC can. 1247). «Cumpre o preceito de participar na missa quem a ela assiste onde quer que se celebre em rito católico, quer no próprio dia festivo quer na tarde do antecedente» (CIC can. 1248, § 1).

2181. A Eucaristia dominical fundamenta e sanciona toda a prática cristã. É por isso que os fiéis têm obrigação de participar na Eucaristia nos dias de preceito, a menos que estejam justificados, por motivo sério (por exemplo, doença, obrigação de cuidar de crianças de peito) ou dispensados pelo seu pastor (Cf. CIC can. 1245). Os que deliberadamente faltam a esta obrigação cometem um pecado grave.

2182. A participação na celebração comum da Eucaristia dominical é um testemunho de pertença e fidelidade a Cristo e à sua Igreja. Os fiéis atestam desse modo a sua comunhão na fé e na caridade. Juntos, dão testemunho da santidade de Deus e da sua esperança na salvação. E reconfortam-se mutuamente, sob a ação do Espírito Santo.

2183. «Se for impossível a participação na celebração eucarística por falta de ministro sagrado ou por outra causa grave, recomenda-se muito que os fiéis tomem parte na liturgia da Palavra, se a houver na igreja paroquial ou noutro lugar sagrado, celebrada segundo as prescrições do Bispo Diocesano, ou consagrem um tempo conveniente à oração pessoal ou em família ou em grupos de famílias, conforme a oportunidade» (CIC can. 1248, § 2).

DIA DE GRAÇA E DE CESSAÇÃO DO TRABALHO

2184. Tal como Deus «repousou no sétimo dia, depois de todo o trabalho que realizara» (Gn. 2, 2), assim a vida humana é ritmada pelo trabalho e pelo repouso. A instituição do Dia do Senhor contribui para que todos gozem do tempo de descanso e lazer suficiente, que lhes permita cultivar a vida familiar, cultural, social e religiosa (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 67: AAS 58 (1966) 1089).

2185. Aos domingos e outros dias festivos de preceito, os fiéis abstenham-se de trabalhos e negócios que impeçam o culto devido a Deus, a alegria própria do Dia do Senhor, a prática das obras de misericórdia ou o devido repouso do espírito e do corpo (Cf. CIC can. 1247). As necessidades familiares ou uma grande utilidade social constituem justificações legítimas em relação ao preceito do descanso dominical. Mas os fiéis estarão atentos a que legítimas desculpas não introduzam hábitos prejudiciais à religião, à vida de família e à saúde.

«O amor da verdade procura o ócio santo: a necessidade do amor aceita o negócio justo» (Santo Agostinho, De civitate Dei, 19, 19: CSEL 40/2.407 (PL 41, 647)).

2186. Os cristãos que dispõem de tempos livres lembrem-se dos seus irmãos que têm as mesmas necessidades e os mesmos direitos, e não podem descansar por motivos de pobreza e de miséria. O domingo é tradicionalmente consagrado, pela piedade cristã, às boas obras e aos serviços humildes dos doentes, enfermos e pessoas de idade. Os cristãos também santificarão o domingo prestando à sua família e vizinhos tempo e cuidados difíceis de prestar nos outros dias da semana. O domingo é um tempo de reflexão, de silêncio, de cultura e de meditação, que favorecem o crescimento da vida interior e cristã.

2187. Santificar os domingos e festas de guarda exige um esforço comum. Todo o cristão deve evitar impor a outrem, sem necessidade, o que possa impedi-lo de guardar o Dia do Senhor. Quando os costumes (desporto, restaurantes, etc.) e as obrigações sociais (serviços públicos, etc.) reclamam de alguns um trabalho dominical, cada um fica com a responsabilidade de um tempo suficiente de descanso. Os fiéis estarão atentos, com moderação e caridade, para evitar os excessos e violências originados às vezes nas diversões de massa. Não obstante as pressões de ordem económica, os poderes públicos preocupar-se-ão em assegurar aos cidadãos um tempo destinado ao repouso e ao culto divino. Os patrões têm obrigação análoga para com os seus empregados.

2188. No respeito pela liberdade religiosa e pelo bem comum de todos, os cristãos devem esforçar-se pelo reconhecimento dos domingos e dias santos da Igreja como dias feriados legais. Devem dar a todos o exemplo público de oração, respeito e alegria, e defender as suas tradições como uma contribuição preciosa para a vida espiritual da sociedade humana. Se a legislação do país ou outras razões obrigarem a trabalhar ao domingo, que este dia seja vivido, no entanto, como sendo o dia da nossa libertação, que nos faz participantes da «reunião festiva», da «assembleia de primogénitos inscritos nos céus» (Heb. 12, 22-23).

Resumindo:

2189. «Guarda o dia do sábado para o santificar» (Dt. 5, 12). «O sétimo dia será um dia de repouso completo, consagrado ao Senhor» (Ex. 31, 15).

2190. O sábado, que representava o acabamento da primeira criação, é substituído pelo domingo, que lembra a criação nova, inaugurada na ressurreição de Cristo.

2191. A Igreja celebra o dia da ressurreição de Cristo no oitavo dia que, com razão, se chama dia do Senhor ou domingo (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 106: AAS 56 (1964) 126).

2192. «O domingo [...] deve guardar-se em toda a Igreja como o primordial dia festivo de preceito» (CIC can. 1246, § 1). «No domingo e outros dias santos de preceito, os fiéis têm obrigação de participar na Missa» (CIC can. 1247).

2193. «No domingo e nos outros dias festivos de preceito, os fiéis [...] abstenham-se daqueles trabalhos e negócios que impeçam o culto a prestar a Deus, a alegria própria do dia do Senhor ou o devido descanso do espírito e do corpo» (CIC can. 1247).

2194. A instituição do domingo contribui para que «todos gozem do tempo suficiente de repouso e lazer, que lhes permita atender vida familiar, cultural, social e religiosa» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 67: AAS 58 (1966) 1089).

2195. Todo o cristão deve evitar impor a outrem, sem necessidade, o que o impeça de guardar o Dia do Senhor.

A VIDA EM CRISTO

 SEGUNDA SECÇÃO

OS DEZ MANDAMENTOS

CAPÍTULO SEGUNDO

«AMARÁS O TEU PRÓXIMO COMO A TI MESMO»

Jesus disse aos discípulos: «amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei» (Jo. 13, 34).

2196. Respondendo à questão posta sobre o primeiro dos mandamentos, Jesus disse: «o primeiro é: "escuta, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças!". O segundo é este: "amarás o teu próximo como a ti mesmo". Não há outro mandamento maior do que estes» (Mc. 12, 29-31).

E o apóstolo São Paulo lembra: «quem ama o próximo cumpre plenamente a lei. De fato: "não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás", bem como qualquer outro mandamento, estão resumidos numa só frase: "amarás ao próximo como a ti mesmo". O amor não faz mal ao próximo. Assim, é no amor que está o pleno cumprimento da lei» (Rm. 13, 8-10).

                                                                                      ARTIGO 4

O QUARTO MANDAMENTO

«Honra pai e mãe, a fim de prolongares os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te vai dar» (Ex. 20, 12).

«Era-lhes submisso» (Lc. 2, 51).

O próprio Senhor Jesus lembrou a força deste «mandamento de Deus» (Cf. Mc. 7, 8-13). E o Apóstolo ensina: «filhos, obedecei aos vossos pais, no Senhor, pois é isso que é justo. "Honra pai e mãe" - tal é o primeiro mandamento, com uma promessa "para que sejas feliz e gozes de longa vida sobre a terra"» (Ef. 6, 1-3) (Cf. Dt 5, 16).

2197. O quarto mandamento é o primeiro da segunda tábua, e indica a ordem da caridade. Deus quis que, depois de Si, honrássemos os nossos pais, a quem devemos a vida e que nos transmitiram o conhecimento de Deus. Temos obrigação de honrar e respeitar todos aqueles que Deus, para nosso bem, revestiu da sua autoridade.

2198. Este mandamento exprime-se sob a forma positiva de deveres a cumprir. Anuncia os mandamentos seguintes, relativos ao respeito particular pela vida, pelo matrimónio, pelos bens terrenos, pela palavra dada. E constitui um dos fundamentos da doutrina social da Igreja.

2199. O quarto mandamento dirige-se expressamente aos filhos nas suas relações com o pai e a mãe, porque esta relação é a mais universal. Mas diz respeito igualmente às relações de parentesco com os membros do grupo familiar. Exige que se preste honra, afeição e reconhecimento aos avós e antepassados. E, enfim, extensivo aos deveres dos alunos para com os professores, dos empregados para com os patrões, dos subordinados para com os chefes e dos cidadãos para com a pátria e para com quem os administra ou governa.

Este mandamento implica e subentende os deveres dos pais, tutores, professores, chefes, magistrados, governantes, todos aqueles que exercem alguma autoridade sobre outrem ou sobre uma comunidade de pessoas.

2200. A observância do quarto mandamento comporta a respectiva recompensa: «honra pai e mãe, a fim de prolongares os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te vai dar» (Ex. 20, 12) (Cf. Dt. 5, 16). O respeito por este mandamento proporciona, com os frutos espirituais, os frutos temporais da paz e da prosperidade. Pelo contrário, a sua inobservância acarreta grandes danos às comunidades e às pessoas humanas.

I. A família no plano de Deus

NATUREZA DA FAMÍLIA

2201. A comunidade conjugal assenta sobre o consentimento dos esposos. O matrimónio e a família estão ordenados para o bem dos esposos e para a procriação e educação dos filhos. O amor dos esposos e a geração dos filhos estabelecem, entre os membros duma mesma família, relações pessoais e responsabilidades primordiais.

2202. Um homem e uma mulher, unidos em matrimónio, formam com os seus filhos uma família. Esta disposição precede todo e qualquer reconhecimento por parte da autoridade pública e impõe-se a ela. Deverá ser considerada como a referência normal, em função da qual serão apreciadas as diversas formas de parentesco.

2203. Ao criar o homem e a mulher, Deus instituiu a família humana e dotou-a da sua constituição fundamental. Os seus membros são pessoas iguais em dignidade. Para o bem comum dos seus membros e da sociedade, a família implica uma diversidade de responsabilidades, de direitos de deveres.

A FAMÍLIA CRISTÃ

2204. «A família cristã constitui uma revelação e uma realização específica da comunhão eclesial; por esse motivo [...], há -de ser designada como uma igreja doméstica» (João Paulo II. Ex. ap. Familiaris consortio, 21: AAS 74 (1982) 105; cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16). Ela é uma comunidade de fé, de confiança e de caridade: reveste-se duma importância singular na Igreja, como transparece do Novo Testamento (Cf. Ef. 5, 21-6, 4; Cl. 3, 18-21; 1ª Pe. 3, 1-7).

2205. A família cristã é uma comunhão de pessoas, vestígio e imagem da comunhão do Pai e do Filho, no Espírito Santo. A sua atividade procriadora e educativa é o reflexo da obra criadora do Pai. É chamada a partilhar da oração e do sacrifício de Cristo. A oração quotidiana e a leitura da Palavra de Deus fortalecem nela a caridade. A família cristã é evangelizadora e missionária.

2206. As relações no seio da família comportam uma afinidade de sentimentos, de afetos e de interesses, que provêm sobretudo do mútuo respeito das pessoas. A família é uma comunidade privilegiada, chamada a realizar a comunhão das almas, o comum acordo dos esposos e a dili­gente cooperação dos pais na educação dos filhos (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 52: AAS 58 (1966) 1073).

II. A família e a sociedade

2207. A família é a célula originária da vida social. É ela a sociedade natural em que o homem e a mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida. A autoridade, a estabilidade e a vida de relações no seio da família constituem os fundamentos da liberdade, da segurança, da fraternidade no seio da sociedade. A família é a comunidade em que, desde a infância, se podem aprender os valores morais, começar a honrar a Deus e a fazer bom uso da liberdade. A vida da família é iniciação à vida em sociedade.

2208. A família deve viver de modo que os seus membros aprendam a preocupar-se e a encarregar-se dos jovens e dos velhos, das pessoas doentes ou incapacitadas e dos pobres. São muitas as famílias que, em certos momentos, se não encontram em condições de prestar esta ajuda. Recai então sobre outras pessoas, outras famílias e, subsidiariamente, sobre a sociedade, o dever de prover a estas necessidades: «a religião pura e sem mancha, aos olhos de Deus nosso Pai, consiste em visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se limpo do contágio do mundo» (Tg. 1, 27).

2209. A família deve ser ajudada e defendida por medidas sociais apropriadas. Nos casos em que as famílias não estiverem em condições de cumprir as suas funções, os outros corpos sociais têm o dever de as ajudar e de amparar a instituição familiar. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade, as comunidades mais vastas abster-se-ão de lhe usurpar as suas prerrogativas ou de se imiscuir na sua vida.

2210. A importância da família na vida e no bem-estar da sociedade (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 47: AAS 58 (1966) 1067) implica uma responsabilidade particular desta no apoio e fortalecimento do matrimónio e da família. A autoridade civil deve considerar como seu grave dever «reconhecer e proteger a verdadeira natureza do matrimónio e da família, defender a moralidade pública e favorecer a prosperidade doméstica» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 52: AAS 58 (1966) 1073).

2211. A comunidade política tem o dever de honrar a família, de a assistir e de nomeadamente lhe garantir:

- a Liberdade de fundar um lar, ter filhos e educá-Los de acordo com as suas próprias convicções morais e religiosas;
-  a proteção da estabilidade do vínculo conjugal e da instituição familiar;
-  a liberdade de professar a sua fé, de a transmitir, de educar nela os seus filhos, com os meios e as instituições necessárias;
-  o direito à propriedade privada, a liberdade de iniciativa, de obter um trabalho, uma habitação e o direito de emigrar;
-  consoante as instituições dos países, o direito aos cuidados médicos e à assistência aos idosos, bem como ao abono de família;
-  a proteção da segurança e da salubridade, sobretudo no que respeita a perigos como a droga, a pornografia, o alcoolismo. etc.;
- a liberdade de formar associações com outras famílias e de ter assim representação junto das autoridades civis
(Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 46: AAS 74 (1982) 137-138).

2212. O quarto mandamento esclarece as outras relações na sociedade. Nos nossos irmãos e irmãs vemos os filhos dos nossos pais; nos nossos primos, os descendentes dos nossos avós; nos nossos concidadãos, os filhos da nossa pátria; nos batizados, os filhos da nossa mãe Igreja; em toda a pessoa humana, um filho ou filha d'Aquele que quer ser chamado «nosso Pai». Daí que as nossas relações com o próximo sejam reconhecidas como de ordem pessoal. O próximo não é um «indivíduo» da coletividade humana; é «alguém» que, pelas suas origens conhecidas, merece uma atenção e um respeito singulares.

2213. As comunidades humanas são compostas de pessoas. O bom governo das mesmas não se limita à garantia dos direitos e ao cumprimento dos deveres, bem como ao respeito pelos contratos. Relações justas entre patrões e empregados, governantes e cidadãos, pressupõem a benevolência natural, de acordo com a dignidade das pessoas humanas, solícitas pela justiça e pela fraternidade.

III. Deveres dos membros da família

DEVERES DOS FILHOS

2214. A paternidade divina é a fonte da paternidade humana (Cf. Ef. 3, 15); nela se fundamenta a honra devida aos pais. O respeito dos filhos, menores ou adultos, pelo seu pai e pela sua mãe (Cf. Pr. 1, 8; Tb. 4, 3-4) nutre-se do afeto natural nascido dos laços que os unem. Exige-o o preceito divino (Cf. Ex. 20, 12).

2215. O respeito pelos pais (piedade filial) é feito de reconhecimento àqueles que, pelo dom da vida, pelo seu amor e seu trabalho, puseram os filhos no mundo e lhes permitiram crescer em estatura, sabedoria e graça. «Honra o teu pai de todo o teu coração e não esqueças as dores da tua mãe. Lembra-te de que foram eles que te geraram. Como lhes retribuirás o que por ti fizeram»? (Sir. 7, 27-28).

2216. O respeito filial revela-se na docilidade e na obediência autênticas. «observa, meu filho, as ordens do teu pai, e não desprezes os ensinamentos da tua mãe [...]. Servir-te-ão de guia no caminho, velarão por ti quando dormires, e falarão contigo ao despertares» (Pr. 6, 20.22). «O filho sábio é fruto da correção paterna, mas o insolente não aceita a repreensão» (Pr. 13, 1).

2117. Enquanto viver na casa dos pais, o filho deve obedecer a tudo o que eles lhe mandarem para seu bem ou o da família. «Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, porque isto agrada ao Senhor» (Cl. 3, 20) (Cf. Ef. 6, 1). Os filhos devem também obedecer às prescrições razoáveis dos seus educadores e de todos aqueles a quem os pais os confiaram. Mas se o filho se persuadir, em consciência, de que é moralmente mau obedecer a determinada ordem, não o faça.

Com o crescimento, os filhos continuarão a respeitar os pais. Adivinharão os seus desejos, pedirão de boa vontade os seus conselhos e aceitarão as suas admoestações justificadas. A obediência aos pais cessa com a emancipação: mas não o respeito que sempre lhes é devido. É que este tens a sua raiz no temor de Deus, que é um dos dons do Espírito Santo.

2218. O quarto mandamento lembra aos filhos adultos as suas responsabilidades para com os pais. Tanto quanto lhes for possível, devem prestar-lhes ajuda material e moral, nos anos da velhice e no tempo da doença, da solidão ou do desânimo. Jesus lembra este dever de gratidão (Cf. Mc. 7, 10-12).

- «Deus quis honrar o pai pelos filhos e cuidadosamente firmou sobre eles a autoridade da mãe. O que honra o pai alcança o perdão dos seus pecados e quem honra a mãe é semelhante àquele que acumula tesouros. Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos e será ouvido no dia da sua oração. Quem honra o pai gozará de longa vida e quem lhe obedece consolará a sua mãe» (Sir. 3, 2-6).

- «Filho, ampara o teu pai na velhice, não o desgostes durante a sua vida. Mesmo se ele vier a perder a razão, sê indulgente, não o desprezes, tu que estás na plenitude das tuas forças [...]. É como um blasfemador o que desampara o seu pai e é amaldiçoado por Deus aquele que irrita a sua mãe» (Sir. 3, 12-16).

2219. O respeito filial favorece a harmonia de toda a vida familiar; engloba também as relações entre irmãos e irmãs. O respeito pelos pais impregna todo o ambiente familiar. «A coroa dos anciãos são os filhos dos seus filhos» (Pr. 17, 6). «Suportai-vos uns aos outros na caridade, com toda a humildade, mansidão e paciência» (Ef. 4, 2).

2220. Os cristãos, têm o dever de ser especialmente gratos àqueles de quem receberam o dom da fé, a graça do Batismo e a vida na Igreja. Pode tratar-se dos pais, de outros membros da família, dos avós, dos pastores, dos catequistas, dos professores ou amigos. «Conservo a lembrança da tua fé tão sincera, que foi primeiro a da tua avó Lóide e da tua mãe Eunice, e que, estou certo, habita também em ti» (2ª Tm. 1, 5).

DEVERES DOS PAIS

2221. A fecundidade do amor conjugal não se reduz apenas à procriação dos filhos. Deve também estender-se à sua educação moral e à sua formação espiritual. O «papel dos pais na educação é de tal importância que é impossível substituí-los» (II Concílio do Vaticano, Decl. Gravissimum educationis, 3: AAS 58 (1966) 731). O direito e o dever da educação são primordiais e inalienáveis para os pais (Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 36: AAS 74 (1982) 126).

2222. Os pais devem olhar para os seus filhos como filhos de Deus e respeitá-los como pessoas humanas. Educarão os seus filhos no cumprimento da lei de Deus, na medida em que eles próprios se mostrarem obedientes à vontade do Pai dos céus.

2223. Os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos filhos. Testemunham esta responsabilidade, primeiro pela criação dum lar onde são regra a ternura, o perdão, o respeito, a fidelidade e o serviço desinteressado. O lar é um lugar apropriado para a educação das virtudes, a qual requer a aprendizagem da abnegação, de sãos critérios, do autodomínio, condições da verdadeira liberdade. Os pais ensinarão os filhos a subordinar «as dimensões físicas e instintivas às dimensões interiores e espirituais» (João Paulo II. Enc. Centesimus annus, 36: AAS 83 (1991) 838). Os pais têm a grave responsabilidade de dar bons exemplos aos filhos. Sabendo reconhecer diante deles os próprios defeitos, serão mais capazes de os guiar e corrigir:

- «aquele que ama o seu filho, castiga-o com frequência [...]. Aquele que dá ensinamentos ao seu filho  
            será louvado»
(Sir. 30, 1-2). «E vós, pais, não irriteis os vossos filhos: pelo contrário, educai-os com
            disciplina e advertências inspiradas pelo Senhor»
(Ef. 6, 4).

2224. O lar constitui o âmbito natural para a iniciação da pessoa humana na solidariedade e nas responsabilidades comunitárias. Os pais devem ensinar os filhos a acautelar-se dos perigos e degradações que ameaçam as sociedades humanas.

2225. Pela graça do sacramento do matrimónio, os pais receberam a responsabilidade e o privilégio de evangelizar os filhos. Desde tenra idade devem iniciá-los nos mistérios da fé, de que são os «primeiros arautos» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16: cf. CIC can. 1136). Hão de associá-los, desde a sua primeira infância, à vida da Igreja. A maneira como se vive em família pode alimentar as disposições afetivas, que durante toda a vida permanecem como autêntico preâmbulo e esteio duma fé viva.

2226. A educação da fé por parte dos pais deve começar desde a mais tenra infância. Faz-se já quando os membros da família se ajudam mutuamente a crescer na fé pelo testemunho duma vida cristã, de acordo com o Evangelho. A catequese familiar precede, acompanha e enriquece as outras formas de ensinamento da fé. Os pais têm a missão de ensinar os filhos a rezar e a descobrir a sua vocação de filhos de Deus (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16). A paróquia é a comunidade eucarística e o coração da vida litúrgica das famílias cristãs: é o lugar privilegiado da catequese dos filhos e dos pais.

2227. Por sua vez, os filhos contribuem para o crescimento dos seus pais na santidade (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 48: AAS 58 (1966) 1069). Todos e cada um se darão, generosamente e sem se cansar, o perdão mútuo exigido pelas ofensas, querelas, injustiças e abandonos. Assim o sugere o afeto mútuo. E assim o exige a caridade de Cristo (Cf. Mt. 18. 21-22; Lc. 17, 4).

2228. Durante a infância, o respeito e o carinho dos pais traduzem-se, primeiro, no cuidado e na atenção que consagram à educação dos filhos, para prover as suas necessidades, físicas e espirituais. A medida que vão crescendo, o mesmo respeito e dedicação levam os pais a educar os filhos no sentido dum uso correto da sua razão e da sua liberdade.

2229. Como primeiros responsáveis pela educação dos seus filhos, os pais têm o direito de escolher para eles uma escola que corresponda às suas próprias convicções. É um direito fundamental. Tanto quanto possível, os pais têm o dever de escolher as escolas que melhor os apoiem na sua tarefa de educadores cristãos (Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Gravissimum educationis, 6: AAS 58 (1966) 733). Os poderes públicos têm o dever de garantir este direito dos pais e de assegurar as condições reais do seu exercício.

2230. Ao tornarem-se adultos, os filhos têm o dever e o direito de escolher a sua profissão e o seu estado de vida. Devem assumir as novas responsabilidades numa relação de confiança com os seus pais, a quem pedirão e de quem de boa vontade receberão opiniões e conselhos. Os pais terão o cuidado de não constranger os filhos, nem na escolha duma profissão, nem na escolha do cônjuge. Mas este dever de discrição não os proíbe, muito pelo contrário, de os ajudar com opiniões ponderadas, sobretudo quando tiverem em vista a fundação dum novo lar.

 2231. Há quem não se case para cuidar dos pais ou dos irmãos e irmãs; ou para se dedicar mais exclusivamente a uma profissão; ou ainda por outros motivos válidos. Esses podem contribuir muitíssimo para o bem da família humana.

IV. A família e o Reino

2232. São importantes, mas não absolutos, os laços familiares. Quanto mais a criança cresce para a maturidade e autonomia humanas e espirituais, tanto mais a sua vocação individual, que vem de Deus, se afirma com nitidez e força. Os pais devem respeitar este chamamento e apoiar a resposta dos filhos para o seguir. Hão de convencer-se de que a primeira vocação do cristão é seguir Jesus (Cf. Mt. 16, 23): «quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim» (Mt. 10, 37).

2233. Tornar-se discípulo de Jesus é aceitar o convite para pertencer à família de Deus, para viver em conformidade com a sua maneira de viver: «todo aquele que fizer a vontade do meu Pai que está nos céus, é que é meu irmão e minha irmã e minha mãe» (Mt. 12, 50).

Os pais devem acolher e respeitar, com alegria e ação de graças, o chamamento que o Senhor fizer a um dos seus filhos, para O seguir na virgindade pelo Reino, na vida consagrada ou no ministério sacerdotal.

V. As autoridades na sociedade civil

2234. O quarto mandamento da Lei de Deus manda que honremos também todos aqueles que, para nosso bem, receberam de Deus alguma autoridade na sociedade. E esclarece os deveres dos que exercem essa autoridade, bem como os daqueles que dela beneficiam.

DEVERES DAS AUTORIDADES CIVIS

2235. Aqueles que exercem alguma autoridade, devem exercê-la como quem presta um serviço. «Quem quiser entre vós tornar-se grande, será vosso servo» (Mt. 20, 26). O exercício da autoridade é moralmente regulado pela sua origem divina, pela sua natureza racional e pelo seu objeto específico. Ninguém pode mandar ou instituir o que for contrário à dignidade das pessoas e à lei natural.

 2236. O exercício da autoridade visa tornar manifesta uma justa hierarquia de valores, a fim de facilitar o exercício da liberdade e da responsabilidade de todos. Os superiores exerçam a justiça distributiva com sabedoria, tendo em conta as necessidades e a contribuição de cada qual, e em vista da concórdia e da paz. Estarão atentos a que as regras e disposições que tomam não induzam em tentação, opondo o interesse pessoal ao da comunidade (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 25: AAS 83 (1991) 823).

2237. Os poderes políticos são obrigados a respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana. Administrarão a justiça como humanidade, respeitando o direito de cada qual, nomeadamente das famílias e dos deserdados.

Os direitos políticos inerentes à cidadania podem e devem ser reconhecidos conforme as exigências do bem comum. Não podem ser suspensos pelos poderes públicos sem motivo legítimo e proporcionado. O exercício dos direitos políticos orienta-se para o bem comum da nação e da comunidade humana.

DEVERES DOS CIDADÃOS

2238. Os que estão sujeitos à autoridade considerarão os seus superiores como representantes de Deus, que os instituiu ministros dos seus dons «Submetei-vos, por causa do Senhor, a toda a instituição humana [...]. Procedei como homens livres, não como aqueles que fazem da liberdade capa da sua malícia, mas como servos de Deus» (1ª Pe. 2, 13.16). A sua colaboração leal comporta o direito, e às vezes o dever, duma justa reclamação de quanto lhes parecer prejudicial à dignidade das pessoas e ao bem da comunidade.

2239. É dever dos cidadãos colaborar com os poderes civis para o bem da sociedade, num espírito de verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade. O amor e o serviço da pátria derivam do dever da gratidão e da ordem da caridade. A submissão às autoridades legítimas e o serviço do bem comum exigem dos cidadãos que cumpram o seu papel na vida da comunidade política.

2240. A submissão à autoridade e a cor-responsabilidade pelo bem comum exigem moralmente o pagamento dos impostos, o exercício do direito de voto, a defesa do país: (Cf. Rm. 13, 1-2)

- «daí a cada um o que lhe é devido: o imposto, a quem se deve o imposto; a taxa, a quem se deve a taxa; o respeito, a quem se deve o respeito; a honra, a quem se deve a honra» (Rm. 13, 7).

Os cristãos «residem na sua própria pátria, mas vivem todos como de passagem; em tudo participam como os outros cidadãos, mas tudo suportam como se não tivessem pátria [...]. Obedecem às leis estabelecidas, mas pelo seu modo de vida superam as leis [...]. Tão nobre é o posto que Deus lhes assinalou, que não lhes é lícito desertar» (Epístola a Diogneto, 5, 5; 5, 10; 6, 10: SC 33. 62-66 (Funk 1. 398-400)).

O Apóstolo exorta-nos a fazer súplicas e ações de graças pelos reis e por todos aqueles que exercem a autoridade, «a fim de que possamos ter uma vida calma e tranquila, com toda a piedade e dignidade» (1ª Tm. 2, 2).

2241. As nações mais abastadas devem acolher, tanto quanto possível, o estrangeiro em busca da segurança e dos recursos vitais que não consegue encontrar no seu país de origem. Os poderes públicos devem velar pelo respeito do direito natural que coloca o hóspede sob a proteção daqueles que o recebem.

As autoridades políticas podem, em vista do bem comum de que têm a responsabilidade, subordinar o exercício do direito de imigração a diversas condições jurídicas, nomeadamente no respeitante aos deveres que os imigrantes contraem para com o país de adopção. O imigrado tem a obrigação de respeitar com reconhecimento o património material e espiritual do país que o acolheu, de obedecer às suas leis e de contribuir para o seu bem.

2242. O cidadão é obrigado, em consciência, a não seguir as prescrições das autoridades civis, quando tais prescrições forem contrárias às exigências de ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. A recusa de obediência às autoridades civis, quando as suas exigências forem contrárias às da reta consciência, tem a sua justificação na distinção entre o serviço de Deus e o serviço da comunidade política. «Daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus» (Mt. 22, 21). «Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens» (At. 5, 29):

- «quando a autoridade pública, excedendo os limites da própria competência, oprimir os cidadãos, estes não se recusem às exigências objetivas do bem comum; mas é-lhes lícito, dentro dos limites definidos pela lei natural e pelo Evangelho, defender os seus próprios direitos e os dos seus concidadãos contra o abuso dessa autoridade» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes,74: AAS 58 (1966) 1096).

2243. A resistência à opressão do poder político não recorrerá legitimamente às armas, senão nas seguintes condições:

1 - em caso de violações certas, graves e prolongadas dos direitos fundamentais;
2 - depois de ter esgotado todos os outros recursos;
3 - se não provocar desordens piores;
4 - se houver esperança fundada de êxito;
5 - e se for impossível prever razoavelmente soluções melhores.

A COMUNIDADE POLÍTICA E A IGREJA

2244. Toda a instituição se inspira, mesmo que implicitamente, numa visão do homem e do seu destino, visão da qual tira as suas referências de juízo, a sua hierarquia de valores, a sua linha de procedimento. A maior parte das sociedades referiram as suas instituições a uma certa preeminência do homem sobre as coisas. Só a religião divinamente revelada é que reconheceu claramente em Deus, Criador e Redentor, a origem e o destino do homem. A Igreja convida os poderes políticos a referenciar os seus juízos e decisões a esta inspiração da verdade sobre Deus e sobre o homem: (Cf. João Paulo II. Enc. Centesimus annus, 45-46: AAS 83 (1991) 849-851)

- «as sociedades que ignoram esta inspiração ou a recusam em nome da sua independência em relação a Deus, são levadas a procurar em si mesmas ou a tomar de uma ideologia as suas referências e o seu fim: e não admitindo que se defenda um critério objetivo do bem e do mal, a si mesmas atribuem, sobre o homem e o seu destino, um poder totalitário, declarado ou oculto, como a história tem mostrado».

2245. «A Igreja que, em virtude da sua função e competência, de modo algum se confunde com a comunidade política, [...] é, ao mesmo tempo, sinal e salvaguarda do carácter transcendente da pessoa humana» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 76: AAS 58 (1966) 1099). «A Igreja respeita e promove a liberdade política e a responsabilidade dos cidadãos» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 76: AAS 58 (1966) 1099).

2246. Faz parte da missão da Igreja «proferir um juízo moral, mesmo acerca das realidades que dizem respeito à ordem política, sempre que os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem utilizando todos e só os meios conformes com o Evangelho e o bem de todos segundo a variedade dos tempos e circunstâncias» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 76: AAS 58 (1966) 1100).

Resumindo:

2247. «Honra pai e mãe» (Dt. 5, 16; Mc. 7, 10).

2248. Segundo o quarto mandamento, Deus quis que, depois d'Ele, honrássemos os nossos pais e aqueles que, para nosso bem, Ele revestiu de autoridade.

2249. A comunidade conjugal está fundada na aliança e no consentimento dos esposos. O matrimónio e a família estão ordenados para o bem dos cônjuges e para a procriação e educação dos filhos.

2250. «A saúde da pessoa e da sociedade humana e cristã depende estreitamente de uma situação favorável da comunidade conjugal e familiar» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 47: AAS 58 (1966) 1067).

2251. Os filhos devem aos pais respeito, gratidão, obediência justa e ajuda. O respeito filial favorece a harmonia de toda a vida familiar.

2252. Os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos seus filhos na fé, na oração, e em todas as virtudes. Eles têm o dever de prover, na medida do possível, às necessidades físicas e espirituais dos seus filhos.

2253. Os pais devem respeitar e favorecer a vocação dos seus filhos. Hão de lembrar-se e hão de ensinar-lhes que a primeira vocação do cristão é seguir Jesus.

2254. A autoridade pública tem a obrigação de respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana e as condições do exercício da sua liberdade.

2255. É dever dos cidadãos colaborar com os poderes civis na edificação da sociedade, num espírito de verdade, justiça, solidariedade e liberdade.

2256. O cidadão está obrigado em consciência a não seguir as prescrições das autoridades civis quando tais prescrições forem contrárias às exigências da ordem moral. «Deve obedecer-se antes a Deus do que aos homens» (At. 5, 29).

2257. Toda a sociedade refere os seus juízos e a sua conduta a uma visão do homem e do seu destino. Fora das luzes do Evangelho sobre Deus e sobre o homem, as sociedades facilmente resvalam para o totalitarismo.

ARTIGO 5

O QUINTO MANDAMENTO

«Não matarás» (Ex. 20, 13).

«Ouvistes o que foi dito aos antigos: "não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo". Eu, porém, digo-vos: quem se irritar contra o seu irmão, será réu perante o tribunal» (Mt. 5, 21-22).

2258. «A vida humana é sagrada porque, desde a sua origem, postula a ação criadora de Deus e mantém-se para sempre numa relação especial com o Criador, seu único fim. Só Deus é senhor da vida, desde o seu começo até ao seu termo: ninguém, em circunstância alguma, pode reivindicar o direito de dar a morte diretamente a um ser humano inocente» (Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, Introductio, 5: AAS 80 (1988) 76-77).

I. O respeito pela vida humana

TESTEMUNHO DA HISTÓRIA SAGRADA

2259. A Sagrada Escritura, na narrativa da morte de Abel pelo seu irmão Caim (Cf. Gn. 4, 8-12), revela, desde os primórdios da história humana, a presença no homem da cólera e da inveja, consequências do pecado original. O homem tornou-se inimigo do seu semelhante. Deus denuncia a perversidade deste fratricídio: «Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra por mim. De futuro, serás maldito sobre a terra, que abriu a sua boca para beber, da tua mão, o sangue do teu irmão» (Gn. 4, 10‑11).

2260. A aliança entre Deus e a humanidade é entretecida de referências ao dom divino da vida humana e à violência assassina do homem:

«pedirei contas do vosso sangue [...]. A quem derramar sangue humano, por mão de homem será derramado o seu, porque Deus fez o homem à sua imagem» (Gn. 9, 5-61).

O Antigo Testamento considerou sempre o sangue como um sinal sagrado da vida (Cf. Lv. 17, 14). E este ensinamento é válido para todos os tempos.

2261. A Escritura determina a proibição contida no quinto mandamento: «não causarás a morte do inocente e do justo» (Ex. 23, 7). O homicídio voluntário dum inocente é gravemente contrário à dignidade do ser humano, à regra de ouro e à santidade do Criador. A lei que o proíbe universalmente válida: obriga a todos e a cada um, sempre e em toda a parte.

2262. No sermão da montanha, o Senhor lembra o preceito: «não matarás» (Mt. 5, 21) e acrescenta-lhe a proibição da ira, do ódio e da vingança. Mais ainda: Cristo exige do seu discípulo que ofereça a outra face (Cf Mt. 5, 22-26.38-39), que ame os seus inimigos (Cf. Mt. 5, 44). Ele próprio não se defendeu e disse a Pedro que deixasse a espada na bainha (Cf. Mt. 26, 52).

A LEGÍTIMA DEFESA

2263. A defesa legítima das pessoas e das sociedades não é uma exceção à proibição de matar o inocente que constitui o homicídio voluntário. «Do ato de defesa pode seguir-se um duplo efeito: um, a conservação da própria vida; outro, a morte do agressor» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 64. a. 7. c: Ed. Leon. 9, 74). «Nada impede que um ato possa ter dois efeitos, dos quais só um esteja na intenção, estando o outro para além da intenção» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 64. a. 7. c: Ed. Leon. 9, 74).

2264. O amor para consigo mesmo permanece um princípio fundamental de moralidade. E, portanto, legítimo fazer respeitar o seu próprio direito à vida. Quem defende a sua vida não é réu de homicídio, mesmo que se veja constrangido a desferir sobre o agressor um golpe mortal:

- «se, para nos defendermos, usarmos duma violência maior do que a necessária, isso será ilícito. Mas se repelirmos a violência com moderação, isso será lícito [...]. E não é necessário à salvação que se deixe de praticar tal ato de defesa moderada para evitar a morte do outro: porque se está mais obrigado a velar pela própria vida do que pela alheia» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 64. a. 7. c: Ed. Leon. 9, 74).

2265. A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas até um grave dever para aquele que é responsável pela vida de outrem. Defender o bem comum implica colocar o agressor injusto na impossibilidade de fazer mal. É por esta razão que os detentores legítimos da autoridade têm o direito de recorrer mesmo às armas para repelir os agressores da comunidade civil confiada à sua responsabilidade.

2266. O esforço do Estado em reprimir a difusão de comportamentos que lesam os direitos humanos e as regras fundamentais da convivência civil, corresponde a uma exigência de preservar o bem comum. É direito e dever da autoridade pública legítima infligir penas proporcionadas à gravidade do delito. A pena tem como primeiro objetivo reparar a desordem introduzida pela culpa. Quando esta pena é voluntariamente aceite pelo culpado, adquire valor de expiação. A pena tem ainda como objetivo, para além da defesa da ordem pública e da proteção da segurança das pessoas, uma finalidade medicinal, posto que deve, na medida do possível, contribuir para a emenda do culpado.

2267. Durante muito tempo, o recurso à pena de morte, por parte da legítima autoridade, era considerada, depois de um processo regular, como uma resposta adequada à gravidade de alguns delitos e um meio aceitável, ainda que extremo, para a tutela do bem comum.

No entanto, hoje, torna-se cada vez mais viva a consciência de que a dignidade da pessoa não fica privada, apesar de cometer crimes gravíssimos. Além do mais, difunde-se uma nova compreensão do sentido das sanções penais por parte do Estado. Enfim, foram desenvolvidos sistemas de detenção mais eficazes, que garantem a indispensável defesa dos cidadãos, sem tirar, ao mesmo tempo e definitivamente, a possibilidade do réu de se redimir.

Por isso, a Igreja ensina, no Novo Catecismo, à luz do Evangelho, que “a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da pessoa" (Discurso do Papa Francisco por ocasião do XXV Aniversário do Catecismo da Igreja Católica, 11 de setembro de 2017), e se compromete, com determinação, em prol da sua abolição no mundo inteiro.

O HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO

2268. O quinto mandamento proíbe, como gravemente pecaminoso, o homicídio direto e voluntário. O assassino e quantos voluntariamente colaboram no assassinato cometem um pecado que brada ao céu (Cf. Gn. 4, 10).

O infanticídio (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 51: AAS 58 (1966) 1072), o fratricídio, o parricídio e o assassinato do cônjuge são crimes especialmente graves, em razão dos laços naturais que eles quebram. Não se podem invocar preocupações de eugenismo ou de higiene pública para justificar qualquer homicídio, ainda que tal seja imposto pelos poderes públicos

2269. O quinto mandamento proíbe fazer seja o que for com a intenção de provocar indiretamente a morte duma pessoa. A lei moral proíbe expor alguém, sem razão grave, a um perigo mortal, assim como negar assistência a uma pessoa em perigo.

A aceitação pela sociedade humana de fomes mortíferas, sem se esforçar por lhe dar remédio, é uma escandalosa injustiça e um pecado grave. Os traficantes, cujas práticas usurárias e mercantis provocam a fome e a morte dos seus irmãos em humanidade, cometem indiretamente homicídio, que lhes é imputável (Cf. Am. 8, 4-10).

O homicídio involuntário não é moralmente imputável. Mas não se é desculpado de falta grave se, sem razões proporcionadas, se proceder de maneira a causar a morte, mesmo sem a intenção de a provocar.

O ABORTO

2270. A vida humana deve ser respeitada e protegida, de modo absoluto, a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento da sua existência, devem ser reconhecidos a todo o ser humano os direitos da pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo o ser inocente à vida (Cf. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1. 1: AAS 80 (1988) 79).

«Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi: antes que saísses do seio da tua mãe, Eu te consagrei» (Jr. 1, 5).

«Vós conhecíeis já a minha alma e nada do meu ser Vos era oculto, quando secretamente era formado, modelado nas profundidades da terra» (Sl. 139, 15).

2271. A Igreja afirmou, desde o século I, a malícia moral de todo o aborto provocado. E esta doutrina não mudou. Continua invariável. O aborto direto, isto é, querido como fim ou como meio, é gravemente contrário à lei moral:

- «não matarás o embrião por meio do aborto, nem farás que morra o recém-nascido» (Didaké 2, 2: SC 248, 148 (Funk 1, 8); cf. Epistola Pseudo Barnabae 19. 5: SC 172, 202 (Funk 1, 90); Epistola a Diogneto 5, 6: SC 33. 62 (Funk 1. 398): Tertuliano, Apologeticum, 9, 8: CCL 1, 103 (PL 1, 371-372)).

«Deus [...], Senhor da vida, confiou aos homens, para que estes desempenhassem dum modo digno  
            dos mesmos homens, o nobre encargo de conservar a vida. Esta deve, pois, ser salvaguardada, com
            extrema solicitude, desde o primeiro momento da concepção; o aborto e o infanticídio são crimes
            abomináveis»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 51: AAS 58 (1966) 1072).

2272. A colaboração formal num aborto constitui falta grave. A Igreja pune com a pena canónica da excomunhão este delito contra a vida humana. «Quem procurar o aborto, seguindo-se o efeito («effectu secuto») incorre em excomunhão latae sententiae»
(CIC can. 1398), isto é, «pelo fato mesmo de se cometer o delito» (CIC can. 1314) e nas condições previstas pelo Direito (Cf. CIC can. 1323-1324). A Igreja não pretende, deste modo, restringir o campo da misericórdia. Simplesmente, manifesta a gravidade do crime cometido, o prejuízo irreparável causado ao inocente que foi morto, aos seus pais e a toda a sociedade.

2273. O inalienável direito à vida, por parte de todo o indivíduo humano inocente, é um elemento constitutivo da sociedade civil e da sua legislação:

- «os direitos inalienáveis da pessoa deverão ser reconhecidos e respeitados pela sociedade civil e pela autoridade política. Os direitos do homem não dependem nem dos indivíduos, nem dos pais, nem mesmo representam uma concessão da sociedade e do Estado. Pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa, em razão do ato criador que lhe deu origem. Entre estes direitos fundamentais deve aplicar-se o direito à vida e à integridade física de todo ser humano, desde a concepção até à morte» (Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 3: AAS 80 (1988) 98-99).

«Desde o momento em que uma lei positiva priva determinada categoria de seres humanos da proteção que a legislação civil deve conceder-lhes, o Estado acaba por negar a igualdade de todos perante a lei. Quando o Estado não põe a sua força ao serviço dos direitos de todos os cidadãos, em particular dos mais fracos, encontram-se ameaçados os próprios fundamentos dum “Estado de direito” [...]. Como consequência do respeito e da proteção que devem ser garantidos ao nascituro, desde o momento da sua concepção, a lei deve prever sanções penais apropriadas para toda a violação deliberada dos seus direitos» (Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 3: AAS 80 (1988) 99).

2274.  Uma vez que deve ser tratado como pessoa desde a concepção, o embrião terá de ser defendido na sua integridade, tratado e curado, na medida do possível, como qualquer outro ser humano.

O diagnóstico pré-natal é moralmente lícito, desde que «respeite a vida e a integridade do embrião ou do feto humano, e seja orientado para a sua defesa ou cura individual [...]. Mas está gravemente em oposição com a lei moral, se previr, em função dos resultados, a eventualidade de provocar um aborto. Um diagnóstico [...] não pode ser equivalente a uma sentença de morte» (Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1, 2: AAS 80 (1988) 70-80).

2275. «Devem considerar-se lícitas as intervenções no embrião humano, sempre que respeitem a vida e a integridade do mesmo e não envolvam para ele riscos desproporcionados, antes tenham em vista a sua cura, a melhoria das suas condições de saúde ou a sua sobrevivência individual» (Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1, 3. AAS 80 (1988) 80-81).

«É imoral produzir embriões humanos destinados a serem explorados como material biológico disponível» (Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1, 5: AAS 80 (1988) 83).

«Certas tentativas de intervenção no património cromossomático ou genético não são terapêuticas, mas têm em cesta a produção de seres humanos selecionados segundo o sexo ou outras qualidades pré-estabelecidas. Tais manipulações são contrárias à dignidade pessoal do ser humano, à sua integridade e à sua identidade única, irrepetível» (Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1, 6: AAS 80 (1988) 85).

A EUTANÁSIA

2276. Aqueles que têm uma vida deficiente ou enfraquecida reclamam um respeito especial. As pessoas doentes ou deficientes devem ser amparadas, para que possam levar uma vida tão normal quanto possível.

2277. Quaisquer que sejam os motivos e os meios, a eutanásia direta consiste em pôr fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inaceitável.

Assim, uma ação ou uma omissão que, de per si ou na intenção, cause a morte com o fim de suprimir o sofrimento, constitui um assassínio gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao respeito do Deus vivo, seu Criador. O erro de juízo, em que se pode ter caído de boa-fé, não muda a natureza do ato homicida, o qual deve sempre ser condenado e posto de parte (Cf  Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, Iura et bona: AAS 72 (1980) 542-552).

2278. A cessação de tratamentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionados aos resultados esperados, pode ser legítima. É a rejeição do «encarniçamento terapêutico». Não que assim se pretenda dar a morte; simplesmente se aceita o fato de a não poder impedir. As decisões devem ser tomadas pelo paciente se para isso tiver competência e capacidade; de contrário, por quem para tal tenha direitos legais, respeitando sempre a vontade razoável e os interesses legítimos do paciente.

2279. Mesmo que a morte seja considerada iminente, os cuidados habitualmente devidos a uma pessoa doente não podem ser legitimamente interrompidos. O uso dos analgésicos para aliviar os sofrimentos do moribundo, mesmo correndo-se o risco de abreviar os seus dias, pode ser moralmente conforme com a dignidade humana, se a morte não for querida, nem como fim nem como meio, mas somente prevista e tolerada como inevitável. Os cuidados paliativos constituem uma forma excepcional da caridade desinteressada; a esse título, devem ser encorajados.

O SUICÍDIO

2280. Cada qual é responsável perante Deus pela vida que Ele lhe deu, Deus é o senhor soberano da vida; devemos recebê-la com reconhecimento e preservá-la para sua honra e salvação das nossas almas. Nós somos administradores e não proprietários da vida que Deus nos confiou; não podemos dispor dela.

2281. O suicídio contraria a inclinação natural do ser humano para conservar e perpetuar a sua vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende igualmente o amor do próximo, porque quebra injustamente os laços de solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana, em relação às quais temos obrigações a cumprir. O suicídio é contrário ao amor do Deus vivo.

2282. Se for cometido com a intenção de servir de exemplo, sobretudo para os jovens, o suicídio assume ainda a gravidade do escândalo. A cooperação voluntária no suicídio é contrária à lei moral.

Perturbações psíquicas graves, a angústia ou o temor grave duma provação, dum sofrimento, da tortura, são circunstâncias que podem diminuir a responsabilidade do suicida.

2283. Não se deve desesperar da salvação eterna das pessoas que se suicidaram. Deus pode, por caminhos que só Ele conhece, oferecer-lhes a ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida.

II. O respeito pela dignidade das pessoas

O RESPEITO PELA ALMA DO PRÓXIMO: O ESCÂNDALO

2284. O escândalo é a atitude ou comportamento que leva outrem a fazer o mal. O escandaloso transforma-se em tentador do seu próximo; atenta contra a virtude e a retidão, podendo arrastar o irmão para a morte espiritual. O escândalo constitui uma falta grave se, por ação ou omissão, levar deliberadamente outra pessoa a cometer uma falta grave.

2285. O escândalo reveste-se duma gravidade particular conforme a autoridade dos que o causam ou a fraqueza dos que dele são vítimas. Ele inspirou esta maldição a nosso Senhor: «mas se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem em Mim, seria preferível que lhe suspendessem do pescoço a mó de um moinho e o lançassem nas profundezas do mar» (Mt. 18, 6) (Cf. 1ª Cor. 8, 10-13). O escândalo é grave quando é causado por aqueles que, por natureza ou em virtude da função que exercem, tem a obrigação de ensinar e de educar os outros. Jesus censura-o nos escribas e fariseus, comparando-os a lobos disfarçados de cordeiros (Cf. Mt. 7, 15).

2286. O escândalo pode ser provocado pela lei ou pelas instituições, pela moda ou pela opinião.

É assim que se tornam culpados de escândalo os que estabelecem leis ou estruturas sociais conducentes à degradação dos costumes e à corrupção da vida religiosa, ou a «condições sociais que, voluntária ou involuntariamente, tornam difícil e praticamente impossível uma conduta cristã conforme aos mandamentos» (Pio XII. Mensagem radiofónica (1 de junho de 1941): AAS 33 (1941) 197). O mesmo se diga dos chefes de empresa que tomam medidas incitando à fraude, dos professores que «exasperam» os seus alunos (Cf. Ef. 6, 4: Cl. 3, 21), ou daqueles que, manipulando a opinião pública, a desviam dos valores morais.

2287. Aquele que usa dos poderes de que dispõe, em condições que induzem a agir mal, torna-se culpado de escândalo e responsável pelo mal que, direta ou indiretamente, favorece. «É inevitável que haja escândalos, mas ai daquele que os causa» (Lc. 17, 1).

O RESPEITO PELA SAÚDE

2288. A vida e a saúde física são bens preciosos, confiados por Deus. Temos a obrigação de cuidar razoavelmente desses dons, tendo em conta as necessidades alheias e o bem comum.

O cuidado da saúde dos cidadãos requer a ajuda da sociedade para se conseguirem condições de vida que permitam crescer e atingir a maturidade: alimentação e vestuário, casa, cuidados de saúde, ensino básico, emprego, assistência social.

2289. Se a moral apela para o respeito da vida corporal, não é que faça dela um valor absoluto. Pelo contrário, insurge-se contra uma concepção neo-pagã, tendente a promover o culto do corpo, sacrificando-lhe tudo, e a idolatrar a perfeição física e o êxito desportivo. Pela escolha seletiva que faz entre os fortes e os fracos, tal concepção pode conduzir à perversão das relações humanas.

2290. A virtude da temperança leva a evitar toda a espécie de excessos, o abuso da comida, da bebida, do tabaco e dos medicamentos. Aqueles que, em estado de embriaguez ou por gosto imoderado da velocidade, põem em risco a segurança dos outros e a sua própria, nas estradas, no mar ou no ar, tornam-se gravemente culpados.

2291. O uso de estupefacientes causa gravíssimos danos à saúde e à vida humana. A não ser por prescrições estritamente terapêuticas, o seu uso é uma falta grave. A produção clandestina e o tráfico de drogas são práticas escandalosas, e constituem uma cooperação direta, pois incitam a práticas gravemente contrárias à lei moral.

O RESPEITO PELA PESSOA E A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

2292. As experiências científicas, médicas ou psicológicas, sobre pessoas ou grupos humanos, podem concorrer para a cura dos doentes e para o progresso da saúde pública.

2293. A investigação científica de base, tanto como a aplicada, constitui uma expressão significativa do domínio do homem sobre a criação. A ciência e a técnica são recursos preciosos quando, postos ao serviço do homem, promovem o seu desenvolvimento integral em benefício de todos. Mas, só por si, não podem indicar o sentido da existência e do progresso humano. A ciência e a técnica estão ordenadas para o homem, a quem devem a sua origem e progressos. Por isso, é na pessoa e nos seus valores morais que encontram a indicação da sua finalidade e a consciência dos seus limites.

2294. É ilusório reivindicar a neutralidade moral da investigação científica e das suas aplicações. Por outro lado, os critérios de orientação não podem deduzir-se nem da simples eficácia nem da utilidade que daí pode advir para uns em prejuízo de outros, nem, pior ainda, das ideologias dominantes. A ciência e a técnica requerem, pelo seu próprio significado intrínseco, o respeito incondicional dos critérios fundamentais da moralidade: devem estar ao serviço da pessoa humana, dos seus direitos inalienáveis, do seu bem autêntico e integral, de acordo com o projeto e a vontade de Deus.

2295. As investigações ou experiências sobre o ser humano não podem legitimar atos em si mesmos contrários à dignidade das pessoas e à lei moral. O eventual consentimento dos sujeitos não justifica tais atos. A experimentação sobre o ser humano não é moralmente legítima, se fizer correr riscos desproporcionados, ou evitáveis, à vida ou à integridade física ou psíquica do sujeito. A experimentação sobre seres humanos não é conforme à dignidade da pessoa se, ainda por cima, for feita sem o consentimento esclarecido do sujeito ou de quem sobre ele tem responsabilidades.

2296. A transplantação de órgãos é conforme à lei moral se os perigos e riscos físicos e psíquicos, em que o doador incorre, forem proporcionados ao bem que se procura em favor do destinatário. A doação de órgãos após a morte é um ato nobre e meritório e deve ser encorajado como uma manifestação de generosa solidariedade. Mas não é moralmente aceitável se o doador ou os seus representantes lhe não tiverem dado o seu consentimento expresso. Para além disso, e moralmente inadmissível provocar diretamente a mutilação que leve à invalidez ou à morte dum ser humano, ainda que isso se faça para retardar a morte de outras pessoas.

O RESPEITO PELA INTEGRIDADE CORPORAL

2297. Os raptos e o sequestro de reféns espalham o terror e, pela ameaça, exercem intoleráveis pressões sobre as vítimas. São moralmente ilegítimos. O terrorismo ameaça, fere e mata sem descriminação; é gravemente contrário à justiça e à caridade. A tortura, que usa a violência física ou moral para arrancar confissões, para castigar culpados, atemorizar opositores ou satisfazer ódios, é contrária ao respeito pela pessoa e pela dignidade humana. A não ser por indicações médicas de ordem estritamente terapêutica, as amputações, mutilações ou esterilizações diretamente voluntárias de pessoas inocentes, são contrárias à lei moral (Cf. Pio XI. Enc. Casti connubii: DS 3722-3723).

2298. Nos tempos passados, certas práticas de crueldade foram comummente adotadas por governos legítimos para manter a lei e a ordem, muitas vezes sem protesto dos pastores da Igreja, tendo eles mesmos adotado, nos seus próprios tribunais, as prescrições do direito romano sobre a tortura. A par destes fatos lastimáveis, a Igreja ensinou sempre o dever da clemência e da misericórdia; e proibiu aos clérigos o derramamento de sangue. Nos tempos recentes, tornou-se evidente que estas práticas cruéis não eram necessárias à ordem pública nem conformes aos direitos legítimos da pessoa humana. Pelo contrário, tais práticas conduzem às piores degradações. Deve trabalhar-se pela sua abolição e orar pelas vítimas e seus carrascos.

O RESPEITO PELOS MORTOS

2299. Aos moribundos deve dispensar-se toda a atenção e cuidado, para os ajudar a viver os últimos momentos com dignidade e paz. Devem ser ajudados pela oração dos que lhes são mais próximos. Estes velarão por que os doentes recebam, em tempo oportuno, os sacramentos que os preparam para o encontro com o Deus vivo.

2300. Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na fé e confiança da ressurreição. Enterrar os mortos é uma obra de misericórdia corporal (Cf. Tb. 1, 16-18) que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo.

2301. A autópsia dos cadáveres pode ser moralmente admitida por motivos de investigação legal ou pesquisa científica. O dom gratuito de órgãos depois da morte é legítimo e até pode ser meritório.

A Igreja permite a cremação a não ser que esta ponha em causa a fé na ressurreição dos corpos (Cf. CIC can. 1176, §3. III).

A salvaguarda da paz

A PAZ

2302. Evocando o preceito «não matarás» (Mt. 5, 21), nosso Senhor pede a paz do coração e denuncia a imoralidade da cólera assassina e do ódio:

- a ira é um desejo de vingança. «Desejar a vingança, para mal daquele que deve ser castigado, é ilícito»; mas impor uma reparação «para correção do vício e para conservar o bem da justiça», isso é louvável (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 158. a. 1. ad 3: Ed. Leon, 10, 273). Se a ira for até ao desejo deliberado de matar o próximo ou de o ferir gravemente, ofende de modo grave a caridade, e é pecado mortal. O Senhor diz: «quem se irar contra o seu irmão, será sujeito a julgamento» (Mt. 5, 22).

2303. O ódio voluntário é contra a caridade. Odiar o próximo, querendo-lhe mal deliberadamente é pecado. É pecado grave, quando deliberadamente se lhe deseja um mal grave. «Eu, porém, digo-vos: amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos céus...» (Mt. 5, 44-45).

2304. O respeito e o crescimento da vida humana exigem a paz. A paz não é só ausência da guerra, nem se limita a assegurar o equilíbrio das forças adversas. A paz não é possível na terra sem a salvaguarda dos bens das pessoas, a livre comunicação entre os seres humanos, o respeito pela dignidade das pessoas e dos povos e a prática assídua da fraternidade. Ela é «tranquilidade da ordem» (Santo Agostinho, De civitate Dei, 19, 13: CSEL 40/2, 395 (PL 41, 640)); é «obra da justiça» (Is. 32, 17) e efeito da caridade (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 78: AAS 58 (1966) 1101).

2305. A paz terrena é imagem e fruto da paz de Cristo, o «Príncipe da Paz» messiânico (Is. 9, 5). Pelo sangue da sua cruz, Ele, levando em Si próprio a morte à inimizade (Cf. Ef. 2, 6: Cl 1, 20-22), reconciliou com Deus os homens e fez da sua Igreja o sacramento da unidade do género humano e da sua união com Deus (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 1: AAS 57 (1965) 5). «Ele é a nossa paz» (Ef. 2, 14) e declara «bem-aventurados os obreiros da paz» (Mt. 5, 9).

2306. Os que, renunciando à ação violenta e sangrenta, recorrem a meios de defesa ao alcance dos mais fracos para a salvaguarda dos direitos humanos, dão testemunho da caridade evangélica, desde que o façam sem lesar os direitos e obrigações dos outros homens e das sociedades. E atestam legitimamente a gravidade dos riscos físicos e morais do recurso à violência, com as suas ruínas e mortes (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 78: AAS 58 (1966) 1101-1102).

EVITAR A GUERRA

2307. O quinto mandamento proíbe a destruição voluntária da vida humana. Por causa dos males e injustiças que toda a guerra traz consigo, a Igreja exorta instantemente a todos para que orem e atuem para que a Bondade divina nos livre da antiga escravidão da guerra (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 81: AAS 58 (1966) 1105).

2308. Cada cidadão e cada governante deve trabalhar no sentido de evitar as guerras.

No entanto, enquanto «subsistir o perigo de guerra e não houver uma autoridade internacional competente, dotada dos convenientes meios, não se pode negar aos governos, uma vez esgotados todos os recursos de negociações pacíficas, o direito de legítima defesa» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 79: AAS 58 (1966) 1103).

2309. Devem ser ponderadas com rigor as estritas condições duma legítima defesa pela força das armas. A gravidade duma tal decisão submete-a a condições rigorosas de legitimidade moral. É necessário, ao mesmo tempo:

- que o prejuízo causado pelo agressor à nação ou comunidade de nações seja duradouro, grave e certo;
- que todos os outros meios de lhe pôr fim se tenham revelado impraticáveis ou ineficazes;
- que estejam reunidas condições sérias de êxito;
- que o emprego das armas não traga consigo males e desordens mais graves do que o mal a eliminar. O poder dos meios modernos de destruição tem um peso gravíssimo na apreciação desta condição.

Estes são os elementos tradicionalmente apontados na doutrina da chamada «guerra justa».

A apreciação destas condições de legitimidade moral pertence ao juízo prudencial daqueles que têm o encargo do bem comum.

2310 Os poderes públicos têm, neste caso, o direito e o dever de impor aos cidadãos as obrigações necessárias à defesa nacional.

Aqueles que se dedicam ao serviço da pátria na vida militar são servidores da segurança e da liberdade dos povos. Na medida em que desempenharem como convém esta tarefa, contribuem verdadeiramente para o bem comum e para a salvaguarda da paz (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 79: AAS 58 (1966) 1103).

2311. Os poderes públicos atenderão equitativamente o caso daqueles que, por motivos de consciência, recusam o uso de armas; estes continuam obrigados a servir, de outra forma, a comunidade humana (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 79: AAS 58 (1966) 1103).

2312. A Igreja e a razão humana declaram a validade permanente da lei moral durante os conflitos armados. «Uma vez lamentavelmente começada a guerra, nem por isso tudo se torna lícito entre as partes beligerantes» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 79: AAS 58 (1966) 1103).

2313. Devem ser respeitados e tratados com humanidade os não-combatentes, os soldados feridos e os prisioneiros.

As ações deliberadamente contrárias ao direito dos povos e aos seus princípios universais, bem como as ordens que comandam tais ações, são crimes. Uma obediência cega não basta para desculpar os que a elas se submetem. Assim, o extermínio dum povo, duma nação ou duma minoria étnica deve ser condenado como pecado mortal. É-se moralmente obrigado a resistir às ordens para praticar um genocídio.

2314. «Toda a ação bélica, que tende indiscriminadamente à destruição de cidades inteiras ou vastas regiões com os seus habitantes, é um crime contra Deus e o próprio homem, que se deve condenar com firmeza, sem hesitação» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 80: AAS 58 (1966) 1104). Um dos perigos da guerra moderna é o de oferecer aos detentores das armas científicas, nomeadamente atómicas, biológicas ou químicas, ocasião para cometer tais crimes.

2315. A acumulação de armas é considerada por muitos como um processo paradoxal de dissuadir da guerra eventuais adversários. Veem nisso o mais eficaz dos meios susceptíveis de garantir a paz entre as nações. No entanto, esse processo de dissuasão suscita severas reservas morais. A corrida aos armamentos não garante a paz. Longe de eliminaras causas da guerra, corre o risco de as agravar. O dispêndio de fabulosas riquezas na preparação de armas sempre novas impede que se auxiliem as populações indigentes (Cf. Paulo VI, Enc. Populorum progressio, 53: AAS 59 (1967) 283), e trava o desenvolvimento dos povos. O superarmamento multiplica as razões de conflito e aumenta o risco da sua propagação.

2316. O fabrico e comércio de armas tem a ver com o bem comum das nações e da comunidade internacional. Daí que as autoridades públicas tenham o direito e o dever de os regulamentar. A busca de interesses privados ou coletivos a curto prazo não pode legitimar empresas que incentivam a violência e os conflitos entre as nações e que comprometem a ordem jurídica internacional.

2317. As injustiças, as excessivas desigualdades de ordem econômica ou social, a inveja, a desconfiança e o orgulho que grassam entre os homens e as nações, são uma constante ameaça à paz e provocam as guerras. Tudo o que se fizer para superar estas desordens contribui para edificar a paz e evitar a guerra:

- «na medida em que os homens são pecadores, o perigo da guerra ameaça-os e continuará a ameaçá-los até à vinda de Cristo: mas, na medida em que, unidos na caridade, superam o pecado, superadas ficam também as violências, até que se realize aquela palavra: "com as espadas forjarão arados e foices com as lanças. Não mais levantará a espada povo contra povo, nem jamais se exercitarão para a guerra"» (Is. 2, 4) (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 78: AAS 58 (1966) 1102).

Resumindo:

2318. «Deus tem nas suas mãos a vida de todo o ser vivo e o sopro de vida de todos os homens» (Job. 12, 10).

2319. Toda a vida humana, desde o momento da concepção até à morte, é sagrada, porque a pessoa humana foi querida por si mesma e criada à imagem e semelhança do Deus vivo e santo.

2320. O assassínio de um ser humano é gravemente contrário à dignidade da pessoa e à santidade do Criador.

2321. A proibição de matar não derroga o direito de retirar ao injusto agressor a possibilidade de fazer mal. A legítima defesa é um dever grave para quem é responsável pela vida de outrem ou pelo bem comum.

2322. Desde que foi concebida, a criança tem direito à vida. O aborto direto, isto é, querido como fim ou como meio, é uma «prática infame» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 27: AAS 58 (1966) 1048), gravemente contrária à lei moral. A Igreja pune com a pena canônica da excomunhão este delito contra a vida humana.

2323. Uma vez que deve ser tratado como pessoa desde a sua concepção, o embrião deve ser defendido na sua integridade, atendido e cuidado medicamente como qualquer outro ser humano.

2324. A eutanásia voluntária, quaisquer que sejam as formas e os motivos, é um homicídio. É gravemente contrária à dignidade da pessoa humana e ao respeito pelo Deus vivo, seu Criador.

2325. O suicídio é gravemente contrário à justiça, à esperança e à caridade. É proibido pelo quinto mandamento.

2326. O escândalo constitui uma falta grave quando, por ação ou omissão, leva deliberadamente outrem a pecar gravemente.

2327. Devido aos males e injustiças que toda a guerra traz consigo, devemos fazer tudo o que for humanamente possível para evitá-la. A Igreja ora: «da fome, da peste e da guerra - livrai-nos, Senhor»!

2328. A Igreja e a razão humana declaram a validade permanente da lei moral durante os conflitos armados. As práticas deliberadamente contrárias ao direito das gentes e aos seus princípios universais são crimes.

2329. A corrida aos armamentos é um terrível flagelo para a humanidade e prejudica os pobres de uma forma intolerável (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 81: AAS 58 (1966) 1105).

2330. «Bem-aventurados os obreiros da paz, porque serão chamados filhos de Deus» (Mt. 5, 9).

ARTIGO 6

O SEXTO MANDAMENTO

«Não cometerás adultério» (Ex. 20, l4) (Cf. Dt. 5, 18).

«Ouvistes que foi dito: "não cometerás adultério". Eu, porém, digo-vos: todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração» (Mt. 5, 27-28).

I. «Homem e mulher os criou»...

2331. «Deus é amor e vive em Si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor. Ao criar a humanidade do homem e da mulher à sua imagem [...] Deus inscreveu nela a vocação para o amor e para a comunhão e, portanto, a capacidade e a responsabilidade correspondentes» (João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 11: AAS 74 (1982) 91-92).

«Deus criou o homem à sua imagem; [...] homem e mulher os criou» (Gn. 1, 27); «crescei e multiplicai-vos» (Gn. 1, 28); «quando Deus criou o ser humano, fê-lo à semelhança de Deus. Criou-os homem e mulher e abençoou-os; e chamou-lhes «Adão» no dia em que os criou» (Gn. 5, 1-2).

2332. A sexualidade afeta todos os aspectos da pessoa humana, na unidade do seu corpo e da sua alma. Diz respeito particularmente à afetividade, à capacidade de amar e de procriar, e, de um modo mais geral, à aptidão para criar laços de comunhão com outrem.

2333. Compete a cada um, homem e mulher, reconhecer e aceitar a sua identidade sexual. A diferença e a complementaridade físicas, morais e espirituais orientam-se para os bens do matrimónio e para o progresso da vida familiar. A harmonia do casal e da sociedade depende, em parte, da maneira como são vividos, entre os sexos, a complementaridade, a necessidade mútua e o apoio recíproco.

2334. «Ao criar o ser humano homem e mulher, Deus conferiu a dignidade pessoal, de igual modo ao homem e à mulher» (João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 22: AAS 74 (1982) 107: cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 49: AAS 58 (1966) 1070). «O homem é uma pessoa; e isso na mesma medida para o homem e para a mulher, porque ambos são criados à imagem e semelhança dum Deus pessoal» (João Paulo II. Ep. ap. Mulieris dignitatem, 6: AAS 80 (1988) 1663).

2335. Cada um dos dois sexos é, com igual dignidade, embora de modo diferente, imagem do poder e da ternura de Deus. A união do homem e da mulher no matrimónio é um modo de imitar na carne a generosidade e a fecundidade do Criador: «o homem deixará o seu pai e a sua mãe para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne» (Gn. 2, 24). Desta união procedem todas as gerações humanas (Cf. Gn. 4, 1-2.25-26; 5,1).

2336. Jesus veio restaurar a criação na pureza das suas origens. No sermão da montanha, interpreta de modo rigoroso o desígnio de Deus:

- «ouvistes que foi dito: "não cometerás adultério". Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração» (Mt. 5, 27-28). Não separe o homem o que Deus uniu (Cf. Mt. 19, 6).

A Tradição da Igreja entendeu o sexto mandamento como englobando o conjunto da sexualidade humana.

II. A vocação à castidade

2337. A castidade significa a integração conseguida da sexualidade na pessoa, e daí a unidade interior do homem no seu ser corporal e espiritual. A sexualidade, na qual se exprime a pertença do homem ao mundo corporal e biológico, torna-se pessoal e verdadeiramente humana quando integrada na relação de pessoa a pessoa, no dom mútuo total e temporalmente ilimitado, do homem e da mulher.

A virtude da castidade engloba, portanto, a integridade da pessoa e a integralidade da doação.

A INTEGRIDADE DA PESSOA

2338. A pessoa casta mantém a integridade das forças de vida e de amor em si depositadas. Esta integridade garante a unidade da pessoa e opõe-se a qualquer comportamento susceptível de a ofender. Não tolera nem a duplicidade da vida, nem a da linguagem (Cf. Mt. 5, 37).

2339. A castidade implica uma aprendizagem do domínio de si, que é uma pedagogia da liberdade humana. A alternativa é clara: ou o homem comanda as suas paixões e alcança a paz, ou se deixa dominar por elas e torna-se infeliz (Cf. Sir. 1, 22). «A dignidade do homem exige que ele proceda segundo uma opção consciente e livre, isto é, movido e determinado por uma convicção pessoal e não sob a pressão de um cego impulso interior ou da mera coação externa. O homem atinge esta dignidade quando, libertando-se de toda a escravidão das paixões, prossegue o seu fim na livre escolha do bem e se procura de modo eficaz e com diligente iniciativa os meios adequados» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 17: AAS 58 (1966) 1037-1038).

2340. Aquele que quiser permanecer fiel às promessas do seu Batismo e resistir às tentações, terá o cuidado de procurar os meios: o conhecimento de si, a prática duma ascese adaptada às situações em que se encontra, a obediência aos mandamentos divinos, a prática das virtudes morais e a fidelidade à oração. «A continência, na verdade, recolhe-nos e reconduz-nos àquela unidade que tínhamos perdido, dispersando-nos na multiplicidade» (Santo Agostinho, Confissões, 10, 29, 40: CCL 27, 176 (PL 32. 796)).

2341. A virtude da castidade gira na órbita da virtude cardial da temperança, a qual visa impregnar de razão as paixões e os apetites da sensibilidade humana.

2342. O domínio de si é uma obra de grande fôlego. Nunca poderá considerar-se total e definitivamente adquirido. Implica um esforço constantemente retomado, em todas as idades da vida (Cf. Tt. 2, 1-6); mas o esforço requerido pode ser mais intenso em certas épocas, como quando se forma a personalidade, durante a infância e a adolescência.

2343. A castidade conhece leis de crescimento e passa por fases marcadas pela imperfeição, muitas vezes até pelo pecado. O homem virtuoso e casto «constrói-se dia a dia com as suas numerosas decisões livres. Por isso, conhece, ama e cumpre o bem moral segundo fases de crescimento» (João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 34: AAS 74 (1982) 123).

2344. A castidade representa uma tarefa eminentemente pessoal; implica também um esforço cultural, porque existe «interdependência entre o desenvolvimento da pessoa e o da própria sociedade» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 25: AAS 58 (1966) 1045). A castidade pressupõe o respeito pelos direitos da pessoa, particularmente o de receber uma informação e educação que respeitem as dimensões morais e espirituais da vida humana.

2345. A castidade é uma virtude moral. Mas é também um dom de Deus, uma graça, um fruto do trabalho espiritual (Cf. Gl. 5. 22-23). O Espírito Santo concede a graça de imitar a pureza de Cristo (Cf. 1ª Jo. 3, 3) àquele que regenerou pela água do Batismo.

A INTEGRALIDADE DO DOM DE SI

2346. A caridade é a forma de todas as virtudes. Sob a sua influência, a castidade aparece como uma escola de doação da pessoa. O domínio de si ordena-se para o dom de si. A castidade leva quem a pratica a tornar-se, junto do próximo, testemunha da fidelidade e da ternura de Deus.

2347. A virtude da castidade expande-se na amizade. Indica ao discípulo o modo de seguir e imitar aquele que nos escolheu como seus próprios amigos (Cf. Jo. 15, 15), que se deu totalmente a nós e nos faz participar da sua condição divina. A castidade é promessa de imortalidade.

A castidade exprime-se especialmente na amizade para com o próximo. Desenvolvida entre pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, a amizade representa um grande bem para todos. Conduz à comunhão espiritual.

OS DIVERSOS REGIMES DA CASTIDADE

2348. Todo o batizado é chamado à castidade. O cristão «revestiu-se de Cristo» (Cf. Gl 3, 27), modelo de toda a castidade. Todos os fiéis de Cristo são chamados a levar uma vida casta, segundo o seu estado de vida particular. No momento do seu Batismo, o cristão comprometeu-se a orientar a sua afetividade na castidade.

2349. «A castidade deve qualificar as pessoas segundo os seus diferentes estados de vida: uns, na virgindade ou celibato consagrado, forma eminente de se entregarem mais facilmente a Deus com um coração indiviso: outros, do modo que a lei moral para todos determina, e conforme são casados ou solteiros» (Congregação da Doutrina da Fé,  Decl. Persona humana, 11: AAS 68 (1976) 90-91). As pessoas casadas são chamadas a viver a castidade conjugal; as outras praticam a castidade na continência:

- «existem três formas da virtude da castidade: uma, das esposas: outra, das viúvas; a terceira, da virgindade. Não louvamos uma com exclusão das outras. [...] É nisso que a disciplina da Igreja é rica» (Santo Ambrósio, De viduis 23: Sancti Ambrosii Episcopi Mediolanensis opera, v. 14/1 (Milano-Roma 1989), p. 266 (PL 16, 241-242)).

2350. Os noivos são chamados a viver a castidade na continência. Eles farão, neste tempo de prova, a descoberta do respeito mútuo, a aprendizagem da fidelidade e da esperança de se receberem um ao outro de Deus. Reservarão para o tempo do matrimónio as manifestações de ternura específicas do amor conjugal. Ajudar-se-ão mutuamente a crescer na castidade.

AS OFENSAS À CASTIDADE

2351. A luxúria é um desejo desordenado ou um gozo desregrado de prazer venéreo. O prazer sexual é moralmente desordenado quando procurado por si mesmo, isolado das finalidades da procriação e da união.

2352. Por masturbação entende-se a excitação voluntária dos órgão genitais, para daí retirar um prazer venéreo. «Na linha duma tradição constante, tanto o Magistério da Igreja como o sentido moral dos fiéis têm afirmado sem hesitação que a masturbação é um ato intrínseca e gravemente desordenado». «Seja qual for o motivo, o uso deliberado da faculdade sexual fora das normais relações conjugais contradiz a finalidade da mesma». O prazer sexual é ali procurado fora da «relação sexual requerida pela ordem moral, que é aquela que realiza, no contexto dum amor verdadeiro, o sentido integral da doação mútua e da procriação humana» (Congregação da Doutrina da Fé, Decl. Persona humana, 9: AAS 68 (1976) 86).

Para formar um juízo justo sobre a responsabilidade moral dos sujeitos, e para orientar a ação pastoral, deverá ter-se em conta a imaturidade afetiva, a força de hábitos contraídos, o estado de angústia e outros fatores psíquicos ou sociais que podem atenuar, ou até reduzir ao mínimo, a culpabilidade moral.

2353. A fornicação é a união carnal fora do matrimónio entre um homem e uma mulher livres. É gravemente contrária à dignidade das pessoas e da sexualidade humana, naturalmente ordenada para o bem dos esposos, assim como para a geração e educação dos filhos. Além disso, é um escândalo grave, quando há corrupção dos jovens.

2354. A pornografia consiste em retirar os atos sexuais, reais ou simulados, da intimidade dos parceiros, para os exibir a terceiras pessoas, de modo deliberado. Ofende a castidade, porque desnatura o ato conjugal, doação íntima dos esposos um ao outro. É um grave atentado contra a dignidade das pessoas intervenientes (atores, comerciantes, público), uma vez que cada um se torna para o outro objeto dum prazer vulgar e dum lucro ilícito. E faz mergulhar uns e outros na ilusão dum mundo fictício. É pecado grave. As autoridades civis devem impedir a produção e a distribuição de material pornográfico.

2355. A prostituição é um atentado contra a dignidade da pessoa que se prostitui, reduzida ao prazer venéreo que dela se tira. Quem paga, peca gravemente contra si mesmo: quebra a castidade a que o obriga o seu Batismo e mancha o seu corpo, que é templo do Espírito Santo (Cf. 1ª Cor. 6, 15-20). A prostituição constitui um flagelo social. Envolve habitualmente mulheres, mas também homens, crianças ou adolescentes (nestes dois últimos casos, o pecado duplica com o escândalo). É sempre gravemente pecaminoso entregar-se à prostituição; mas a miséria, a chantagem e a pressão social podem atenuar a imputabilidade do pecado.

2356. A violação designa a entrada na intimidade sexual duma pessoa à força, com violência. É um atentado contra a justiça e a caridade. A violação ofende profundamente o direito de cada um ao respeito, à liberdade e à integridade física e moral. Causa um prejuízo grave, que pode marcar a vítima para toda a vida. É sempre um ato intrinsecamente mau. É mais grave ainda, se cometido por parentes próximos (incesto) ou por educadores contra crianças a eles confiadas.

CASTIDADE E HOMOSSEXUALIDADE

2357 A homossexualidade designa as relações entre homens ou mulheres, que experimentam uma atracção sexual exclusiva ou predominante para pessoas do mesmo sexo. Tem-se revestido de formas muito variadas, através dos séculos e das culturas. A sua génese psíquica continua em grande parte por explicar. Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves (Cf. Gn. 19, 1-29; Rm. 1, 24-27; 1ª Cor. 6, 9-10; 1ª Tm. 1, 10) a Tradição sempre declarou que «os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados» (Congregação da Doutrina da Fé, Decl. Persona humana, 8: AAS 68 (1976) 95). São contrários à lei natural, fecham o ato sexual ao dom da vida, não procedem duma verdadeira complementaridade afetiva sexual, não podem, em caso algum, ser aprovados.

2358. Um número considerável de homens e de mulheres apresenta tendências homossexuais profundamente radicadas. Esta propensão, objetivamente desordenada, constitui, para a maior parte deles, uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar na sua vida a vontade de Deus e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar devido à sua condição.

2359. As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes do autodomínio, educadoras da liberdade interior, e, às vezes, pelo apoio duma amizade desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem aproximar-se, gradual e resolutamente, da perfeição cristã.

III. O amor dos esposos

2360. A sexualidade ordena-se para o amor conjugal do homem e da mulher. No matrimónio, a intimidade corporal dos esposos torna-se sinal e penhor de comunhão espiritual. Entre os batizados, os laços do matrimónio são santificados pelo sacramento.

2361. «A sexualidade, mediante a qual o homem e a mulher se dão um ao outro com os atos próprios e exclusivos dos esposos, não é algo de puramente biológico, mas diz respeito à pessoa humana como tal, no que ela tem de mais íntimo. Esta só se realiza de maneira verdadeiramente humana se for parte integrante do amor com o qual homem e mulher se comprometem totalmente um para com o outro até à morte» (João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 11: AAS 74 (1982) 92).

«Tobias ergueu-se do leito e disse [...] [a Sara]: "irmã, levanta-te; vamos orar ao Senhor e pedir-lhe que nos conceda a sua misericórdia e salvação". Levantaram-se ambos e puseram-se a orar e a implorar que lhes fosse enviada a salvação, dizendo: "bendito sejas, Deus dos nossos pais [...]. Tu criaste Adão e deste-lhe Eva, sua esposa, como amparo valioso, e de ambos procedeu o género humano. Com efeito, disseste: 'não é bom que o homem esteja só; façamos-lhe uma auxiliar semelhante a ele'. Agora, Senhor, Tu bem sabes que não é por luxúria que agora tomo por esposa esta minha irmã, mas é com intenção pura. Permite, pois, que eu e ela encontremos misericórdia e cheguemos juntos à velhice» (Tb. 8, 4-9).

2362. «Os atos pelos quais os esposos se unem íntima e castamente são honestos e dignos; realizados de modo autenticamente humano, exprimem e alimentam a mútua entrega pela qual se enriquecem um ao outro com alegria e gratidão» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 49: AAS 58 (1966) 1070). A sexualidade é fonte de alegria e de prazer:

- «foi o próprio Criador Quem [...] estabeleceu que, nesta função [da geração], os esposos experimentassem prazer e satisfação do corpo e do espírito. Portanto, os esposos não fazem nada de mal ao procurar este prazer e gozar dele. Aceitam o que o Criador lhes destinou. No entanto, devem saber manter-se dentro dos limites duma justa moderação» (Pio XII, Alocução aos participantes no Congresso da União Católica Italiana de Obstetras (29 de outubro de 1951): AAS 43 (1951) 851).

 2363. Pela união dos esposos realiza-se o duplo fim do matrimónio: o bem dos próprios esposos e a transmissão da vida. Não podem separar-se estes dois significados ou valores do matrimónio sem alterar a vida espiritual do casal nem comprometer os bens do matrimónio e o futuro da família.

O amor conjugal do homem e da mulher está, assim, colocado sob a dupla exigência da fidelidade e da fecundidade.

A FIDELIDADE CONJUGAL

2364. Ambos os esposos constituem «uma íntima comunidade de vida e de amor, fundada pelo Criador e por Ele dotada de leis próprias». Esta comunidade «é instaurada pela aliança conjugal, ou seja, por um irrevogável consentimento pessoal» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 48: AAS 58 (1966) 1067). Os dois entregam-se, definitiva e totalmente, um ao outro. Doravante, já não são dois, mas uma só carne. A aliança livremente contraída pelos esposos impõe-lhes a obrigação de a manter una e indissolúvel (Cf. CIC can. 1056). «O que Deus uniu, não o separe o homem» (Mc. 10, 9) (Cf. Mt. 19, 1-12; 1ª Cor. 7, 10-11).

2365. A fidelidade exprime a constância em manter a palavra dada. Deus é fiel. O sacramento do matrimónio introduz o homem e a mulher na fidelidade de Cristo à sua Igreja. Pela castidade conjugal, eles dão testemunho deste mistério perante o mundo.

São João Crisóstomo sugere aos jovens casados que façam este discurso às suas esposas: «tomei-te nos meus braços, amo-te e prefiro-te à minha própria vida. Porque a vida presente não é nada e o meu sonho mais ardente é passá-la contigo, de tal maneira que tenhamos a certeza de não ser separados naquela que nos está reservada [...]. Eu ponho o teu amor acima de tudo, e nada me seria mais penoso do que não ter os mesmos pensamentos que tu» (São João Crisóstomo, In epistulam ad Ephesios, homilia 20, 8: PG 62, 146-147).

A FECUNDIDADE DO MATRIMÓNIO

2366. A fecundidade é um dom, uma finalidade do matrimónio, porque o amor conjugal tende naturalmente a ser fecundo. O filho não vem de fora juntar-se ao amor mútuo dos esposos; surge no próprio coração deste dom mútuo, do qual é fruto e complemento. Por isso, a Igreja, que «toma partido pela vida» (João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 30: AAS 74 (1982) 116), ensina que «todo o ato matrimonial deve, por si estar aberto à transmissão da vida» (Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 11: AAS 60 (1968) 488). «Esta doutrina, muitas vezes exposta pelo Magistério, funda-se sobre o nexo indissolúvel estabelecido por Deus e que o homem não pode quebrar por sua iniciativa, entre os dois significados inerentes ao ato conjugal: união e procriação» (Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 12: AAS 60 (1968) 488; cf. Pio XI, Enc. Casti connubii: DS 3717).

2367. Chamados a dar a vida, os esposos participam do poder criador e da paternidade de Deus (Cf. Ef. 3, 14-15; Mt. 23, 9). «No dever de transmitir e educar a vida humana - dever que deve ser considerado como a sua missão própria - saibam os esposos que são cooperadores do amor de Deus e como que os seus intérpretes. Cumprirão, pois, esta missão, com responsabilidade humana e cristã» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 50: AAS 58 (1966) 1071).

2368. Um aspecto particular desta responsabilidade diz respeito à regulação da procriação. Os esposos podem querer espaçar o nascimento dos seus filhos por razões justificadas (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 50: AAS 58 (1966) 1071). Devem, porém, verificar se tal desejo não procede do egoísmo, e se está de acordo com a justa generosidade duma paternidade responsável. Além disso, regularão o seu comportamento segundo os critérios objetivos da moralidade:

- «quando se trata de conciliar o amor conjugal com a transmissão responsável da vida, a moralidade do comportamento não depende apenas da sinceridade da intenção e da apreciação dos motivos; deve também determinar-se por critérios objetivos, tomados da natureza da pessoa e dos seus atos; critérios que respeitem, num contexto de autêntico amor, o sentido da mútua doação e da procriação humana. Tudo isto só é possível, se se cultivar sinceramente a virtude da castidade conjugal» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 51: AAS 58 (1966) 1072).

2369. «É salvaguardando estes dois aspectos essenciais, união e procriação, que o ato conjugal conserva integralmente o sentido de mútuo e verdadeiro amor e a sua ordenação para a altíssima vocação do homem para a paternidade» (Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 12: AAS 60 (1968) 489).

2370. A continência periódica, os métodos de regulação dos nascimentos baseados na auto-observação e no recurso aos períodos infecundos (Cf. Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 16: AAS 60 (1968) 491-492), são conformes aos critérios objetivos da moralidade. Estes métodos respeitam o corpo dos esposos, estimulam a ternura entre eles e favorecem a educação duma liberdade autêntica. Em contrapartida, é intrinsecamente má «qualquer ação que, quer em previsão do ato conjugal, quer durante a sua realização, quer no desenrolar das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação» (Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 14: AAS 60 (1968) 490).

- «À linguagem que exprime naturalmente a doação recíproca e total dos esposos, a contracepção opõe uma linguagem objetivamente contraditória, segundo a qual já não se trata de se darem totalmente um ao outro. Daí deriva, não somente a recusa positiva da abertura à vida, mas também uma falsificação da verdade interna do amor conjugal, chamado a ser um dom da pessoa toda. [...] Esta diferença antropológica e moral, entre a contracepção e o recurso aos ritmos periódicos, implica dois conceitos de pessoa e de sexualidade humana irredutíveis um ao outro» (João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 32: AAS 74 (1982) 119-120).

2371. «Aliás, todos devem ter bem presente que a vida humana e a missão de a transmitir não se limitam aos horizontes deste mundo, nem podem ser medidas ou compreendidas unicamente em função dele, mas estão sempre relacionadas com o destino eterno do homem» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 51: AAS 58 (1966) 1073).

2372. O Estado é responsável pelo bem-estar dos cidadãos. A tal título, é legítimo que intervenha para orientar o crescimento da população. Pode fazê-lo mediante uma informação objetiva e respeitosa, não, porém com imposições autoritárias e obrigatórias. O Estado não pode legitimamente substituir-se à iniciativa dos esposos, primeiros responsáveis pela procriação e educação dos seus filhos (Cf. Paulo VI, Enc. Populorum progressio, 37: AAS 59 (1967) 275-276; Id., Enc. Humanae vitae, 23: AAS 60 (1968) 497-498). Neste domínio, não tem autoridade para intervir com medidas contrárias à lei moral.

O DOM DO FILHO

2373. A Sagrada Escritura e a prática tradicional da Igreja veem nas famílias numerosas um sinal da bênção divina e da generosidade dos pais (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 50: AAS 58 (1966) 1071).

2374. É grande o sofrimento dos casais que descobrem que são estéreis. «Que me dareis, Senhor Deus» - pergunta Abraão a Deus. «vou-me sem filhos...» (Gn. 15, 2). - «Dá-me filhos ou então morro» - grita Raquel ao seu marido Jacob (Gn. 30, 1).

2375. As pesquisas que se destinam a reduzir a esterilidade humana devem ser encorajadas, com a condição de serem colocadas «ao serviço da pessoa humana, dos seus direitos inalienáveis e do seu bem verdadeiro e integral, em conformidade com o projeto e a vontade de Deus» (Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, Introductio, 2: AAS 80 (1988) 73).

2376. As técnicas que provocam a dissociação dos progenitores pela intervenção duma pessoa estranha ao casal (dádiva de esperma ou ovócito, empréstimo de útero) são gravemente desonestas. Estas técnicas (inseminação e fecundação artificial heteróloga) lesam o direito do filho a nascer dum pai e duma mãe seus conhecidos e unidos entre si pelo casamento. E atraiçoam «o direito exclusivo a não serem nem pai nem mãe senão um pelo outro» (Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 2, 1: AAS 80 (1988) 87).

2377. Praticadas no seio do casal, estas técnicas (inseminação e fecundação artificial homóloga) são talvez menos prejudiciais, mas continuam moralmente inaceitáveis. Dissociam o ato sexual do ato procriador. O ato fundador da existência do filho deixa de ser um ato pelo qual duas pessoas se dão uma à outra, e «remete a vida e a identidade do embrião para o poder dos médicos e biólogos. Instaurando o domínio da técnica sobre a origem e destino da pessoa humana. Tal relação de domínio é, de si, contrária à dignidade e à igualdade que devem ser comuns aos pais e aos filhos» (Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 2, 5: AAS 80 (1988) 93). «A procriação é moralmente privada da sua perfeição própria, quando não é querida como fruto do ato conjugal, isto é, do gesto específico da união dos esposos. [...] Só o respeito pelo laço que existe entre os significados do ato conjugal e o respeito pela unidade do ser humano permite uma procriação conforme à dignidade da pessoa» (Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 2, 4: AAS 80 (1988) 91).

2378. O filho não é uma dívida, é uma dádiva. O «dom mais excelente do matrimónio» é uma pessoa humana. O filho não pode ser considerado como objeto de propriedade, conclusão a que levaria o reconhecimento dum pretenso «direito ao filho». Neste domínio, só o filho é que possui verdadeiros direitos: o de «ser fruto do ato específico do amor conjugal dos seus pais, e também o de ser respeitado como pessoa desde o momento da sua concepção» (Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 2, 8: AAS 80 (1988) 97).

2379. O Evangelho mostra que a esterilidade física não é um mal absoluto. Os esposos que, depois de esgotados os recursos médicos legítimos, sofrem de infertilidade, associar-se-ão à cruz do Senhor, fonte de toda a fecundidade espiritual. Podem mostrar a sua generosidade adotando crianças abandonadas ou realizando serviços significativos em favor do próximo.

IV. As ofensas à dignidade do matrimónio

2380. O adultério. É o termo que designa a infidelidade conjugal. Quando dois parceiros, dos quais pelo menos um é casado, estabelecem entre si uma relação sexual, mesmo efémera, cometem adultério. Cristo condena o adultério, mesmo de simples desejo (Cf. Mt. 5, 27-28). O sexto mandamento e o Novo Testamento proíbem absolutamente o adultério (Cf. Mt. 5, 32; 19, 6; Mc. 10, 11-12; 1ª Cor. 6, 9-10). Os profetas denunciam-lhe a gravidade. E veem no adultério a figura do pecado da idolatria (Cf. Os. 2. 7; Jr. 5, 7; 13, 27).

2381. O adultério é uma injustiça. Aquele que o comete, falta aos seus compromissos. Viola o sinal da Aliança, que é o vínculo matrimonial, lesa o direito do outro cônjuge e atenta contra a instituição do matrimónio, violando o contrato em que assenta. Compromete o bem da geração humana e dos filhos que têm necessidade da união estável dos pais.

O DIVÓRCIO

2382. O Senhor Jesus insistiu na intenção original do Criador, que queria um matrimónio indissolúvel (Cf. Mt 5, 31-32; 19, 3-9; Mc 10, 9; Lc 16, 18; 1 Cor 7, 10-11). E ab-rogou as tolerâncias que se tinham infiltrado na antiga Lei (Cf. Mt. 19, 7-9).

Entre batizados, «o matrimónio rato e consumado não pode ser dissolvido por nenhum poder humano, nem por nenhuma causa, além da morte» (CIC can. 1141).

2383. A separação dos esposos, permanecendo o vínculo matrimonial, pode ser legítima em certos casos previstos pelo direito canónico (Cf. CIC can. 1151-1155).

Se o divórcio civil for a única maneira possível de garantir certos direitos legítimos, tais como o cuidado dos filhos ou a defesa do património, pode ser tolerado sem constituir falta moral.

2384. O divórcio é uma ofensa grave à lei natural. Pretende romper o contrato livremente aceite pelos esposos de viverem um com o outro até à morte. O divórcio é uma injúria contra a aliança da salvação, de que o matrimónio sacramental é sinal. O fato de se contrair nova união, embora reconhecida pela lei civil, aumenta a gravidade da ruptura: o cônjuge casado outra vez encontra-se numa situação de adultério público e permanente:

- «não é lícito ao homem, despedida a esposa, casar com outra; nem é legítimo que outro tome como esposa a que foi repudiada pelo marido» (São Basílio Magno, Moralia, regra 73: PG 31, 852).

2385. O carácter imoral do divórcio advém-lhe também da desordem que introduz na célula familiar e na sociedade. Esta desordem traz consigo prejuízos graves: para o cônjuge que fica abandonado; para os filhos, traumatizados pela separação dos pais e, muitas vezes, objeto de contenda entre eles; e pelo seu efeito de contágio, que faz dele uma verdadeira praga social.

2386. Pode acontecer que um dos cônjuges seja a vítima inocente do divórcio declarado pela lei civil; esse, então, não viola o preceito moral. Há uma grande diferença entre o cônjuge que sinceramente se esforçou por ser fiel ao sacramento do matrimónio e se vê injustamente abandonado, e aquele que, por uma falta grave da sua parte, destrói um matrimónio canonicamente válido (Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 84: AAS 74 (1982) 185).

OUTRAS OFENSAS À DIGNIDADE DO MATRIMÓNIO

2387. É compreensível o drama daquele que, desejoso de se converter ao Evangelho, se vê obrigado a repudiar uma ou mais mulheres com quem partilhou anos de vida conjugal. Contudo, a poligamia não está de acordo com a lei moral. «Opõe-se radicalmente à comunhão conjugal: porque nega, de modo direto, o desígnio de Deus, tal como nos foi revelado no princípio e é contrária à igual dignidade pessoal da mulher e do homem, os quais, no matrimónio, se dão um ao outro num amor total que, por isso mesmo, é único e exclusivo» (João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 19: AAS 74 (1982) 102; cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 47: AAS 58 (1966) 1067). O cristão que anteriormente foi polígamo é gravemente obrigado, por justiça, a honrar as obrigações contraídas para com as suas antigas mulheres e respectivos filhos.

2388. O incesto designa relações íntimas entre parentes ou afins, num grau que proíbe o matrimónio entre eles (Cf. Lv. 18, 7-20). São Paulo estigmatiza esta falta particularmente grave: «é voz corrente que existe entre vós um caso de imoralidade [...] ao ponto de certo homem viver com a mulher de seu pai! [...] Em nome do Senhor Jesus [...], que esse homem seja entregue a Satanás [...] para ruína do seu corpo» (1ª Cor. 5, 1. 4-5). O incesto corrompe as relações familiares e representa uma regressão à animalidade.

2389. Podem relacionar-se com o incesto os abusos sexuais cometidos por adultos em relação a crianças ou adolescentes confiados à sua guarda. Nesse caso a culpa é dupla por se tratar dum escandaloso atentado contra a integridade física e moral dos jovens, que assim ficarão marcados para toda a sua vida e duma violação da responsabilidade educativa.

2390. Há união livre quando homem e mulher recusam dar forma jurídica e pública a uma ligação que implica intimidade sexual.

A expressão é falaciosa: que pode significar uma união em que as pessoas não se comprometem uma para com a outra, testemunhando assim uma falta de confiança na outra, em si mesmas, ou no futuro?

A expressão tenta camuflar situações diferentes: concubinato, recusado matrimónio como tal, incapacidade de se ligar por compromissos a longo prazo (Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 81: AAS 74 (1982) 181-182). Todas estas situações ofendem a dignidade do matrimónio; destroem a própria ideia de família; enfraquecem o sentido da fidelidade. São contrárias à lei moral: o ato sexual deve ter lugar exclusivamente no matrimónio; fora dele constitui sempre um pecado grave e exclui da comunhão sacramental.

2391. Hoje em dia, há muitos que reclamam uma espécie de «direito à experiência», quando há intenção de contrair matrimónio. Seja qual for a firmeza do propósito daqueles que enveredam por relações sexuais prematuras, «estas não permitem assegurar que a sinceridade e a fidelidade da relação interpessoal dum homem e duma mulher fiquem a salvo nem, sobretudo, que esta relação fique protegida de volubilidade dos desejos e dos caprichos» (Congregação da Doutrina da Fé, Decl. Persona humana, 7: AAS 68 (1976) 82). A união carnal só é legítima quando se tiver instaurado uma definitiva comunidade de vida entre o homem e a mulher. O amor humano não tolera o «ensaio». Exige o dom total e definitivo das pessoas entre si (Cf. João Paulo, Ex. ap. Familiaris consortio, 80: AAS 74 (1982) 180-181).

Resumindo:

2392. «O amor é a vocação fundamental e inata de todo o ser humano» (João Paulo II, Ex. ap. Familiares consortio, 11: AAS 74 (1982) 92).

2393. Ao criar o ser humano homem e mulher, Deus conferiu a dignidade pessoal, de igual modo, a um e a outra. Compete a cada um, homem e mulher, reconhecer e aceitar a sua identidade sexual.

2394. Cristo é o modelo da castidade. Todo o batizado é chamado a levar uma vida casta, cada um segundo o seu próprio estado de vida.

2395. A castidade significa a integração da sexualidade na pessoa. Implica a aprendizagem do autodomínio.

2396. Entre os pecados gravemente contrários à castidade, devem citar-se: a masturbação, a fornicação, a pornografia e as práticas homossexuais.

2397. A aliança livremente contraída pelos esposos implica um amor fiel. Ele impõe-lhes a obrigação de guardar indissolúvel o seu matrimónio.

2398. A fecundidade é um bem, um dom, uma finalidade do matrimónio. Dando a vida, os esposos participam da paternidade de Deus.

2399. A regulação dos nascimentos representa um dos aspectos da paternidade e da maternidade responsáveis. A legitimidade das intenções dos esposos não justifica o recurso a meios moralmente inadmissíveis (por exemplo, a esterilização direta ou a contracepção).

2400. O adultério e o divórcio, a poligamia e a união livre são ofensas graves à dignidade do matrimónio.

ARTIGO 7

O SÉTIMO MANDAMENTO

«Não furtarás» (Ex. 20, 15) (Cf. Dt. 5. 19).
«Não roubarás» (Mt 19, 18).

2401. O sétimo mandamento proíbe tomar ou reter injustamente o bem do próximo e prejudicá-lo nos seus bens, seja como for. Prescreve a justiça e a caridade na gestão dos bens terrenos e do fruto do trabalho dos homens. Exige, em vista do bem comum, o respeito pelo destino universal dos bens e pelo direito à propriedade privada. A vida cristã esforça-se por ordenar para Deus e para a caridade fraterna os bens deste mundo.

I. O destino universal e a propriedade privada dos bens

2402. No princípio, Deus confiou a terra e os seus recursos à gestão comum da humanidade, para que dela cuidasse, a dominasse pelo seu trabalho e gozasse dos seus frutos (Cf. Gn. 1, 26-29). Os bens da criação são destinados a todo o género humano. No entanto, a terra foi repartida entre os homens para garantir a segurança da sua vida, exposta à penúria e ameaçada pela violência. A apropriação dos bens é legítima, para garantir a liberdade e a dignidade das pessoas, e para ajudar cada qual a ocorrer às suas necessidades fundamentais e às necessidades daqueles que tem a seu cargo. Tal apropriação deve permitir que se manifeste a solidariedade natural entre os homens.

2403. O direito à propriedade privada, adquirida ou recebida de maneira justa, não anula a doação original da terra à humanidade no seu conjunto. O destino universal dos bens continua a ser primordial, embora a promoção do bem comum exija o respeito pela propriedade privada, do direito a ela e do respectivo exercício.

2404. «Quem usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores, que legitimamente possui, só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar, não só a si, mas também aos outros» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 69: AAS 58 (1966) 1090). A propriedade dum bem faz do seu detentor um administrador da providência de Deus, com a obrigação de o fazer frutificar e de comunicar os seus benefícios aos outros, a começar pelos seus próximos.

2405. Os bens de produção - materiais ou imateriais - como terras ou fábricas, com­petências ou artes, requerem os cuidados dos seus possuidores, para que a sua fecundidade aproveite ao maior número. Os detentores dos bens de uso e de consumo devem utilizá-los com moderação, reservando a melhor parte para o hóspede, o doente, o pobre.

2406. A autoridade política tem o direito e o dever de regular, em função do bem comum, o exercício legítimo do direito de propriedade (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 71. AAS 58 (1966) 1093.; João Paulo II. Enc. Sollicitudo rei socialis, 42: AAS 80 (1988) 572-574; Id. Enc. Centesimus annus, 40: AAS 83 (1991) 843, Ibid., 48: AAS 83 (1991) 852-854)

II. O respeito pelas pessoas e seus bens

2407. Em matéria económica, o respeito pela dignidade humana exige a prática da virtude da temperança, para moderar o apego aos bens deste mundo; da virtude da justiça, para acautelar os direitos do próximo e dar-lhe o que lhe é devido; e da solidariedade, segundo a regra de ouro e conforme a liberalidade do Senhor, que «sendo rico Se fez pobre, para nos enriquecer com a sua pobreza» (Cf. 2ª Cor. 8, 9)

O RESPEITO PELOS BENS ALHEIOS

2408. O sétimo mandamento proíbe o roubo, isto é, a usurpação do bem alheio, contra a vontade razoável do seu proprietário. Não há roubo quando o consentimento se pode presumir ou a recusa é contrária à razão e ao destino universal dos bens. É o caso da necessidade urgente e evidente, em que o único meio de remediar necessidades imediatas e essenciais (alimento, abrigo, vestuário...) é dispor e usar dos bens alheios (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 69: AAS 58 (1966) 1090-1091).

2409. Todo o processo de se apoderar e de reter injustamente o bem alheio, mesmo que não esteja em desacordo com as disposições da lei civil, é contrário ao sétimo mandamento. Assim, reter deliberadamente bens emprestados ou objetos perdidos; cometer fraude no comércio (Cf. Dt. 25, 13-16); pagar salários injustos (Cf. Dt. 24, 14-15; Tg. 5, 4); subir os preços especulando com a ignorância ou a necessidade dos outros (Cf. Am. 8, 4-6).

São também processos moralmente ilícitos: a especulação pela qual se manobra no sentido de fazer variar artificialmente a avaliação dos bens, com vista a daí tirar vantagem em detrimento de outrem; a corrupção, pela qual se desvia o juízo daqueles que devem tomar decisões segundo o direito; a apropriação e o uso privado de bens sociais duma empresa; os trabalhos mal executados, a fraude fiscal, a falsificação de cheques e faturas, as despesas excessivas, o desperdício. Causar voluntariamente um prejuízo em propriedades privadas ou públicas é contra a lei moral e exige reparação.

2410. As promessas devem ser cumpridas e os contratos rigorosamente observados, desde que o compromisso assumido seja moralmente justo. Grande parte da vida económica e social depende da validade dos contratos entre pessoas físicas ou morais. Por exemplo, os contratos comerciais de compra e venda, os contratos de arrendamento ou de trabalho. Todo o contrato deve ser convencionado e executado de boa-fé.

2411. Os contratos estão sujeitos à justiça comutativa, que regula as permutas entre as pessoas e entre as instituições no exato respeito pelos seus direitos. A justiça comutativa obriga estritamente; exige a salvaguarda dos direitos de propriedade, o pagamento das dívidas e a prestação das obrigações livremente contraídas. Sem a justiça comutativa, nenhuma outra forma de justiça é possível.

A justiça comutativa distingue-se da justiça legal, a qual diz respeito ao que o cidadão equitativamente deve à comunidade, e da justiça distributiva, que regula o que a comunidade deve aos cidadãos, proporcionalmente às suas contribuições e às suas necessidades.

2412. Em virtude da justiça comutativa, a reparação da injustiça cometida exige a restituição do bem roubado ao seu proprietário:

Jesus louvou Zaqueu pelo seu compromisso: «Se causei qualquer prejuízo a alguém, restituir-lhe-ei quatro vezes mais» (Lc. 19, 8). Aqueles que, de maneira direta ou indireta, se apoderaram de um bem alheio, estão obrigados a restituí-lo, ou a dar o equivalente em natureza ou espécie, se a coisa desapareceu, assim como os frutos e vantagens que o seu dono teria legitimamente auferido. Estão igualmente obrigados a restituir, na proporção da sua responsabilidade e do seu proveito, todos aqueles que de qualquer modo participaram no roubo ou dele se aproveitaram com conhecimento de causa; por exemplo, aqueles que o ordenaram, o ajudaram ou o ocultaram.

2413. Os jogos de azar (jogo de cartas, etc.) e as apostas não são, em si mesmos, contrários à justiça. Mas tornam-se moralmente inaceitáveis, quando privam a pessoa do que lhe é necessário para as suas necessidades e as de outrem. A paixão do jogo pode tornar-se uma grave servidão. Apostar injustamente ou fazer batota nos jogos constitui matéria grave, a menos que o prejuízo causado seja tão leve que quem o sofre não possa razoavelmente considerá-lo significativo.

2414. O sétimo mandamento proíbe os atos ou empreendimentos que, seja por que motivo for - egoísta ou ideológico, mercantil ou totalitário - conduzam a escravizar seres humanos, a desconhecer a sua dignidade pessoal, a comprá-los, vendê-los e trocá-los como mercadoria. É um pecado contra a dignidade das pessoas e seus direitos fundamentais reduzi-las, pela violência, a um valor utilitário ou a uma fonte de lucro. São Paulo ordenava a um amo cristão que tratasse o seu escravo, também cristão, «não já como escravo, mas como irmão [...], tanto humanamente como no Senhor» (Flm. 16).

O RESPEITO PELA INTEGRIDADE DA CRIAÇÃO

2415. O sétimo mandamento exige o respeito pela integridade da criação. Os animais, tal como as plantas e os seres inanimados, são naturalmente destinados ao bem comum da humanidade, passada, presente e futura (Cf. Gn. 1, 28-31) O uso dos recursos minerais, vegetais e animais do universo não pode ser desvinculado do respeito pelas exigências morais. O domínio concedido pelo Criador ao homem sobre os seres inanimados e os outros seres vivos, não é absoluto, mas regulado pela preocupação da qualidade de vida do próximo, inclusive das gerações futuras; exige um respeito reli­gioso pela integridade da criação (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 37-38: AAS 83 (1991) 840-841).

2416. Os animais são criaturas de Deus. Deus envolve-os na sua solicitude providencial
(Cf. Mt. 6, 26). Pelo simples fato de existirem, eles O bendizem e lhe dão glória (Cf. Dn. 3, 79-81). Por isso, os homens devem estimá-los. É de lembrar com que delicadeza os santos, como São Francisco de Assis ou São Filipe de Néri, tratavam os animais.

2417. Deus confiou os animais ao governo daquele que foi criado à Sua imagem (Cf. Gn. 2, 19-20; 9, 1-4). É, portanto, legítimo servimo-nos dos animais para a alimentação e para a confecção do vestuário. Podemos domesticá-los para que sirvam o homem nos seus trabalhos e lazeres. As experiências médicas e científicas em animais são práticas moralmente admissíveis desde que não ultrapassem os limites do razoável e contribuam para curar ou poupar vidas humanas.

2418. É contrário à dignidade humana fazer sofrer inutilmente os animais e dispor indiscriminadamente das suas vidas. É igualmente indigno gastar com eles somas que deveriam, prioritariamente, aliviar a miséria dos homens. Pode-se amar os animais, mas não deveria desviar-se para eles o afeto só devido às pessoas.

III. A doutrina social da Igreja

2419. «A Revelação cristã conduz [...] a uma inteligência mais penetrante das leis da vida social» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 23: AAS 58 (1966) 1044). A Igreja recebe do Evangelho a revelação plena da verdade acerca do homem. Quando cumpre a sua missão de anunciar o Evangelho, a Igreja atesta ao homem, em nome de Cristo, a sua dignidade própria e a sua vocação para a comunhão das pessoas, e ensina-lhe as exigências da justiça e da paz, conformes à sabedoria divina.

2420. A Igreja emite um juízo moral em matéria económica e social, «quando os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigem» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 76: AAS 58 (1966) 1100). Na ordem da moralidade, ela exerce uma missão diferente da que concerne às autoridades políticas: a Igreja preocupa-se com os aspectos temporais do bem comum em razão da sua ordenação ao Bem soberano, nosso fim último. E esforça-se por inspirar as atitudes justas, no que respeita aos bens terrenos e às relações socioeconômicas.

2421. A doutrina social da Igreja desenvolveu-se no século XIX aquando do confronto do Evangelho com a sociedade industrial moderna, as suas novas estruturas para a produção de bens de consumo, o seu novo conceito de sociedade, de Estado e de autoridade, as suas novas formas de trabalho e de propriedade. O desenvolvimento da doutrina da Igreja em matéria económica e social comprova o valor permanente da doutrina da mesma Igreja, ao mesmo tempo que o verdadeiro sentido da sua Tradição, sempre viva e ativa (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 3: AAS 83 (1991) 794-796).

2422. O ensino social da Igreja inclui um corpo de doutrina que se vai articulando à medida que a mesma Igreja interpreta os acontecimentos no decurso da história à luz do conjunto da Palavra revelada por Cristo Jesus, com a assistência do Espírito Santo (Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 1: AAS 80 (1988) 513-514; Ibid., 41: AAS 80 (1988) 570-572). Este ensino torna-se tanto mais aceitável para os homens de boa vontade, quanto mais inspira o procedimento dos fiéis.

2423. A doutrina social da Igreja propõe princípios de reflexão, salienta critérios de julgamento e fornece orientações para a ação:

Todo o sistema, segundo o qual as relações sociais forem inteiramente determinadas pelos fatores económicos, é contrário à natureza da pessoa humana e dos seus atos (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 24: AAS 83 (1991) 821-822).

2424. Uma teoria que faça do lucro a regra exclusiva e o fim último da atividade económica, é moralmente inaceitável. O apetite desordenado do dinheiro não deixa de produzir os seus efeitos perversos e é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a ordem social (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 63: AAS 58 (1966) 1085; João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 7: AAS 73 (1981) 592-594: Id., Enc. Centesimus annus, 35: AAS 83 (1991) 836-838).

Um sistema que «sacrifique os direitos fundamentais das pessoas e dos grupos à organização coletiva da produção», é contrário à dignidade humana (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 65: AAS 58 (1966) 1087). Toda a prática que reduza as pessoas a não serem mais que simples meios com vista ao lucro, escraviza o homem, conduz à idolatria do dinheiro e contribui para propagar o ateísmo. «Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Mt. 6, 24; Lc. 16, 13).

2425. A Igreja rejeitou as ideologias totalitárias e ateias, associadas, nos tempos modernos, ao «comunismo» ou ao «socialismo». Por outro lado, recusou, na prática do «capitalismo», o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 10: AAS 83 (1991) 804-806; Ibid., 13: AAS 83 (1991) 809-810; Ibid., 44: AAS 83 (1991) 848-849). Regular a economia só pela planificação centralizada perverte a base dos laços sociais: regulá-la só pela lei do mercado é faltar à justiça social, «porque há numerosas necessidades humanas que não podem ser satisfeitas pelo mercado» (João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 34: AAS 83 (1991) 836). É necessário preconizar uma regulação racional do mercado e das iniciativas económicas, segundo uma justa hierarquia dos valores e tendo em vista o bem comum.

 IV. A atividade económica e a justiça social

2426. O desenvolvimento das atividades económicas e o crescimento da produção destinam-se a ocorrer às necessidades dos seres humanos. A vida económica não visa somente multiplicar os bens produzidos e aumentar o lucro ou o poder; ordena-se, antes de mais, para o serviço das pessoas, do homem integral e de toda a comunidade humana. Conduzida segundo métodos próprios, a atividade económica deve exercer-se dentro dos limites da ordem moral e segundo as normas da justiça social, a fim de corresponder ao desígnio de Deus sobre o homem (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 64: AAS 58 (1966) 1086).

2427. O trabalho humano procede imediatamente das pessoas criadas à imagem de Deus e chamadas a prolongar, umas com as outras, a obra da criação, dominando a terra (Cf. Gn. 1, 28; II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 34: AAS 58 (1966) 1052-1053; João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 31: AAS 83 (1991) 831-832). Portanto, o trabalho é um dever: «se algum de vós não quer trabalhar, também não coma» (2ª Ts. 3, 10) (Cf. 1ª Ts. 4, 11). O trabalho honra os dons do Criador e os talentos recebidos. Também pode ser redentor: suportando o que o trabalho tem de penoso (Cf. Gn. 3, 14-19) em união com Jesus, o artesão de Nazaré e crucificado do Calvário, o homem colabora, de certo modo, com o Filho de Deus na sua obra redentora. Mostra-se discípulo de Cristo, levando a cruz de cada dia na atividade que foi chamado a exercer (Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 27: AAS 73 (1981) 644-647). O trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrenas no Espírito de Cristo.

2428. No trabalho, a pessoa exerce e cumpre uma parte das capacidades inscritas na sua natureza. O valor primordial do trabalho pertence ao próprio homem, seu autor e destinatário. O trabalho é para o homem e não o homem para o trabalho (Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 6: AAS 73 (1981) 589-592).

Cada um deve poder tirar do trabalho os meios de subsistência, para si e para os seus, e a possibilidade de servir a comunidade humana.

2429. Cada um tem o direito de iniciativa económica e usará legitimamente os seus talentos, a fim de contribuir para uma abundância proveitosa a todos e recolher os justos frutos dos seus esforços. Mas terá o cuidado de se conformar com as regulamentações impostas pelas legítimas autoridades em vista do bem comum (Cf. João Paulo II, Enc. Centessimus annus, 32: AAS 83 (1991) 832-833: Ibid. 34: AAS 83 (1991) 835-836).

2430. A vida económica põe em causa interesses diversos, muitas vezes opostos entre si. Assim se explica a emergência dos conflitos que a caracterizam (Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 11: AAS 73 (1981) 602-605. 07). Todos devem esforçar-se por reduzir estes últimos através de uma negociação que respeite os direitos e deveres de todos os parceiros sociais: os responsáveis das empresas, os representantes dos assalariados (por exemplo, organizações sindicais) e, eventualmente, os poderes públicos.

2431. A responsabilidade do Estado. «A atividade económica, particularmente a da economia de mercado, não pode desenrolar-se num vazio institucional, jurídico e político. Pressupõe asseguradas as garantias das liberdades individuais e da propriedade, sem falar duma moeda estável e de serviços públicos eficientes. Mas o dever essencial do Estado é assegurar estas garantias, de modo que, quem trabalha, possa usufruir do fruto do seu trabalho e, portanto, se sinta estimulado a realizá-lo com eficiência e honestidade [...]. O Estado tem o dever de zelar e orientar a aplicação dos direitos humanos no sector económico. Todavia, neste domínio, a primeira responsabilidade não cabe ao Estado, mas sim às instituições e diferentes grupos e associações que compõem a sociedade» (João Paulo II, Enc. Centesimus annnus, 48: AAS 83 (1991) 852-853).

2432. Os responsáveis de empresas têm, perante a sociedade, a responsabilidade económica e ecológica das suas operações (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 37: AAS 83 (1991) 840). Estão obrigados a ter em consideração o bem das pessoas, e não somente o aumento dos lucros. Estes são necessários, pois permitem realizar investimentos que assegurem o futuro das empresas e garantam o emprego.

2433. O acesso ao trabalho e ao exercício da profissão deve ser aberto a todos sem descriminação injusta: homens e mulheres, sãos e deficientes, naturais e imigrados (Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 19: AAS 73 (1981) 625-629; Ibid., 22-23: AAS 73 (1981) 634-637). Por sua vez, a sociedade deve, nas diversas circunstâncias, ajudar os cidadãos a conseguir um trabalho e um emprego (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 48: AAS 83 (1991) 852-854).

2434. O salário justo é o fruto legítimo do trabalho. Recusá-lo ou retê-lo, pode constituir grave injustiça (Cf. Lv. 19, 13; Dt. 24, 14-15; Tg. 5, 4). Para calcular a remuneração equitativa, há que ter em conta, ao mesmo tempo, as necessidades de cada um e o contributo que presta. «Tendo em conta as funções e a produtividade de cada um, bem como a situação da empresa e o bem comum, o trabalho deve ser remunerado de maneira a assegurar ao homem e aos seus os recursos necessários para uma vida digna no plano material, social, cultural e espiritual» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 67: AAS 58 (1966) 1088-1089). O acordo das partes não basta para justificar moralmente o montante do salário.

2435. A greve é moralmente legítima, quando se apresenta como recurso inevitável, senão mesmo necessário, em vista dum benefício proporcionado. Mas torna-se moralmente inaceitável quando acompanhada de violências, ou ainda quando por feita com objetivos não diretamente ligados às condições de trabalho ou contrários ao bem comum.

2436. É injusto não pagar aos organismos de segurança social as quotas estabelecidas pelas autoridades legítimas.

O desemprego devido à falta de trabalho é, quase sempre, para quem dele é vítima, um atentado à sua dignidade e uma ameaça ao equilíbrio da vida. Para além do prejuízo pessoalmente sofrido, derivam dele numerosos riscos para a respectiva família (Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 18: AAS 73 (1981) 622-625).

V. Justiça e solidariedade entre as nações

2437. No plano internacional, a desigualdade dos recursos e meios económicos é tal que cava entre as nações um verdadeiro «fosso» (Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 14: AAS 80 (1988) 526-528) Dum lado, estão os que detêm e desenvolvem os meios do crescimento; do outro, os que acumulam dívidas.

2438. Diversas causas, de natureza religiosa, política, económica e financeira, conferem hoje «à questão social uma dimensão mundial» (João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 9: AAS 80 (1988) 520-521). A solidariedade é necessária entre nações cujas políticas já são interdependentes. E é ainda mais indispensável quando se trata de travar «mecanismos perversos» que contrariam o desenvolvimento dos países menos avançados (Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 17: AAS 80 (1988) 532-533; Ibid., 45: AAS 80 (1988) 577-578). Os sistemas financeiros abusivos, quando não usurários (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus aunus, 35: AAS 83 (1991) 836-838), as relações comerciais iníquas entre as nações, a corrida aos armamentos, têm de ser substituídos por um esforço comum para mobilizar os recursos em ordem a objetivos de desenvolvimento moral, cultural e económico, predefinindo as prioridades e as escalas de valores (João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 28: AAS 83 (1991) 828).

1439. As nações ricas têm uma grave responsabilidade moral em relação aquelas que não podem, por si mesmas, assegurar os meios do seu desenvolvimento ou disso foram impedidas por trágicos acontecimentos históricos. É um dever de solidariedade e caridade; é também uma obrigação de justiça, se o bem-estar das nações ricas provier de recursos que não foram equitativamente pagos.

2440. A ajuda direta constitui uma resposta apropriada a necessidades imediatas, extraordinárias, causadas, por exemplo, por catástrofes naturais, epidemias, etc. Mas não basta para reparar os graves prejuízos resultantes de situações de indigência nem para prover, de modo durável, às necessidades. É necessário também reformar as instituições económicas e financeiras internacionais, para que melhor promovam relações equitativas com os países menos avançados (Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 16: AAS 80 (1988) 531). É necessário apoiar o esforço dos países pobres, trabalhando pelo seu crescimento e pela sua libertação (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 26: AAS 83 (1991) 824-826). Esta doutrina deve ser aplicada de modo muito particular no domínio do trabalho agrícola. Os camponeses, sobretudo no terceiro mundo, formam a massa preponderante dos pobres.

2441. Aumentar o sentido de Deus e o conhecimento de si mesmo está na base de todo o desenvolvimento completo da sociedade humana. Este multiplica os bens materiais e põe-nos ao serviço da pessoa e da sua liberdade. Diminui a miséria e a exploração económicas. Faz crescer o respeito pelas identidades culturais e a abertura à transcendência (Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 32: AAS 80 (1988) 556-557; ID., Enc. Centesimus annus, 51: AAS 83 (1991) 856-857).

2442. Não compete aos pastores da Igreja intervir diretamente na construção política e na organização da vida social. Este papel faz parte da vocação dos fiéis leigos, agindo por sua própria iniciativa juntamente com os seus concidadãos. A ação social pode implicar uma pluralidade de caminhos concretos; mas deverá ter sempre em vista o bem comum e conformar-se a mensagem evangélica e o ensinamento da Igreja. Compete aos fiéis leigos «animar as realidades temporais com o seu compromisso cristão, comportando-se nelas como artífices da paz e da justiça» (João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 47: AAS 80 (1988) 582; cf. Ibid., 42: AAS 80 (1988) 572-574).

VI. O amor dos pobres

2443. Deus abençoa os que ajudam os pobres e reprova os que deles se afastam: «dá a quem te pede; não voltes as costas a quem pretende pedir-te emprestado» (Mt. 5, 42). «Recebestes gratuitamente; pois daí também gratuitamente» (Mt, 10, 8). É pelo que tiverem feito pelos pobres, que Jesus reconhecerá os seus eleitos
(Cf. Mt. 25, 31-36). Quando «a boa-nova é anunciada aos pobres» (Mt. 11, 5) (Cf. Lc. 4, 18), é sinal de que Cristo está presente.

2444. «O amor da Igreja pelos pobres [...] faz parte da sua constante tradição» (João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 57: AAS 83 (1991) 862-863). Esse amor inspira-se no Evangelho das bem-aventuranças (Cf. Lc. 6, 20-22), na pobreza de Jesus (Cf. Mt. 8, 20) e na sua atenção aos pobres (Cf. Mc. 12, 41-44). O amor dos pobres é mesmo um dos motivos do dever de trabalhar: para «poder fazer o bem, socorrendo os necessitados» (Cf. Ef. 4, 28). E não se estende somente à pobreza material, mas também às numerosas formas de pobreza cultural e religiosa (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 57: AAS 83 (1991) 863).

2445. O amor dos pobres é incompatível com o amor imoderado das riquezas ou com o uso egoísta das mesmas:

- «e agora, ó ricos, chorai em altos brados por causa das desgraças que virão sobre vós. As vossas riquezas estão podres e as vossas vestes roídas pela traça. O vosso oiro e a vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem servirá de testemunho contra vós e devorará a vossa carne como o fogo. Entesourastes, afinal, para os vossos últimos dias! Olhai que o salário que não pagastes aos trabalhadores que ceifaram os vossos campos está a clamar: e os clamores dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do universo! Tendes vivido na terra entregues ao luxo e aos prazeres, cevando assim os vossos apetites para o dia da matança! Condenastes e destes a morte ao inocente, e Deus não vai opor-se»? (Tg. 5, 1-6).

2446. São João Crisóstomo lembra com vigor: «não fazer os pobres participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos» (São João Crisóstomo, In Lazarum, concio 2, 6: PG 48, 992). «Satisfaçam-se, antes de mais, as exigências da justiça e não se ofereça como dom da caridade aquilo que é devido a título de justiça» (II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam actuositatem, 8: AAS 58 (1966) 845):

- «quando damos aos indigentes o que lhes é necessário, não lhes ofertamos o que é nosso: limitamos a restituir-lhes o que lhes pertence. Mais do que praticar uma obra de misericórdia, cumprimos um dever de justiça» (São Gregório Magno, Regula pastoralis, 3, 21, 45: SC 382, 394 (PL 77, 87)).

2447. As obras de misericórdia são as ações caridosas pelas quais vamos em ajuda do nosso próximo, nas suas necessidades corporais e espirituais (Cf. Is. 58, 6-7; Heb. 13, 3). Instruir, aconselhar, consolar, confortar, são obras de misericórdia espirituais, como perdoar e suportar com paciência. As obras de misericórdia corporais consistem nomeadamente em dar de comer a quem tem fome, albergar quem não tem teto, vestir os nus, visitar os doentes e os presos, sepultar os mortos (Cf. Mt. 25, 31-46). Entre estes gestos, a esmola dada aos pobres (Cf. Tb. 4, 5-11; Sir. 17, 18) é um dos principais testemunhos da caridade fraterna e também uma prática de justiça que agrada a Deus (Cf. Mt. 6, 2-4):

- «quem tem duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma, e quem tem mantimentos, faça o mesmo» (Lc. 3, 11). «Daí antes de esmola do que possuis, e tudo para vós ficará limpo» (Lc. 11, 41). «Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem do alimento quotidiano, e um de vós lhe disser: "ide em paz; tratai de vos aquecer e de matar a fome", mas não lhes der o que é necessário para o corpo, de que lhes aproveitará»? (Tg. 2, 15-16) (208).

2448. «Sob as suas múltiplas formas: indigência material, opressão injusta, doenças físicas e psíquicas, e finalmente a morte, a miséria humana é o sinal manifesto da condição congénita de fraqueza em que o homem se encontra desde o primeiro pecado e da necessidade que tem de salvação. Foi por isso que ela atraiu a compaixão de Cristo Salvador, que quis tomá-la sobre Si e identificar-Se com os "mais pequenos de entre os seus irmãos" (Mt. 25, 40-45). É por isso, os que se sentem acabrunhados por ela são objeto de um amor preferencial por parte da Igreja que, desde o princípio, apesar das falhas de muitos dos seus membros, nunca deixou de trabalhar por aliviá-los, defendê-los e libertá-los; fê-lo através de inúmeras obras de beneficência, que continuam indispensáveis, sempre e em toda a parte» (Congregação para a Doutrina da Fé, Instr. Libertatis conscientia, 68: AAS 79 (1987) 583).

2449. Desde o Antigo Testamento, toda a espécie de medidas jurídicas (ano de remissão, interdição de empréstimos a juros e da retenção dum penhor, obrigação do dízimo, pagamento quotidiano da jorna, direito de apanhar os restos da vindima e da ceifa) são uma resposta à exortação do Deuteronómio: «nunca faltarão os pobres na terra; por isso, faço-te esta recomendação: abre, abre a mão para o teu irmão, para o pobre e necessitado que estiver na tua terra» (Dt. 15, 1 l ). E Jesus faz sua esta palavra: «pobres, sempre os haveis de ter convosco; a Mim, nem sempre Me tereis» (Jo. 12, 8). Com isto não faz caducar a força dos oráculos antigos: «compraremos os necessitados por dinheiro e os pobres por um par de sandálias» (Am. 8, 6), mas convida-nos a reconhecer a sua presença na pessoa dos pobres que são seus irmãos (Cf. Mt. 25, 40):

No dia em que a sua mãe a repreendeu por manter em sua casa pobres e doentes. Santa Rosa de Lima respondeu-lhe: «quando servimos os pobres e os doentes, é a Jesus servimos. Não devemos cansar-nos de ajudar o nosso próximo, porque nele servimos a Jesus» (P. Hansen, Vita mirabilis [...] venerabilis sororis Rosae de sancta Maria Limensis (Romae 1664) p. 200).

Resumindo:

2450. «Não roubarás» (Dt. 5, 19). «Nem ladrões, nem gananciosos [...] nem salteadores herdarão o Reino de Deus» (1ª Cor. 6, 10).

2451. O sétimo mandamento prescreve a prática da Justiça e da caridade na gestão dos bens terrenos e dos frutos do trabalho dos homens.

2452. Os bens da criação são destinados a todo o género humano. O direito à propriedade privada não pode abolir o destino universal dos bens.

2453. O sétimo mandamento proíbe o roubo. O roubo é a usurpação de um bem de outrem contra a vontade razoável do proprietário.

2454. Todo o processo de tomar e usar injustamente um bem alheio é contrário ao sétimo mandamento. A injustiça cometida exige reparação. A justiça comutativa exige a restituição do bem roubado.

2455. A lei moral proíbe os atos que, com fins mercantis ou totalitários, conduzem a escravizar seres humanos, comprá-los, vendê-los e trocá-los como mercadoria.

2456. O domínio concedido pelo Criador sobre os recursos minerais, vegetais e animais do universo, não pode ser separado do respeito pelas obrigações morais, inclusivamente para com as gerações futuras.

2457. Os animais são confiados ao cuidado do homem, que lhes deve benevolência. Podem servir para a justa satisfação das necessidades do homem.

2458. A Igreja pronuncia-se em matéria económica e social, sempre que os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigem. Ela preocupa-se com o bem comum temporal dos homens, em razão da ordenação do mesmo ao soberano Bem, nosso último fim.

2459. O homem é o autor; o centro e o fim de toda a vida económica e social. O ponto decisivo da questão social é que os bens criados por Deus para todos, cheguem de facto a todos, segundo a justiça e com a ajuda da caridade.

2460. O valor primordial do trabalho diz respeito ao próprio homem, que dele é autor e destinatário. Mediante o seu trabalho, o homem participa na obra da criação. Unido a Cristo, o trabalho pode ser redentor.

2461. O verdadeiro desenvolvimento é o do homem integral. Trata-se de fazer crescer a capacidade de cada pessoa para responder à sua vocação e, portanto, ao apelo de Deus (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 29: AAS83 (1991) 828-830).

2462. A esmola dada aos pobres é um testemunho de caridade fraterna; é também uma prática de justiça que agrada a Deus.

2463. Na multidão de seres humanos sem pão, sem teto, sem residência, como não reconhecer Lázaro, o mendigo esfomeado da parábola (Cf. Lc. 16, 19-31). Como não ouvir Jesus quando diz: «também a Mim o deixastes de fazer» (Mt. 25, 45)?

continua na parte 8

 O Terço (Rosário) dos Homens não exige nada e não cobra nada da vida pessoal dos seus participantes, o que faz com que seus membros se sintam livres, e a liberdade dá ao homem o poder de ser aquilo que ele deseja ser, daí as transformações se sucederem de modo espontâneo causado pelo contato que os mesmos passam a ter com Deus por intercessão de Maria.