A Intermediação de Maria Mãe dos Homens
para nos levar ao Cordeiro de Deus

'O ROSÁRIO É A VIDA DE CRISTO CONTEMPLADA COM O OLHAR DE MARIA'
"
Maria é aquela que nos acompanha na escuridão da noite até o clarear do novo dia”

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                                                   Criado em 30 de março de 2005

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86 ANOS DE GRAÇAS E BÊNÇÃOS no Brasil e no mundo

Catecismo da Igreja - Parte 7

PÁGINA INICIAL

SEGUNDA SECÇÃO

OS SETE SACRAMENTOS DA IGREJA

CAPÍTULO QUARTO

AS OUTRAS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS

 ARTIGO 1

OS SACRAMENTAIS

1667. «A Santa Mãe Igreja instituiu também os sacramentais. Estes são sinais sagrados por meio dos quais, imitando de algum modo os sacramentos, se significam e se obtêm, pela oração da Igreja, efeitos principalmente de ordem espiritual. Por meio deles, dispõem-se os homens para a recepção do principal efeito dos sacramentos e são santificadas as várias circunstâncias da vida» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 60: AAS 56 (1964) 116: cf. CIC can. 1166; CCEO can. 867).

TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DOS SACRAMENTAIS

1668. São instituídos pela Igreja com vista à santificação de certos minis­térios da mesma Igreja, de certos estados de vida, de circunstâncias muito variadas da vida cristã, bem como do uso de coisas úteis ao homem. Segundo as decisões pastorais dos Bispos, podem também corresponder às necessidades, à cultura e à história próprias do povo cristão duma região ou duma época. Incluem sempre uma oração, muitas vezes acompanhada dum sinal determinado, como a imposição da mão, o sinal da cruz, a aspersão com água benta (que recorda o Batismo).

1669. Eles decorrem do sacerdócio batismal: todo o batizado é chamado a ser uma «bênção» (Cf. Gn. 12, 2) e a abençoar (Cf. Lc. 6, 28; Rm. 12, 14; 1ª Pe. 3, 9). Por isso, há certas bênçãos que podem ser presididas por leigos (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 79: AAS 56 (1964) 120: cf. CIC can. 1168). Porém, quanto mais uma bênção disser respeito à vida eclesial e sacramental, tanto mais a sua presidência será reservada ao ministério ordenado (Bispos, Presbíteros ou Diáconos) (Cf. De Benedictionibus, Praenotanda generalia, 16 e 18. Editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1984) p. 13.14-15 [Celebração das Bênçãos, Preliminares gerais, 16 e 18 (Coimbra, Gráfica de Coimbra Conferência Episcopal Portuguesa, 1991) p. 13]).

1670. Os sacramentais não conferem a graça do Espírito Santo à maneira dos sacramentos; mas, pela oração da Igreja, preparam para receber a graça e dispõem para cooperar com ela. «Portanto, a liturgia dos sacramentos e sacramentais oferece aos fiéis bem dispostos a possibilidade de santificarem quase todos os acontecimentos da vida por meio da graça divina que deriva do mistério pascal da paixão, morte e ressurreição de Cristo, mistério onde vão buscar a sua eficácia todos os sacramentos e sacramentais. E assim, quase não há uso honesto das coisas materiais que não possa reverter para este fim: a santificação dos homens e o louvor a Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 61: AAS 56 (1964) 116-117).

FORMAS VARIADAS DOS SACRAMENTAIS

1671. Entre os sacramentais figuram, em primeiro lugar, as bênçãos (de pessoas, da mesa, de objetos e lugares). Toda a bênção é louvor de Deus e oração para obter os seus dons. Em Cristo, os cristãos são abençoados por Deus Pai, «com toda a espécie de bênçãos espirituais» (Ef. 1, 3). É por isso que a Igreja dá a bênção invocando o nome de Jesus e fazendo habitualmente o santo sinal da cruz de Cristo.

1672. Certas bênçãos têm um alcance duradoiro: são as que têm por fim consagrar pessoas a Deus e reservar objetos e lugares para usos litúrgicos. Entre as que são destinadas a pessoas (e que não devem confundir-se com a ordenação sacramental) figuram a bênção do Abade ou Abadessa dum Mosteiro, a consagração das virgens e das viúvas, o rito da profissão religiosa e as bênçãos para certos ministérios da Igreja (leitores, acólitos, catequistas, etc.). Como exemplo das que dizem respeito a objetos, pode apontar-se a dedicação ou bênção de unta igreja ou de um altar, a bênção dos santos óleos, dos vasos e paramentos sagrados, dos sinos, etc.

1673. Quando a Igreja pede publicamente e com autoridade, em nome de Jesus Cristo, que uma pessoa ou objeto seja protegido contra a ação do Maligno e subtraído ao seu domínio, fala-se de exorcismo. Jesus praticou-o (Cf. Mc. 1, 25-26) - e é d'Ele que a Igreja obtém o poder e encargo de exorcizar (Cf. Mc. 3, 15; 6, 7.13; 16, 17). Sob uma forma simples, faz-se o exorcismo na celebração do Batismo. O exorcismo solene, chamado «grande exorcismo», só pode ser feito por um Presbítero e com licença do Bispo. Deve proceder-se a ele com prudência, observando estritamente as regras estabelecidas pela Igreja (Cf. CIC can. 1172). O exorcismo tem por fim expulsar os demónios ou libertar do poder diabólico, e isto em virtude da autoridade espiritual que Jesus confiou à sua Igreja. Muito diferente é o caso das doenças, sobretudo psíquicas, cujo tratamento depende da ciência médica. Por isso, antes de se proceder ao exorcismo, é importante ter a certeza de que se trata duma presença diabólica e não duma doença.

A RELIGIOSIDADE POPULAR

1674. Fora da liturgia dos sacramentos e dos sacramentais, a catequese deve ter em consideração as formas de piedade dos fiéis e a religiosidade popular. O sentimento religioso do povo cristão desde sempre encontrou a sua expressão em variadas formas de piedade, que rodeiam a vida sacramental da Igreja, tais como a veneração das relíquias, as visitas aos santuários, as peregrinações, as procissões, a via-sacra, as danças religiosas, o rosário, as medalhas, etc. (Cf. II Concílio de Niceia, Definitio de sacris imaginibus: DS 601; Ibid.: DS 603; Concílio de Trento, Sess.25ª, Decretum de invocatione, veneratione et reliquiis sanctorum, et sacris imaginibus: DS 1822).

1675. Estas manifestações são um prolongamento da vida litúrgica da Igreja, mas não a substituem. «Devem ser organizadas, tendo em conta os tempos litúrgicos e de modo a harmonizarem-se com a liturgia, a dimanarem dela de algum modo e a nela introduzirem o povo; porque, por sua natureza, a liturgia lhes é, de longe, superior» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium,  13: AAS 56 (1964) 103).

1676. Para manter e apoiar a religiosidade popular, é necessário um discernimento pastoral. O mesmo se diga, se for caso disso, para purificar e corrigir o sentimento religioso subjacente a essas devoções e para fazer progredir no conhecimento do mistério de Cristo. A sua prática está submetida ao cuidado e às decisões dos Bispos e às normas gerais da igreja (Cf. João Paulo II. Ex. Ap. Catechesi tradendae, 54: AAS 71 (1979) 1321-1322).

- «A religiosidade do povo, no seu núcleo, é um acervo de valores que responde com sabedoria cristã às grandes incógnitas da existência. A sapiência popular católica tem uma capacidade de síntese vital: engloba criadoramente o divino e o humano, Cristo e Maria, espírito e corpo, comunhão e instituição, pessoa e comunidade, fé e pátria, inteligência e afeto. Esta sabedoria é um humanismo cristão que afirma radicalmente a dignidade de toda a pessoa como filho de Deus, estabelece uma fraternidade fundamental, ensina a encontrar a natureza e a compreender o trabalho e proporciona as razões para a alegria e o humor, mesmo no meio de uma vida muito dura. Esta sabedoria é também para o povo um princípio de discernimento, um instinto evangélico pelo qual capta espontaneamente quando se serve na Igreja o Evangelho e quando ele é esvaziado e asfixiado por outros interesses» (III Conferência Geral do Episcoplado Latino-Americano, Puebla, La Evangelización en el presente y en el futuro de América Latina. 448 (Bogotá 1979) p. 131 [Puebla. A Evangelização no presente e no futuro da América Latina, Texto oficial da CNBB, 448 (Petrópolis, Ed. Vozes 1980) p.153-154]; cf. Paulo VI, Ex. ap. Evangelii nuntiandi, 48: AAS 68 (1976) 37-38).

Resumindo:

1677. Chamam-se sacramentais os sinais sagrados instituídos pela Igreja, cuja finalidade é preparar os homens para receberem os frutos dos sacramentos e santificarem as diferentes circunstâncias da vida.

1678. Entre os sacramentais, as bênçãos ocupam um lugar importante. Compreendem, ao mesmo tempo, o louvor de Deus pelas suas obras e a intercessão da Igreja para que os homens possam fazer uso dos dons de Deus segundo o espírito do Evangelho.

1679. Além da liturgia, a vida cristã nutre-se das variadas formas da piedade popular, enraizadas nas diferentes culturas. Procurando esclarecê-las com a luz da fé, a Igreja favorece as formas de religiosidade popular que exprimem um instinto evangélico e uma sabedoria humana, e que enriquecem a vida cristã.

ARTIGO 2

AS EXÉQUIAS CRISTÃS

1680. Todos os sacramentos, principalmente os da iniciação cristã, têm pôr fim a última páscoa do cristão, que, pela morte, o faz entrar na vida do Reino. Então se cumpre o que ele confessa na fé e na esperança: «espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150).

I. A última Páscoa do cristão

1681. O sentido cristão da morte é revelado à luz do mistério pascal da morte e ressurreição de Cristo, em quem pomos a nossa única confiança. O cristão que morre em Cristo Jesus «abandona este corpo para ir morar junto do Senhor» (Cf. 2ª Cor. 5, 8).

1682. O dia da morte inaugura para o cristão, no termo da sua vida sacramental, a consumação do seu novo nascimento começado no Batismo, o definitivo «assemelhar-se à imagem do Filho», conferido pela unção do Espírito Santo e pela participação no banquete do Reino, antecipada na Eucaristia, ainda que algumas derradeiras purificações lhe sejam ainda necessárias, para poder vestir o traje nupcial.

1683. A Igreja que, como mãe, trouxe sacramentalmente no seu seio o cristão durante a sua peregrinação terrena, acompanha-o no termo da sua caminhada para o entregar «nas mãos do Pai». E oferece ao Pai, em Cristo, o filho da sua graça, e depõe na terra, na esperança, o gérmen do corpo que há de ressuscitar na glória (Cf. 1ª Cor. 15, 42-44). Esta oblação é plenamente celebrada no sacrifício eucarístico, e as bênçãos que o precedem e o seguem são sacramentais.

II. A celebração das exéquias

1684. As exéquias cristãs são uma celebração litúrgica da Igreja. O ministério da Igreja tem em vista, aqui, tanto exprimir a comunhão eficaz com o defunto, como fazer participar nela a comunidade reunida para o funeral e anunciar-lhe a vida eterna.

1685. Os diferentes ritos das exéquias exprimem o carácter pascal da morte cristã e correspondem às situações e tradições de cada região, até no que respeita à cor litúrgica (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 81: AAS 56 (1964) 120).

1686. A Celebração das Exéquias - Ordo exsequiarum - da liturgia romana propõe três tipos de celebração das exéquias, correspondentes aos três lugares em que se desenrolam (a casa, a igreja, o cemitério), e segundo a importância que lhes dão a família, os costumes locais, a cultura e a piedade popular. O esquema é, aliás, comum a todas as tradições litúrgicas e compreende quatro momentos principais.

1687. O acolhimento da comunidade. Uma saudação de fé dá início à celebração. Os parentes do defunto são acolhidos com uma palavra de «consolação» (no sentido do Novo Testamento: a fortaleza do Espírito Santo na confiança (Cf. 1ª Ts. 4, 18). Também a comunidade orante, que se junta, espera ouvir «as palavras da vida eterna». A morte dum membro da comunidade (ou o seu dia aniversário, sétimo ou trigésimo) é um acontecimento que deve levar a ultrapassar as perspectivas «deste mundo» e projetar os fiéis para as verdadeiras perspectivas da fé em Cristo Ressuscitado.

1688. A liturgia da Palavra, aquando das exéquias, exige uma preparação, tanto mais atenta quanto a assembleia presente pode incluir fiéis pouco frequentadores da liturgia e até amigos do defunto que não sejam cristãos. A homilia, de modo particular, deve «evitar o género literário do elogio fúnebre» (Cf. Ordo exsequiarum, De primo typo exsequiarum, 41, Editio typica (Typis PolyglottisVaticanis 1969) p. 21 [Celebração das Exéquias, n. 57 (Braga, Secretariado Nacional do Apostolado da Oração – Conferência Episcopal. 1984) p. 521) e iluminar o mistério da morte cristã com a luz de Cristo ressuscitado.

1689. O sacrifício eucarístico. Quando a celebração tem lugar na igreja, a Eucaristia é o coração da realidade pascal da morte cristã (Cf. Ordo exsequiarum, Praenotanda, Editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1969) p. 7 [Celebração das Exéquias, Preliminares, I (Braga, Secretariado Nacional do Apostolado da Oração – Conferência Episcopal, 1984) p. 31). É então que a Igreja manifesta a sua comunhão eficaz com o defunto: oferecendo ao Pai, no Espírito Santo, o sacrifício da morte e ressurreição de Cristo, pede-Lhe que o seu filho defunto seja purificado dos pecados e respectivas consequências, e admitido à plenitude pascal da mesa do Reino (Cf. Ordo exsequiarum, De primo typo exsequiarum, 56. Editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1969) p. 26 [Celebração das Exéquias, n. 87* (Braga, Secretariado Nacional do Apostolado da Oração - Conferência Episcopal. 1984) p. 82-83]). É pela Eucaristia assim celebrada que a comunidade dos fiéis, especialmente a família do defunto, aprende a viver em comunhão com aquele que «adormeceu no Senhor», comungando o corpo de Cristo, de que ele é membro vivo, e depois rezando por ele e com ele.

1690. O adeus («a Deus») ao defunto é a sua «encomendação a Deus» pela Igreja. É «a última saudação dirigida pela comunidade cristã a um dos seus membros, antes de o corpo ser levado para a sepultura» (Ordo exsequiarum, Praenotanda, 10, Editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1969) p. 9 [Celebração dos Exéquias, Preliminares, 10 (Braga, Secretariado Nacional do Apostolado da Oração – Conferência Episcopal, 1984) p. 7]). A tradição bizantina exprime-o pelo ósculo do adeus ao defunto.

Nesta saudação final, «canta-se por ele ter partido desta vida e pela sua separação, mas também porque há uma comunhão e uma reunião. Com efeito, mortos, nós não nos separamos uns dos outros, porque todos percorremos o mesmo caminho e nos reencontraremos no mesmo lugar. Nunca nos separaremos, porque vivemos para Cristo e agora estamos unidos a Cristo, indo para Ele... estaremos todos juntos em Cristo» (São Simão de Tessalónica, De ordine sepulturae, 367: PG 155, 685).

 TERCEIRA PARTE

A VIDA EM CRISTO

INTRODUÇÃO

1691. «Reconhece, ó cristão, a tua dignidade. Uma vez constituído participante da natureza divina, não penses em voltar às antigas misérias da tua vida passada. Lembra-te de que cabeça e de que corpo és membro. Não te esqueças de que foste libertado do poder das trevas e transferido para a luz e para o Reino de Deus» (São Leão Magno, Sermo 21, 3: CCL 138, 88 (PL 54, 192-193)).

1692. O Símbolo da fé, professou a grandeza dos dons de Deus ao homem na obra da criação e, mais ainda, na da redenção e santificação. O que a fé confessa, os sacramentos comunicam-no: pelos «sacramentos, que os fizeram renascer», os cristãos tornaram-se «filhos de Deus» (1ª Jo. 3, 1) (Cf. Jo. 1, 12), «participantes da natureza divina» (2ª Pe. 1, 4). Reconhecendo pela fé a sua nova dignidade, os cristãos são chamados a levar, doravante, uma vida digna do Evangelho de Cristo (Cf. Fl. 1, 27). Pelos sacramentos e pela oração, recebem a graça de Cristo e os dons do seu Espírito, que dela os tornam capazes.

1693. Cristo Jesus fez sempre aquilo que era do agrado do Pai (Cf. Jo. 8, 29). Viveu sempre em perfeita comunhão com Ele. De igual modo, os seus discípulos são convidados a viver sob o olhar do Pai, «que vê no segredo» (Mt. 6, 6), para se tornarem «perfeitos como o Pai Celeste é perfeito» (Mt. 5, 47).

1694. Incorporados em Cristo pelo Batismo (Cf. Rm. 6, 5), os cristãos «morreram para o pecado e vivem para Deus em Cristo Jesus» (Cf. Rm. 6, 11), participando assim na vida do Ressuscitado (Cf. Cl. 2, 12). «Seguindo a Cristo e em união com Ele (Cf. Jo. 15, 5), os cristãos podem esforçar-se por ser imitadores de Deus, como filhos bem amados, e por proceder com amor» (Cf. Ef. 5, 1-2), conformando os seus pensamentos, palavras e ações com os sentimentos de Cristo Jesus (Cf. Fl. 2, 5) e seguindo os seus exemplos (Cf. Jo. 13, 12-16).

1695. «Justificados pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus» (1ª Cor. 6, 11), «santificados e chamados a serem santos» (Cf. 1ª Cor. 1, 2) os cristãos tornaram-se «templo do Espírito Santo» (1ª Cor. 6, 19). Este, que é o «Espírito do Filho», ensina-os a orar ao Pai (Cf. Gl. 4, 6) e, tendo-Se feito vida deles, impele-os a agir (Cf. Gl. 5, 25) para produzirem os frutos do Espírito (Cf. Gl. 5, 22) mediante uma caridade ativa. Curando as feridas do pecado, o Espírito Santo renova-nos interiormente por uma transformação espiritual (Cf. Ef. 4, 23), ilumina-nos e fortalece-nos para vivermos como «filhos da luz» (Ef. 5, 8) «em toda a espécie de bondade, justiça e verdade» (Ef. 5, 9).

1696. O caminho de Cristo «leva à vida»; um caminho contrário «leva à perdição» (Mt. 7, 13) (Cf. Dt. 30, 15-20). A parábola evangélica dos dois caminhos está sempre presente na catequese da Igreja. E significa a importância das decisões morais para a nossa salvação. «Há dois caminhos, um da vida, outro da morte: mas entre os dois existe uma grande diferença» (Didaké 1, 1: SC 248, 140 (Funk 1, 2)).

1697. Na catequese, importa revelar com toda a clareza a alegria e as exigências do caminho de Cristo (Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae, 29: AAS 71 (1979) 1301). A catequese da «vida nova» n'Ele (Rm. 6, 4), deve ser:

- uma catequese do Espírito Santo, mestre interior da vida segundo Cristo, doce hóspede e amigo que inspira, guia, retifica e fortalece essa vida;

- uma catequese da graça, pois é pela graça que somos salvos e é também pela graça que as nossas obras podem ser frutuosas para a vida eterna;

- uma catequese das bem-aventuranças, porque o caminho de Cristo se resume nelas e é o único caminho da felicidade eterna a que o coração do homem aspira;

- uma catequese do pecado e do perdão, porque, sem se reconhecer pecador, o homem não pode conhecer a verdade sobre si mesmo, condição dum procedimento justo: e, sem a oferta do perdão, não seria capaz de suportar aquela verdade;

- uma catequese das virtudes humanas, que faz apreender a beleza e o atrativo das retas disposições para o bem;

- uma catequese das virtudes cristãs da fé, esperança e caridade, que se inspira abundantemente no exemplo dos santos;

- uma catequese do duplo mandamento da caridade exposto no decálogo;

- uma catequese eclesial, porque é nas múltiplas permutas dos «bens espirituais», na «comunhão dos santos», que a vida cristã pode crescer, desenvolver-se e comunicar-se.

1698. A referência, primeira e última, desta catequese será sempre o próprio Jesus Cristo, que é «o caminho, a verdade e a vida» (Jo. 14, 6). De olhos postos n'Ele com fé, os cristãos podem esperar que Ele próprio realize neles as suas promessas e, amando-O com o amor com que Ele os amou, podem fazer as obras correspondentes à sua dignidade:

- «rogo-te que penses em nosso Senhor Jesus Cristo como tua verdadeira cabeça, e em ti como um dos seus membros. Ele é para ti como a cabeça para os membros. Tudo o que é d'Ele é teu: o espírito, o coração, o corpo, a alma e todas as faculdades. Deves usar de todas elas como se fossem realmente tuas, para servir, louvar, amar e glorificar a Deus. Tu és para Ele como um membro em relação à cabeça: e, por isso, também Ele deseja ardentemente servir-Se de todas as tuas faculdades como se fossem suas, para servir e glorificar o Pai» (São João Eudes, Le Coeur admirable de la Três Sacrée Mère de Dieu, 1, 5 Oeuvres completes, v. 6 (Paris 1908) p. 113-114).
«Para mim, viver é Cristo» (Fl. 1, 21).

TERCEIRA PARTE

A VIDA EM CRISTO

PRIMEIRA SECÇÃO

A VOCAÇÃO DO HOMEM: A VIDA NO ESPÍRITO

1699. A vida no Espírito Santo realiza a vocação do homem (Capítulo primeiro). É feita de caridade divina e de solidariedade humana (Capítulo segundo). É concedida gratuitamente como salvação (Capítulo terceiro).

 CAPÍTULO PRIMEIRO

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

1700. A dignidade da pessoa humana radica na sua criação à imagem e semelhança de Deus (Artigo 1) e realiza-se na sua vocação à bem-aventurança divina (Artigo 2). Compete ao ser humano chegar livremente a esta realização (Artigo 3). Pelos seus atos deliberados (Artigo 4), a pessoa humana conforma-se, ou não, com o bem prometido por Deus e atestado pela consciência moral (Artigo 5). Os seres humanos edificam-se a si mesmos e crescem a partir do interior: fazem de toda a sua vida sensível e espiritual objeto do próprio crescimento (Artigo 6). Com a ajuda da graça, crescem na virtude (Artigo 7), evitam o pecado e, se o cometeram, entregam-se como o filho pródigo (Cf. Lc. 15, 11-32) à misericórdia do Pai dos céus (Artigo 8). Atingem, assim, a perfeição da caridade.

ARTIGO 1

O HOMEM, IMAGEM DE DEUS

1701. «Cristo, [...] na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, manifesta plenamente o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042). Foi em Cristo, «imagem do Deus invisível» (Cl. 1, 15) (Cf. 2ª Cor. 4, 4), que o homem foi criado «à imagem e semelhança» do Criador. Assim como foi em Cristo, redentor e salvador, que a imagem divina, deformada no homem pelo primeiro pecado, foi restaurada na sua beleza original e enobrecida pela graça de Deus (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042).

1702. A imagem divina está presente em cada homem. Resplandece na comunhão das pessoas, à semelhança da unidade das Pessoas divinas entre Si (cf. Capítulo segundo).

1703. Dotada de uma alma «espiritual e imortal» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 14: AAS 58 (1966) 1036) a pessoa humana é «a única criatura sobre a tema querida por Deus por si mesma» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 24: AAS 58 (1966) 1045). Desde que é concebida, é destinada para a bem-aventurança eterna.

1704. A pessoa humana participa da luz e da força do Espírito divino. Pela razão, é capaz de compreender a ordem das coisas estabelecida pelo Criador. Pela vontade, é capaz de se orientar a si própria para o bem verdadeiro. E encontra a perfeição na «busca e no amor da verdade e do bem» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 15: AAS 58 (1966) 1036).

1705. Em virtude da sua alma e das forças espirituais da inteligência e da vontade, o homem é dotado de liberdade, «sinal privilegiado da imagem divina» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 17: AAS 58 (1966) 1037).

1706. Mediante a sua razão, o homem conhece a voz de Deus que o impele «a fazer [...] o bem e a evitar o mal» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 16: AAS 58 (1966) 1037). Todos devem seguir esta lei, que ressoa na consciência e se cumpre no amor de Deus e do próximo. O exercício da vida moral atesta a dignidade da pessoa.

1707. «Seduzido pelo Maligno desde o começo da história, o homem abusou da sua liberdade» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 13: AAS 58 (1966) 1034). Sucumbiu à tentação e cometeu o mal. Conserva o desejo do bem, mas a sua natureza está ferida pelo pecado original. O homem ficou com a inclinação para o mal e sujeito ao erro:

- «o homem encontra-se, pois, dividido em si mesmo. E assim, toda a vida humana, quer singular quer coletiva, apresenta-se como uma luta, e quão dramática, entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 13: AAS 58 (1966) 1035).

1708. Pela sua paixão, Cristo livrou-nos de Satanás e do pecado e mereceu-nos a vida nova no Espírito Santo. A sua graça restaura o que o pecado tinha deteriorado em nós.

1709. Quem crê em Cristo torna-se filho de Deus. Esta adoção filial transforma-o, dando-lhe a possibilidade de seguir o exemplo de Cristo. Torna-o capaz de agir com retidão e de praticar o bem. Na união com o seu Salvador, o discípulo atinge a perfeição da caridade, que é a santidade. Amadurecida na graça, a vida moral culmina na vida eterna, na glória do céu.

 Resumindo:

1710. «Cristo [...] manifesta plenamente o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042).

1711. Dotada de uma alma espiritual, de inteligência e de vontade, a pessoa humana é, desde a sua concepção, ordenada para Deus e destinada à eterna bem-aventurança. E continua a aperfeiçoar-se na «busca e amor da verdade e do bem» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 15: AAS 58 (1966) 1036).

1712. «A verdadeira liberdade é, no homem, o sinal privilegiado da imagem de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 17: AAS 58 (1966) 1037).

1713. O homem é obrigado a seguir a lei moral, que o impele a «fazer [...] o bem e a evitar o mal» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 16: AAS 58 (1966) 1037). Esta lei ressoa na sua consciência.

1714. O homem, ferido na sua natureza pelo pecado original, está sujeito ao erro e inclinado para o mal no exercício da sua liberdade.

1715. Quem crê em Cristo possui a vida nova no Espírito Santo. A vida moral, crescida e amadurecida na graça, deve consumar-se na glória do céu.

ARTIGO 2

A NOSSA VOCAÇÃO PARA A BEM-AVENTURANÇA

 I. As bem-aventuranças

1716. As bem-aventuranças estão no coração da pregação de Jesus. O seu anúncio retorna as promessas feitas ao povo eleito, desde Abraão. A pregação de Jesus completa-as, ordenando-as, não já somente à felicidade resultante da posse dum tema, mas ao Reino dos céus:

- «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus.
- Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.
- Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a tema.
- Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
- Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
- Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.
- Bem-aventurados os que promovem a paz. porque serão chamados filhos de Deus.
- Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o Reino dos céus.
- Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal de vós. Alegrai-vos e exultai, pois é grande nos céus a vossa recompensa»
(Mt. 5, 3-12).

1717. As bem-aventuranças retratam o rosto de Jesus Cristo e descrevem-nos a sua caridade: exprimem a vocação dos fiéis associados à glória da sua paixão e ressurreição; definem os atos e atitudes características da vida cristã; são as promessas paradoxais que sustentam a confiança no meio das tribulações; anunciam aos discípulos as bênçãos e recompensas já obscuramente adquiridas; já estão inauguradas na vida da Virgem Maria e de todos os santos.

II. O desejo de felicidade

1718. As bem-aventuranças respondem ao desejo natural de felicidade. Este desejo é de origem divina; Deus pô-lo no coração do homem para o atrair a Si, o único que o pode satisfazer:

- «Todos nós, sem dúvida, queremos viver felizes, e não há entre os homens quem não dê o seu assentimento a esta afirmação, mesmo antes de ela ser plenamente enunciada» (Santo Agostinho, De moribus Ecclesiae catholicae 1. 3, 4: CSEL 90, 6 (PL 32, 1312)).

- «Como é então, Senhor, que eu Te procuro? De fato, quando Te procuro, ó meu Deus, é a vida feliz que eu procuro. Faz com que Te procure, para que a minha alma viva! Porque tal como o meu corpo vive da minha alma, assim a minha alma vive de Ti» (Santo Agostinho, Confissões, 10, 20, 29: CCL 27, 170 (PL 32, 791)).

- «Só Deus sacia» (São Tomás de Aquino, In Symbolum Apostolarum scilicet «Credo in Deum», expositio, c. 15: Opera omnia, v. 27 (Parisiis 1875) p. 228).

1719. As bem-aventuranças descobrem a meta da existência humana, o fim último dos atos humanos: Deus chama-nos à sua própria felicidade. Esta vocação dirige-se a cada um, pessoalmente, mas também ao conjunto da Igreja, povo novo constituído por aqueles que acolheram a promessa e dela vivem na fé.

III. A bem-aventurança cristã

1720. O Novo Testamento emprega muitas expressões para caracterizar a bem-aventurança a que Deus chama o homem: a chegada do Reino de Deus (Cf. Mt. 4, 17); a visão de Deus: «bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt. 5, 8) ((Cf. 1ª Jo. 3, 2; 1ª Cor 13)); a entrada na alegria do Senhor (Cf. Mt 25, 21. 23) a entrada no repouso de Deus (Cf. Heb. 4, 7-11):

- «lá, descansaremos e veremos: veremos e amaremos; amaremos e louvaremos. Eis o que acontecerá no fim sem fim. E que outro fim nós temos, sendo chegar ao Reino que lido tem fim»? (Santo Agostinho, De civitate Dei, 22, 30 CSEL 40/2, 670 (PL 41, 804)).

1721. De fato, Deus colocou-nos no mundo para O conhecermos, servirmos e amarmos, e assim chegarmos ao paraíso. A bem-aventurança faz-nos participantes da natureza divina (1ª Pe. 1, 4) e da vida eterna (Cf. Jo. 17, 3). Com ela, o homem entra na glória de Cristo (Cf. Rm. 8, 18) e no gozo da vida trinitária.

1722. Uma tal bem-aventurança ultrapassa a inteligência e as simples forças humanas. Resulta de um dom gratuito de Deus. Por isso se classifica de sobrenatural, tal como a graça, que dispõe o homem para entrar no gozo de Deus.

- «"Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus". É certo que "ninguém pode ver a Deus" na sua grandeza e glória inenarrável e "continuar a viver", porque o Pai é inacessível. Mas, no seu amor, na sua bondade para com os homens e na sua omnipotência, vai ao ponto de conceder aos que O amam esta graça: ver a Deus [...] porque "o que é impossível aos homens é possível a Deus"» (Santo Ireneu de Lião, Adversus Haereses, 4, 20, 5: SC 100, 638).

1723. A bem-aventurança prometida coloca-nos perante as opções morais decisivas. Convida-nos a purificar o nosso coração dos seus maus instintos e a procurar o amor de Deus acima de tudo. E ensina-nos que a verdadeira felicidade não reside nem na riqueza ou no bem-estar, nem na glória humana ou no poder, nem em qualquer obra humana, por útil que seja, como as ciências, as técnicas e as artes, nem em qualquer criatura, mas só em Deus, fonte de todo o bem e de todo o amor:

«a riqueza á a grande divindade deste tempo: é a ela que a multidão, toda a massa dos homens, presta instintiva homenagem. Mede-se a felicidade pela fortuna, como pela fortuna se mede a honorabilidade [...] tudo provém desta convicção: com a riqueza, tudo se pode. A riqueza é, pois, um dos ídolos atuais: outro, é a notoriedade. [...] A notoriedade, o fato de se ser conhecido e de dar brado no mundo (a que poderia chamar-se fama de imprensa), acabou por ser considerada como um bem em si mesma, um bem soberano, objeto, até, de verdadeira veneração» (Johannes Henricus Newman, Discourses addressed to Mixed Congregations, 5 [Saintliness the Standard of Christian Principle] (Westminister 1966), p. 89-91).

1724. O decálogo, o sermão da montanha e a catequese apostólica descrevem-nos os caminhos que conduzem ao Reino dos céus. Por eles avançamos, passo a passo, pelos atos de cada dia, amparados pela graça do Espírito Santo. Fecundados pela Palavra de Cristo, pouco a pouco, damos frutos na Igreja para a glória de Deus (Cf. parábola do semeador: Mt 13, 3-23).

Resumindo:

1725. As bem-aventuranças retomam e aperfeiçoam as promessas de Deus, desde Abraão, ordenando-as para o Reino dos céus. Correspondem ao desejo de felicidade que Deus colocou no coração do homem.

1726. As bem-aventuranças ensinam-nos qual o fim último a que Deus nos chama: o Reino, a visão de Deus, a participação na natureza divina, a vida eterna, a filiação, o repouso em Deus.

1727. A bem-aventurança da vida eterna é um dom gratuito de Deus; é sobrenatural, como a graça que a ela conduz.

1728. As bem-aventuranças colocam-nos perante opções decisivas relativamente aos bens terrenos; purificam o nosso coração, para nos ensinarem a amar a Deus sobre todas as coisas.

1729. A bem-aventurança do céu determina os critérios de discernimento no uso dos bens terrenos, em conformidade com a Lei de Deus.

ARTIGO 3

A LIBERDADE DO HOMEM

1730. Deus criou o homem racional, conferindo-lhe a dignidade de pessoa dotada de iniciativa e do domínio dos seus próprios atos. «Deus quis "deixar o homem entregue à sua própria decisão" (Sir. 15, 14), de tal modo que procure por si mesmo o seu Criador e, aderindo livremente a Ele, chegue à total e beatífica perfeição» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 17: AAS 58 (1966) 1037):

- «o homem é racional e, por isso, semelhante a Deus, criado livre e senhor dos seus atos» (Santo Ireneu de Lião, Adversus Haereses, 4, 4, 3: SC 100, 424 (PG 7, 983)).

I. Liberdade e responsabilidade

1731. A liberdade é o poder, radicado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, praticando assim, por si mesmo, ações deliberadas. Pelo livre arbítrio, cada qual dispõe de si. A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e de maturação na verdade e na bondade. E atinge a sua perfeição quando está ordenada para Deus, nossa bem-aventurança.

1732. Enquanto se não fixa definitivamente no seu bem último, que é Deus, a liberdade implica a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, e, portanto, de crescer na perfeição ou de falhar e pecar. É ela que caracteriza os atos propriamente humanos. Torna-se fonte de louvor ou de censura, de mérito ou de demérito.

1733. Quanto mais o homem fizer o bem, mais livre se torna. Não há verdadeira liberdade senão no serviço do bem e da justiça. A opção pela desobediência e pelo mal é um abuso da liberdade e conduz à escravidão do pecado (Cf. Rm. 6, 17).

1734. A liberdade torna o homem responsável pelos seus atos, na medida em que são voluntários. O progresso na virtude, o conhecimento do bem e a ascese aumentam o domínio da vontade sobre os próprios atos.

1735. A imputabilidade e responsabilidade dum ato podem ser diminuídas, e até anuladas, pela ignorância, a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as afeições desordenadas e outros fatores psíquicos ou sociais.

1736. Todo o ato diretamente querido é imputável ao seu autor.

Assim, depois do pecado no paraíso, o Senhor pergunta a Adão: «que fizeste»? (Gn. 3, 13). O mesmo faz a Caim (Cf. Gn. 4, 10). Assim também o profeta Natan ao rei David, após o adultério com a mulher de Urias e o assassinato deste (Cf. 2º Sm. 12, 7-15).

Uma ação pode ser indiretamente voluntária, quando resulta duma negligência relativa ao que se deveria ter conhecido ou feito, por exemplo, um acidente de trânsito, provocado por ignorância do código da estrada.

1737. Um efeito pode ser tolerado, sem ter sido querido pelo agente, por exemplo, o esgotamento duma mãe à cabeceira do seu filho doente. O efeito mau não é imputável se não tiver sido querido nem como fim nem como meio do ato, como a morte sofrida quando se levava socorro a uma pessoa em perigo. Para que o efeito mau seja imputável, é necessário que seja previsível e que aquele que age tenha a possibilidade de o evitar como, por exemplo, no caso dum homicídio cometido por um condutor em estado de embriaguez.

1738. A liberdade exercita-se nas relações entre seres humanos. Toda a pessoa humana, criada à imagem de Deus, tem o direito natural de ser reconhecida como ser livre e responsável. Todos devem a todos este dever do respeito. O direito ao exercício da liberdade é uma exigência inseparável da dignidade da pessoa humana, nomeadamente em matéria moral e religiosa (Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 2: AAS 58 (1966) 930-931). Este direito deve ser civilmente reconhecido e protegido dentro dos limites do bem comum e da ordem pública (Cf.  II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 7: AAS 58 (1966) 934-935).

II. A liberdade humana na economia da salvação

1739. Liberdade e pecado. A liberdade do homem é finita e falível. E, de fato, o homem falhou. Livremente, pecou. Rejeitando o projeto divino de amor, enganou-se a si mesmo; tornou-se escravo do pecado. Esta primeira alienação gerou uma multidão de outras. A história da humanidade, desde as suas origens, dá testemunho de desgraças e opressões nascidas do coração do homem, como consequência de um mau uso da liberdade.

1740. Ameaças à liberdade. O exercício da liberdade não implica o direito de tudo dizer e fazer. É falso pretender que «o homem, sujeito da liberdade, se basta a si mesmo, tendo pôr fim a satisfação do seu interesse próprio no gozo dos bens terrenos» (Congregação para a Doutrina da Fé, Instr. Libertatis conscientia, 13: AAS 79 (1987) 559). Por outro lado, as condições de ordem económica e social, política e cultural, requeridas para um justo exercício da liberdade, são com demasiada frequência desprezadas e violadas. Estas situações de cegueira e de injustiça abalam a vida moral e induzem tanto os fracos como os fortes na tentação de pecar contra a caridade. Afastando-se da lei moral, o homem atenta contra a sua própria liberdade, agrilhoa-se a si mesmo, quebra os laços de fraternidade com os seus semelhantes e rebela-se contra a verdade divina.

1741. Libertação e salvação. Pela sua cruz gloriosa, Cristo obteve a salvação de todos os homens. Resgatou-os do pecado, que os retinha numa situação de escravatura. «Foi para a liberdade que Cristo nos libertou» (Gl. 5, 1). N'Ele, nós comungamos na verdade que nos liberta (Cf. Jo. 8, 32). Foi-nos dado o Espírito Santo e, como ensina o Apóstolo, «onde está o Espírito, aí está a liberdade» (2ª Cor. 3, 17). Já desde agora nos gloriamos da «liberdade dos filhos de Deus» (Cf. Rm. 8, 21).

1742. Liberdade e graça. A graça de Cristo não faz concorrência de modo nenhum, à nossa liberdade, quando esta corresponde ao sentido da verdade e do bem que Deus colocou no coração do homem. Pelo contrário, e como o certifica a experiência cristã sobretudo na oração, quanto mais dóceis formos aos impulsos da graça, tanto mais crescem a nossa liberdade interior e a nossa segurança nas provações, como também perante as pressões e constrangimentos do mundo exterior. Pela ação da graça, o Espírito Santo educa-nos para a liberdade espiritual, para fazer de nós colaboradores livres da sua obra na Igreja e no mundo:

- «Deus eterno e misericordioso, afastai de nós toda a adversidade, para que, sem obstáculos do corpo ou do espírito, possamos livremente cumprir a vossa vontade» (Domingo XXXII do Tempo Comum, Colecta: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p.371 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 426]).

Resumindo:

1743. «Deus [...] deixou o homem entregue à sua própria decisão» (Sir. 15, 14), para que ele possa aderir livremente ao seu Criador e chegar assim à perfeição beatífica (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 17: AAS 58 (1966) 1037).

1744. A liberdade é a capacidade de agir ou não agir e, assim, de realizar por si mesmo ações deliberadas. Atinge a perfeição do seu ato, quando está ordenada para Deus, supremo Bem.

1745. A liberdade caracteriza os atos propriamente humanos. Torna o ser humano responsável pelos atos de que é autor voluntário. O seu agir deliberado pertence-lhe como próprio.

1746. A imputabilidade ou responsabilidade duma ação pode ser diminuída, ou suprimida, por ignorância, violência, medo e outros fatores psíquicos ou sociais.

1747. O direito ao exercício da liberdade é uma exigência inseparável da dignidade do homem, sobretudo em matéria religiosa e moral. Mas o exercício da liberdade não implica o suposto direito de tudo dizer ou de tudo fazer.

1748. «Foi para a liberdade que Cristo nos libertou» (Gl. 5, 1).

ARTIGO 4

A MORALIDADE DOS ATOS HUMANOS

1749. A liberdade faz do homem um sujeito moral. Quando age de maneira deliberada, o homem é, por assim dizer, o pai dos seus atos. Os atos humanos, quer dizer, livremente escolhidos em consequência dum juízo de consciência, são moralmente qualificáveis. São bons ou maus.

I. As fontes da moralidade

1750. A moralidade dos atos humanos depende:

- do objeto escolhido;
- do fim que se tem em vista ou da intenção:
- das circunstâncias da ação.

O objeto, a intenção e as circunstâncias são as «fontes» ou elementos constitutivos da moralidade dos atos humanos.

1751. O objeto escolhido é um bem para o qual a vontade tende deliberadamente. E a matéria dum ato humano. O objeto escolhido especifica moralmente o ato da vontade, na medida em que a razão o reconhece e o julga conforme, ou não, ao verdadeiro bem. As regras objetivas da moralidade enunciam a ordem racional do bem e do mal, atestada pela consciência.

1752. Em face do objeto, a intenção coloca-se do lado do sujeito que age. Porque está na fonte voluntária da ação e a determina pelo fim em vista, a intenção é um elemento essencial na qualificação moral da ação. O fim em vista é o primeiro dado da intenção e designa a meta a atingir pela ação. A intenção é um movimento da vontade em direção ao fim; diz respeito ao termo do agir. É o alvo do bem que se espera da ação empreendida. Não se limita à direção das nossas ações singulares, mas pode ordenar para um mesmo fim ações múltiplas: pode orientar toda a vida para o fim último. Por exemplo, um serviço prestado tem por fim ajudar o próximo, mas pode ser inspirado, ao mesmo tempo, pelo amor de Deus como fim último de todas as ações. Uma mesma ação pode também ser inspirada por várias intenções, como prestar um serviço para obter um favor ou para satisfazer a vaidade.

1753. Uma intenção boa (por exemplo: ajudar o próximo) não torna bom nem justo um comportamento em si mesmo desordenado (como a mentira e a maledicência). O fim não justifica os meios. Assim, não se pode justificar a condenação dum inocente como meio legítimo para salvar o povo. Pelo contrário, uma intenção má acrescentada (por exemplo, a vanglória) torna mau um ato que, em si, pode ser bom (como a esmola (Cf. Mt. 6, 2-4)).

1754. As circunstâncias, incluindo as consequências, são elementos secundários dum ato moral. Contribuem para agravar ou atenuar a bondade ou malícia moral dos atos humanos (por exemplo, o montante dum roubo). Podem também diminuir ou aumentar a responsabilidade do agente (por exemplo, agir por medo da morte). As circunstâncias não podem, de per si, modificar a qualidade moral dos próprios atos; não podem tornar boa nem justa uma ação má em si mesma.

II. Os atos bons e os atos maus

1755. O ato moralmente bom pressupõe, em simultâneo, a bondade do objeto, da finalidade e das circunstâncias. Um fim mau corrompe a ação, mesmo que o seu objeto seja bom em si (como orar e jejuar «para ser visto pelos homens»).

O objeto da escolha pode, por si só, viciar todo um modo de agir. Há comportamentos concretos - como a fornicação - cuja escolha é sempre um erro, porque comporta uma desordem da vontade, isto é, um mal moral.

1756. É, portanto, erróneo julgar a moralidade dos atos humanos tendo em conta apenas a intenção que os inspira, ou as circunstâncias (meio, pressão social, constrangimento ou necessidade de agir, etc.) que os enquadram. Há atos que, por si e em si mesmos, independentemente das circunstâncias e das intenções, são sempre gravemente ilícitos em razão do seu objeto; por exemplo, a blasfémia e o jurar falso, o homicídio e o adultério. Não é permitido fazer o mal para que dele resulte um bem.

Resumindo:

1757. O objeto, a intenção e as circunstâncias constituem as três «fontes» da moralidade dos atos humanos.

1758. O objeto escolhido especifica moralmente o ato da vontade, conforme a razão o reconhece e o julga bom ou mau.

1759. «Não se pode justificar uma ação má feita com boa intenção» (São Tomás de Aquino, In duo praecepta caritatis et in decem Legis praecepta expositio, c.6: Opera omnia, v. 27 (Parisiis 1875) p. 149). O fim não justifica os meios.

1760. O ato moralmente bom pressupõe, em simultâneo, a bondade do objeto, da finalidade e das circunstâncias.

1761. Há comportamentos concretos pelos quais é sempre errado optar, porque a sua escolha inclui uma desordem da vontade, isto é, um mal moral. Não é permitido fazer o mal para que dele resulte um bem.

ARTIGO 5

A MORALIDADE DAS PAIXÕES

1762. A pessoa humana ordena-se à bem-aventurança através dos seus atos deliberados: as paixões ou sentimentos que experimenta podem dispô-la nesse sentido e contribuir para isso.

I. As paixões

1763. O termo «paixões» pertence ao património cristão. Os sentimentos ou paixões são as emoções ou movimentos da sensibilidade. que inclinam a agir, ou a não agir, em vista do que se sentiu ou imaginou como bom ou como mau.

1764. As paixões são componentes naturais do psiquismo humano, constituem o lugar de passagem e garantem a ligação entre a vida sensível e a vida do espírito. Nosso Senhor designa o coração do homem como fonte de onde brota o movimento das paixões
(Cf. Mc. 7, 21).

1765. São numerosas as paixões. A mais fundamental é o amor, provocado pela atração do bem. O amor causa o desejo do bem ausente e a esperança de o alcançar. Este movimento tem o seu termo no prazer e na alegria do bem possuído. A apreensão pelo mal causa o ódio, a aversão e o receio do mal futuro; este movimento termina na tristeza pelo mal presente ou na cólera que a ele se opõe.

1766. «Amar é querer bem a alguém» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2. q. 26. a. 4. c: Ed. Leon. 6, 190). Todos os outros afetos nascem neste movimento original do coração do homem para o bem. Só o bem é amado (Cf. Santo Agostinho, De Trinitate, 8, 3, 4: CCL 50, 271-272 (PL 42, 949)). «As paixões são más se o amor for mal e boas se ele for bom» (Santo Agostinho, De civitate Dei, 14, 7: CSEL 40/2. 13 (PL 41, 410)).

II. Paixões e vida moral

1767. Em si mesmas, as paixões não são nem boas nem más. Só recebem qualificação moral na medida em que dependem efetivamente da razão e da vontade. As paixões dizem-se voluntárias, «ou porque são comandadas pela vontade, ou porque a vontade não Lhes opõe obstáculos» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q. 24, a. 1, e.: Ed. Leon. 6, 179). Pertence à perfeição do bem moral ou humano que as paixões sejam reguladas pela razão (Cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q. 24, a. 3. c.: Ed. Leon. 6, 181).

1768. Os grandes sentimentos não determinam nem a moralidade nem a santidade das pessoas; são o reservatório inesgotável das imagens e afetos com que se exprime a vida moral. As paixões são moralmente boas quando contribuem para uma ação boa, e más, no caso contrário. A vontade reta ordena para o bem e para a bem-aventurança os movimentos sensíveis que assume; a vontade má sucumbe às paixões desordenadas e exacerba-as. As emoções e os sentimentos podem ser assumidos pelas virtudes, ou pervertidos pelos vícios.

1769. Na vida cristã, o próprio Espírito Santo realiza a sua obra mobilizando todo o ser, mesmo as dores, temores e tristezas, como se vê claramente na agonia e paixão do Senhor. Em Cristo, os sentimentos humanos podem alcançar a sua consumação na caridade e na bem-aventurança divina.

1770. A perfeição moral consiste em que o homem não seja movido para o bem só pela vontade, mas também pelo apetite sensível, segundo esta palavra do Salmo: «o meu coração e a minha carne exultam no Deus vivo» (Sl. 84, 3).

Resumindo:

1771. O termo «paixões» designa afetos ou sentimentos. Através das suas emoções, o homem pressente o bem e suspeita do mal.

1772. As principais paixões são o amor e o ódio, o desejo e o temor; a alegria, a tristeza e a cólera.

1773. Nas paixões, enquanto movimentos da sensibilidade, não há bem, nem mal moral. Mas, na medida em que dependem ou não da razão e da vontade, há nelas bem ou mal moral.

1774. As emoções e os sentimentos podem ser assumidos pelas virtudes, ou pervertidos pelos vícios.

1775. A perfeição do bem moral consiste em que o homem não seja movido para o bem só pela vontade, mas também pelo seu «coração.

ARTIGO 6

                                                                          A CONSCIÊNCIA MORAL

1776 «No mais profundo da consciência, o homem descobre uma lei que não se deu a si mesmo, mas à qual deve obedecer e cuja voz ressoa, quando necessário, aos ouvidos do seu coração, chamando-o sempre a amar e fazer o bem e a evitar o mal [...]. De fato, o homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus [...]. A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, no qual ele se encontra a sós com Deus, cuja voz ressoa na intimidade do seu ser» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 16: AAS 58 (1966) 1037).

I. O juízo da consciência

1777. Presente no coração da pessoa, a consciência moral (Cf. Rm. 2, 14-16) leva-a, no momento oportuno, a fazer o bem e a evitar o mal. E também julga as opções concretas, aprovando as boas e denunciando as más (Cf. Rm. 1, 32). Ela atesta a autoridade da verdade em relação ao Bem supremo, pelo qual a pessoa humana se sente atraída e cujos mandamentos acolhe. Quando presta atenção à consciência moral, o homem prudente pode ouvir Deus a falar-lhe.

1778. A consciência moral é um juízo da razão, pelo qual a pessoa humana reconhece a qualidade moral dum ato concreto que vai praticar, que está prestes a executar ou que já realizou. Em tudo quanto diz e faz, o homem tem obrigação de seguir fielmente o que sabe ser justo e reto. E pelo juízo da sua consciência que o homem tem a percepção e reconhece as prescrições da lei divina:

- a consciência «é uma lei do nosso espírito, mas que o ultrapassa, nos dá ordens, e significa responsabilidade e dever, temor e esperança [...]. É a mensageira d'Aquele que, tanto no mundo da natureza como no da graça, nos fala veladamente, nos instrui e nos governa. A consciência é o primeiro de todos os vigários de Cristo» (Joannes Henricus Newman, A Letter to the Duke of Norfolk, 5: Certain Difficulties felt by Anglicans in Catholic Teaching, v. 2 (Westminster 1969) p. 248).

1779. Importa que cada um esteja suficientemente presente a si mesmo para ouvir e seguir a voz da sua consciência. Esta exigência de interioridade é tanto mais necessária quanto a vida nos leva muitas vezes a subtrair-nos a qualquer reflexão, exame ou introspecção:

- «regressa à tua consciência, interroga-a [...] Voltai, irmãos, ao vosso interior, e, em tudo quanto fazeis, olhai para a Testemunha que é Deus» (Santo Agostinho, In epistulam Iohannis ad Parthos tractatus 8, 9: PL 35, 2041).

1780. A dignidade da pessoa humana implica e exige a retidão da consciência moral. A consciência moral compreende a percepção dos princípios da moralidade («sindérese»), a sua aplicação em determinadas circunstâncias por meio de um discernimento prático das razões e dos bens e, por fim, o juízo emitido sobre os atos concretos a praticar ou já praticados. A verdade sobre o bem moral, declarada na lei da razão, é reconhecida prática e concretamente pelo prudente juízo da consciência. Classifica-se de prudente o homem que opta em conformidade com este juízo.

1781. A consciência permite assumir a responsabilidade dos atos praticados. Se o homem comete o mal, o justo juízo da consciência pode ser nele a testemunha da verdade universal do bem e, ao mesmo tempo, da maldade da sua opção concreta. O veredito do juízo da consciência continua a ser um penhor de esperança e de misericórdia. Atestando a falta cometida, lembra o perdão a pedir, o bem a praticar ainda e a virtude a cultivar incessantemente com a graça de Deus.

- «Tranquilizaremos diante d'Ele o nosso coração, se o nosso coração vier a acusar-nos. Pois Deus é maior do que o nosso coração e conhece todas as coisas» (1ª Jo. 3, 19-20).

1782. O homem tem o direito de agir em consciência e em liberdade a fim de tomar pessoalmente decisões morais. «O homem não deve ser forçado a agir contra a própria consciência. Nem deve também ser impedido de atuar segundo ela, sobretudo em matéria religiosa» (II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 3: AAS 58 (1966) 932).

II. A formação da consciência

1783. A consciência deve ser informada e o juízo moral esclarecido. Uma consciência bem formada é reta e verídica; formula os seus juízos segundo a razão, em conformidade com o bem verdadeiro querido pela sabedoria do Criador. A formação da consciência é indispensável aos seres humanos, submetidos a influências negativas e tentados pelo pecado a preferir o seu juízo próprio e a recusar os ensinamentos autorizados.

1784. A formação da consciência é tarefa para toda a vida. Desde os primeiros anos, a criança desperta para o conhecimento e para a prática da lei interior reconhecida pela consciência moral. Uma educação prudente ensina a virtude: preserva ou cura do medo, do egoísmo e do orgulho, dos ressentimentos da culpabilidade e dos movimentos de complacência, nascidos da fraqueza e das faltas humanas. A formação da consciência garante a liberdade e gera a paz do coração.

1785. Na formação da consciência, a Palavra de Deus é a luz do nosso caminho. Devemos assimilá-la na fé e na oração, e pô-la em prática. Devemos também examinar a nossa consciência, de olhos postos na cruz do Senhor. Somos assistidos pelos dons do Espírito Santo, ajudados pelo testemunho e pelos conselhos dos outros e guiados pelo ensino autorizado da Igreja (Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 14: AAS 58 (1966) 940).

III. Decidir em consciência

1786. Perante a necessidade de decidir moralmente, a consciência pode emitir um juízo reto, de acordo com a razão e a lei de Deus, ou, pelo contrário, um juízo erróneo, que se afaste delas.

1787. Por vezes, o homem vê-se confrontado com situações que tornam o juízo moral menos seguro e a decisão difícil. Mas deve procurar sempre o que é justo e bom e discernir a vontade de Deus expressa na lei divina.

1788. Para isso, o homem esforça-se por interpretar os dados da experiência e os sinais dos tempos, graças à virtude da prudência, aos conselhos de pessoas sensatas e à ajuda do Espírito Santo e dos seus dons.

1789. Algumas regras aplicam-se a todos os casos:

- nunca é permitido fazer mal para que daí resulte um bem;
- a «regra de ouro» é: «tudo quanto quiserdes que os homens vos façam, fazei-lho, de igual modo, vós também» (Mt. 7, 12)
(Cf. Lc. 6, 31; Tb. 4, 15).
- a caridade passa sempre pelo respeito do próximo e da sua consciência: «ao pecardes assim contra os irmãos, ao ferir-lhes a consciência é contra Cristo que pecais» (1ª Cor. 8, 12). «O que é bom é não [...] [fazer] nada em que o teu irmão possa tropeçar, cair ou fraquejar» (Rm. 14, 21).

IV. O juízo erróneo

1790. O ser humano deve obedecer sempre ao juízo certo da sua consciência. Agindo deliberadamente contra ele, condenar-se-ia a si mesmo. Mas pode acontecer que a consciência moral esteja na ignorância e faça juízos erróneos sobre atos a praticar ou já praticados.

1791. Muitas vezes, tal ignorância pode ser imputada à responsabilidade pessoal. Assim acontece «quando o homem pouco se importa de procurar a verdade e o bem e quando a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito do pecado» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 16: AAS 58 (1966) 1037). Nesses casos, a pessoa é culpada do mal que comete.

1792. A ignorância a respeito de Cristo e do seu Evangelho, os maus exemplos dados por outros, a escravidão das paixões, a pretensão de uma mal entendida autonomia da consciência, a rejeição da autoridade da Igreja e do seu ensino, a falta de conversão e de caridade, podem estar na origem dos desvios do juízo na conduta moral.

1793. Se, pelo contrário, a ignorância é invencível, ou o juízo erróneo sem responsabilidade do sujeito moral, o mal cometido pela pessoa não pode ser-lhe imputado. Mas nem por isso deixa de ser um mal, uma privação, uma desordem. É preciso trabalhar, portanto, para corrigir dos seus erros a consciência moral.

1794. A consciência boa e pura é iluminada pela fé verdadeira. Porque a caridade procede, ao mesmo tempo, «dum coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera» (1ª Tm. 1, 5) (Cf. 1ª Tm. 3, 9; 2ª Tm. 1, 3; 1ª Pe. 3, 21; At. 24, 16).

«Quanto mais prevalecer a reta consciência, tanto mais as pessoas e os grupos estarão longe da arbitrariedade cega e procurarão conformar-se com as normas objetivas da moralidade» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 16: AAS 58 (1966) 1037).

Resumindo:

1795. «A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, no qual ele se encontra a sós com Deus, cuja voz ressoa na intimidade do seu ser» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 16: AAS 58 (1966) 1037).

1796. A consciência moral é um juízo da razão, pelo qual a pessoa humana reconhece a qualidade moral dum ato concreto.

1797. Para o homem que procedeu mal, o veredicto da consciência é um penhor de conversão e de esperança.

1798. Uma consciência bem formada é reta e verídica. Formula os seus juízos segundo a razão e em conformidade com o verdadeiro bem, querido pela sabedoria do Criador. Cada qual deve procurar os meios para formar a sua consciência.

1799. Perante a necessidade de decidir moralmente, a consciência pode formular um juízo reto, de acordo com a razão e a lei divina, ou, pelo contrário, um juízo erróneo, que das mesmas se afasta.

1800. O ser humano deve obedecer sempre ao juízo certo da sua consciência.

1801. A consciência moral pode permanecer na ignorância ou fazer juízos erróneos. Tal ignorância e erros nem sempre são isentos de culpabilidade.

1802. A Palavra de Deus é luz para os nossos passos. Devemos assimilá-la na fé e na oração e pô-la em prática. É assim que se forma a consciência moral.

ARTIGO 7

AS VIRTUDES

1803. «Tudo o que é verdadeiro, nobre e justo, tudo o que é puro, amável e de boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor, isto deveis ter no pensamento» (Fl. 4, 8).

A virtude é uma disposição habitual e firme para praticar o bem. Permite à pessoa não somente praticar atos bons, mas dar o melhor de si mesma. A pessoa virtuosa tende para o bem com todas as suas forças sensíveis e espirituais; procura o bem e opta por ele em atos concretos.

«O fim duma vida virtuosa consiste em tornar-se semelhante a Deus» (São Gregório de Nissa, De Beatitudinibus, oratio 1: Gregorii Nysseni opera. ed. W. Jaeger, v. 7/2 (Leiden 1992) p. 82 (PG 44, 1200)).

I. As virtudes humanas

1804. As virtudes humanas são atitudes firmes, disposições estáveis, perfeições habituais da inteligência e da vontade, que regulam os nossos atos, ordenam as nossas paixões e guiam o nosso procedimento segundo a razão e a fé. Conferem facilidade, domínio e alegria para se levar uma vida moralmente boa. Homem virtuoso é aquele que livremente pratica o bem.

As virtudes morais são humanamente adquiridas. São os frutos e os germes de atos moralmente bons e dispõem todas as potencialidades do ser humano para comungar no amor divino.

DISTINÇÃO DAS VIRTUDES CARDEAIS

1805. Há quatro virtudes que desempenham um papel de charneira. Por isso, se chamam «cardeais»; todas as outras se agrupam em torno delas. São: a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança. «Se alguém ama a justiça, o fruto dos seus trabalhos são as virtudes, porque ela ensina a temperança e a prudência, a justiça e a fortaleza» (Sb. 8, 7). Com estes ou outros nomes, estas virtudes são louvadas em numerosas passagens da Sagrada Escritura.

1806. A prudência é a virtude que dispõe a razão prática para discernir, em qualquer circunstância, o nosso verdadeiro bem e para escolher os justos meios de o atingir. «O homem prudente vigia os seus passos» (Pr. 14, 15). «Sede ponderados e comedidos, para poderdes orar» (1ª Pe. 4, 7). A prudência é a «reta norma da ação», escreve São Tomás (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 47. a. 2. sed contra: Ed. Leon. 8, 349) seguindo Aristóteles. Não se confunde, nem com a timidez ou o medo, nem com a duplicidade ou dissimulação. É chamada «auriga virtutum - condutor das virtudes», porque guia as outras virtudes, indicando-lhes a regra e a medida. É a prudência que guia imediatamente o juízo da consciência. O homem prudente decide e ordena a sua conduta segundo este juízo. Graças a esta virtude, aplicamos sem erro os princípios morais aos casos particulares e ultrapassamos as dúvidas sobre o bem a fazer e o mal a evitar.

1807. A justiça é a virtude moral que consiste na constante e firme vontade de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido. A justiça para com Deus chama-se «virtude da religião». Para com os homens, a justiça leva a respeitar os direitos de cada qual e a estabelecer, nas relações humanas, a harmonia que promove a equidade em relação às pessoas e ao bem comum. O homem justo, tantas vezes evocado nos livros santos, distingue-se pela retidão habitual dos seus pensamentos e da sua conduta para com o próximo. «Não cometerás injustiças nos julgamentos. Não favorecerás o pobre, nem serás complacente para com os poderosos. Julgarás o teu próximo com imparcialidade» (Lv. 19, 15). «Senhores, daí aos vossos escravos o que é justo e equitativo, considerando que também vós tendes um Senhor no céu» (Cl. 4, 1).

1808. A fortaleza é a virtude moral que, no meio das dificuldades, assegura a firmeza e a constância na prossecução do bem. Torna firme a decisão de resistir às tentações e de superar os obstáculos na vida moral. A virtude da fortaleza dá capacidade para vencer o medo, mesmo da morte, e enfrentar a provação e as perseguições. Dispõe a ir até à renúncia e ao sacrifício da própria vida, na defesa duma causa justa. «O Senhor é a minha fortaleza e a minha glória» (Sl. 118, 14). «No mundo haveis de sofrer tribulações: mas tende coragem! Eu venci o mundo»! (Jo. 16, 33).

1809. A temperança é a virtude moral que modera a atração dos prazeres e proporciona o equilíbrio no uso dos bens criados. Assegura o domínio da vontade sobre os instintos e mantém os desejos nos limites da honestidade. A pessoa temperante orienta para o bem os apetites sensíveis, guarda uma sã discrição e não se deixa arrastar pelas paixões do coração (Cf. Sir. 5, 2; 37, 27-31). A temperança é muitas vezes louvada no Antigo Testamento: «não te deixes levar pelas tuas más inclinações e refreia os teus apetites» (Sir. 18, 30). No Novo Testamento, é chamada «moderação», ou «sobriedade». Devemos «viver com moderação, justiça e piedade no mundo presente» (Tt. 2, 12).

- «Viver bem é amar a Deus de todo o coração, com toda a alma e com todo o proceder [...], de tal modo que se lhe dedica um amor incorrupto e íntegro (pela temperança), que mal algum poderá abalar (fortaleza), que a ninguém mais serve (justiça), que cuida de discernir todas as coisas para não se deixar surpreender pela astúcia e pela mentira (prudência)» (Santo Agostinho, De moribus Ecclesiae catholicae, 1, 25, 46: CSEL 90, 51 (PL 32, 1330-1331)).

AS VIRTUDES E A GRAÇA

1810. As virtudes humanas, adquiridas pela educação, por atos deliberados e por uma sempre renovada perseverança no esforço, são purificadas e elevadas pela graça divina. Com a ajuda de Deus, forjam o caráter e facilitam a prática do bem. O homem virtuoso sente-se feliz ao praticá-las.

1811. Não é fácil, ao homem ferido pelo pecado, manter o equilíbrio moral. O dom da salvação, que nos veio por Cristo, dá-nos a graça necessária para perseverar na busca das virtudes. Cada qual deve pedir constantemente esta graça de luz e de força, recorrer aos sacramentos, cooperar com o Espírito Santo e seguir os seus apelos a amar o bem e acautelar-se do mal.

II. As virtudes teologais

1812. As virtudes humanas radicam nas virtudes teologais, que adaptam as faculdades do homem à participação na natureza divina (Cf. 2ª Pe. 1, 4). De facto, as virtudes teologais referem-se diretamente a Deus e dispõem os cristãos para viverem em relação com a Santíssima Trindade. Têm Deus Uno e Trino por origem, motivo e objeto.

1813. As virtudes teologais fundamentam, animam e caracterizam o agir moral do cristão, informam e vivificam todas as virtudes morais. São infundidas por Deus na alma dos fiéis para os tornar capazes de proceder como filhos seus e assim merecerem a vida eterna. São o penhor da presença e da ação do Espírito Santo nas faculdades do ser humano. São três as virtudes teologais: fé, esperança e caridade (Cf. 2ª Pe. 1, 4).

A FÉ

1814. A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus e em tudo o que Ele nos disse e revelou e que a santa Igreja nos propõe para acreditarmos, porque Ele é a própria verdade. (Cf. 1ª Cor. 13, 13) Pela fé, «o homem entrega-se total e livremente a Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 5: AAS 58 (1966) 819). E por isso, o crente procura conhecer e fazer a vontade de Deus. «O justo viverá pela fé» (Rm. 1, 17). A fé viva «atua pela caridade» (Gl. 5, 6).

1815. O dom da fé permanece naquele que não pecou contra ela (Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 15: DS 1544). Mas, «sem obras, a fé está morta» (Tg. 2, 26): privada da confiança e do amor, a fé não une plenamente o fiel a Cristo, nem faz dele um membro vivo do seu corpo.

1816. O discípulo de Cristo, não somente deve guardar a fé e viver dela, como ainda professá-la, dar firme testemunho dela e propagá-la: «todos devem estar dispostos a confessar Cristo diante dos homens e a segui-Lo no caminho da cruz, no meio das perseguições que nunca faltam à Igreja» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 42: AAS 57 (1965) 48: cf. ID., Decl. Dignitatis humanae, 14: AAS 58 (1966) 940). O serviço e testemunho da fé são requeridos para a salvação: «a todo aquele que me tiver reconhecido diante dos homens, também Eu o reconhecerei diante do meu Pai que está nos céus. Mas àquele que me tiver negado diante dos homens, também Eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus» (Mt. 10, 32-33).

A ESPERANÇA

1817. A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos o Reino dos céus e a vida eterna como nossa felicidade, pondo toda a nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos, não nas nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo. «Conservemos firmemente a esperança que professamos, pois Aquele que fez a promessa é fiel» (Heb. 10, 23). «O Espírito Santo, que Ele derramou abundantemente sobre nós, por meio de Jesus Cristo nosso Salvador, para que, justificados pela sua graça, nos tornássemos, em esperança, herdeiros da vida eterna» (Tt. 3, 6-7).

1818. A virtude da esperança corresponde ao desejo de felicidade que Deus colocou no coração de todo o homem; assume as esperanças que inspiram as atividades dos homens, purifica-as e ordena-as para o Reino dos céus; protege contra o desânimo; sustenta no abatimento; dilata o coração na expectativa da bem-aventurança eterna. O ânimo que a esperança dá preserva do egoísmo e conduz à felicidade da caridade.

1819. A esperança cristã retorna e realiza a esperança do povo eleito, que tem a sua origem e modelo na esperança de Abraão, o qual, em Isaac, foi cumulado das promessas de Deus e purificado pela provação do sacrifício (Cf. Gn. 17, 4-8; 22, 1-18). «Contra toda a esperança humana, Abraão teve esperança e acreditou. Por isso, tornou-se pai de muitas nações» (Rm. 4, 18).

1820. A esperança cristã manifesta-se, desde o princípio da pregação de Jesus, no anúncio das bem-aventuranças. As bem-aventuranças elevam a nossa esperança para o céu, como nova tema prometida e traçam-lhe o caminho através das provações que aguardam os discípulos de Jesus. Mas, pelos méritos do mesmo Jesus Cristo e da sua paixão, Deus guarda-nos na «esperança que não engana» (Rm. 5, 5). A esperança é «a âncora da alma, inabalável e segura» que penetra [...] «onde entrou Jesus como nosso precursor» (Heb. 6, 19-20). É também uma arma que nos protege no combate da salvação: «revistamo-nos com a couraça da fé e da caridade, com o capacete da esperança da salvação» (1ª Ts. 5, 8). Proporciona-nos alegria, mesmo no meio da provação: «alegres na esperança, pacientes na tribulação» (Rm. 12, 12). Exprime-se e nutre-se na oração, particularmente na oração do Pai-Nosso, resumo de tudo o que a esperança nos faz desejar.

1821. Podemos, portanto, esperar a glória do céu prometida por Deus àqueles que O amam (Cf. Rm. 8, 28-30) e fazem a sua vontade (Cf. Mt. 7, 21). Em todas as circunstâncias, cada qual deve esperar, com a graça de Deus, «permanecer firme até ao fim» (Cf. Mt 10, 22: Concílio de Trento, Sess. 5ª, Decretum de iustificatione, c. 13: DS 1541) e alcançar a alegria do céu, como eterna recompensa de Deus pelas boas obras realizadas com a graça de Cristo. É na esperança que a Igreja pede que «todos os homens se salvem» (1ª Tm. 2, 4) e ela própria aspira a ficar, na glória do céu, unida a Cristo, seu Esposo:

- «espera, espera, que não sabes quando virá o dia nem a hora. Vela com cuidado, que tudo passa com brevidade, embora o teu desejo faça o certo duvidoso e longo o tempo breve. Olha que quanto mais pelejares, mais mostrarás o amor que tens a teu Deus, e mais te regozijarás com teu Amado em gozo e deleite que não pode ter fim» (Santa Teresa de Jesus, Exclamaciones del alma a Dios, 15, 3: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 4 (Burgos 1917) p. 290. [Exclamações, XV. 3: Obras Completas (Paço de Arcos. Edições Carmelo 1994) p. 959)).

A CARIDADE

1822. A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas por Ele mesmo, e ao próximo como a nós mesmos, por amor de Deus.

1823. Jesus faz da caridade o mandamento novo (Cf. Jo. 13. 34). Amando os seus «até ao fim» (Jo. 13, 1), manifesta o amor do Pai, que Ele próprio recebe. E os discípulos, amando-se uns aos outros, imitam o amor de Jesus, amor que eles recebem também em si. É por isso que Jesus diz: «assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor» (Jo. 15, 9). E ainda: «é este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei» (Jo. 15, 12).

1824. Fruto do Espírito e plenitude da Lei, a caridade guarda os mandamentos de Deus e do seu Cristo: «permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor» (Jo. 15, 9-10) (Cf. Mt. 22, 40: Rm 13, 8-10).

1825. Cristo morreu por amor de nós, sendo nós ainda «inimigos» (Rm. 5, 10). O Senhor pede-nos que, como Ele, amemos até os nossos inimigos (Cf. Mt. 5, 44), que nos façamos o próximo do mais afastado (Cf. Lc. 10, 27-37), que amemos as crianças (Cf. Mc. 9, 37) e os pobres como a Ele próprio (Cf. Mt. 25, 40.45).

O apóstolo São Paulo deixou-nos um incomparável quadro da caridade: «a caridade é paciente, a caridade é benigna; não é invejosa, não é altiva nem orgulhosa; não é inconveniente, não procura o próprio interesse, não se imita, não guarda ressentimento, não se alegra com a injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta» (1ª Cor. 13, 4-7).

1826. Sem a caridade, diz ainda o Apóstolo, «nada sou». E tudo o que for privilégio, serviço, ou mesmo virtude..., se não tiver caridade «de nada me aproveita» (Cf. 1ª Cor. 1 3, 1-4). A caridade é superior a todas as virtudes. É a primeira das virtudes teologais: «agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade» (1ª Cor. 13, 13).

1827. O exercício de todas as virtudes é animado e inspirado pela caridade. Esta é o «vínculo da perfeição» (Cl. 3, 14) e a forma das virtudes: articula-as e ordena-as entre si; é a fonte e o termo da sua prática cristã. A caridade assegura e purifica a nossa capacidade humana de amar e eleva-a à perfeição sobrenatural do amor divino.

1828. A prática da vida moral animada pela caridade dá ao cristão a liberdade espiritual dos filhos de Deus. O cristão já não está diante de Deus como um escravo, com temor servil, nem como o mercenário à espera do salário, mas como um filho que corresponde ao amor «d'Aquele que nos amou primeiro» (1ª Jo. 4, 19):

- «nós, ou nos desviamos do mal por temor do castigo e estamos na atitude do escravo, ou vivemos à espera da recompensa e parecemo-nos com os mercenários; ou, finalmente, é pelo bem em si e por amor d'Aquele que manda, que obedecemos [...], e então estamos na atitude própria dos filhos» (São Basílio Magno, Regulae fusius tractatae, prol. 3: PG 31. 896).

1829 Os frutos da caridade são: a alegria, a paz e a misericórdia; exige a prática do bem e a correção fraterna; é benevolente; suscita a reciprocidade, é desinteressada e liberal: é amizade e comunhão:

- «a consumação de todas as nossas obras é o amor. É nele que está o fim: é para a conquista dele que corremos; corremos para lá chegar e, uma vez chegados, é nele que descansamos» (Santo Agostinho, In epistulam Iohannis ad Parthos tractus 10, 4: PL 35, 2056-2057).

III. Os dons e os frutos do Espírito Santo

1830. A vida moral dos cristãos é sustentada pelos dons do Espírito Santo. Estes são disposições permanentes que tornam o homem dócil aos impulsos do Espírito Santo.

1831. Os sete dons do Espírito Santo são: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus. Pertencem em plenitude a Cristo, filho de David (Cf. Is. 11, 1-2). Completam e levam à perfeição as virtudes de quem os recebe. Tornam os fiéis dóceis, na obediência pronta, às inspirações divinas.

           - «Que o vosso espírito de bondade me conduza pelo caminho reto» (Sl. 143, 10). «Todos aqueles que  
            são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus [...]; se somos filhos, também somos
           herdeiros: herdeiros de Deus, co-herdeiros de Cristo»
(Rm. 8, 14.17).

1832. Os frutos do Espírito são perfeições que o Espírito Santo forma em nós, como primícias da glória eterna. A tradição da Igreja enumera doze: «caridade, alegria, paz, paciência, bondade, longanimidade, benignidade, mansidão, fidelidade, modéstia, continência, castidade» (Gl. 5, 22-23 segundo a Vulgata).

Resumindo:

1833. A virtude é uma disposição habitual e firme para praticar o bem.

1834. As virtudes humanas são disposições estáveis da inteligência e da vontade, que regulam os nossos atos, ordenam as nossas paixões e guiam o nosso procedimento segundo a razão e a fé. Podem ser agrupadas à roda das quatro virtudes cardiais: prudência, justiça, fortaleza e temperança.

1835. A prudência dispõe a razão prática para discernir, em todas as circunstâncias, o verdadeiro bem e para escolher os justos meios de o realizar.

1836. A justiça consiste na constante e firme vontade de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido.

1837. A .fortaleza assegura, no meio das dificuldades, a firmeza e a constância na prossecução do bem.

1838. A temperança modera a atração dos prazeres sensíveis e proporciona equilíbrio no uso dos bens criados.

1839. As virtudes morais desenvolvem-se pela educação, por atos deliberados e pela perseverança no esforço. A graça divina purifica-as e eleva-as.

1840. As virtudes teologais dispõem os cristãos para viverem em relação com a Santíssima Trindade. Têm, Deus por origem, motivo e objeto - Deus conhecido pela fé, esperado e amado por Si mesmo.

1841. São três as virtudes teologais: fé, esperança e caridade (1ª Cor. 13, 13). Informam e vivificam todas as virtudes morais.

1842. Pela fé, cremos em Deus e em tudo quanto Ele nos revelou e a santa Igreja nos propõe para acreditarmos.

1843. Pela esperança, desejamos e esperamos de Deus, com firme confiança, a vida eterna e as graças para a merecer.

1844. Pela caridade, amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, por amor de Deus. A caridade é o «vínculo da perfeição» (Cl. 3, 14) e a forma de todas as virtudes.

1845. Os sete dons do Espírito Santo, concedidos aos cristãos, são: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus.

ARTIGO 8

O PECADO

I. A misericórdia e o pecado

1846. O Evangelho é a revelação, em Jesus Cristo, da misericórdia de Deus para com os pecadores (Cf. Lc 15). O anjo assim o disse a José: «pôr-Lhe-ás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo dos seus pecados» (Mt. 1, 21), o mesmo se diga da Eucaristia, sacramento da Redenção: «isto é o meu Sangue, o Sangue da Aliança, que vai ser derramado por todos para a remissão dos pecados» (Mt. 26, 28).

1847. «Deus, que nos criou sem nós, não quis salvar-nos sem nós» (Santo Agostinho, Sermão 169, 11, 13: PL 38, 923). O acolhimento da sua misericórdia exige de nós a confissão das nossas faltas. «Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e para nos purificar de toda a maldade» (1ª Jo. 1, 8-9).

1848. Como afirma São Paulo: «onde abundou o pecado, superabundou a graça» (Rm. 5, 20). Mas para realizar a sua obra, a graça tem de pôr a descoberto o pecado, para converter o nosso coração e nos obter «a justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor» (Rm. 5, 21). Como um médico que examina a chaga antes de lhe aplicar o penso, Deus, pela sua Palavra e pelo seu Espírito, projeta uma luz viva sobre o pecado:

- «a conversão requer o reconhecimento do pecado. Contém em si mesma o juízo interior da consciência. Pode ver-se nela a prova da ação do Espírito de verdade no mais íntimo do homem. Torna-se, ao mesmo tempo, o princípio dum novo dom da graça e do amor: "recebei o Espírito Santo". Assim, neste "convencer quanto ao pecado". descobrimos um duplo dom: o dom da verdade da consciência e o dom da certeza da redenção. O Espírito da verdade é o Consolador» (João Paulo II, Enc. Dominum et vivificantem, 31: AAS 78 (1986) 843).

II. Definição de pecado

1849. O pecado é uma falta contra a razão, a verdade, a reta consciência. É uma falha contra o verdadeiro amor para com Deus e para com o próximo, por causa dum apego perverso a certos bens. Fere a natureza do homem e atenta contra a solidariedade humana. Foi definido como «uma palavra, um ato ou um desejo contrário à Lei eterna» (Santo Agostinho, Contra Faustum manichaeum, 22, 27: CSEL 25, 621 (PL 42, 418): cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q. 71, a. 6: Ed. Leon. 7, 8-9).

1850. O pecado é uma ofensa a Deus: «pequei contra Vós, só contra Vós, e fiz o mal diante dos vossos olhos» (Sl. 51, 6). O pecado é contrário ao amor que Deus nos tem e afasta d'Ele os nossos corações. É, como o primeiro pecado, uma desobediência, uma revolta contra Deus, pela vontade de os homens se tornarem «como deuses», conhecendo e determinando o que é bem e o que é mal (Gn. 3, 5). Assim, o pecado é «o amor de si próprio levado até ao desprezo de Deus» (Santo Agostinho, De civitate Dei, 14, 28: CSEL 40/2, 56 (PL 41, 436)). Por esta exaltação orgulhosa de si mesmo, o pecado é diametralmente oposto à obediência de Jesus, que realizou a salvação (Cf. Fl. 2, 6-9).

1851. É precisamente na paixão, em que a misericórdia de Cristo o vai vencer, que o pecado manifesta melhor a sua violência e a sua multiplicidade: incredulidade, ódio assassino, rejeição e escárnio por parte dos chefes e do povo, covardia de Pilatos e crueldade dos soldados, traição de Judas tão dura para Jesus, negação de Pedro e abandono dos discípulos. No entanto, mesmo na hora das trevas e do príncipe deste mundo (Cf. Jo. 14, 30), o sacrifício de Cristo torna-se secretamente a fonte de onde brotará, inesgotável, o perdão dos nossos pecados.

III. A diversidade dos pecados

1852. É grande a variedade dos pecados. A Sagrada Escritura fornece-nos várias listas. A Epístola aos Gálatas opõe as obras da carne aos frutos do Espírito: «as obras da natureza decaída ("carne") são claras: imoralidade, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, inimizades, discórdias, ciúmes, fúrias, rivalidades, dissensões, facciosismos, invejas, excessos de bebida e de comida e coisas semelhantes a estas. Sobre elas vos previno, como já vos tinha prevenido: os que praticam ações como estas, não herdarão o Reino de Deus» (Gl. 5, 19-21) (Cf. Rm. 1, 28-32; 1ª Cor 6, 9-10; Ef. 5, 3-5; Cl. 3, 5-9; 1ª Tm 1, 9-10; 2ª Tm 3, 2-5).

1853. Os pecados podem distinguir-se segundo o seu objeto, como todo o ato humano; ou segundo as virtudes a que se opõem; por excesso ou por defeito; ou segundo os mandamentos que violam. Também podem agrupar-se segundo outros critérios: os que dizem respeito a Deus, ao próximo, à própria pessoa do pecador; pecados espirituais e carnais: ou, ainda, pecados por pensamentos, palavras, obras ou omissões. A raiz do pecado está no coração do homem, na sua vontade livre, conforme o ensinamento do Senhor: «do coração é que provêm pensamentos malévolos, assassínios, adultérios, fornicações, roubos, falsos testemunhos, maledicências - coisas que tornam o homem impuro» (Mt. 15, 19). Mas é também no coração que reside a caridade, princípio das obras boas e puras, que o pecado ofende.

IV. A gravidade do pecado: pecado mortal e pecado venial

1854. Os pecados devem ser julgados segundo a sua gravidade. A distinção entre pecado mortal e pecado venial, já perceptível na Escritura (Cf. 1ª Jo. 5, 16-17), impôs-se na Tradição da Igreja. A experiência dos homens corrobora-a.

1855. O pecado mortal destrói a caridade no coração do homem por uma infracção grave à Lei de Deus. Desvia o homem de Deus, que é o seu último fim, a sua bem-aventurança, preferindo-Lhe um bem inferior. O pecado venial deixa subsistir a caridade, embora ofendendo-a e ferindo-a.

1856. O pecado mortal, atacando em nós o princípio vital que é a caridade, torna necessária uma nova iniciativa da misericórdia de Deus e uma conversão do coração que normalmente se realiza no quadro do sacramento da Reconciliação:

- «quando [...] a vontade se deixa atrair por uma coisa de si contrária à caridade, pela qual somos ordenados para o nosso fim último, o pecado, pelo seu próprio objeto, deve considerar-se mortal [...], quer seja contra o amor de Deus (como a blasfémia, o perjúrio, etc.), quer contra o amor do próximo (como o homicídio, o adultério, etc.) [...] Em contrapartida, quando a vontade do pecador por vezes se deixa levar para uma coisa que em si é desordenada, não sendo todavia contrária ao amor de Deus e do próximo (como uma palavra ociosa, um risco supérfluo, etc.), tais pecados são veniais» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q. 88. a. 2, e: Ed. Leon. 7, 135).

1857. Para que um pecado seja mortal, requerem-se, em simultâneo, três condições: «é pecado mortal o que tem por objeto uma matéria grave, e é cometido com plena consciência e de propósito deliberado» (João Paulo II. Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 17: AAS 77 (1985) 221).

1858. A matéria grave é precisada pelos dez Mandamentos, segundo a resposta que Jesus deu ao jovem rico: «não mates, não cometas adultério, não furtes, não levantes falsos testemunhos, não cometas fraudes, honra pai e mãe» (Mc. 10, 18). A gravidade dos pecados é maior ou menor: um homicídio é mais grave que um roubo. A qualidade das pessoas lesadas também entra em linha de conta: a violência cometida contra pessoas de família é, por sua natureza, mais grave que a exercida contra estranhos.

1859. Para que o pecado seja mortal tem de ser cometido com plena consciência e total consentimento. Pressupõe o conhecimento do carácter pecaminoso do ato, da sua oposição à Lei de Deus. E implica também um consentimento suficientemente deliberado para ser uma opção pessoal. A ignorância simulada e o endurecimento do coração (Cf. Mc. 3, 5-6; Lc 16, 19-31) não diminuem, antes aumentam, o carácter voluntário do pecado.

1860. A ignorância involuntária pode diminuir, ou mesmo desculpar, a imputabilidade duma falta grave. Mas parte-se do princípio de que ninguém ignora os princípios da lei moral, inscritos na consciência de todo o homem. Os impulsos da sensibilidade e as paixões podem também diminuir o carácter voluntário e livre da falta. O mesmo se diga de pressões externas e de perturbações patológicas. O pecado cometido por malícia, por escolha deliberada do mal, é o mais grave.

1861. O pecado mortal é uma possibilidade radical da liberdade humana, tal como o próprio amor. Tem como consequência a perda da caridade e a privação da graça santificante, ou seja, do estado de graça. E se não for resgatado pelo arrependimento e pelo perdão de Deus, originará a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no Inferno, uma vez que a nossa liberdade tem capacidade para fazer escolhas definitivas, irreversíveis. No entanto, embora nos seja possível julgar se um ato é, em si, uma falta grave, devemos confiar o juízo sobre as pessoas à justiça e à misericórdia de Deus.

1862. Comete-se um pecado venial quando, em matéria leve, não se observa a medida prescrita pela lei moral ou quando, em matéria grave, se desobedece à lei moral, mas sem pleno conhecimento ou sem total consentimento.

1863. O pecado venial enfraquece a caridade, traduz um afeto desordenado aos bens criados, impede o progresso da pessoa no exercício das virtudes e na prática do bem moral; e merece penas temporais. O pecado venial deliberado e não seguido de arrependimento, dispõe, a pouco e pouco, para cometer o pecado mortal. No entanto, o pecado venial não quebra a aliança com Deus e é humanamente reparável com a graça de Deus. «Não priva da graça santificante, da amizade com Deus, da caridade, nem, portanto, da bem-aventurança eterna» (João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 17: AAS 77 (1985) 221).

- «Enquanto vive na carne, o homem não é capaz de evitar totalmente o pecado, pelo menos os pecados leves. Mas estes pecados, que chamamos leves, não os tenhas por insignificantes. Se os tens por insignificantes quando os pesas, treme quando os contas. Muitos objetos leves fazem uma massa pesada; muitas gotas de água enchem um rio; muitos grãos fazem um monte. Onde, então, está a nossa esperança? Antes de mais, na confissão...» (Santo Agostinho, In epistulam Iohannis Parthos tractatus, 1, 6: PL 35, 1982).

1864. «Todo o pecado ou blasfémia será perdoado aos homens, mas a blasfémia contra o Espírito não lhes será perdoada» (Mt. 12, 31) (Cf. Mc. 3. 29; Lc. 12, 10). Não há limites para a misericórdia de Deus, mas quem recusa deliberadamente receber a misericórdia de Deus, pelo arrependimento, rejeita o perdão dos seus pecados e a salvação oferecida pelo Espírito Santo (Cf. João Paulo II, Enc. Dominum et vivificantem, 46: AAS 78 (1986) 864-865). Tal endurecimento pode levar à impenitência final e à perdição eterna.

V. A proliferação do pecado

1865. O pecado arrasta ao pecado; gera o vício, pela repetição dos mesmos atos. Daí resultam as inclinações perversas, que obscurecem a consciência e corrompem a apreciação concreta do bem e do mal. Assim, o pecado tende a reproduzir-se e reforçar-se, embora não possa destruir radicalmente o sentido moral.

1866. Os vícios podem classificar-se segundo as virtudes a que se opõem, ou relacionando-os com os pecados capitais que a experiência cristã distinguiu, na sequência de São João Cassiano (Cf. São Cassiano, Conlatio, 5, 2: CSEL 13, 121 (PL 49, 611)) e São Gregório Magno (Cf. São Gregório Magno, Moralia in Job, 31, 45, 87: CCL 143B, 1610 (PL 76, 621)). Chamam-se capitais, porque são geradores doutros pecados e doutros vícios. São eles: a soberba, a avareza, a inveja, a ira, a luxúria, a gula e a preguiça ou negligência (acedia).

1867. A tradição catequética lembra também a existência de «pecados que bradam ao céu». Bradam ao céu: o sangue de Abel (Cf. Gn 4. 10); o pecado dos sodomitas (Cf. Gn. 18, 20; 19, 13); o clamor do povo oprimido no Egito (Cf. Ex. 3, 7-10); o lamento do estrangeiro, da viúva e do órfão (Cf. Ex. 22, 20-22); a injustiça para com o assalariado (Cf. Dt 24, 14-15; Tg 5, 4).

1868. O pecado é um ato pessoal. Mas, além disso, nós temos responsabilidade nos pecados cometidos por outros, quando neles cooperamos:

-  tomando parte neles, direta e voluntariamente;
- ordenando-os. aconselhando-os, aplaudindo-os ou aprovando-os;
- não os denunciando ou não os impedindo, quando a isso obrigados;
- protegendo os que praticam o mal.

1869. Assim, o pecado torna os homens cúmplices uns dos outros, faz reinar entre eles a concupiscência, a violência e a injustiça. Os pecados provocam situações sociais e instituições contrárias à Bondade divina; as «estruturas de pecado» são expressão e efeito dos pecados pessoais e induzem as suas vítimas a que, por sua vez, cometam o mal. Constituem, em sentido analógico, um «pecado social» (João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 16: AAS 77 (1985) 216).

Resumindo:

1870. «Deus encerrou todos na desobediência, para usar de misericórdia para com todos» (Rm. 11, 32).

1871. O pecado é «uma palavra, um ato ou um desejo contrários à lei eterna» (Santo Agostinho, Contra Faustum manichaeum, 22, 27: CSEL 25, 621 (PL 42, 418)). É uma ofensa a Deus. Levanta-se contra Deus por uma desobediência contrária à obediência de Cristo.

1872. O pecado é um ato contrário à razão. Fere a natureza do homem e atenta contra a solidariedade humana.

1873. A raiz de todos os pecados está no coração do homem. As suas espécies e gravidade aferem-se, principalmente, pelo seu objeto.

1874. Optar deliberadamente - isto é, sabendo e querendo - por algo gravemente contrário à lei divina e ao fim último do homem, é cometer um pecado mortal. Este destrói em nós a caridade, sem a qual a bem-aventurança eterna é impossível; se não houver arrependimento, tem como consequência a morte eterna.

1875. O pecado venial constitui uma desordem moral, reparável pela caridade que deixa subsistir em nós.

1876. A repetição dos pecados, mesmo veniais, gera os vícios, entre os quais se distinguem os pecados capitais.

                                                                               A VIDA EM CRISTO

PRIMEIRA SECÇÃO

A VOCAÇÃO DO HOMEM: A VIDA NO ESPÍRITO

CAPÍTULO SEGUNDO

A COMUNIDADE HUMANA

1877. A vocação da humanidade é manifestar a imagem de Deus e ser transformada à imagem do Filho único do Pai. Esta vocação reveste-se de uma forma pessoal, pois cada um é chamado a entrar na bem-aventurança divina. Mas diz também respeito ao conjunto da comunidade humana.

ARTIGO 1

A PESSOA E A SOCIEDADE

I. O caráter comunitário da vocação humana

1878. Todos os homens são chamados ao mesmo fim, que é o próprio Deus. Existe uma certa semelhança entre a unidade das pessoas divinas e a fraternidade que os homens devem instaurar entre si, na verdade e no amor (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 24: AAS 58 (1966) 1045). O amor ao próximo é inseparável do amor a Deus.

1879. A pessoa humana tem necessidade da vida social. Esta não constitui para ela algo de acessório, mas uma exigência da sua natureza. Graças ao contacto com os demais, ao serviço mútuo e ao diálogo com os seus irmãos, o homem desenvolve as suas capacidades, e assim responde à sua vocação (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 25: AAS 58 (1966) 1045).

1880. Sociedade é um conjunto de pessoas ligadas de modo orgânico por um princípio de unidade que ultrapassa cada uma delas. Assembleia ao mesmo tempo visível e espiritual, uma sociedade perdura no tempo: assume o passado e prepara o futuro. Através dela, cada homem é constituído «herdeiro», recebe «talentos» que enriquecem a sua identidade e cujos frutos deve desenvolver (Cf. Lc. 19, 13. 15). Com toda a razão, cada um é devedor de dedicação às comunidades de que faz parte e de respeito às autoridades encarregadas do bem comum.

1881. Cada comunidade define-se pelo fim a que tende e, por conseguinte, obedece a regras específicas. Mas «pessoa humana é e deve ser o princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições sociais» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 25: AAS 58 (1966) 1045).

1882. Certas sociedades, como a família e a comunidade civil, correspondem de modo mais imediato à natureza do homem. São-lhe necessárias. Para favorecer a participação do maior número possível de pessoas na vida social, deve fomentar-se a criação de associações e instituições de livre iniciativa, «com fins económicos, culturais, sociais, desportivos, recreativos, profissionais, políticos, tanto no interior das comunidades políticas como a nível mundial» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 25: AAS 58 (1966) 1045). Esta «socialização» exprime também a tendência natural que leva os seres humanos a associarem-se, com vista a atingirem objetivos que ultrapassam as capacidades individuais. Desenvolve as qualidades da pessoa, particularmente o sentido de iniciativa e de responsabilidade, e contribui para garantir os seus direitos (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 24: AAS 58 (1966) 1045-1046; João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 16: AAS 83 (1991) 813).

1883. Mas a socialização também oferece perigos. Uma intervenção exagerada do Estado pode constituir uma ameaça à liberdade e às iniciativas pessoais. A doutrina da Igreja elaborou o princípio dito da subsidiariedade. Segundo ele, «uma sociedade de ordem superior não deve interferir na vida interna duma sociedade de ordem inferior, privando-a das suas competências, mas deve antes apoiá-la, em caso de necessidade, e ajudá-la a coordenar a sua ação com a dos demais componentes sociais, com vista ao bem comum» (João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 48: AAS 83 (1991) 854: cf. Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931) 184-186).

1884. Deus não quis reservar só para Si o exercício de todos os poderes. Confia a cada criatura as funções que ela é capaz de exercer, segundo as capacidades da sua própria natureza. Este modo de governo deve ser imitado na vida social. O procedimento de Deus no governo do mundo, que testemunha tão grande respeito para com a liberdade humana, deveria inspirar a sabedoria daqueles que governam as comunidades humanas. Eles devem atuar como ministros da providência divina.

1885. O princípio da subsidiariedade opõe-se a todas as formas de coletivismo e marca os limites da intervenção do Estado. Visa harmonizar as relações entre os indivíduos e as sociedades e tende a instaurar uma verdadeira ordem internacional.

II. Conversão e sociedade

1886. A sociedade é indispensável à realização da vocação humana. Para atingir esse fim, tem de ser respeitada a justa hierarquia dos valores, que «subordina as dimensões físicas e instintivas às dimensões interiores e espirituais» (João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 36: AAS 83 (1991) 838):

- «a convivência humana [...] há de considerar-se, antes de mais, como um fato de ordem principalmente espiritual: como comunicação de conhecimentos, à luz da verdade; exercício de direitos e cumprimento de deveres; incentivo e apelo aos bens do espírito; gozo comum do justo prazer da beleza em todas as suas expressões; permanente disposição para partilhar com os outros o melhor de si mesmo; aspiração a uma mútua e cada vez mais rica assimilação de valores espirituais. Todos estes valores vivificam e, ao mesmo tempo, orientam tudo o que diz respeito às doutrinas, às realidades económicas, à convivência cívica, aos movimentos e regimes políticos, à ordem jurídica e aos demais elementos exteriores através dos quais se articula e se exprime a convivência humana no seu incessante devir» (João XXIII, Enc. Pacem in terris, 36: AAS 55 (1963) 266).

1887. A inversão dos meios e dos fins (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 41: AAS 83 (1991) 844), que chega a dar valor de fim último ao que não passa de meio para a ele chegar ou a considerar as pessoas como puros meios com vista a um fim, gera estruturas injustas que «tornam árduo e praticamente impossível um procedimento cristão, conforme com os mandamentos do divino legislador» (Pio XII, Mensagem radiofónica (1 de Junho de 1941): AAS 33 (1941) 197).

1888. Deve-se, pois, apelar para as capacidades espirituais e morais da pessoa e para a exigência permanente da sua conversão interior, para se conseguirem mudanças sociais que estejam realmente ao seu serviço. A prioridade reconhecida à conversão do coração, não elimina de modo algum, antes impõe, a obrigação de introduzir nas instituições e nas condições de vida, quando introduzem ao pecado, as correções convenientes para que elas se conformem com as normas da justiça e favoreçam o bem, em vez de se lhe oporem (Cf. II Concílio do Vaticano, Cons. dogm. Lumen Gentium, 36: AAS 57 (1965) 42).

1889. Sem a ajuda da graça, os homens não seriam capazes de «descobrir o caminho, muitas vezes estreito, entre a covardia que cede ao mal e a violência que, julgando combatê-lo, o agrava» (João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 25 AAS 83 (1991) 823). É o caminho da caridade, ou seja, do amor de Deus e do próximo. A caridade constitui o maior mandamento social. Ela respeita o outro e os seus direitos, exige a prática da justiça, de que só ela nos torna capazes e inspira-nos uma vida de entrega: «quem procurar preservar a vida, há de perdê-la; quem a perder, há de salvá-la» (Lc. 17, 33).

Resumindo:

1890. Existe uma certa semelhança entre a unidade das pessoas divinas e a fraternidade que os homens devem instaurar entre si.

1891. Para se desenvolver em conformidade com a sua natureza, a pessoa humana tem necessidade da vida social. Certas sociedades, como a família e a comunidade civil, correspondem, de modo mais imediato, à natureza do homem.

1892. «A pessoa humana é e deve ser o princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições sociais» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 25 AAS 58 (1966) 1045).

1893. Deve promover-se uma larga participação nas associações e instituições de livre iniciativa.

1894. Segundo o princípio da subsidiariedade, nem o Estado nem qualquer sociedade mais abrangente devem substituir-se à iniciativa e à responsabilidade das pessoas e dos corpos intermédios.

1895. A sociedade deve favorecer a prática das virtudes, e não a impedir. Deve inspirar-se numa justa hierarquia de valores.

1896. Onde quer que o pecado perverta o clima social, deve fazer-se apelo à conversão dos corações e à graça de Deus. A caridade incentiva reformas justas. Não existe solução para a questão social fora do Evangelho (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 5: AAS 83 (1991) 800).

ARTIGO 2

A PARTICIPAÇÃO NA VIDA SOCIAL

I. A autoridade

1897. «A sociedade humana não estará bem constituída nem será fecunda, se a ela não presidir uma autoridade legítima que salvaguarde as instituições e dedique o necessário trabalho e esforço ao bem comum» (João XXIII, Enc. Pacem in terris, 46: AAS 55 (1963) 269).

Chama-se «autoridade» àquela qualidade em virtude da qual pessoas ou instituições dão leis e ordens a homens e esperam obediência da parte deles.

1898. Toda a comunidade humana tem necessidade de uma autoridade que a governe (Cf. Leão XIII, Enc. Diuturnum illud: Leonis XIII Acta 2, 271; Id., Enc. Immortale Dei: Leonis XIII Acta, 5, 120). Esta tem o seu fundamento na natureza humana. Ela é necessária para a unidade da comunidade civil. O seu papel consiste em assegurar, quanto possível, o bem comum da sociedade.

1899. A autoridade exigida pela ordem moral emana de Deus: «submeta-se cada qual às autoridades constituídas. Pois não há autoridade que não tenha sido constituída por Deus e as que existem foram estabelecidas por Ele. Quem resiste, pois, à autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus, e os que lhe resistem atraem sobre si a condenação» (Rm. 13, 1‑2) (Cf. 1ª Pe. 2, 13-17).

1900. O dever de obediência impõe a todos a obrigação de tributar à autoridade as honras que lhe são devidas e de rodear de respeito e, segundo o seu mérito, de gratidão e benevolência, as pessoas que a exercem.

Saída da pena do papa São Clemente de Roma, encontramos a mais antiga oração da Igreja pela autoridade política (Cf. já 1ª Tm. 2, 1-2):

- «Dai-lhes, Senhor, a saúde, a paz, a concórdia, a estabilidade, para que exerçam sem obstáculos a soberania que lhes confiastes. Sois Vós, ó mestre, celeste rei dos séculos, quem dá aos filhos dos homens glória, honra e poder sobre as coisas da terra. Dirigi, Senhor, o seu conselho segundo o que é bem, segundo o que é agradável aos vossos olhos, para que, exercendo com piedade, na paz e na mansidão, o poder que lhes destes, vos encontrem propício» (São Clemente de Roma, Epistula ad Corinthios, 61, 1-2: SC 167, 198-200 (Funk 1, 178-180)).

1901. Se a autoridade remete para uma ordem fixada por Deus, já «a determinação dos regimes políticos, tal como a designação dos seus dirigentes, devem ser deixados à livre vontade dos cidadãos» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 74: AAS 58 (1966) 1096).

A diversidade dos regimes políticos é moralmente admissível, desde que concorram para o bem legítimo da comunidade que os adota. Os regimes cuja natureza for contrária à lei natural, à ordem pública e aos direitos fundamentais das pessoas, não podem promover o bem comum das nações onde se impuseram.

1902. A autoridade não recebe de si mesma a legitimidade moral. Por isso, não deve proceder de maneira despótica, mas agir em prol do bem comum, como uma «força moral fundada na liberdade e no sentido de responsabilidade» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 74: AAS 58 (1966) 1096):

- «a legislação humana só se reveste do carácter de lei, na medida em que se conforma com a justa razão; daí ser evidente que ela recebe todo o seu vigor da Lei eterna. Na medida em que se afastar da razão, deve ser declarada injusta, pois não realiza a noção de lei: será, antes, uma forma de violência» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q. 93, a. 3. ad 2: Ed. Leon. 7, 164).

1903. A autoridade só é exercida legitimamente na medida em que procurar o bem comum do respectivo grupo e em que, para o atingir, empregar meios moralmente lícitos. No caso de os dirigentes promulgarem leis injustas ou tomarem medidas contrárias à ordem moral, tais disposições não podem obrigar as consciências. «Neste caso, a própria autoridade deixa de existir e degenera em abuso do poder» (João XXIII, Enc. Pacem in terris, 51: AAS 55 (1963) 271).

1904. «É preferível que todo o poder seja equilibrado por outros poderes e outras competências que o mantenham no seu justo limite. Este é o princípio do "Estado de direito", no qual é soberana a Lei, e não a vontade arbitrária dos homens» (João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 44: AAS 83 (1991) 848).

II. O bem comum

1905. Em conformidade com a natureza social do homem, o bem de cada um está necessariamente relacionado com o bem comum. E este não pode definir-se senão em referência à pessoa humana:

- «não vivais isolados, fechados em vós mesmos, como se já estivésseis justificados; mas reuni-vos para procurar em conjunto o que é de interesse comum» (Pseudo Barnabé, Epistula, 4, 10: SC 172, 100-102 (Funk 1, 48)).

1906. Por bem comum devem entender-se «o conjunto das condições sociais que permitem, tanto aos grupos como a cada um dos seus membros, atingir a sua perfeição, do modo mais completo e adequado» (Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 26: AAS 58 (1966)1046: cf. Ibid., 74: AAS 58 (1966) 1096). O bem comum interessa à vida de todos. Exige prudência da parte de cada um, sobretudo da parte de quem exerce a autoridade. E inclui três elementos essenciais.:

1907. Supõe, em primeiro lugar, o respeito da pessoa como tal. Em nome do bem comum, os poderes públicos são obrigados a respeitar os direitos fundamentais e inalienáveis da pessoa humana. A sociedade humana deve empenhar-se em permitir, a cada um dos seus membros, realizar a própria vocação. De modo particular, o bem comum reside nas condições do exercício das liberdades naturais, indispensáveis à realização da vocação humana: «por exemplo, o direito de agir segundo a reta norma da sua consciência, o direito à salvaguarda da vida privada e à justa liberdade, mesmo em matéria religiosa» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 26: AAS 58 (1966) 1046).

1908. Em segundo lugar, o bem comum exige o bem-estar social e o desenvolvimento da própria sociedade. O desenvolvimento é o resumo de todos os deveres sociais. Sem dúvida, à autoridade compete arbitrar, em nome do bem comum, entre os diversos interesses particulares; mas deve tornar acessível a cada qual aquilo de que precisa para levar uma vida verdadeiramente humana: alimento, vestuário, saúde, trabalho, educação e cultura, informação conveniente, direito de constituir família (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 26: AAS 58 (1966) 1046), etc.

1909. Finalmente, o bem comum implica a paz, quer dizer, a permanência e segurança duma ordem justa. Supõe, portanto, que a autoridade assegure, por meios honestos, a segurança da sociedade e dos seus membros. O bem comum está na base do direito à legítima defesa, pessoal e coletiva.

1910. Se cada comunidade humana possui um bem comum que lhe permite reconhecer-se como tal, é na comunidade política que se encontra a sua realização mais completa. Compete ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade civil, dos cidadãos e dos corpos intermédios.

1911. As dependências humanas intensificam-se. Estendem-se, pouco a pouco, a toda a terra. A unidade da família humana, reunindo seres de igual dignidade natural, implica um bem comum universal. E este requer uma organização da comunidade das nações, capaz de «prover às diversas necessidades dos homens, tanto no domínio da vida social (alimentação, saúde, educação...), como para fazer face a múltiplas circunstâncias particulares que podem surgir aqui e ali (por exemplo: [...] acudir às misérias dos refugiados, dar assistência aos migrantes e suas famílias...)» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 84: AAS 58 (1966) 1107).

1912. O bem comum está sempre orientado para o progresso das pessoas: «a ordem das coisas deve estar subordinada à ordem das pessoas, e não o inverso» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 26: AAS 58 (1966) 1047). Esta ordem tem por base a verdade, constrói-se na justiça e é vivificada pelo amor.

III. Responsabilidade e participação

1913. Participação é o empenhamento voluntário e generoso da pessoa nas permutas sociais. É necessário que todos tomem parte, cada qual segundo o lugar que ocupa e o papel que desempenha, na promoção do bem comum. Este é um dever inerente à dignidade da pessoa humana.

1914. A participação realiza-se, primeiro, ao encarregar-se alguém dos sectores de que assume a responsabilidade pessoal: pelo cuidado que põe na educação da família, pela consciência com que realiza o seu trabalho, o homem participa no bem dos outros e da sociedade
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 31: AAS 83 (1991) 847).

1915. Os cidadãos devem, tanto quanto possível, tomar parte ativa na vida pública. As modalidades desta participação podem variar de país para país ou de uma cultura para outra. «É de louvar o modo de agir das nações em que, em autêntica liberdade, o maior número possível de cidadãos participa nos assuntos públicos» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 3162: AAS 58 (1966) 1050).

1916. A participação de todos na promoção do bem comum implica, como qualquer dever ético, uma conversão incessantemente renovada dos parceiros sociais. A fraude e outros subterfúgios, pelos quais alguns se esquivam às obrigações da lei e às prescrições do dever social, devem ser firmemente condenados como incompatíveis com as exigências da justiça. Importa promover o progresso das instituições que melhorem as condições da vida humana (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 30: AAS 58 (1966) 1049).

1917. Incumbe àqueles que exercem cargos de autoridade garantir os valores que atraem a confiança dos membros do grupo e os incitam a colocar-se ao serviço dos seus semelhantes. A participação começa pela educação e pela cultura. «Pode-se legitimamente pensar que o futuro da humanidade está nas mãos daqueles que souberem dar às gerações de amanhã razões de viver e de esperar» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 31: AAS 58 (1966) 1050).

Resumindo:

1918. «Não existe autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram por Deus estabelecidas» (Rm. 13, 1).

1919. Toda a comunidade humana tem necessidade duma autoridade, para se manter e desenvolver:

1920. «A comunidade política e a autoridade pública têm o seu fundamento na natureza humana, e pertencem, por isso, à ordem estabelecida por Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 74: AAS 58 (1966) 1096).

1921. A autoridade exerce-se de modo legítimo, se se dedicar a conseguir o bem comum da sociedade. Para o atingir, deve empregar meios moralmente aceitáveis.

1922. A diversidade dos regimes políticos é legítima, desde que estas concorram para o bem da comunidade.

1923. A autoridade política deve exercer-se dentro dos limites da ordem moral, e garantir as condições necessárias para o exercício da liberdade.

1924. O bem comum abrange «o conjunto das condições sociais que permitem aos grupos e às pessoas atingir a sua perfeição, do modo mais pleno e fácil» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 26: AAS 58 (1966) 1046).

1925. O bem comum inclui três elementos essenciais: o respeito e a promoção dos direitos fundamentais da pessoa; a prosperidade ou desenvolvimento dos bens espirituais e temporais da sociedade; a paz e a segurança do grupo e dos seus membros.

1926. A dignidade da pessoa humana implica a busca do bem comum. Cada qual deve preocupar-se em suscitar e sustentar instituições que melhorem as condições da vida humana.

1927. Compete ao Estado defender e promover o bem comum da sociedade civil. O bem comum de toda a família humana exige uma organização da sociedade internacional.

ARTIGO 3

A JUSTIÇA SOCIAL

1928. A sociedade garante a justiça social, quando realiza as condições que permitem às associações e aos indivíduos obterem o que lhes é devido, segundo a sua natureza e vocação. A justiça social está ligada ao bem comum e ao exercício da autoridade.

I. O respeito pela pessoa humana

1929. A justiça social só pode alcançar-se no respeito da dignidade transcendente do homem. A pessoa constitui o fim último da sociedade, que está ordenada para ela:

- a defesa e promoção da dignidade da pessoa humana «foram-nos confiadas pelo Criador, tarefa a que estão rigorosa e responsavelmente obrigados os homens e as mulheres em todas as conjunturas da história» (João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 47: AAS 80 (1988) 581).

1930. O respeito pela pessoa humana implica o dos direitos que dimanam da sua dignidade de criatura. Esses direitos são anteriores à sociedade e impõem-se lhe. Estão na base da legitimidade moral de qualquer autoridade: desprezando-os ou recusando reconhecê-los na sua legislação positiva, uma sociedade atenta contra a sua própria legitimidade moral (Cf. João XXIII, Enc. Pacem in terris, 61: AAS 55 (1963) 274). Faltando esse respeito, uma sociedade não tem outra solução, senão o recurso à força e à violência, para obter a obediência dos seus súbitos. É dever da Igreja trazer à memória dos homens de boa vontade aqueles direitos, e distingui-los das reivindicações abusivas ou falsas.

1931. O respeito pela pessoa humana passa pelo respeito pelo princípio: «que cada um considere o seu próximo, sem qualquer excepção, como “outro ele mesmo”, e zele, antes de mais, pela sua existência e pelos meios que lhe são necessários para viver dignamente» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 27: AAS 58 (1966) 274). Nenhuma legislação será capaz, por si mesma, de fazer desaparecer os temores, os preconceitos, as atitudes de orgulho e egoísmo que são obstáculo ao estabelecimento de sociedades verdadeiramente fraternas. Tais atitudes só desaparecem com a caridade, que vê em cada homem um «próximo», um irmão.

1932. O dever de nos fazermos o «próximo» do outro, e de o servirmos ativamente, é tanto mais premente quanto esse outro for mais indefeso, seja em que domínio for. «Quantas vezes o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes» (Mt. 25, 40).

1933. Este mesmo dever é extensivo a todos os que pensam ou se comportam de modo diferente de nós. A doutrina de Cristo chega a exigir o perdão das ofensas. Ele estende o mandamento do amor, que é o da nova Lei, a todos os inimigos (Cf. Mt 5, 43-44). A libertação, no espírito do Evangelho, é incompatível com o ódio ao inimigo, enquanto pessoa; embora não o seja com o ódio ao mal, que ele pode praticar enquanto inimigo.

II. Igualdade e diferença entre os homens

1934. Criados à imagem do Deus único, dotados duma idêntica alma racional, todos os homens têm a mesma natureza e a mesma origem. Resgatados pelo sacrifício de Cristo, todos são chamados a participar da mesma bem-aventurança divina. Todos gozam, portanto, de igual dignidade.

1935. A igualdade entre os homens assenta essencialmente na sua dignidade pessoal e nos direitos que dela dimanam:

- «toda a espécie de discriminação relativamente aos direitos fundamentais da pessoa, quer por razão do sexo, quer da raça, cor, condição social, língua ou religião, deve ser ultrapassada e eliminada como contrária ao desígnio de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 29: AAS 58 (1966) 1048-1049).

1936. Ao vir ao mundo, o homem não dispõe de tudo o que é necessário para o desenvolvimento da sua vida corporal e espiritual. Precisa dos outros. Há diferenças relacionadas com a idade, as capacidades físicas, as aptidões intelectuais e morais, os intercâmbios de que cada um pôde beneficiar, a distribuição das riquezas (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 29: AAS 58 (1966) 1048). Os «talentos» não são distribuídos por igual (Cf. Mt. 25, 14-30: Lc. 19, 11-27).

1937. Estas diferenças fazem parte do plano de Deus que quer que cada um receba de outrem aquilo de que precisa e que os que dispõem de «talentos» particulares comuniquem os seus benefícios aos que deles precisam. As diferenças estimulam e muitas vezes obrigam as pessoas à magnanimidade, à benevolência e à partilha: e incitam as culturas a enriquecerem-se umas às outras:

- «Eu distribuo as virtudes tão diferentemente, que não dou tudo a todos, mas a uns uma e a outros outra [...] A um darei principalmente a caridade, a outro a justiça, a este a humildade, àquele uma fé viva. [...] E assim dei muitos dons e graças de virtudes, espirituais e temporais, com tal diversidade, que não comuniquei tudo a uma só pessoa, a fim de que vós fosseis forçados a usar de caridade uns para com os outros; [...] Eu quis que um tivesse necessidade do outro e todos fossem meus ministros na distribuição das graças e dons de Mim recebidos» (Santa Catarina de Sena, Il dialogo della Divina provvidenza, 7: ed. G. Cavallini (Roma 1995) p. 23-24).

1938. Mas também existem desigualdades iníquas que ferem milhões de homens e de mulheres. Essas estão em contradição frontal com o Evangelho:

- «a igual dignidade pessoal postula que se chegue a condições de vida mais humanas e justas. Com efeito, as excessivas desigualdades económicas e sociais entre os membros ou povos da única família humana provocam escândalo e são obstáculo à justiça social, à equidade, à dignidade da pessoa humana e, finalmente, à paz social e internacional» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 29: AAS 58 (1966) 1049).

III. A solidariedade humana

1939. O princípio da solidariedade, também enunciado sob o nome de «amizade» ou de «caridade social», é uma exigência direta da fraternidade humana e cristã (Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 38-40: AAS 80 (1988) 564-569; Id.. Enc. Centesimus annus, 10: AAS 83 (1991) 805-806):

- um erro, «hoje largamente espalhado, é o que esquece esta lei da solidariedade humana e da caridade, ditada e imposta tanto pela comunidade de origem e pela igualdade da natureza racional entre todos os homens, seja qual for o povo a que pertençam, como pelo sacrifício da redenção oferecido por Jesus Cristo no altar da cruz ao Pai celeste, em favor da humanidade pecadora» (Pio XII, Enc. Summi Pontificatus: AAS 31 (1939) 426).

1940. A solidariedade manifesta-se, em primeiro lugar, na repartição dos bens e na remuneração do trabalho. Implica também o esforço por uma ordem social mais justa, em que as tensões possam ser resolvidas melhor e os conflitos encontrem mais facilmente uma saída negociada.

1941. Os problemas socioeconômicos só podem ser resolvidos com a ajuda de todas as formas de solidariedade: solidariedade dos pobres entre si, dos ricos com os pobres, dos trabalhadores entre si, dos empresários e empregados na empresa; solidariedade entre as nações e entre os povos. A solidariedade internacional é uma exigência de ordem moral. Dela depende, em parte, a paz do mundo.

1942. A virtude da solidariedade vai além dos bens materiais. Ao difundir os bens espirituais da fé, a Igreja favoreceu, por acréscimo, o desenvolvimento dos bens temporais, a que, muitas vezes, abriu novos caminhos. Assim se verificou, ao longo dos séculos, a Palavra do Senhor: «procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo» (Mt. 6, 33):

- «desde há dois mil anos que vive e persevera na alma da Igreja este sentimento, que levou e ainda leva as almas até ao heroísmo caridoso dos monges agricultores, dos libertadores de escravos, dos que cuidam dos doentes, dos mensageiros da fé, da civilização, da ciência a todas as gerações e a todos os povos, em vista a criar condições sociais capazes de a todos tornar possível uma vida digna do homem e do cristão» (Pio XII, Mensagem radiofónica (1 de Junho de 1941): AAS 33 (1941) 204).

Resumindo:

1943. A sociedade assegura a justiça social, realizando as condições que permitem às associações e aos indivíduos obterem o que lhes é devido.

1944. O respeito pela pessoa humana considera o outro como «outro eu». Supõe o respeito pelos direitos fundamentais, decorrentes da dignidade intrínseca da pessoa.

1945. A igualdade entre os homens assenta na sua dignidade pessoal e nos direitos que dela dimanam.

1946. As diferenças entre as pessoas fazem parte do desígnio de Deus que quer que precisemos uns dos outros. Devem estimular a caridade.

1947. A igual dignidade das pessoas humanas exige esforços no sentido de reduzir desigualdades sociais e económicas excessivas. Conduza o desaparecimento das desigualdades iníquas.

1948. A solidariedade é uma virtude eminentemente cristã. Pratica a partilha dos bens espirituais, ainda mais que a dos materiais.

A VIDA EM CRISTO

PRIMEIRA SECÇÃO

A VOCAÇÃO DO HOMEM: A VIDA NO ESPÍRITO

 CAPÍTULO TERCEIRO

 A SALVAÇÃO DE DEUS: A LEI E A GRAÇA

1949. Chamado à bem-aventurança, mas ferido pelo pecado, o homem tem necessidade da salvação de Deus. O auxílio divino é-lhe dado em Cristo, pela lei que o dirige e na graça que o ampara:

- «trabalhai com temor e tremor na vossa salvação: porque é Deus que opera em vós o querer e o agir, segundo os seus desígnios» (Fl, 2, 12-13).

ARTIGO 1

A LEI MORAL

1950. A lei moral é obra da Sabedoria divina. Podemos defini-la, em sentido bíblico, como uma instrução paterna, uma pedagogia de Deus. Ela prescreve ao homem os caminhos, as regras de procedimento que o levam à bem-aventurança prometida e lhe proíbe os caminhos do mal, que desviam de Deus e do seu amor. E, ao mesmo tempo, firme nos seus preceitos e amável nas suas promessas.

1951. A lei é uma regra de procedimento emanada da autoridade competente em ordem ao bem comum. A lei moral pressupõe a ordem racional estabelecida entre as criaturas, para seu bem e em vista do seu fim, pelo poder, sabedoria e bondade do Criador. Toda a lei encontra na Lei eterna a sua verdade primeira e última. A lei é declarada e estabelecida pela razão como uma participação na providência do Deus vivo, Criador e Redentor de todos. «Esta ordenação da razão, eis o que se chama a lei» (Leão XIII, Enc. Libertas praestantissimum: Leonis XIII Acta 8. 218: São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q. 90. a. 1: Ed. Leon. 7, 149-150).

- «Entre todos os seres animados, o homem é o único que pode gloriar-se de ter recebido de Deus uma lei: animal dotado de razão, capaz de compreender e de discernir, ele regulará o seu procedimento dispondo da sua liberdade e da sua razão, na submissão Àquele que tudo lhe submeteu» (Tertuliano, Adversos Marcionem, 2, 4, 5: CCL I. 479 (PL 2, 315)).

1952. As expressões da lei moral são diversas, mas todas coordenadas entre si: a lei eterna, fonte em Deus de todas as leis; a lei natural; a lei revelada, compreendendo a Lei antiga e a Lei nova ou evangélica: por fim, as leis civis e eclesiásticas.

1953. A lei moral encontra em Cristo a sua plenitude e unidade. Jesus Cristo é, em pessoa, o caminho da perfeição. Ele é o fim da lei, porque só Ele ensina e confere a justiça de Deus: «o fim da Lei é Cristo, para a justificação de todo o crente» (Rm. 10, 4).

I. A lei moral natural

1954. O homem participa na sabedoria e na bondade do Criador, que lhe confere o domínio dos seus atos e a capacidade de se governar em ordem à verdade e ao bem. A lei natural exprime o sentido moral original que permite ao homem discernir, pela razão, o bem e o mal, a verdade e a mentira:

- «a lei natural [...] está escrita e gravada na alma de todos e de cada um dos homens, porque não é senão a razão humana ordenando fazer o bem e proibindo pecar... Mas este ditame da razão humana não poderia ter força de lei, se não fosse a voz e a intérprete duma razão superior, à qual o nosso espírito e a nossa liberdade devem estar sujeitos» (Leão XIII, Enc. Libertas praestantissimum: Leonis XIII Acta 8. 219).

1955. A lei «divina e natural» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 89: AAS 58 (1966) 1111-1112) mostra ao homem o caminho a seguir para praticar o bem e atingir o seu fim. A lei natural enuncia os preceitos primários e essenciais que regem a vida moral. Tem como fulcro a aspiração e a submissão a Deus, fonte e juiz de todo o bem, assim como o sentido do outro como igual a si mesmo. Quanto aos seus preceitos principais, está expressa no Decálogo. Esta lei é chamada natural, não em relação à natureza dos seres irracionais, mas porque a razão que a promulga é própria da natureza humana:

- «onde estão, pois, inscritas [estas regras] senão no livro daquela luz que se chama a verdade? É lá que está escrita toda a lei justa, e é de lá que ela passa para o coração do homem que pratica a justiça; não que imigre para ele, mas porque nele imprime a sua marca, à maneira de um selo que do sinete passa para a cera, sem contudo deixar o sinete» (Santo Agostinho, De Trinitate, 14, 15, 21: CCL 50A, 451 (PL 42, 1052)).

A lei natural «não é senão a luz da inteligência posta em nós por Deus; por ela, nós conhecemos o que se deve fazer e o que se deve evitar. Esta luz ou esta lei, deu-a Deus ao homem na criação» (São Tomás de Aquino, In duo praecepta caritatis et in detem Legi praecepta expositio 1: Opera amnia, v. 27 (Parisiis 1875) p. 144).

1956. Presente no coração de cada homem e estabelecida pela razão, a lei natural é universal nos seus preceitos, e a sua autoridade estende-se a todos os homens. Ela exprime a dignidade da pessoa e determina a base dos seus deveres e direitos fundamentais:

- «existe, sem dúvida, uma verdadeira lei, que é a reta razão; ela é conforme à natureza, comum a todos os homens; é imutável e eterna; as suas ordens apelam para o dever; as suas proibições desviam da falta. [...] É um sacrilégio substituí-la por uma lei contrária: e é interdito deixar de cumprir uma só que seja das suas disposições; quanto a ab-rogá-la inteiramente, ninguém o pode fazer» (Marco Túlio Cícero, De re publica, 3, 22, 33: Scripta quae manserunt omnia, Bibliotheca Teubneriana fasc. 39. ed. K. Ziegler (Leipzig 1969) p. 96).

1957. A aplicação da lei natural varia muito; pode requerer uma reflexão adaptada à multiplicidade das condições de vida, segundo os lugares, as épocas e as circunstâncias. Todavia, na diversidade das culturas, a lei natural permanece como regra a unir os homens entre si, impondo-lhes, para além das diferenças inevitáveis, princípios comuns.

1958. A lei natural é imutável (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 10: AAS 58 (1966) 1033) e permanente através das variações da história. Subsiste sob o fluxo das ideias e dos costumes e está na base do respectivo progresso. As regras que a traduzem permanecem substancialmente válidas. Mesmo que se lhe neguem até os princípios, não é possível destruí-la nem tirá-la do coração do homem; ela ressurge sempre na vida dos indivíduos e das sociedades:

- «não há dúvida de que o roubo é punido pela vossa Lei, Senhor, e pela lei que está escrita no coração do homem e que nem a própria iniquidade consegue apagar» (Santo Agostinho, Confissões 2, 4, 9: CCL 27, 21 (PL 32, 678)).

1959. Obra excelente do Criador, a lei natural fornece os fundamentos sólidos sobre os quais o homem pode construir o edifício das regras morais que hão de orientar as suas opções. Também nela assenta a base moral indispensável para a construção da comunidade dos homens. Enfim, proporciona a base necessária à lei civil, que a ela se liga, quer por uma reflexão que dos seus princípios tira as conclusões, quer por adições de natureza positiva e jurídica.

1960. Os preceitos da lei natural não são por todos recebidos de maneira clara e imediata. Na situação atual, a graça e a Revelação são necessárias ao homem pecador para que as verdades religiosas e morais possam ser conhecidas, «por todos e sem dificuldade, com firme certeza e sem mistura de erro» (I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 2: DS 3005: Pio XII. Enc. Humani Generis: DS 3876). A lei natural proporciona à lei revelada e à graça uma base preparada por Deus e concedida por obra do Espírito.

II. A Lei antiga

1961. Deus, nosso Criador e nosso Redentor, escolheu Israel como seu povo e revelou-lhe a sua Lei, preparando assim a vinda de Cristo. A Lei de Moisés exprime muitas verdades naturalmente acessíveis à razão. Estas encontram-se declaradas e autenticadas no âmago da aliança da salvação.

1962. A Lei antiga é o primeiro estádio da lei revelada. As suas prescrições morais estão compendiadas nos Dez Mandamentos. Os preceitos do Decálogo assentam os alicerces da vocação do homem, feito à imagem de Deus: proíbem o que é contrário ao amor de Deus e do próximo e prescrevem o que lhe é essencial. O Decálogo é uma luz oferecida à consciência de todo o homem, para lhe manifestar o apelo e os caminhos de Deus e o proteger contra o mal:

- Deus «escreveu nas tábuas da Lei o que os homens não fiam nos seus corações» (Santo Agostinho, Enarratio in Psalmum, 57, I: CCL 39, 708)

1963. Segundo a tradição cristã, a Lei santa (Cf. Rm. 7, 12), espiritual (Cf. Rm. 7, 14) e boa (Cf. Rm. 7, 16), é ainda imperfeita. Como um pedagogo (Cf. Gl. 3, 24) ela mostra o que se deve fazer; mas, por si, não dá a força, a graça do Espírito para ser cumprida. Por causa do pecado, que ela não pode anular, não deixa de ser uma lei de escravidão. Segundo São Paulo, ela tem por função principalmente denunciar e manifestar o pecado que constitui uma «lei de concupiscência» (Cf. Rm. 7) no coração do homem. No entanto, a Lei permanece como a primeira etapa no caminho do Reino. Prepara e dispõe o povo eleito e cada cristão para a conversão e para a fé em Deus salvador. Proporciona um ensinamento que subsiste para sempre, como Palavra de Deus.

1964. A Lei antiga é uma preparação para o Evangelho. «A Lei é profecia e pedagogia das realidades futuras» (Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses, 4, 15, 1: SC 100. 548 (PG 7, 1012)). Ela profetiza e preanuncia a obra de libertação do pecado, que será realizada por Cristo; e fornece ao Novo Testamento imagens, «tipos» e símbolos para exprimir a vida segundo o Espírito. Finalmente, a Lei completa-se pelo ensinamento dos Livros Sapienciais e dos Profetas, que a orientam para a Nova Aliança e para o Reino dos céus.

- Houve [...] na vigência da Antiga Aliança, pessoas que possuíam a caridade e a graça do Espírito Santo, e aspiravam acima de tudo às promessas espirituais e eternas, sob este aspecto, já pertenciam à nova Lei. E, vice-versa, existem na nova Aliança homens carnais, ainda distantes da perfeição da Nova Lei. Para os incitar à prática da virtude, tem sido necessário, mesmo na Nova Aliança, o temor do castigo e certas promessas temporais. Em todo o caso, a Lei antiga, embora prescrevesse a caridade, não dava o Espírito Santo, pelo qual "a caridade se difunde nos nossos corações" (Rm. 5, 5) (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q. 107, a.I, ad 2: Ed. Leon 7, 279).

III. A nova Lei ou Lei evangélica

1965. A Lei nova ou Lei evangélica é a perfeição, na terra, da Lei divina, natural e revelada. É obra de Cristo e tem a sua expressão, de modo particular, no sermão da montanha. É também obra do Espírito Santo e, por Ele, torna-se a lei interior da caridade: «estabelecerei com a casa de Israel uma aliança nova [...] Hei de imprimir as minhas leis no seu espírito e gravá-las-ei no seu coração. Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo» (Heb. 8, 8-10) (Cf. Jr. 31, 31-34).

1966. A Lei nova é a graça do Espírito Santo, dada aos fiéis pela fé em Cristo. Opera pela caridade e serve-se do sermão do Senhor para nos ensinar o que se deve fazer, e dos sacramentos para nos comunicar a graça de o fazer:

- aquele que quiser meditar com piedade e perspicácia o sermão que nosso Senhor pronunciou na montanha, tal como o lemos no Evangelho de São Mateus, nele encontrará, sem dúvida alguma, a carta perfeita da vida cristã [...]. Esse sermão encerra todos os preceitos próprios para guiar a vida cristã (Santo Agostinho, De sermone Domine in monte, 1, 1, 1: CCL 35, 1-2 (PL 34, 1229-1231)).

1967. A Lei evangélica «cumpre» (Cf. Mt. 5, 17-19), apura, ultrapassa e leva à perfeição a Lei antiga. Nas «bem-aventuranças», ela cumpre as promessas divinas, elevando-as e ordenando-as para o «Reino dos céus». Dirige-se àqueles que estão dispostos a acolher com fé esta esperança nova: os pobres, os humildes, os aflitos, os corações puros, os perseguidos por causa de Cristo, traçando assim os surpreendentes caminhos do Reino.

1968. A Lei evangélica dá cumprimento aos mandamentos da Lei. O sermão do Senhor, longe de abolir ou desvalorizar as prescrições morais da Lei antiga, tira deles as virtualidades ocultas, fazendo surgir novas exigências: revela toda a verdade divina e humana que elas contêm. Não acrescenta preceitos externos novos: mas chega a reformar a raiz dos atos, o coração, onde o homem escolhe entre o puro e o impuro (Cf. Mt. 15, 18-19), onde se formam a fé, a confiança e a caridade e, com elas, as outras virtudes. Assim, o Evangelho leva a Lei à sua plenitude, pela imitação da perfeição do Pai Celeste (Cf. Mt. 5, 48), pelo perdão dos inimigos e pela oração pelos perseguidores, à maneira da generosidade divina (Cf. Mt. 5, 44).

1969. A Lei nova pratica os atos da religião: a esmola, a oração, o jejum, ordenando-os para «o Pai que vê no segredo», ao contrário do desejo «de ser visto pelos homens» (Cf. Mt. 6, 1-6; 16-18). A sua oração é o «Pai Nosso» (Cf. Mt. 6, 9-13).

1970. A Lei evangélica implica a escolha decisiva entre «os dois caminhos» (Cf. Mt. 7, 13-14) e a passagem à prática das palavras do Senhor (Cf. Mt. 7, 21-27); resume-se na regra de ouro: «tudo quanto quiserdes que os homens vos façam, fazei-lho, de igual modo, vós também, pois nisso consiste a Lei e os Profetas» (Mt. 7, 12) (Cf. Lc. 6, 31).

Toda a Lei evangélica se apoia no «mandamento novo» de Jesus (Cf. Jo. 13, 34), de nos amarmos uns aos outros como Ele nos amou (Cf. Jo. 15, 12).

1971. Ao sermão do Senhor convém juntar a catequese moral dos ensinamentos apostólicos (Rm. 12-15; 1ª Cor. 12-13; Cl. 3-4; Ef. 4-5; etc.). Esta doutrina transmite o ensinamento do Senhor com a autoridade dos Apóstolos, sobretudo pela exposição das virtudes que dimanam da fé em Cristo e que são animadas pela caridade, o principal dom do Espírito Santo. «Seja a vossa caridade sem fingimento [...]. Amai-vos uns aos outros com amor fraterno [...]. Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração, acudindo com a vossa parte às necessidades dos santos, procurando o ensejo de exercer a hospitalidade (Rm. 12, 9-12). Esta catequese ensina-nos também a tratar os casos de consciência à luz da nossa relação com Cristo e com a Igreja» (Cf. Rom 14; 1 Cor 5-10).

1972. A Lei nova é chamada Lei do amor, porque faz agir mais pelo amor infundido pelo Espírito Santo do que pelo temor: Lei da graça, porque confere a força da graça para agir pela fé e pelos sacramentos; Lei de liberdade porque nos liberta das observâncias rituais e jurídicas da Lei antiga, nos inclina a agir espontaneamente sob o impulso da caridade e, finalmente, nos faz passar da condição do escravo «que ignora o que faz o seu senhor», (Cf. Tg. 1, 25; 2, 12) para a do amigo de Cristo: «porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi do meu Pai» (Jo. 15, 15); ou ainda para a condição de filho herdeiro (Cf. G. 14.1-7; 21-31; Rm. 8, 15-17).

1973. Além dos seus preceitos, a Lei nova inclui também os conselhos evangélicos. A distinção tradicional entre os mandamentos de Deus e os conselhos evangélicos estabelece-se por referência à caridade, perfeição da vida cristã. Os preceitos destinam-se a afastar tudo o que é incompatível com a caridade. Os conselhos têm por fim afastar o que, mesmo sem lhe ser contrário, pode constituir impedimento à expansão da caridade (Cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2. Q. 184, a. 3: Ed. Leon. 10, 453-454).

1974. Os conselhos evangélicos manifestam a plenitude viva da caridade, sempre insatisfeita por não dar mais. Atestam o seu ímpeto e solicitam a nossa prontidão espiritual. A perfeição da Lei nova consiste essencialmente nos preceitos do amor de Deus e do próximo. Os conselhos indicam caminhos mais diretos, meios mais adequados, e são praticáveis segundo a vocação de cada um:

- «Deus não quer que cada um observe todos os conselhos, mas somente os que são convenientes, segundo a diversidade das pessoas, dos tempos, das ocasiões e das forças, consoante a caridade o requer; pois é ela que, como rainha de todas as virtudes, de todos os mandamentos, de todos os conselhos, em suma, de todas as leis e de todas as ações cristãs, lhes dá a todos e a todas o lugar, a ordem, o tempo e o valor» (São Francisco de Sales, Traité de l'amour de Dieu, 8, 6: Oeuvres, v. 5 (Anecy 1894) p. 75).

Resumindo:

1975. Segundo a Escritura, a Lei é uma instrução paterna de Deus, que prescreve ao homem os caminhos que levam à bem-aventurança prometida, e proíbe os caminhos do mal.

1976. «A lei é uma ordenação da razão para o bem comum, promulgada por aquele que tem o encargo da comunidade» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2. q. 90, a. 4, e: Ed. Leon. 7, 152).

1977. Cristo é o fim da Lei (Cf. Rm. 10, 4). Só Ele ensina e concede a justiça de Deus.

1978. A lei natural é uma participação na sabedoria e bondade de Deus pelo homem, formado à imagem do seu Criador Ela exprime a dignidade da pessoa humana e constitui a base dos seus direitos e deveres fundamentais.

1979. A lei natural é imutável, permanente através da história. As regras que a traduzem permanecem substancialmente válidas. É a base necessária para a fixação das regras morais e da lei civil.

1980. A Lei antiga é o primeiro estádio da Lei revelada. As suas prescrições morais estão compendiadas nos Dez Mandamentos.

1981. A Lei de Moisés contém muitas verdades naturalmente acessíveis à razão. Deus revelou-as, porque os homens não as liam no seu coração.

1982. A Lei antiga é uma preparação para o Evangelho.

1983. A nova Lei é a graça do Espírito Santo, recebida pela fé em Cristo, operando pela caridade. Está expressa sobretudo no sermão do Senhor na montanha e utiliza os sacramentos para nos comunicar a graça.

1984. A Lei evangélica cumpre, ultrapassa e aperfeiçoa a Lei antiga: as suas promessas pelas bem-aventuranças do Reino dos céus; os seus mandamentos, reformando a raiz dos atos, o coração.

1985. A nova Lei é uma lei de amor; uma lei de graça, uma lei de liberdade.

1986. Além dos seus preceitos, a nova Lei comporta os conselhos evangélicos. «A santidade da Igreja é especialmente favorecida pelos vários conselhos que o Senhor propõe no Evangelho aos seus discípulos» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 42 AAS 57 (1965) 48).

ARTIGO 2

GRAÇA E JUSTIFICAÇÃO

I. A justificação

1987. A graça do Espírito Santo tem o poder de nos justificar, isto é, de nos lavar dos nossos pecados e de nos comunicar «a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo» (Cf. Rm. 3, 22) e pelo Baptismo (Cf. Rm. 6, 3-4):

- «se morremos com Cristo, acreditamos que também com Ele viveremos, sabendo que, uma vez ressuscitado dos mortos, Cristo já não morre: a morte já não tem domínio sobre Ele. Porque, na morte que sofreu, Cristo morreu para o pecado de uma vez para sempre: mas a sua vida é uma vida para Deus. Assim vós também, considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus, em Cristo Jesus» (Rm. 6, 8- ll).

1988. Pelo poder do Espírito Santo, nós tomamos parte na paixão de Cristo, morrendo para o pecado, e na sua ressurreição, nascendo para uma vida nova. Somos os membros do seu corpo, que é a Igreja (Cf. 1ª Cor. 12), os sarmentos enxertados na videira, que é Ele próprio (Cf. Jo. 15, 1-4):

- «é pelo Espírito que nós temos parte em Deus. [...] Pela participação no Espírito, tornamo-nos participantes da natureza divina [...]. É por isso que aqueles em quem habita o Espírito são divinizados» (Santo Atanásio de Alexandria, Epistula ad Serapionem. 1, 24: PG 26, 585-588).

1989. A primeira obra da graça do Espírito Santo é a conversão, que opera a justificação, segundo a mensagem de Jesus no princípio do Evangelho: «convertei-vos, que está perto o Reino dos céus» (Mt. 4, 17). Sob a moção da graça, o homem volta-se para Deus e desvia-se do pecado, acolhendo assim o perdão e a justiça do Alto. «A justificação comporta, portanto, a remissão dos pecados, a santificação e a renovação do homem interior» (Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 7: DS 1528).

1990. A justificação desliga o homem do pecado, que está em contradição com o amor de Deus, e purifica-lhe o coração. A justificação continua a iniciativa da misericórdia de Deus, que oferece o perdão; reconcilia o homem com Deus; liberta-o da escravidão do pecado e cura-o.

1991. A justificação é, ao mesmo tempo, acolhimento da justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo. Justiça designa, aqui, a retidão do amor divino. Com a justificação, são difundidas nos nossos corações a fé, a confiança e a caridade, e é-nos concedida a obediência à vontade divina.

1992. A justificação foi-nos merecida pela paixão de Cristo, que na cruz Se ofereceu como hóstia viva, santa e agradável a Deus, e cujo sangue se tornou instrumento de propiciação pelos pecados de todos os homens. A justificação é concedida pelo Batismo, sacramento da fé. Conforma-nos com a justiça de Deus que nos torna interiormente justos pelo poder da sua misericórdia. E tem pôr fim a glória de Deus e de Cristo, e o dom da vida eterna (Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 7: DS 1529):

- «mas agora, foi sem a Lei que se manifestou a justiça de Deus, atestada pela Lei e pelos Profetas: a justiça que vem para todos os crentes, mediante a fé em Jesus Cristo. É que não há diferença alguma: todos pecaram e estão privados da glória de Deus. Sem o merecerem, são justificados pela sua graça, em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus. Deus ofereceu-o para nele, pelo seu sangue, se realizar a expiação que atua mediante a fé: foi assim que Ele mostrou a sua justiça, ao perdoar os pecados cometidos outrora, no tempo da divina paciência. Deus mostra assim a sua justiça no tempo presente, porque Ele é justo e justifica quem tem fé em Jesus» (Rm. 3, 21-26).

1993. A justificação estabelece a colaboração entre a graça de Deus e a liberdade do homem. Do lado do homem, exprime-se no assentimento da fé à Palavra de Deus que convida à conversão, e na cooperação da caridade com o impulso do Espírito Santo que se lhe adianta e o guarda:

- «quando Deus move o coração do homem pela iluminação do Espírito Santo o homem não fica sem fazer nada ao receber esta inspiração, que, aliás, pode rejeitar: no entanto, também não pode, sem a graça de Deus, caminhar, por sua livre vontade, para a justiça na sua presença» (Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 5: DS 1525).

1994. A justificação é a obra mais excelente do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus e concedido pelo Espírito Santo. Santo Agostinho pensa que «a justificação do ímpio é obra maior que a criação do céu e da terra»; porque «o céu e a terra passarão, ao passo que a justificação e a salvação dos eleitos permanecerão» (Santo Agostinho, In Iohannis evangelium tractatus, 72, 3: CCL 36, 508 (PL 35, 1823)). Pensa mesmo que a justificação dos pecadores é mais importante que a criação dos anjos em justiça, pelo tato de testemunhar uma maior misericórdia.

1995. O Espírito Santo é o mestre interior. Fazendo nascer o «homem interior» (Cf. Rm. 7, 22; Ef 3,16) a justificação implica a santificação de todo o ser:

- «pois, como pusestes os vossos membros ao serviço da impureza e do mal para cometer a iniquidade, assim ponde agora os vossos membros ao serviço da justiça para chegar à santidade. [...]. Mas agora, libertos do pecado e feitos servos de Deus, tendes por fruto a santidade: e o termo é a vida eterna» (Rm. 6, 19-22).

II. A graça

1996. A nossa justificação vem da graça de Deus. A graça é o favor, o socorro gratuito que Deus nos dá, a fim de respondermos ao seu chamamento para nos tornarmos filhos de Deus (Cf. Jo. 1, 12-18) filhos adotivos (Cf. Rm. 8, 14-17) participantes da natureza divina (Cf. 2ª Pe. 1, 3-4) e da vida eterna (Cf. Jo. 17, 3).

1997. A graça é uma participação na vida de Deus, introduz-nos na intimidade da vida trinitária: pelo Batismo, o cristão participa na graça de Cristo, cabeça do seu corpo; como «filho adotivo», pode doravante chamar «Pai» a Deus, em união como seu Filho Unigénito; e recebe a vida do Espírito, que lhe infunde a caridade e forma a Igreja.

1998. Esta vocação para a vida eterna é sobrenatural. Depende inteiramente da iniciativa gratuita de Deus, porque só Ele pode revelar-se e dar-se a Si mesmo. E ultrapassa as capacidades da inteligência e as forças da vontade humana, como de qualquer criatura (Cf. 1ª Cor. 2, 7-9).

1999. A graça de Cristo é dom gratuito que Deus nos faz da sua vida, infundida pelo Espírito Santo na nossa alma para a curar do pecado e a santificar. É a graça santificante ou deificante, recebida no Batismo. É, em nós, a nascente da obra de santificação (Cf. Jo 4, 14; 7, 38-39):

- «por isso, se alguém está em Cristo, é uma nova criação. O que era antigo passou: eis que surgiram coisas novas! Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou consigo por meio de Cristo» (2ª Cor. 5, 17-18).

2000. A graça santificante é um dom habitual, uma disposição estável e sobrenatural, que aperfeiçoa a alma, mesmo para a tornar capaz de viver com Deus e de agir por seu amor. Devemos distinguir a graça habitual, disposição permanente para viver e agir segundo o apelo divino, e as graças atuais, que designam as intervenções divinas, quer na origem da conversão, quer no decurso da obra de santificação.

2001. A preparação do homem para acolher a graça é já obra da graça. Esta é necessária para suscitar e sustentar a nossa colaboração na justificação pela fé e na santificação pela caridade. Deus acaba em nós o que começou, «porque é Ele próprio que começa fazendo com que queiramos e é Ele que acaba, cooperando com aqueles que assim querem» (Santo Agostinho, De gratia et libero arbítrio, 17, 33: PL 44, 901):

- «é certo que nós também trabalhamos, mas não fazemos mais do que cooperar com Deus que trabalha, porque a sua misericórdia nos precedeu. Precedeu-nos para sermos curados e continua a acompanhar-nos para que, uma vez curados, sejamos vivificados. Precede-nos para que sejamos chamados, segue-nos para que sejamos glorificados, precede-nos para que vivamos segundo a piedade, segue-nos para que vivamos para sempre com Ele, porque sem Ele nada podemos fazer» (Santo Agostinho, De natura et gratia, 31, 35: CSEL 49, 258-259 (PL 44, 264)).

2002. A livre iniciativa de Deus reclama a resposta livre do homem, porque Deus criou o homem à sua imagem, conferindo-lhe, com a liberdade, o poder de O conhecer e de O amar. Só livremente é que a sua alma entra na comunhão do amor. Deus toca imediatamente e move diretamente o coração do homem. Colocou no homem uma aspiração à verdade e ao bem, que só Ele pode satisfazer. As promessas da «vida eterna» correspondem a esta aspiração, para além de toda a esperança.

«Se Tu, após as tuas obras muito boas, [...] descansaste no sétimo dia, foi para nos dizer de antemão, pela voz do Teu Livro, que no termo das nossas obras, que "são muito boas" pelo simples fato de teres sido Tu quem no-las deu, também nós repousaremos em Ti, no Sábado da vida eterna» (Santo Agostinho, Confissões, 13, 36, 51: CCL 27, 272 (PL 32, 868)).

2003. A graça é, antes de tudo e principalmente, o dom do Espírito que nos justifica e nos santifica. Mas também compreende os dons que o Espírito nos dá, para nos associar à sua obra, para nos tornar capazes de colaborar na salvação dos outros e no crescimento do corpo Místico de Cristo, que é a Igreja. São as graças sacramentais, dons próprios dos diferentes sacramentos. São, além disso, as graças especiais, também chamadas «carismas», segundo o termo grego empregado por São Paulo e que significa favor, dom gratuito, benefício (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 12: AAS 57 (1965) 16-17). Qualquer que seja o seu carácter, por vezes extraordinário, como o dom dos milagres ou das línguas, os carismas estão ordenados para a graça santificante e têm por finalidade o bem comum da Igreja. Estão ao serviço da caridade que edifica a Igreja (Cf. 1ª Cor. 12).

2004. Entre as graças especiais, devem mencionar-se as graças de estado, que acompanham o exercício das responsabilidades da vida cristã e dos ministérios no seio da Igreja:

- «possuímos dons diferentes, conforme a graça que nos foi dada. Quem tem o dom da profecia, comunique-o em harmonia com a fé: quem tem o dom do ministério, exerça as funções do ministério: quem tem o dom do ensino, ensine: quem tem o dom de exortar, exorte; quem tem a missão de repartir, faça-o com desinteresse; quem preside, faça-o com zelo; quem exerce a misericórdia, faça-o com alegria» (Rm. 12, 6-8).

2005. Sendo, como é, de ordem sobrenatural, a graça escapa nossa experiência e só pode ser conhecida pela fé. Não podemos, pois, basear-nos nos nossos sentimentos nem nas nossas obras, para daí concluirmos que estamos justificados e salvos (Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 9: DS 1533-1534). No entanto, segundo a palavra do Senhor, que diz: «pelos seus frutos os conhecereis» (Mt. 7, 20), a consideração dos benefícios de Deus na nossa vida e na vida dos santos oferece-nos uma garantia de que a graça de Deus opera em nós e nos incita a uma fé cada vez maior e a uma atitude de pobreza confiante:

- encontramos uma das mais belas ilustrações desta atitude na resposta de Santa Joana d'Arc a uma pergunta capciosa dos seus juízes eclesiásticos: «interrogada sobre se sabe se está na graça de Deus, responde; "se não estou, Deus nela me ponha: se estou, Deus nela me guarde"» (Santa Joana D'Arc: Dito: Procès de condannation, ed. P. Tisset (Paris, 1969) p. 62).

III. O mérito

«Vós sois glorificado na assembleia dos santos: quando coroais os seus méritos, coroais os vossos próprios dons» (Prefácio dos Santos, I: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 428 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992. p. 495]: cf. o «Doutor da Graça». Santo Agostinho, Enarratio in Psalmum 102, 7: CCL 40, 1457 (PI_ 37, 1321)).

2006. A palavra «mérito» designa, em geral, a retribuição devida por uma comunidade ou sociedade à ação de um dos seus membros, experimentada como um benefício ou um malefício, digna de recompensa ou de castigo. O mérito diz respeito à virtude da justiça, em conformidade com o princípio da igualdade que a rege.

2007. Em relação a Deus, não há, da parte do homem, mérito no sentido dum direito estrito. Entre Ele e nós, a desigualdade é sem medida, pois nós tudo recebemos d'Ele, nosso Criador.

2008. O mérito do homem perante Deus, na vida cristã, provém do fato de que Deus dispôs livremente associar o homem à obra da sua graça. A ação paterna de Deus é primeira, pelo seu impulso, e o livre agir do homem é segundo, na sua colaboração; de modo que os méritos das obras devem ser atribuídos à graça de Deus, primeiro, e depois ao fiel. Aliás, o próprio mérito do homem depende de Deus, porque as suas boas ações procedem, em Cristo, das predisposições e ajudas do Espírito Santo.

2009. A adoção filial, tornando-nos, pela graça, participantes da natureza divina, pode conferir-nos, segundo a justiça gratuita de Deus, um verdadeiro mérito. Trata-se de um direito derivante da graça, o direito pleno do amor que nos faz «co-herdeiros» de Cristo e dignos de obter a «herança prometida da vida eterna» (Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 16: DS 1546). Os méritos das nossas boas obras são dons da bondade divina (Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 16: DS 1546). «A graça precedeu; agora restitui-se o que é devido [...] Os méritos são dons de Deus» (Santo Agostinho, Sermão 298, 4-5: SPM 1, 98-99 (PL 38, 1376)).

2010. Uma vez que, na ordem da graça, a iniciativa pertence a Deus, ninguém pode merecer a graça primeira, que está na origem da conversão, do perdão e da justificação. Sob a moção do Espírito Santo e da caridade, podemos, depois, merecer para nós mesmos e para outros, as graças úteis para a santificação e para o aumento da graça e da caridade, bem como para a obtenção da vida eterna. Os próprios bens temporais, tais como a saúde e a amizade, podem ser merecidos segundo a sabedoria de Deus. Estas graças e estes bens são objeto da oração cristã. Esta provê à nossa necessidade da graça para as ações meritórias.

2011. A caridade de Cristo é, em nós, a fonte de todos os nossos méritos diante de Deus. A graça, unindo-nos a Cristo com um amor ativo, assegura a qualidade sobrenatural dos nossos atos e, por consequência, o seu mérito, tanto diante de Deus como diante dos homens. Os santos tiveram sempre uma consciência viva de que os seus méritos eram pura graça.

- «Depois do exílio da terra, espero ir gozar de Vós na Pátria, mas não quero acumular méritos para o céu, quero é trabalhar só por vosso amor [...] Na noite desta vida, aparecerei diante de Vós com as mãos vazias, pois não Vos peço, Senhor, que conteis as minhas obras. Todas as nossas justiças têm manchas aos vossos olhos. Quero, portanto, revestir-me com a vossa própria Justiça, e receber do vosso Amor a posse eterna de Vós mesmo...» (Santa Teresa do Menino Jesus, Acte d'offrande à l'Amour miséricordieux: Récréations pieuses – Prières (Paris 1992) p. 512-515. [Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 199) p. 1077]).

IV. A santidade cristã

2012. «Deus concorre em tudo para o bem daqueles que O amam [...]. Porque os que Ele de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem do seu Filho, para que Ele seja o Primogénito de muitos irmãos. E aqueles que predestinou, também os chamou; e aqueles que chamou, também os justificou; e aqueles que justificou, também os glorificou» (Rm. 8, 28-30).

2013. «Os cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 40: AAS 57 (1965) 45). Todos são chamados à santidade: «sede perfeitos, como o vosso Pai Celeste é perfeito» (Mt. 5, 48):

- «para alcançar esta perfeição, empreguem os fiéis as forças recebidas segundo a medida em que Cristo as dá, a fim de que [...] obedecendo em tudo à vontade do Pai, se consagrem com toda a alma à glória do Senhor e ao serviço do próximo. Assim crescerá em frutos abundantes a santidade do povo de Deus, como patentemente se manifesta na história da Igreja, com a vida de tantos santos» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 40: AAS 57 (1965) 45).

2014. O progresso espiritual tende para a união cada vez mais íntima com Cristo. Esta união chama-se «mística», porque participa no mistério de Cristo pelos sacramentos - «os santos mistérios» - e, n'Ele, no mistério da Santíssima Trindade. Deus chama-nos todos a esta íntima união com Ele, mesmo que graças especiais ou sinais extraordinários desta vida mística somente a alguns sejam concedidos, para manifestar o dom gratuito feito a todos.

2015. O caminho desta perfeição passa pela cruz. Não há santidade sem renúncia e combate espiritual (Cf. 2ª Tm. 4). O progresso espiritual implica a ascese e a mortificação, que conduzem gradualmente a viver na paz e na alegria das bem-aventuranças:

- «aquele que sobe, nunca mais para de ir de princípio em princípio, por princípios que não têm fim. Aquele que sobe nunca mais deixa de desejar aquilo que já conhece» (São Gregório de Nissa, In Canticum homilia 8: Gregorii Nysseni opera, ed. W. Jaeger - H. Langerbeck, v. 6 (Leiden 1960) p. 247 (PG 44, 941)).

2016. Os filhos da santa Igreja, nossa Mãe, esperam justamente a graça da perseverança final e a recompensa de Deus seu Pai pelas boas obras realizadas com a sua graça, em comunhão com Jesus (Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, can. 26: DS 1576). Guardando a mesma regra de vida, os crentes partilham a «bem-aventurada esperança» dos que a misericórdia divina reúne na «Cidade santa, a nova Jerusalém, que desce do céu, como noiva adornada para o seu Esposo» (Ap. 21, 2).

Resumindo:

2017. A graça do Espírito Santo confere-nos a justiça de Deus. Unindo-nos, pela fé e pelo Batismo, à paixão e ressurreição de Cristo, o Espírito Santo faz-nos participar da sua vida.

2018. A justificação, tal como a conversão, apresenta duas faces. Sob a moção da graça, o homem volta-se para Deus e desvia-se do pecado, recebendo assim o perdão e a justiça do Alto.

2019. A justificação compreende a remissão dos pecados, a santificação e a renovação do homem interior.

2020 A justificação foi-nos merecida pela paixão de Cristo. Foi-nos dada por meio do Batismo. Conforma-nos com a justiça de Deus, que nos faz justos. Tem como fim a glória de Deus e de Cristo e o dom da vida eterna. É a obra mais excelente da misericórdia de Deus.

2021. A graça é o socorro que Deus nos dá para correspondermos à nossa vocação de nos tornarmos seus filhos adotivos. Introduz-nos na intimidade da vida trinitária.

2022. Na obra da graça, a iniciativa divina previne, prepara e suscita a livre resposta do homem. A graça corresponde às aspirações profundas da liberdade humana; chama-a a cooperar consigo e aperfeiçoa-a.

2023. A graça santificante é o dom gratuito que Deus nos faz da sua vida, infundida pelo Espírito Santo na alma para a curar do pecado e a santificar.

2024. A graça santificante torna-nos «agradáveis a Deus». Os carismas, graças especiais do Espírito Santo, estão ordenados à graça santificante e têm por finalidade o bem comum da Igreja. Deus também atua por meio de múltiplas graças atuais, distintas da graça habitual, permanente em nós.

2025. Não há para nós mérito diante de Deus, senão como consequência do Livre desígnio divino de associar o homem à obra da sua graça. O mérito pertence, em primeiro lugar, à graça de Deus; em segundo lugar, à cooperação do homem. O mérito do homem reverte para Deus.

2026. A graça do Espírito Santo, em virtude da nossa filiação adotiva, pode conferir-nos um verdadeiro mérito segundo a justiça gratuita de Deus. A caridade é, em nós, a principal fonte de mérito perante Deus.

2027. Ninguém pode merecer a graça primeira, que está na origem da conversão. Sob a moção do Espírito Santo, podemos merecer; para nós mesmos e para outrem, todas as graças úteis para chegar à vida eterna, bem como os bens temporais necessários.

2028. «Todos os cristãos [...] são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade» (II Concílio do Vaticano, Const dogm. Lumen Gentium, 40: AAS 57 (1965) 45). «A perfeição cristã só tem um limite: o de não ter nenhum» (São Gregório de Nissa, De vita Moysis, 1. 5: ed. M. Simonetti (Vicenza 1984) p. 10 (PG. 44. 300)).

2029. «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me» (Mt. 16, 24).

continua na parte 7

 O Terço (Rosário) dos Homens não exige nada e não cobra nada da vida pessoal dos seus participantes, o que faz com que seus membros se sintam livres, e a liberdade dá ao homem o poder de ser aquilo que ele deseja ser, daí as transformações se sucederem de modo espontâneo causado pelo contato que os mesmos passam a ter com Deus por intercessão de Maria.