SEGUNDA SECÇÃO
OS SETE SACRAMENTOS DA IGREJA
CAPÍTULO QUARTO
AS OUTRAS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS
ARTIGO
1
OS SACRAMENTAIS
1667. «A Santa Mãe Igreja instituiu também os
sacramentais. Estes são sinais sagrados por meio dos
quais, imitando de algum modo os sacramentos, se
significam e se obtêm, pela oração da Igreja, efeitos
principalmente de ordem espiritual. Por meio deles,
dispõem-se os homens para a recepção do principal efeito
dos sacramentos e são santificadas as várias
circunstâncias da vida»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 60: AAS 56 (1964) 116: cf. CIC can. 1166;
CCEO can. 867).
TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DOS SACRAMENTAIS
1668. São instituídos pela Igreja com vista à
santificação de certos ministérios da mesma Igreja, de
certos estados de vida, de circunstâncias muito variadas
da vida cristã, bem como do uso de coisas úteis ao
homem. Segundo as decisões pastorais dos Bispos, podem
também corresponder às necessidades, à cultura e à
história próprias do povo cristão duma região ou duma
época. Incluem sempre uma oração, muitas vezes
acompanhada dum sinal determinado, como a imposição da
mão, o sinal da cruz, a aspersão com água benta (que
recorda o Batismo).
1669. Eles decorrem do sacerdócio batismal: todo o
batizado é chamado a ser uma «bênção»
(Cf. Gn. 12, 2)
e a abençoar
(Cf. Lc. 6, 28; Rm. 12, 14; 1ª Pe. 3, 9).
Por isso, há certas bênçãos que podem ser presididas por
leigos
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 79: AAS 56 (1964) 120: cf. CIC can. 1168).
Porém, quanto mais uma bênção disser respeito à vida
eclesial e sacramental, tanto mais a sua presidência
será reservada ao ministério ordenado (Bispos,
Presbíteros ou Diáconos)
(Cf. De Benedictionibus, Praenotanda generalia,
16 e 18. Editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis
1984) p. 13.14-15 [Celebração das Bênçãos,
Preliminares gerais, 16 e 18 (Coimbra, Gráfica de
Coimbra Conferência Episcopal Portuguesa, 1991) p. 13]).
1670. Os sacramentais não conferem a graça do Espírito
Santo à maneira dos sacramentos; mas, pela oração da
Igreja, preparam para receber a graça e dispõem para
cooperar com ela. «Portanto, a liturgia dos
sacramentos e sacramentais oferece aos fiéis bem
dispostos a possibilidade de santificarem quase todos os
acontecimentos da vida por meio da graça divina que
deriva do mistério pascal da paixão, morte e
ressurreição de Cristo, mistério onde vão buscar a sua
eficácia todos os sacramentos e sacramentais. E assim,
quase não há uso honesto das coisas materiais que não
possa reverter para este fim: a santificação dos homens
e o louvor a Deus»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 61: AAS 56 (1964) 116-117).
FORMAS VARIADAS DOS SACRAMENTAIS
1671. Entre os sacramentais figuram, em primeiro lugar,
as bênçãos (de pessoas, da mesa, de objetos e
lugares). Toda a bênção é louvor de Deus e oração para
obter os seus dons. Em Cristo, os cristãos são
abençoados por Deus Pai, «com toda a espécie de
bênçãos espirituais» (Ef. 1, 3). É por
isso que a Igreja dá a bênção invocando o nome de Jesus
e fazendo habitualmente o santo sinal da cruz de Cristo.
1672. Certas bênçãos têm um alcance duradoiro: são as
que têm por fim consagrar pessoas a Deus e
reservar objetos e lugares para usos litúrgicos. Entre
as que são destinadas a pessoas (e que não devem
confundir-se com a ordenação sacramental) figuram a
bênção do Abade ou Abadessa dum Mosteiro, a consagração
das virgens e das viúvas, o rito da profissão religiosa
e as bênçãos para certos ministérios da Igreja
(leitores, acólitos, catequistas, etc.). Como exemplo
das que dizem respeito a objetos, pode apontar-se a
dedicação ou bênção de unta igreja ou de um
altar, a bênção dos santos óleos, dos vasos e paramentos
sagrados, dos sinos, etc.
1673. Quando a Igreja pede publicamente e com
autoridade, em nome de Jesus Cristo, que uma pessoa ou
objeto seja protegido contra a ação do Maligno e
subtraído ao seu domínio, fala-se de exorcismo.
Jesus praticou-o
(Cf. Mc. 1, 25-26)
- e é d'Ele que a Igreja obtém o poder e encargo de
exorcizar
(Cf. Mc. 3, 15; 6, 7.13; 16, 17).
Sob uma forma simples, faz-se o exorcismo na celebração
do Batismo. O exorcismo solene, chamado «grande
exorcismo», só pode ser feito por um Presbítero e
com licença do Bispo. Deve proceder-se a ele com
prudência, observando estritamente as regras
estabelecidas pela Igreja
(Cf. CIC can. 1172).
O exorcismo tem por fim expulsar os demónios ou libertar
do poder diabólico, e isto em virtude da autoridade
espiritual que Jesus confiou à sua Igreja. Muito
diferente é o caso das doenças, sobretudo psíquicas,
cujo tratamento depende da ciência médica. Por isso,
antes de se proceder ao exorcismo, é importante ter a
certeza de que se trata duma presença diabólica e não
duma doença.
A RELIGIOSIDADE POPULAR
1674. Fora da liturgia dos sacramentos e dos
sacramentais, a catequese deve ter em consideração as
formas de piedade dos fiéis e a religiosidade popular. O
sentimento religioso do povo cristão desde sempre
encontrou a sua expressão em variadas formas de piedade,
que rodeiam a vida sacramental da Igreja, tais como a
veneração das relíquias, as visitas aos santuários, as
peregrinações, as procissões, a via-sacra, as danças
religiosas, o rosário, as medalhas, etc.
(Cf. II Concílio de Niceia, Definitio de sacris
imaginibus: DS 601; Ibid.: DS 603;
Concílio de Trento, Sess.25ª, Decretum de invocatione,
veneratione et reliquiis sanctorum, et sacris
imaginibus: DS 1822).
1675. Estas manifestações são um prolongamento da vida
litúrgica da Igreja, mas não a substituem. «Devem ser
organizadas, tendo em conta os tempos litúrgicos e de
modo a harmonizarem-se com a liturgia, a dimanarem dela
de algum modo e a nela introduzirem o povo; porque, por
sua natureza, a liturgia lhes é, de longe, superior»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 13: AAS 56 (1964) 103).
1676. Para manter e apoiar a religiosidade popular, é
necessário um discernimento pastoral. O mesmo se diga,
se for caso disso, para purificar e corrigir o
sentimento religioso subjacente a essas devoções e para
fazer progredir no conhecimento do mistério de Cristo. A
sua prática está submetida ao cuidado e às decisões dos
Bispos e às normas gerais da igreja
(Cf. João Paulo II. Ex. Ap. Catechesi tradendae,
54: AAS 71 (1979) 1321-1322).
- «A religiosidade do povo, no seu núcleo, é um acervo
de valores que responde com sabedoria cristã às grandes
incógnitas da existência. A sapiência popular católica
tem uma capacidade de síntese vital: engloba
criadoramente o divino e o humano, Cristo e Maria,
espírito e corpo, comunhão e instituição, pessoa e
comunidade, fé e pátria, inteligência e afeto. Esta
sabedoria é um humanismo cristão que afirma radicalmente
a dignidade de toda a pessoa como filho de Deus,
estabelece uma fraternidade fundamental, ensina a
encontrar a natureza e a compreender o trabalho e
proporciona as razões para a alegria e o humor, mesmo no
meio de uma vida muito dura. Esta sabedoria é também
para o povo um princípio de discernimento, um instinto
evangélico pelo qual capta espontaneamente quando se
serve na Igreja o Evangelho e quando ele é esvaziado e
asfixiado por outros interesses»
(III Conferência Geral do Episcoplado Latino-Americano,
Puebla, La Evangelización en el presente y en el
futuro de América Latina. 448 (Bogotá 1979)
p. 131 [Puebla. A Evangelização no presente e no futuro
da América Latina, Texto oficial da CNBB, 448
(Petrópolis, Ed. Vozes 1980) p.153-154]; cf. Paulo VI,
Ex. ap. Evangelii nuntiandi, 48: AAS 68 (1976)
37-38).
Resumindo:
1677. Chamam-se sacramentais os sinais sagrados
instituídos pela Igreja, cuja finalidade é preparar os
homens para receberem os frutos dos sacramentos e
santificarem as diferentes circunstâncias da vida.
1678. Entre os sacramentais, as bênçãos ocupam um
lugar importante. Compreendem, ao mesmo tempo, o louvor
de Deus pelas suas obras e a intercessão da Igreja para
que os homens possam fazer uso dos dons de Deus segundo
o espírito do Evangelho.
1679. Além da liturgia, a vida cristã nutre-se das
variadas formas da piedade popular, enraizadas nas
diferentes culturas. Procurando esclarecê-las com a luz
da fé, a Igreja favorece as formas de religiosidade
popular que exprimem um instinto evangélico e uma
sabedoria humana, e que enriquecem a vida cristã.
ARTIGO 2
AS EXÉQUIAS CRISTÃS
1680. Todos os sacramentos, principalmente os da
iniciação cristã, têm pôr fim a última páscoa do
cristão, que, pela morte, o faz entrar na vida do Reino.
Então se cumpre o que ele confessa na fé e na esperança:
«espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo
que há de vir»
(Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150).
I. A última Páscoa do cristão
1681. O sentido cristão da morte é revelado à luz do
mistério pascal da morte e ressurreição de Cristo,
em quem pomos a nossa única confiança. O cristão que
morre em Cristo Jesus «abandona este corpo para ir
morar junto do Senhor»
(Cf. 2ª Cor. 5, 8).
1682. O dia da morte inaugura para o cristão, no
termo da sua vida sacramental, a consumação do seu
novo nascimento começado no Batismo, o definitivo
«assemelhar-se à imagem do Filho», conferido pela
unção do Espírito Santo e pela participação no banquete
do Reino, antecipada na Eucaristia, ainda que algumas
derradeiras purificações lhe sejam ainda necessárias,
para poder vestir o traje nupcial.
1683. A Igreja que, como mãe, trouxe sacramentalmente no
seu seio o cristão durante a sua peregrinação terrena,
acompanha-o no termo da sua caminhada para o entregar
«nas mãos do Pai». E oferece ao Pai, em Cristo, o
filho da sua graça, e depõe na terra, na esperança, o
gérmen do corpo que há de ressuscitar na glória
(Cf. 1ª Cor. 15, 42-44).
Esta oblação é plenamente celebrada no sacrifício
eucarístico, e as bênçãos que o precedem e o seguem são
sacramentais.
II. A celebração das exéquias
1684. As exéquias cristãs são uma celebração litúrgica
da Igreja. O ministério da Igreja tem em vista, aqui,
tanto exprimir a comunhão eficaz com o defunto,
como fazer participar nela a comunidade reunida
para o funeral e anunciar-lhe a vida eterna.
1685. Os diferentes ritos das exéquias exprimem o
carácter pascal da morte cristã e correspondem às
situações e tradições de cada região, até no que
respeita à cor litúrgica
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const.
Sacrosanctum Concilium, 81: AAS 56 (1964) 120).
1686. A Celebração das Exéquias - Ordo exsequiarum -
da liturgia romana propõe três tipos de celebração
das exéquias, correspondentes aos três lugares em que se
desenrolam (a casa, a igreja, o cemitério), e segundo a
importância que lhes dão a família, os costumes locais,
a cultura e a piedade popular. O esquema é, aliás, comum
a todas as tradições litúrgicas e compreende quatro
momentos principais.
1687. O acolhimento da comunidade. Uma saudação
de fé dá início à celebração. Os parentes do defunto são
acolhidos com uma palavra de «consolação» (no
sentido do Novo Testamento: a fortaleza do Espírito
Santo na confiança
(Cf. 1ª Ts. 4, 18).
Também a comunidade orante, que se junta, espera ouvir
«as palavras da vida eterna». A morte dum membro
da comunidade (ou o seu dia aniversário, sétimo ou
trigésimo) é um acontecimento que deve levar a
ultrapassar as perspectivas «deste mundo» e
projetar os fiéis para as verdadeiras perspectivas da fé
em Cristo Ressuscitado.
1688. A liturgia da Palavra, aquando das
exéquias, exige uma preparação, tanto mais atenta quanto
a assembleia presente pode incluir fiéis pouco
frequentadores da liturgia e até amigos do defunto que
não sejam cristãos. A homilia, de modo particular, deve
«evitar o género literário do elogio fúnebre» (Cf.
Ordo exsequiarum, De primo typo exsequiarum, 41,
Editio typica (Typis PolyglottisVaticanis 1969) p. 21 [Celebração
das Exéquias, n. 57 (Braga, Secretariado Nacional do
Apostolado da Oração – Conferência Episcopal. 1984) p.
521)
e iluminar o mistério da morte cristã com a luz de
Cristo ressuscitado.
1689. O sacrifício eucarístico. Quando a
celebração tem lugar na igreja, a Eucaristia é o coração
da realidade pascal da morte cristã
(Cf. Ordo exsequiarum, Praenotanda, Editio typica
(Typis Polyglottis Vaticanis 1969) p. 7 [Celebração
das Exéquias, Preliminares, I (Braga, Secretariado
Nacional do Apostolado da Oração – Conferência
Episcopal, 1984) p. 31).
É então que a Igreja manifesta a sua comunhão eficaz com
o defunto: oferecendo ao Pai, no Espírito Santo, o
sacrifício da morte e ressurreição de Cristo, pede-Lhe
que o seu filho defunto seja purificado dos pecados e
respectivas consequências, e admitido à plenitude pascal
da mesa do Reino
(Cf. Ordo exsequiarum, De primo typo exsequiarum,
56. Editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1969) p.
26 [Celebração das Exéquias, n. 87* (Braga,
Secretariado Nacional do Apostolado da Oração -
Conferência Episcopal. 1984) p. 82-83]).
É pela Eucaristia assim celebrada que a comunidade dos
fiéis, especialmente a família do defunto, aprende a
viver em comunhão com aquele que «adormeceu no
Senhor», comungando o corpo de Cristo, de que ele é
membro vivo, e depois rezando por ele e com ele.
1690. O adeus («a Deus») ao defunto é a
sua «encomendação a Deus» pela Igreja. É «a
última saudação dirigida pela comunidade cristã a um dos
seus membros, antes de o corpo ser levado para a
sepultura»
(Ordo exsequiarum, Praenotanda, 10, Editio typica
(Typis Polyglottis Vaticanis 1969) p. 9 [Celebração
dos Exéquias, Preliminares, 10 (Braga, Secretariado
Nacional do Apostolado da Oração – Conferência
Episcopal, 1984) p. 7]).
A tradição bizantina exprime-o pelo ósculo do adeus ao
defunto.
Nesta saudação final, «canta-se por ele ter partido
desta vida e pela sua separação, mas também porque há
uma comunhão e uma reunião. Com efeito, mortos, nós não
nos separamos uns dos outros, porque todos percorremos o
mesmo caminho e nos reencontraremos no mesmo lugar.
Nunca nos separaremos, porque vivemos para Cristo e
agora estamos unidos a Cristo, indo para Ele...
estaremos todos juntos em Cristo»
(São Simão de Tessalónica, De ordine sepulturae,
367: PG 155, 685).
TERCEIRA PARTE
A VIDA EM CRISTO
INTRODUÇÃO
1691. «Reconhece, ó cristão, a tua dignidade. Uma vez
constituído participante da natureza divina, não penses
em voltar às antigas misérias da tua vida passada.
Lembra-te de que cabeça e de que corpo és membro. Não te
esqueças de que foste libertado do poder das trevas e
transferido para a luz e para o Reino de Deus»
(São Leão Magno, Sermo 21, 3: CCL 138, 88 (PL 54,
192-193)).
1692. O Símbolo da fé, professou a grandeza dos dons de
Deus ao homem na obra da criação e, mais ainda, na da
redenção e santificação. O que a fé confessa, os
sacramentos comunicam-no: pelos «sacramentos, que os
fizeram renascer», os cristãos tornaram-se
«filhos de Deus» (1ª Jo. 3, 1)
(Cf. Jo. 1, 12),
«participantes da natureza divina» (2ª Pe. 1, 4).
Reconhecendo pela fé a sua nova dignidade, os cristãos
são chamados a levar, doravante, uma vida digna do
Evangelho de Cristo
(Cf. Fl. 1, 27).
Pelos sacramentos e pela oração, recebem a graça de
Cristo e os dons do seu Espírito, que dela os tornam
capazes.
1693. Cristo Jesus fez sempre aquilo que era do agrado
do Pai
(Cf. Jo. 8, 29).
Viveu sempre em perfeita comunhão com Ele. De igual
modo, os seus discípulos são convidados a viver sob o
olhar do Pai, «que vê no segredo» (Mt. 6,
6), para se tornarem «perfeitos como o Pai Celeste é
perfeito» (Mt. 5, 47).
1694. Incorporados em Cristo pelo Batismo
(Cf. Rm. 6, 5),
os cristãos «morreram para o pecado e vivem para Deus
em Cristo Jesus»
(Cf. Rm. 6, 11),
participando assim na vida do Ressuscitado
(Cf. Cl. 2, 12).
«Seguindo a Cristo e em união com Ele
(Cf. Jo. 15, 5),
os cristãos podem esforçar-se por ser imitadores de
Deus, como filhos bem amados, e por proceder com amor»
(Cf. Ef. 5, 1-2),
conformando os seus pensamentos, palavras e ações com os
sentimentos de Cristo Jesus
(Cf. Fl. 2, 5)
e seguindo os seus exemplos
(Cf. Jo. 13, 12-16).
1695. «Justificados pelo nome de nosso Senhor Jesus
Cristo e pelo Espírito do nosso Deus» (1ª
Cor. 6, 11), «santificados e chamados a serem
santos»
(Cf. 1ª Cor. 1, 2)
os cristãos tornaram-se «templo do Espírito Santo»
(1ª Cor. 6, 19). Este, que é o
«Espírito do Filho», ensina-os a orar ao Pai
(Cf. Gl. 4, 6)
e, tendo-Se feito vida deles, impele-os a agir
(Cf. Gl. 5, 25)
para produzirem os frutos do Espírito
(Cf. Gl. 5, 22)
mediante uma caridade ativa. Curando as feridas do
pecado, o Espírito Santo renova-nos interiormente por
uma transformação espiritual
(Cf. Ef. 4, 23),
ilumina-nos e fortalece-nos para vivermos como
«filhos da luz» (Ef. 5, 8) «em toda a espécie de
bondade, justiça e verdade» (Ef. 5, 9).
1696. O caminho de Cristo «leva à vida»; um
caminho contrário «leva à perdição» (Mt. 7,
13)
(Cf. Dt. 30, 15-20).
A parábola evangélica dos dois caminhos está
sempre presente na catequese da Igreja. E significa a
importância das decisões morais para a nossa salvação.
«Há dois caminhos, um da vida, outro da morte: mas
entre os dois existe uma grande diferença»
(Didaké
1, 1: SC 248, 140 (Funk 1, 2)).
1697. Na catequese, importa revelar com toda a
clareza a alegria e as exigências do caminho de Cristo
(Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae,
29: AAS 71 (1979) 1301).
A catequese da «vida nova» n'Ele (Rm. 6,
4), deve ser:
- uma catequese do Espírito Santo, mestre
interior da vida segundo Cristo, doce hóspede e amigo
que inspira, guia, retifica e fortalece essa vida;
- uma catequese da graça, pois é pela graça que
somos salvos e é também pela graça que as nossas obras
podem ser frutuosas para a vida eterna;
- uma catequese das bem-aventuranças, porque o
caminho de Cristo se resume nelas e é o único caminho da
felicidade eterna a que o coração do homem aspira;
- uma catequese do pecado e do perdão, porque,
sem se reconhecer pecador, o homem não pode conhecer a
verdade sobre si mesmo, condição dum procedimento justo:
e, sem a oferta do perdão, não seria capaz de suportar
aquela verdade;
- uma catequese das virtudes humanas, que faz
apreender a beleza e o atrativo das retas disposições
para o bem;
- uma catequese das virtudes cristãs da fé,
esperança e caridade, que se inspira abundantemente no
exemplo dos santos;
- uma catequese do duplo mandamento da caridade
exposto no decálogo;
- uma catequese eclesial, porque é nas múltiplas
permutas dos «bens espirituais», na «comunhão
dos santos», que a vida cristã pode crescer,
desenvolver-se e comunicar-se.
1698. A referência, primeira e última, desta catequese
será sempre o próprio Jesus Cristo, que é «o caminho,
a verdade e a vida» (Jo. 14, 6). De olhos postos
n'Ele com fé, os cristãos podem esperar que Ele próprio
realize neles as suas promessas e, amando-O com o amor
com que Ele os amou, podem fazer as obras
correspondentes à sua dignidade:
- «rogo-te que penses em nosso Senhor Jesus Cristo como
tua verdadeira cabeça, e em ti como um dos seus membros.
Ele é para ti como a cabeça para os membros. Tudo o que
é d'Ele é teu: o espírito, o coração, o corpo, a alma e
todas as faculdades. Deves usar de todas elas como se
fossem realmente tuas, para servir, louvar, amar e
glorificar a Deus. Tu és para Ele como um membro em
relação à cabeça: e, por isso, também Ele deseja
ardentemente servir-Se de todas as tuas faculdades como
se fossem suas, para servir e glorificar o Pai»
(São João Eudes, Le Coeur admirable de la Três Sacrée
Mère de Dieu, 1, 5 Oeuvres completes, v. 6
(Paris 1908) p. 113-114).
«Para mim, viver é Cristo» (Fl. 1, 21).
TERCEIRA PARTE
A VIDA EM CRISTO
PRIMEIRA SECÇÃO
A VOCAÇÃO DO HOMEM: A VIDA NO ESPÍRITO
1699. A vida no Espírito Santo realiza a vocação do
homem (Capítulo primeiro). É feita de caridade
divina e de solidariedade humana (Capítulo segundo).
É concedida gratuitamente como salvação (Capítulo
terceiro).
CAPÍTULO PRIMEIRO
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
1700. A dignidade da pessoa humana radica na sua criação
à imagem e semelhança de Deus (Artigo 1) e
realiza-se na sua vocação à bem-aventurança divina
(Artigo 2). Compete ao ser humano chegar livremente
a esta realização (Artigo 3). Pelos seus atos
deliberados (Artigo 4), a pessoa humana
conforma-se, ou não, com o bem prometido por Deus e
atestado pela consciência moral (Artigo 5). Os
seres humanos edificam-se a si mesmos e crescem a partir
do interior: fazem de toda a sua vida sensível e
espiritual objeto do próprio crescimento (Artigo 6).
Com a ajuda da graça, crescem na virtude (Artigo
7), evitam o pecado e, se o cometeram, entregam-se
como o filho pródigo
(Cf. Lc. 15, 11-32)
à misericórdia do Pai dos céus (Artigo 8).
Atingem, assim, a perfeição da caridade.
ARTIGO 1
O HOMEM, IMAGEM DE DEUS
1701. «Cristo, [...] na própria revelação do mistério
do Pai e do seu amor, manifesta plenamente o homem a si
mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 22: AAS 58 (1966) 1042).
Foi em Cristo, «imagem do Deus invisível» (Cl. 1,
15)
(Cf. 2ª Cor. 4, 4),
que o homem foi criado «à imagem e semelhança» do
Criador. Assim como foi em Cristo, redentor e salvador,
que a imagem divina, deformada no homem pelo primeiro
pecado, foi restaurada na sua beleza original e
enobrecida pela graça de Deus
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past.
Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042).
1702. A imagem divina está presente em cada homem.
Resplandece na comunhão das pessoas, à semelhança da
unidade das Pessoas divinas entre Si (cf. Capítulo
segundo).
1703. Dotada de uma alma «espiritual e imortal»
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 14: AAS 58 (1966) 1036) a pessoa humana é «a única criatura
sobre a tema querida por Deus por si mesma»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 24: AAS 58 (1966) 1045).
Desde que é concebida, é destinada para a
bem-aventurança eterna.
1704. A pessoa humana participa da luz e da força do
Espírito divino. Pela razão, é capaz de compreender a
ordem das coisas estabelecida pelo Criador. Pela
vontade, é capaz de se orientar a si própria para o bem
verdadeiro. E encontra a perfeição na «busca e no
amor da verdade e do bem»
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 15: AAS 58 (1966) 1036).
1705. Em virtude da sua alma e das forças espirituais da
inteligência e da vontade, o homem é dotado de
liberdade, «sinal privilegiado da imagem divina»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 17: AAS 58 (1966) 1037).
1706. Mediante a sua razão, o homem conhece a voz de
Deus que o impele «a fazer [...] o bem e a evitar o
mal»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 16: AAS 58 (1966) 1037).
Todos devem seguir esta lei, que ressoa na consciência e
se cumpre no amor de Deus e do próximo. O exercício da
vida moral atesta a dignidade da pessoa.
1707. «Seduzido pelo Maligno desde o começo da
história, o homem abusou da sua liberdade»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 13: AAS 58 (1966) 1034).
Sucumbiu à tentação e cometeu o mal. Conserva o desejo
do bem, mas a sua natureza está ferida pelo pecado
original. O homem ficou com a inclinação para o mal e
sujeito ao erro:
- «o homem encontra-se, pois, dividido em si mesmo. E
assim, toda a vida humana, quer singular quer coletiva,
apresenta-se como uma luta, e quão dramática, entre o
bem e o mal, entre a luz e as trevas»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 13: AAS 58 (1966) 1035).
1708. Pela sua paixão, Cristo livrou-nos de Satanás e do
pecado e mereceu-nos a vida nova no Espírito Santo. A
sua graça restaura o que o pecado tinha deteriorado em
nós.
1709. Quem crê em Cristo torna-se filho de Deus. Esta
adoção filial transforma-o, dando-lhe a possibilidade de
seguir o exemplo de Cristo. Torna-o capaz de agir com
retidão e de praticar o bem. Na união com o seu
Salvador, o discípulo atinge a perfeição da caridade,
que é a santidade. Amadurecida na graça, a vida moral
culmina na vida eterna, na glória do céu.
Resumindo:
1710. «Cristo [...] manifesta plenamente o homem a si
mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 22: AAS 58 (1966) 1042).
1711. Dotada de uma alma espiritual, de inteligência
e de vontade, a pessoa humana é, desde a sua concepção,
ordenada para Deus e destinada à eterna bem-aventurança.
E continua a aperfeiçoar-se na «busca e amor da verdade
e do bem»
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 15: AAS 58 (1966) 1036).
1712. «A verdadeira liberdade é, no homem, o sinal
privilegiado da imagem de Deus»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 17: AAS 58 (1966) 1037).
1713. O homem é obrigado a seguir a lei moral, que o
impele a «fazer [...] o bem e a evitar o mal»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 16: AAS 58 (1966) 1037).
Esta lei ressoa na sua consciência.
1714. O homem, ferido na sua natureza pelo pecado
original, está sujeito ao erro e inclinado para o mal no
exercício da sua liberdade.
1715. Quem crê em Cristo possui a vida nova no
Espírito Santo. A vida moral, crescida e amadurecida na
graça, deve consumar-se na glória do céu.
ARTIGO 2
A NOSSA VOCAÇÃO PARA A BEM-AVENTURANÇA
I. As bem-aventuranças
1716. As bem-aventuranças estão no coração da
pregação de Jesus. O seu anúncio retorna as promessas
feitas ao povo eleito, desde Abraão. A pregação de Jesus
completa-as, ordenando-as, não já somente à felicidade
resultante da posse dum tema, mas ao Reino dos céus:
- «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é
o Reino dos céus.
- Bem-aventurados os que choram, porque serão
consolados.
- Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a tema.
- Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
porque serão saciados.
- Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão
misericórdia.
- Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a
Deus.
- Bem-aventurados os que promovem a paz. porque serão
chamados filhos de Deus.
- Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da
justiça, porque deles é o Reino dos céus.
- Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa, vos
insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o
mal de vós. Alegrai-vos e exultai, pois é grande nos
céus a vossa recompensa»
(Mt. 5, 3-12).
1717. As bem-aventuranças retratam o rosto de Jesus
Cristo e descrevem-nos a sua caridade: exprimem a
vocação dos fiéis associados à glória da sua paixão e
ressurreição; definem os atos e atitudes características
da vida cristã; são as promessas paradoxais que
sustentam a confiança no meio das tribulações; anunciam
aos discípulos as bênçãos e recompensas já obscuramente
adquiridas; já estão inauguradas na vida da Virgem Maria
e de todos os santos.
II. O desejo de felicidade
1718. As bem-aventuranças respondem ao desejo natural de
felicidade. Este desejo é de origem divina; Deus pô-lo
no coração do homem para o atrair a Si, o único que o
pode satisfazer:
- «Todos nós, sem dúvida, queremos viver felizes, e não
há entre os homens quem não dê o seu assentimento a esta
afirmação, mesmo antes de ela ser plenamente enunciada»
(Santo Agostinho, De moribus Ecclesiae catholicae
1. 3, 4: CSEL 90, 6 (PL 32, 1312)).
- «Como é então, Senhor, que eu Te procuro? De fato,
quando Te procuro, ó meu Deus, é a vida feliz que eu
procuro. Faz com que Te procure, para que a minha alma
viva! Porque tal como o meu corpo vive da minha alma,
assim a minha alma vive de Ti»
(Santo Agostinho, Confissões, 10, 20, 29: CCL 27,
170 (PL 32, 791)).
- «Só Deus sacia»
(São Tomás de Aquino, In Symbolum Apostolarum
scilicet «Credo in Deum», expositio, c. 15: Opera
omnia, v. 27 (Parisiis 1875) p. 228).
1719. As bem-aventuranças descobrem a meta da existência
humana, o fim último dos atos humanos: Deus chama-nos à
sua própria felicidade. Esta vocação dirige-se a cada
um, pessoalmente, mas também ao conjunto da Igreja, povo
novo constituído por aqueles que acolheram a promessa e
dela vivem na fé.
III. A bem-aventurança cristã
1720. O Novo Testamento emprega muitas expressões para
caracterizar a bem-aventurança a que Deus chama o homem:
a chegada do Reino de Deus
(Cf. Mt. 4, 17);
a visão de Deus: «bem-aventurados os puros de
coração, porque verão a Deus» (Mt. 5, 8) ((Cf.
1ª Jo. 3, 2; 1ª Cor 13));
a entrada na alegria do Senhor
(Cf. Mt 25, 21. 23)
a entrada no repouso de Deus
(Cf. Heb. 4, 7-11):
- «lá, descansaremos e veremos: veremos e amaremos;
amaremos e louvaremos. Eis o que acontecerá no fim sem
fim. E que outro fim nós temos, sendo chegar ao Reino
que lido tem fim»?
(Santo Agostinho, De civitate Dei, 22, 30 CSEL
40/2, 670 (PL 41, 804)).
1721. De fato, Deus colocou-nos no mundo para O
conhecermos, servirmos e amarmos, e assim chegarmos ao
paraíso. A bem-aventurança faz-nos participantes da
natureza divina (1ª Pe. 1, 4) e da vida eterna
(Cf. Jo. 17, 3).
Com ela, o homem entra na glória de Cristo
(Cf. Rm. 8, 18)
e no gozo da vida trinitária.
1722. Uma tal bem-aventurança ultrapassa a inteligência
e as simples forças humanas. Resulta de um dom gratuito
de Deus. Por isso se classifica de sobrenatural, tal
como a graça, que dispõe o homem para entrar no gozo de
Deus.
- «"Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a
Deus". É certo que "ninguém pode ver a Deus" na sua
grandeza e glória inenarrável e "continuar a viver",
porque o Pai é inacessível. Mas, no seu amor, na sua
bondade para com os homens e na sua omnipotência, vai ao
ponto de conceder aos que O amam esta graça: ver a Deus
[...] porque "o que é impossível aos homens é possível a
Deus"»
(Santo Ireneu de Lião, Adversus Haereses, 4, 20,
5: SC 100, 638).
1723. A bem-aventurança prometida coloca-nos perante as
opções morais decisivas. Convida-nos a purificar o nosso
coração dos seus maus instintos e a procurar o amor de
Deus acima de tudo. E ensina-nos que a verdadeira
felicidade não reside nem na riqueza ou no bem-estar,
nem na glória humana ou no poder, nem em qualquer obra
humana, por útil que seja, como as ciências, as técnicas
e as artes, nem em qualquer criatura, mas só em Deus,
fonte de todo o bem e de todo o amor:
- «a riqueza á a grande divindade deste tempo: é a
ela que a multidão, toda a massa dos homens, presta
instintiva homenagem. Mede-se a felicidade pela fortuna,
como pela fortuna se mede a honorabilidade [...] tudo
provém desta convicção: com a riqueza, tudo se pode. A
riqueza é, pois, um dos ídolos atuais: outro, é a
notoriedade. [...] A notoriedade, o fato de se ser
conhecido e de dar brado no mundo (a que poderia
chamar-se fama de imprensa), acabou por ser considerada
como um bem em si mesma, um bem soberano, objeto, até,
de verdadeira veneração»
(Johannes Henricus Newman, Discourses addressed to
Mixed Congregations, 5 [Saintliness the Standard
of Christian Principle] (Westminister 1966),
p. 89-91).
1724. O decálogo, o sermão da montanha e a catequese
apostólica descrevem-nos os caminhos que conduzem ao
Reino dos céus. Por eles avançamos, passo a passo, pelos
atos de cada dia, amparados pela graça do Espírito
Santo. Fecundados pela Palavra de Cristo, pouco a pouco,
damos frutos na Igreja para a glória de Deus
(Cf. parábola do semeador: Mt 13, 3-23).
Resumindo:
1725. As bem-aventuranças retomam e aperfeiçoam as
promessas de Deus, desde Abraão, ordenando-as para o
Reino dos céus. Correspondem ao desejo de felicidade que
Deus colocou no coração do homem.
1726. As bem-aventuranças ensinam-nos qual o fim
último a que Deus nos chama: o Reino, a visão de Deus, a
participação na natureza divina, a vida eterna, a
filiação, o repouso em Deus.
1727. A bem-aventurança da vida eterna é um dom
gratuito de Deus; é sobrenatural, como a graça que a ela
conduz.
1728. As bem-aventuranças colocam-nos perante opções
decisivas relativamente aos bens terrenos; purificam o
nosso coração, para nos ensinarem a amar a Deus sobre
todas as coisas.
1729. A bem-aventurança do céu determina os critérios
de discernimento no uso dos bens terrenos, em
conformidade com a Lei de Deus.
ARTIGO 3
A LIBERDADE DO HOMEM
1730. Deus criou o homem racional, conferindo-lhe a
dignidade de pessoa dotada de iniciativa e do domínio
dos seus próprios atos. «Deus quis "deixar o homem
entregue à sua própria decisão" (Sir. 15, 14), de
tal modo que procure por si mesmo o seu Criador e,
aderindo livremente a Ele, chegue à total e beatífica
perfeição»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 17: AAS 58 (1966) 1037):
- «o homem é racional e, por isso,
semelhante a Deus, criado livre e senhor dos seus atos»
(Santo Ireneu de Lião, Adversus Haereses, 4, 4,
3: SC 100, 424 (PG 7, 983)).
I. Liberdade e responsabilidade
1731. A liberdade é o poder, radicado na razão e na
vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo,
praticando assim, por si mesmo, ações deliberadas. Pelo
livre arbítrio, cada qual dispõe de si. A liberdade é,
no homem, uma força de crescimento e de maturação na
verdade e na bondade. E atinge a sua perfeição quando
está ordenada para Deus, nossa bem-aventurança.
1732. Enquanto se não fixa definitivamente no seu bem
último, que é Deus, a liberdade implica a possibilidade
de escolher entre o bem e o mal, e, portanto, de
crescer na perfeição ou de falhar e pecar. É ela que
caracteriza os atos propriamente humanos. Torna-se fonte
de louvor ou de censura, de mérito ou de demérito.
1733. Quanto mais o homem fizer o bem, mais livre se
torna. Não há verdadeira liberdade senão no serviço do
bem e da justiça. A opção pela desobediência e pelo mal
é um abuso da liberdade e conduz à escravidão do pecado
(Cf. Rm. 6, 17).
1734. A liberdade torna o homem responsável pelos
seus atos, na medida em que são voluntários. O progresso
na virtude, o conhecimento do bem e a ascese aumentam o
domínio da vontade sobre os próprios atos.
1735. A imputabilidade e responsabilidade dum ato
podem ser diminuídas, e até anuladas, pela ignorância, a
inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as
afeições desordenadas e outros fatores psíquicos ou
sociais.
1736. Todo o ato diretamente querido é imputável ao seu
autor.
Assim, depois do pecado no paraíso, o Senhor pergunta a
Adão: «que fizeste»? (Gn. 3, 13). O mesmo
faz a Caim
(Cf. Gn. 4, 10).
Assim também o profeta Natan ao rei David, após o
adultério com a mulher de Urias e o assassinato deste
(Cf. 2º Sm. 12, 7-15).
Uma ação pode ser indiretamente voluntária, quando
resulta duma negligência relativa ao que se deveria ter
conhecido ou feito, por exemplo, um acidente de
trânsito, provocado por ignorância do código da estrada.
1737. Um efeito pode ser tolerado, sem ter sido querido
pelo agente, por exemplo, o esgotamento duma mãe à
cabeceira do seu filho doente. O efeito mau não é
imputável se não tiver sido querido nem como fim nem
como meio do ato, como a morte sofrida quando se levava
socorro a uma pessoa em perigo. Para que o efeito mau
seja imputável, é necessário que seja previsível e que
aquele que age tenha a possibilidade de o evitar como,
por exemplo, no caso dum homicídio cometido por um
condutor em estado de embriaguez.
1738. A liberdade exercita-se nas relações entre seres
humanos. Toda a pessoa humana, criada à imagem de Deus,
tem o direito natural de ser reconhecida como ser livre
e responsável. Todos devem a todos este dever do
respeito. O direito ao exercício da liberdade é
uma exigência inseparável da dignidade da pessoa humana,
nomeadamente em matéria moral e religiosa
(Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis
humanae, 2: AAS 58 (1966) 930-931). Este direito deve ser civilmente
reconhecido e protegido dentro dos limites do bem comum
e da ordem pública
(Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis
humanae, 7: AAS 58 (1966) 934-935).
II. A liberdade humana na economia da salvação
1739. Liberdade e pecado. A liberdade do homem é
finita e falível. E, de fato, o homem falhou.
Livremente, pecou. Rejeitando o projeto divino de amor,
enganou-se a si mesmo; tornou-se escravo do pecado. Esta
primeira alienação gerou uma multidão de outras. A
história da humanidade, desde as suas origens, dá
testemunho de desgraças e opressões nascidas do coração
do homem, como consequência de um mau uso da liberdade.
1740. Ameaças à liberdade. O exercício da
liberdade não implica o direito de tudo dizer e fazer. É
falso pretender que «o homem, sujeito da liberdade,
se basta a si mesmo, tendo pôr fim a satisfação do seu
interesse próprio no gozo dos bens terrenos»
(Congregação para a Doutrina da Fé, Instr. Libertatis
conscientia, 13: AAS 79 (1987) 559).
Por outro lado, as condições de ordem económica e
social, política e cultural, requeridas para um justo
exercício da liberdade, são com demasiada frequência
desprezadas e violadas. Estas situações de cegueira e de
injustiça abalam a vida moral e induzem tanto os fracos
como os fortes na tentação de pecar contra a caridade.
Afastando-se da lei moral, o homem atenta contra a sua
própria liberdade, agrilhoa-se a si mesmo, quebra os
laços de fraternidade com os seus semelhantes e
rebela-se contra a verdade divina.
1741. Libertação e salvação. Pela sua cruz
gloriosa, Cristo obteve a salvação de todos os homens.
Resgatou-os do pecado, que os retinha numa situação de
escravatura. «Foi para a liberdade que Cristo nos
libertou» (Gl. 5, 1). N'Ele, nós comungamos na
verdade que nos liberta
(Cf. Jo. 8, 32).
Foi-nos dado o Espírito Santo e, como ensina o Apóstolo,
«onde está o Espírito, aí está a liberdade» (2ª
Cor. 3, 17). Já desde agora nos gloriamos da
«liberdade dos filhos de Deus»
(Cf. Rm. 8, 21).
1742. Liberdade e graça. A graça de Cristo
não faz concorrência de modo nenhum, à nossa liberdade,
quando esta corresponde ao sentido da verdade e do bem
que Deus colocou no coração do homem. Pelo contrário, e
como o certifica a experiência cristã sobretudo na
oração, quanto mais dóceis formos aos impulsos da graça,
tanto mais crescem a nossa liberdade interior e a nossa
segurança nas provações, como também perante as pressões
e constrangimentos do mundo exterior. Pela ação da
graça, o Espírito Santo educa-nos para a liberdade
espiritual, para fazer de nós colaboradores livres da
sua obra na Igreja e no mundo:
- «Deus eterno e misericordioso, afastai de nós toda
a adversidade, para que, sem obstáculos do corpo ou do
espírito, possamos livremente cumprir a vossa vontade»
(Domingo XXXII do Tempo Comum, Colecta: Missale
Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis
1970), p.371 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra
1992, 426]).
Resumindo:
1743. «Deus [...] deixou o homem entregue à sua
própria decisão» (Sir. 15, 14), para que ele
possa aderir livremente ao seu Criador e chegar assim à
perfeição
beatífica
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 17: AAS 58 (1966) 1037).
1744. A liberdade é a capacidade de agir ou não agir
e, assim, de realizar por si mesmo ações deliberadas.
Atinge a perfeição do seu ato, quando está ordenada para
Deus, supremo Bem.
1745. A liberdade caracteriza os atos propriamente
humanos. Torna o ser humano responsável pelos atos de
que é autor voluntário. O seu agir deliberado
pertence-lhe como próprio.
1746. A imputabilidade ou responsabilidade duma ação
pode ser diminuída, ou suprimida, por ignorância,
violência, medo e outros fatores psíquicos ou sociais.
1747. O direito ao exercício da liberdade é uma
exigência inseparável da dignidade do homem, sobretudo
em matéria religiosa e moral. Mas o exercício da
liberdade não implica o suposto direito de tudo dizer ou
de tudo fazer.
1748. «Foi para a liberdade que Cristo nos libertou»
(Gl. 5, 1).
ARTIGO 4
A MORALIDADE DOS ATOS HUMANOS
1749. A liberdade faz do homem um sujeito moral. Quando
age de maneira deliberada, o homem é, por assim dizer,
o pai dos seus atos. Os atos humanos, quer dizer,
livremente escolhidos em consequência dum juízo de
consciência, são moralmente qualificáveis. São bons ou
maus.
I. As fontes da moralidade
1750. A moralidade dos atos humanos depende:
- do objeto escolhido;
- do fim que se tem em vista ou da intenção:
- das circunstâncias da ação.
O objeto, a intenção e as circunstâncias são as
«fontes» ou elementos constitutivos da moralidade
dos atos humanos.
1751. O objeto escolhido é um bem para o qual a
vontade tende deliberadamente. E a matéria dum ato
humano. O objeto escolhido especifica moralmente o ato
da vontade, na medida em que a razão o reconhece e o
julga conforme, ou não, ao verdadeiro bem. As regras
objetivas da moralidade enunciam a ordem racional do bem
e do mal, atestada pela consciência.
1752. Em face do objeto, a intenção coloca-se do
lado do sujeito que age. Porque está na fonte voluntária
da ação e a determina pelo fim em vista, a intenção é um
elemento essencial na qualificação moral da ação. O fim
em vista é o primeiro dado da intenção e designa a meta
a atingir pela ação. A intenção é um movimento da
vontade em direção ao fim; diz respeito ao termo do
agir. É o alvo do bem que se espera da ação empreendida.
Não se limita à direção das nossas ações singulares, mas
pode ordenar para um mesmo fim ações múltiplas: pode
orientar toda a vida para o fim último. Por exemplo, um
serviço prestado tem por fim ajudar o próximo, mas pode
ser inspirado, ao mesmo tempo, pelo amor de Deus como
fim último de todas as ações. Uma mesma ação pode também
ser inspirada por várias intenções, como prestar um
serviço para obter um favor ou para satisfazer a
vaidade.
1753. Uma intenção boa (por exemplo: ajudar o próximo)
não torna bom nem justo um comportamento em si mesmo
desordenado (como a mentira e a maledicência). O fim não
justifica os meios. Assim, não se pode justificar a
condenação dum inocente como meio legítimo para salvar o
povo. Pelo contrário, uma intenção má acrescentada (por
exemplo, a vanglória) torna mau um ato que, em si, pode
ser bom (como a esmola
(Cf. Mt. 6, 2-4)).
1754. As circunstâncias, incluindo as
consequências, são elementos secundários dum ato moral.
Contribuem para agravar ou atenuar a bondade ou malícia
moral dos atos humanos (por exemplo, o montante dum
roubo). Podem também diminuir ou aumentar a
responsabilidade do agente (por exemplo, agir por medo
da morte). As circunstâncias não podem, de per si,
modificar a qualidade moral dos próprios atos; não podem
tornar boa nem justa uma ação má em si mesma.
II. Os atos bons e os atos maus
1755. O ato moralmente bom pressupõe, em
simultâneo, a bondade do objeto, da finalidade e das
circunstâncias. Um fim mau corrompe a ação, mesmo que o
seu objeto seja bom em si (como orar e jejuar «para
ser visto pelos homens»).
O objeto da escolha
pode, por si só, viciar todo um modo de agir. Há
comportamentos concretos - como a fornicação - cuja
escolha é sempre um erro, porque comporta uma desordem
da vontade, isto é, um mal moral.
1756. É, portanto, erróneo julgar a moralidade dos atos
humanos tendo em conta apenas a intenção que os inspira,
ou as circunstâncias (meio, pressão social,
constrangimento ou necessidade de agir, etc.) que os
enquadram. Há atos que, por si e em si mesmos,
independentemente das circunstâncias e das intenções,
são sempre gravemente ilícitos em razão do seu objeto;
por exemplo, a blasfémia e o jurar falso, o homicídio e
o adultério. Não é permitido fazer o mal para que dele
resulte um bem.
Resumindo:
1757. O objeto, a intenção e as circunstâncias
constituem as três «fontes» da moralidade dos atos
humanos.
1758. O objeto escolhido especifica moralmente o ato
da vontade, conforme a razão o reconhece e o julga bom
ou mau.
1759. «Não se pode justificar uma ação má feita com
boa intenção»
(São Tomás de Aquino, In duo praecepta caritatis et
in decem Legis praecepta expositio, c.6: Opera
omnia, v. 27 (Parisiis 1875) p. 149). O fim não justifica os meios.
1760. O ato moralmente bom pressupõe, em simultâneo,
a bondade do objeto, da finalidade e das circunstâncias.
1761. Há comportamentos concretos pelos quais é
sempre errado optar, porque a sua escolha inclui uma
desordem da vontade, isto é, um mal moral. Não é
permitido fazer o mal para que dele resulte um bem.
ARTIGO 5
A MORALIDADE DAS PAIXÕES
1762. A pessoa humana ordena-se à bem-aventurança
através dos seus atos deliberados: as paixões ou
sentimentos que experimenta podem dispô-la nesse sentido
e contribuir para isso.
I. As paixões
1763. O termo «paixões» pertence ao património
cristão. Os sentimentos ou paixões são as emoções ou
movimentos da sensibilidade. que inclinam a agir, ou a
não agir, em vista do que se sentiu ou imaginou como bom
ou como mau.
1764. As paixões são componentes naturais do psiquismo
humano, constituem o lugar de passagem e garantem a
ligação entre a vida sensível e a vida do espírito.
Nosso Senhor designa o coração do homem como fonte de
onde brota o movimento das paixões
(Cf. Mc. 7, 21).
1765. São numerosas as paixões. A mais fundamental é o
amor, provocado pela atração do bem. O amor causa o
desejo do bem ausente e a esperança de o alcançar. Este
movimento tem o seu termo no prazer e na alegria do bem
possuído. A apreensão pelo mal causa o ódio, a aversão e
o receio do mal futuro; este movimento termina na
tristeza pelo mal presente ou na cólera que a ele se
opõe.
1766. «Amar é querer bem a alguém»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2. q.
26. a. 4. c: Ed. Leon. 6, 190).
Todos os outros afetos nascem neste movimento original
do coração do homem para o bem. Só o bem é amado
(Cf. Santo Agostinho, De Trinitate, 8, 3, 4: CCL
50, 271-272 (PL 42, 949)).
«As paixões são más se o amor for mal e boas se ele
for bom»
(Santo Agostinho, De civitate Dei, 14, 7: CSEL
40/2. 13 (PL 41, 410)).
II. Paixões e vida moral
1767. Em si mesmas, as paixões não são nem boas
nem más. Só recebem qualificação moral na medida em que
dependem efetivamente da razão e da vontade. As paixões
dizem-se voluntárias, «ou porque são comandadas pela
vontade, ou porque a vontade não Lhes opõe obstáculos»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q.
24, a. 1, e.: Ed. Leon. 6, 179).
Pertence à perfeição do bem moral ou humano que as
paixões sejam reguladas pela razão
(Cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2,
q. 24, a. 3. c.: Ed. Leon. 6, 181).
1768. Os grandes sentimentos não determinam nem a
moralidade nem a santidade das pessoas; são o
reservatório inesgotável das imagens e afetos com que se
exprime a vida moral. As paixões são moralmente boas
quando contribuem para uma ação boa, e más, no caso
contrário. A vontade reta ordena para o bem e para a
bem-aventurança os movimentos sensíveis que assume; a
vontade má sucumbe às paixões desordenadas e
exacerba-as. As emoções e os sentimentos podem ser
assumidos pelas virtudes, ou pervertidos pelos
vícios.
1769. Na vida cristã, o próprio Espírito Santo realiza a
sua obra mobilizando todo o ser, mesmo as dores, temores
e tristezas, como se vê claramente na agonia e paixão do
Senhor. Em Cristo, os sentimentos humanos podem alcançar
a sua consumação na caridade e na bem-aventurança
divina.
1770. A perfeição moral consiste em que o homem não seja
movido para o bem só pela vontade, mas também pelo
apetite sensível, segundo esta palavra do Salmo: «o
meu coração e a minha carne exultam no Deus vivo»
(Sl. 84, 3).
Resumindo:
1771. O termo «paixões» designa afetos ou
sentimentos. Através das suas emoções, o homem pressente
o bem e suspeita do mal.
1772. As principais paixões são o amor e o ódio, o
desejo e o temor; a alegria, a tristeza e a cólera.
1773. Nas paixões, enquanto movimentos da
sensibilidade, não há bem, nem mal moral. Mas, na medida
em que dependem ou não da razão e da vontade, há nelas
bem ou mal moral.
1774. As emoções e os sentimentos podem ser assumidos
pelas virtudes, ou pervertidos pelos vícios.
1775. A perfeição do bem moral consiste em que o
homem não seja movido para o bem só pela vontade, mas
também pelo seu «coração.
ARTIGO 6
A CONSCIÊNCIA MORAL
1776 «No mais profundo da consciência, o homem
descobre uma lei que não se deu a si mesmo, mas à qual
deve obedecer e cuja voz ressoa, quando necessário, aos
ouvidos do seu coração, chamando-o sempre a amar e fazer
o bem e a evitar o mal [...]. De fato, o homem tem no
coração uma lei escrita pelo próprio Deus [...]. A
consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do
homem, no qual ele se encontra a sós com Deus, cuja voz
ressoa na intimidade do seu ser»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 16: AAS 58 (1966) 1037).
I. O juízo da consciência
1777. Presente no coração da pessoa, a consciência moral
(Cf. Rm. 2, 14-16) leva-a, no momento oportuno, a fazer o bem
e a evitar o mal. E também julga as opções concretas,
aprovando as boas e denunciando as más
(Cf. Rm. 1, 32).
Ela atesta a autoridade da verdade em relação ao Bem
supremo, pelo qual a pessoa humana se sente atraída e
cujos mandamentos acolhe. Quando presta atenção à
consciência moral, o homem prudente pode ouvir Deus a
falar-lhe.
1778. A consciência moral é um juízo da razão, pelo qual
a pessoa humana reconhece a qualidade moral dum ato
concreto que vai praticar, que está prestes a executar
ou que já realizou. Em tudo quanto diz e faz, o homem
tem obrigação de seguir fielmente o que sabe ser justo e
reto. E pelo juízo da sua consciência que o homem tem a
percepção e reconhece as prescrições da lei divina:
- a consciência «é uma lei do nosso espírito, mas que
o ultrapassa, nos dá ordens, e significa
responsabilidade e dever, temor e esperança [...]. É a
mensageira d'Aquele que, tanto no mundo da natureza como
no da graça, nos fala veladamente, nos instrui e nos
governa. A consciência é o primeiro de todos os vigários
de Cristo»
(Joannes Henricus Newman, A Letter to the Duke of
Norfolk, 5: Certain Difficulties felt by
Anglicans in Catholic Teaching, v. 2 (Westminster
1969) p. 248).
1779. Importa que cada um esteja suficientemente
presente a si mesmo para ouvir e seguir a voz da sua
consciência. Esta exigência de interioridade é
tanto mais necessária quanto a vida nos leva muitas
vezes a subtrair-nos a qualquer reflexão, exame ou
introspecção:
- «regressa à tua consciência, interroga-a [...]
Voltai, irmãos, ao vosso interior, e, em tudo quanto
fazeis, olhai para a Testemunha que é Deus»
(Santo Agostinho, In epistulam Iohannis ad Parthos
tractatus 8, 9: PL 35, 2041).
1780. A dignidade da pessoa humana implica e exige a
retidão da consciência moral. A consciência moral
compreende a percepção dos princípios da moralidade («sindérese»),
a sua aplicação em determinadas circunstâncias por meio
de um discernimento prático das razões e dos bens e, por
fim, o juízo emitido sobre os atos concretos a praticar
ou já praticados. A verdade sobre o bem moral, declarada
na lei da razão, é reconhecida prática e concretamente
pelo prudente juízo da consciência. Classifica-se
de prudente o homem que opta em conformidade com este
juízo.
1781. A consciência permite assumir a
responsabilidade dos atos praticados. Se o homem
comete o mal, o justo juízo da consciência pode ser nele
a testemunha da verdade universal do bem e, ao mesmo
tempo, da maldade da sua opção concreta. O veredito do
juízo da consciência continua a ser um penhor de
esperança e de misericórdia. Atestando a falta cometida,
lembra o perdão a pedir, o bem a praticar ainda e a
virtude a cultivar incessantemente com a graça de Deus.
- «Tranquilizaremos diante d'Ele o nosso coração, se o
nosso coração vier a acusar-nos. Pois Deus é maior do
que o nosso coração e conhece todas as coisas»
(1ª Jo. 3, 19-20).
1782. O homem tem o direito de agir em consciência e em
liberdade a fim de tomar pessoalmente decisões morais.
«O homem não deve ser forçado a agir contra a própria
consciência. Nem deve também ser impedido de atuar
segundo ela, sobretudo em matéria religiosa»
(II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae,
3: AAS 58 (1966) 932).
II. A formação da consciência
1783. A consciência deve ser informada e o juízo moral
esclarecido. Uma consciência bem formada é reta e
verídica; formula os seus juízos segundo a razão, em
conformidade com o bem verdadeiro querido pela sabedoria
do Criador. A formação da consciência é indispensável
aos seres humanos, submetidos a influências negativas e
tentados pelo pecado a preferir o seu juízo próprio e a
recusar os ensinamentos autorizados.
1784. A formação da consciência é tarefa para toda a
vida. Desde os primeiros anos, a criança desperta para o
conhecimento e para a prática da lei interior
reconhecida pela consciência moral. Uma educação
prudente ensina a virtude: preserva ou cura do medo, do
egoísmo e do orgulho, dos ressentimentos da
culpabilidade e dos movimentos de complacência, nascidos
da fraqueza e das faltas humanas. A formação da
consciência garante a liberdade e gera a paz do coração.
1785. Na formação da consciência, a Palavra de Deus é a
luz do nosso caminho. Devemos assimilá-la na fé e na
oração, e pô-la em prática. Devemos também examinar a
nossa consciência, de olhos postos na cruz do Senhor.
Somos assistidos pelos dons do Espírito Santo, ajudados
pelo testemunho e pelos conselhos dos outros e guiados
pelo ensino autorizado da Igreja
(Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis
humanae, 14: AAS 58 (1966) 940).
III. Decidir em consciência
1786. Perante a necessidade de decidir moralmente, a
consciência pode emitir um juízo reto, de acordo com a
razão e a lei de Deus, ou, pelo contrário, um juízo
erróneo, que se afaste delas.
1787. Por vezes, o homem vê-se confrontado com situações
que tornam o juízo moral menos seguro e a decisão
difícil. Mas deve procurar sempre o que é justo e bom e
discernir a vontade de Deus expressa na lei divina.
1788. Para isso, o homem esforça-se por interpretar os
dados da experiência e os sinais dos tempos, graças à
virtude da prudência, aos conselhos de pessoas sensatas
e à ajuda do Espírito Santo e dos seus dons.
1789. Algumas regras aplicam-se a todos os casos:
- nunca é permitido fazer mal para que daí resulte um
bem;
- a «regra de ouro» é: «tudo quanto quiserdes
que os homens vos façam, fazei-lho, de igual modo, vós
também» (Mt. 7, 12)
(Cf. Lc. 6, 31; Tb. 4, 15).
- a caridade passa sempre pelo respeito do próximo e
da sua consciência: «ao pecardes assim contra os
irmãos, ao ferir-lhes a consciência é contra Cristo que
pecais» (1ª Cor. 8, 12). «O que é bom é
não [...] [fazer] nada em que o teu irmão possa
tropeçar, cair ou fraquejar» (Rm. 14, 21).
IV. O juízo erróneo
1790. O ser humano deve obedecer sempre ao juízo certo
da sua consciência. Agindo deliberadamente contra ele,
condenar-se-ia a si mesmo. Mas pode acontecer que a
consciência moral esteja na ignorância e faça juízos
erróneos sobre atos a praticar ou já praticados.
1791. Muitas vezes, tal ignorância pode ser imputada à
responsabilidade pessoal. Assim acontece «quando o
homem pouco se importa de procurar a verdade e o bem e
quando a consciência se vai progressivamente cegando,
com o hábito do pecado»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 16: AAS 58 (1966) 1037).
Nesses casos, a pessoa é culpada do mal que comete.
1792. A ignorância a respeito de Cristo e do seu
Evangelho, os maus exemplos dados por outros, a
escravidão das paixões, a pretensão de uma mal entendida
autonomia da consciência, a rejeição da autoridade da
Igreja e do seu ensino, a falta de conversão e de
caridade, podem estar na origem dos desvios do juízo na
conduta moral.
1793. Se, pelo contrário, a ignorância é invencível, ou
o juízo erróneo sem responsabilidade do sujeito moral, o
mal cometido pela pessoa não pode ser-lhe imputado. Mas
nem por isso deixa de ser um mal, uma privação, uma
desordem. É preciso trabalhar, portanto, para corrigir
dos seus erros a consciência moral.
1794. A consciência boa e pura é iluminada pela fé
verdadeira. Porque a caridade procede, ao mesmo tempo,
«dum coração puro, de uma boa consciência e de uma fé
sincera» (1ª Tm. 1, 5)
(Cf. 1ª Tm. 3, 9; 2ª Tm. 1, 3; 1ª Pe. 3, 21; At. 24, 16).
«Quanto mais prevalecer a reta consciência, tanto mais
as pessoas e os grupos estarão longe da arbitrariedade
cega e procurarão conformar-se com as normas objetivas
da moralidade»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 16: AAS 58 (1966) 1037).
Resumindo:
1795. «A consciência é o núcleo mais secreto e o
sacrário do homem, no qual ele se encontra a sós com
Deus, cuja voz ressoa na intimidade do seu ser»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 16: AAS 58 (1966) 1037).
1796. A consciência moral é
um juízo da razão, pelo qual a pessoa humana reconhece a
qualidade moral dum ato concreto.
1797. Para o homem que procedeu mal, o veredicto da
consciência é um penhor de conversão e de esperança.
1798. Uma consciência bem formada é reta e verídica.
Formula os seus juízos segundo a razão e em conformidade
com o verdadeiro bem, querido pela sabedoria do Criador.
Cada qual deve procurar os meios para formar a sua
consciência.
1799. Perante a necessidade de decidir moralmente, a
consciência pode formular um juízo reto, de acordo com a
razão e a lei divina, ou, pelo contrário, um juízo
erróneo, que das mesmas se afasta.
1800. O ser humano deve obedecer sempre ao juízo
certo da sua consciência.
1801. A consciência moral pode permanecer na
ignorância ou fazer juízos erróneos. Tal ignorância e
erros nem sempre são isentos de culpabilidade.
1802. A Palavra de Deus é luz para os nossos passos.
Devemos assimilá-la na fé e na oração e pô-la em
prática. É assim que se forma a consciência moral.
ARTIGO 7
AS VIRTUDES
1803. «Tudo o que é verdadeiro, nobre e justo, tudo o
que é puro, amável e de boa reputação, tudo o que é
virtude e digno de louvor, isto deveis ter no
pensamento» (Fl. 4, 8).
A virtude é uma disposição habitual e firme para
praticar o bem. Permite à pessoa não somente praticar
atos bons, mas dar o melhor de si mesma. A pessoa
virtuosa tende para o bem com todas as suas forças
sensíveis e espirituais; procura o bem e opta por ele em
atos concretos.
«O fim duma vida virtuosa consiste em tornar-se
semelhante a Deus»
(São Gregório de Nissa, De Beatitudinibus, oratio 1:
Gregorii Nysseni opera. ed. W. Jaeger, v. 7/2
(Leiden 1992) p. 82 (PG 44, 1200)).
I. As virtudes humanas
1804. As virtudes humanas são atitudes firmes,
disposições estáveis, perfeições habituais da
inteligência e da vontade, que regulam os nossos atos,
ordenam as nossas paixões e guiam o nosso procedimento
segundo a razão e a fé. Conferem facilidade, domínio e
alegria para se levar uma vida moralmente boa. Homem
virtuoso é aquele que livremente pratica o bem.
As virtudes morais são humanamente adquiridas. São os
frutos e os germes de atos moralmente bons e dispõem
todas as potencialidades do ser humano para comungar no
amor divino.
DISTINÇÃO DAS VIRTUDES CARDEAIS
1805. Há quatro virtudes que desempenham um papel de
charneira. Por isso, se chamam «cardeais»; todas
as outras se agrupam em torno delas. São: a prudência, a
justiça, a fortaleza e a temperança. «Se alguém ama a
justiça, o fruto dos seus trabalhos são as virtudes,
porque ela ensina a temperança e a prudência, a justiça
e a fortaleza» (Sb. 8, 7). Com estes ou outros
nomes, estas virtudes são louvadas em numerosas
passagens da Sagrada Escritura.
1806. A prudência é a virtude que dispõe a razão
prática para discernir, em qualquer circunstância, o
nosso verdadeiro bem e para escolher os justos meios de
o atingir. «O homem prudente vigia os seus passos»
(Pr. 14, 15). «Sede ponderados e comedidos, para
poderdes orar» (1ª Pe. 4, 7). A prudência é a
«reta norma da ação», escreve São Tomás
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q.
47. a. 2. sed contra: Ed. Leon. 8, 349)
seguindo Aristóteles. Não se confunde, nem com a timidez
ou o medo, nem com a duplicidade ou dissimulação. É
chamada «auriga virtutum - condutor das virtudes»,
porque guia as outras virtudes, indicando-lhes a regra e
a medida. É a prudência que guia imediatamente o juízo
da consciência. O homem prudente decide e ordena a sua
conduta segundo este juízo. Graças a esta virtude,
aplicamos sem erro os princípios morais aos casos
particulares e ultrapassamos as dúvidas sobre o bem a
fazer e o mal a evitar.
1807. A justiça é a virtude moral que consiste na
constante e firme vontade de dar a Deus e ao próximo o
que lhes é devido. A justiça para com Deus chama-se
«virtude da religião». Para com os homens, a justiça
leva a respeitar os direitos de cada qual e a
estabelecer, nas relações humanas, a harmonia que
promove a equidade em relação às pessoas e ao bem comum.
O homem justo, tantas vezes evocado nos livros santos,
distingue-se pela retidão habitual dos seus pensamentos
e da sua conduta para com o próximo. «Não cometerás
injustiças nos julgamentos. Não favorecerás o pobre, nem
serás complacente para com os poderosos. Julgarás o teu
próximo com imparcialidade» (Lv. 19, 15).
«Senhores, daí aos vossos escravos o que é justo e
equitativo, considerando que também vós tendes um Senhor
no céu» (Cl. 4, 1).
1808. A fortaleza é a virtude moral que, no meio
das dificuldades, assegura a firmeza e a constância na
prossecução do bem. Torna firme a decisão de resistir às
tentações e de superar os obstáculos na vida moral. A
virtude da fortaleza dá capacidade para vencer o medo,
mesmo da morte, e enfrentar a provação e as
perseguições. Dispõe a ir até à renúncia e ao sacrifício
da própria vida, na defesa duma causa justa. «O
Senhor é a minha fortaleza e a minha glória» (Sl.
118, 14). «No mundo haveis de sofrer tribulações: mas
tende coragem! Eu venci o mundo»! (Jo. 16, 33).
1809. A temperança é a virtude moral que modera a
atração dos prazeres e proporciona o equilíbrio no uso
dos bens criados. Assegura o domínio da vontade sobre os
instintos e mantém os desejos nos limites da
honestidade. A pessoa temperante orienta para o bem os
apetites sensíveis, guarda uma sã discrição e não se
deixa arrastar pelas paixões do coração
(Cf. Sir. 5, 2; 37, 27-31).
A temperança é muitas vezes louvada no Antigo
Testamento: «não te deixes levar pelas tuas más
inclinações e refreia os teus apetites» (Sir.
18, 30). No Novo Testamento, é chamada «moderação»,
ou «sobriedade». Devemos «viver com moderação,
justiça e piedade no mundo presente» (Tt. 2, 12).
- «Viver bem é amar a Deus de todo o coração, com toda a
alma e com todo o proceder [...], de tal modo que se lhe
dedica um amor incorrupto e íntegro (pela temperança),
que mal algum poderá abalar (fortaleza), que a ninguém
mais serve (justiça), que cuida de discernir todas as
coisas para não se deixar surpreender pela astúcia e
pela mentira (prudência)»
(Santo Agostinho, De moribus Ecclesiae catholicae,
1, 25, 46: CSEL 90, 51 (PL 32, 1330-1331)).
AS VIRTUDES E A GRAÇA
1810. As virtudes humanas, adquiridas pela educação, por
atos deliberados e por uma sempre renovada perseverança
no esforço, são purificadas e elevadas pela graça
divina. Com a ajuda de Deus, forjam o caráter e
facilitam a prática do bem. O homem virtuoso sente-se
feliz ao praticá-las.
1811. Não é fácil, ao homem ferido pelo pecado, manter o
equilíbrio moral. O dom da salvação, que nos veio por
Cristo, dá-nos a graça necessária para perseverar na
busca das virtudes. Cada qual deve pedir constantemente
esta graça de luz e de força, recorrer aos sacramentos,
cooperar com o Espírito Santo e seguir os seus apelos a
amar o bem e acautelar-se do mal.
II. As virtudes teologais
1812. As virtudes humanas radicam nas virtudes
teologais, que adaptam as faculdades do homem à
participação na natureza divina
(Cf. 2ª Pe. 1, 4). De facto, as virtudes teologais
referem-se diretamente a Deus e dispõem os cristãos para
viverem em relação com a Santíssima Trindade. Têm Deus
Uno e Trino por origem, motivo e objeto.
1813. As virtudes teologais fundamentam, animam e
caracterizam o agir moral do cristão, informam e
vivificam todas as virtudes morais. São infundidas por
Deus na alma dos fiéis para os tornar capazes de
proceder como filhos seus e assim merecerem a vida
eterna. São o penhor da presença e da ação do Espírito
Santo nas faculdades do ser humano. São três as virtudes
teologais: fé, esperança e caridade
(Cf. 2ª Pe. 1, 4).
A FÉ
1814. A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus
e em tudo o que Ele nos disse e revelou e que a santa
Igreja nos propõe para acreditarmos, porque Ele é a
própria verdade.
(Cf. 1ª Cor. 13, 13)
Pela fé, «o homem entrega-se total e livremente a
Deus»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
5: AAS 58 (1966) 819).
E por isso, o crente procura conhecer e fazer a vontade
de Deus. «O justo viverá pela fé» (Rm. 1,
17). A fé viva «atua pela caridade» (Gl. 5, 6).
1815. O dom da fé permanece naquele que não pecou contra
ela
(Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de
iustificatione, c. 15: DS 1544). Mas, «sem obras, a fé está morta»
(Tg. 2, 26): privada da confiança e do amor, a fé não
une plenamente o fiel a Cristo, nem faz dele um membro
vivo do seu corpo.
1816. O discípulo de Cristo, não somente deve guardar a
fé e viver dela, como ainda professá-la, dar firme
testemunho dela e propagá-la: «todos devem estar
dispostos a confessar Cristo diante dos homens e a
segui-Lo no caminho da cruz, no meio das perseguições
que nunca faltam à Igreja»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
42: AAS 57 (1965) 48: cf. ID., Decl.
Dignitatis humanae, 14: AAS 58 (1966) 940).
O serviço e testemunho da fé são requeridos para a
salvação: «a todo aquele que me tiver reconhecido
diante dos homens, também Eu o reconhecerei diante do
meu Pai que está nos céus. Mas àquele que me tiver
negado diante dos homens, também Eu o negarei diante do
meu Pai que está nos céus» (Mt. 10, 32-33).
A ESPERANÇA
1817. A esperança é a virtude teologal pela qual
desejamos o Reino dos céus e a vida eterna como nossa
felicidade, pondo toda a nossa confiança nas promessas
de Cristo e apoiando-nos, não nas nossas forças, mas no
socorro da graça do Espírito Santo. «Conservemos
firmemente a esperança que professamos, pois Aquele que
fez a promessa é fiel» (Heb. 10, 23). «O Espírito
Santo, que Ele derramou abundantemente sobre nós, por
meio de Jesus Cristo nosso Salvador, para que,
justificados pela sua graça, nos tornássemos, em
esperança, herdeiros da vida eterna» (Tt. 3, 6-7).
1818. A virtude da esperança corresponde ao desejo de
felicidade que Deus colocou no coração de todo o homem;
assume as esperanças que inspiram as atividades dos
homens, purifica-as e ordena-as para o Reino dos céus;
protege contra o desânimo; sustenta no abatimento;
dilata o coração na expectativa da bem-aventurança
eterna. O ânimo que a esperança dá preserva do egoísmo e
conduz à felicidade da caridade.
1819. A esperança cristã retorna e realiza a esperança
do povo eleito, que tem a sua origem e modelo na
esperança de Abraão, o qual, em Isaac, foi cumulado
das promessas de Deus e purificado pela provação do
sacrifício
(Cf. Gn. 17, 4-8; 22, 1-18).
«Contra toda a esperança humana, Abraão teve
esperança e acreditou. Por isso, tornou-se pai de muitas
nações» (Rm. 4, 18).
1820. A esperança cristã manifesta-se, desde o princípio
da pregação de Jesus, no anúncio das bem-aventuranças.
As bem-aventuranças elevam a nossa esperança para
o céu, como nova tema prometida e traçam-lhe o caminho
através das provações que aguardam os discípulos de
Jesus. Mas, pelos méritos do mesmo Jesus Cristo e da sua
paixão, Deus guarda-nos na «esperança que não engana»
(Rm. 5, 5). A esperança é «a âncora da alma,
inabalável e segura» que penetra [...] «onde
entrou Jesus como nosso precursor» (Heb. 6, 19-20).
É também uma arma que nos protege no combate da
salvação: «revistamo-nos com a couraça da fé e da
caridade, com o capacete da esperança da salvação»
(1ª Ts. 5, 8). Proporciona-nos alegria, mesmo no meio da
provação: «alegres na esperança, pacientes na
tribulação» (Rm. 12, 12). Exprime-se e nutre-se na
oração, particularmente na oração do Pai-Nosso, resumo
de tudo o que a esperança nos faz desejar.
1821. Podemos, portanto, esperar a glória do céu
prometida por Deus àqueles que O amam
(Cf. Rm. 8, 28-30)
e fazem a sua vontade
(Cf. Mt. 7, 21).
Em todas as circunstâncias, cada qual deve esperar, com
a graça de Deus, «permanecer firme até ao fim»
(Cf. Mt 10, 22: Concílio de Trento, Sess. 5ª,
Decretum de iustificatione, c. 13: DS 1541)
e alcançar a alegria do céu, como eterna recompensa de
Deus pelas boas obras realizadas com a graça de Cristo.
É na esperança que a Igreja pede que «todos os homens
se salvem» (1ª Tm. 2, 4) e ela própria
aspira a ficar, na glória do céu, unida a Cristo, seu
Esposo:
- «espera, espera, que não sabes quando virá o dia
nem a hora. Vela com cuidado, que tudo passa com
brevidade, embora o teu desejo faça o certo duvidoso e
longo o tempo breve. Olha que quanto mais pelejares,
mais mostrarás o amor que tens a teu Deus, e mais te
regozijarás com teu Amado em gozo e deleite que não pode
ter fim»
(Santa Teresa de Jesus, Exclamaciones del alma a
Dios, 15, 3: Biblioteca Mística Carmelitana,
v. 4 (Burgos 1917) p. 290. [Exclamações, XV. 3:
Obras Completas (Paço de Arcos. Edições Carmelo
1994) p. 959)).
A CARIDADE
1822. A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a
Deus sobre todas as coisas por Ele mesmo, e ao próximo
como a nós mesmos, por amor de Deus.
1823. Jesus faz da caridade o mandamento novo
(Cf. Jo. 13. 34). Amando os seus «até ao fim» (Jo.
13, 1), manifesta o amor do Pai, que Ele próprio recebe.
E os discípulos, amando-se uns aos outros, imitam o amor
de Jesus, amor que eles recebem também em si. É por isso
que Jesus diz: «assim como o Pai Me amou, também Eu
vos amei. Permanecei no meu amor» (Jo. 15, 9). E
ainda: «é este o meu mandamento: que vos ameis uns
aos outros, como Eu vos amei» (Jo. 15, 12).
1824. Fruto do Espírito e plenitude da Lei, a caridade
guarda os mandamentos de Deus e do seu Cristo:
«permanecei no meu amor. Se guardardes os meus
mandamentos, permanecereis no meu amor» (Jo. 15,
9-10)
(Cf. Mt. 22, 40: Rm 13, 8-10).
1825. Cristo morreu por amor de nós, sendo nós ainda
«inimigos» (Rm. 5, 10). O Senhor pede-nos que, como
Ele, amemos até os nossos inimigos
(Cf. Mt. 5, 44),
que nos façamos o próximo do mais afastado
(Cf. Lc. 10, 27-37),
que amemos as crianças
(Cf. Mc. 9, 37)
e os pobres como a Ele próprio
(Cf. Mt. 25, 40.45).
O apóstolo São Paulo deixou-nos um incomparável quadro
da caridade: «a caridade é paciente, a caridade é
benigna; não é invejosa, não é altiva nem orgulhosa; não
é inconveniente, não procura o próprio interesse, não se
imita, não guarda ressentimento, não se alegra com a
injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo desculpa,
tudo crê, tudo espera, tudo suporta» (1ª Cor. 13,
4-7).
1826. Sem a caridade, diz ainda o Apóstolo, «nada
sou». E tudo o que for privilégio, serviço, ou mesmo
virtude..., se não tiver caridade «de nada me
aproveita»
(Cf. 1ª Cor. 1 3, 1-4).
A caridade é superior a todas as virtudes. É a primeira
das virtudes teologais: «agora permanecem estas três
coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de
todas é a caridade» (1ª Cor. 13, 13).
1827. O exercício de todas as virtudes é animado e
inspirado pela caridade. Esta é o «vínculo da
perfeição» (Cl. 3, 14) e a forma das virtudes:
articula-as e ordena-as entre si; é a fonte e o
termo da sua prática cristã. A caridade assegura e
purifica a nossa capacidade humana de amar e eleva-a à
perfeição sobrenatural do amor divino.
1828. A prática da vida moral animada pela caridade dá
ao cristão a liberdade espiritual dos filhos de Deus. O
cristão já não está diante de Deus como um escravo, com
temor servil, nem como o mercenário à espera do salário,
mas como um filho que corresponde ao amor «d'Aquele
que nos amou primeiro» (1ª Jo. 4, 19):
- «nós, ou nos desviamos do mal por temor do castigo e
estamos na atitude do escravo, ou vivemos à espera da
recompensa e parecemo-nos com os mercenários; ou,
finalmente, é pelo bem em si e por amor d'Aquele que
manda, que obedecemos [...], e então estamos na atitude
própria dos filhos»
(São Basílio Magno, Regulae fusius tractatae,
prol. 3: PG 31. 896).
1829 Os frutos da caridade são: a alegria, a paz
e a misericórdia; exige a prática do bem e a correção
fraterna; é benevolente; suscita a reciprocidade, é
desinteressada e liberal: é amizade e comunhão:
- «a consumação de todas as nossas obras é o amor. É
nele que está o fim: é para a conquista dele que
corremos; corremos para lá chegar e, uma vez chegados, é
nele que descansamos»
(Santo Agostinho, In epistulam Iohannis ad Parthos
tractus 10, 4: PL 35, 2056-2057).
III. Os dons e os frutos do Espírito Santo
1830. A vida moral dos cristãos é sustentada pelos dons
do Espírito Santo. Estes são disposições permanentes que
tornam o homem dócil aos impulsos do Espírito Santo.
1831. Os sete dons do Espírito Santo são:
sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, ciência,
piedade e temor de Deus. Pertencem em plenitude a
Cristo, filho de David
(Cf. Is. 11, 1-2).
Completam e levam à perfeição as virtudes de quem os
recebe. Tornam os fiéis dóceis, na obediência pronta, às
inspirações divinas.
- «Que o vosso espírito de bondade me
conduza pelo caminho reto» (Sl. 143, 10). «Todos
aqueles que
são conduzidos pelo Espírito de Deus são
filhos de Deus [...]; se somos filhos, também somos
herdeiros: herdeiros de Deus, co-herdeiros de
Cristo» (Rm. 8, 14.17).
1832. Os frutos do Espírito são perfeições que o
Espírito Santo forma em nós, como primícias da glória
eterna. A tradição da Igreja enumera doze: «caridade,
alegria, paz, paciência, bondade, longanimidade,
benignidade, mansidão, fidelidade, modéstia,
continência, castidade» (Gl. 5, 22-23 segundo a
Vulgata).
Resumindo:
1833. A virtude é uma disposição habitual e firme
para praticar o bem.
1834. As virtudes humanas são disposições estáveis da
inteligência e da vontade, que regulam os nossos atos,
ordenam as nossas paixões e guiam o nosso procedimento
segundo a razão e a fé. Podem ser agrupadas à roda das
quatro virtudes cardiais: prudência, justiça, fortaleza
e temperança.
1835. A prudência dispõe a razão prática para
discernir, em todas as circunstâncias, o verdadeiro bem
e para escolher os justos meios de o realizar.
1836. A justiça consiste na constante e firme vontade
de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido.
1837. A .fortaleza assegura, no
meio das dificuldades, a firmeza e a constância na
prossecução do bem.
1838. A temperança modera a atração dos prazeres
sensíveis e proporciona equilíbrio no uso dos bens
criados.
1839. As virtudes morais desenvolvem-se pela
educação, por atos deliberados e pela perseverança no
esforço. A graça divina purifica-as e eleva-as.
1840. As virtudes teologais dispõem os cristãos para
viverem em relação com a Santíssima Trindade. Têm, Deus
por origem, motivo e objeto - Deus conhecido pela fé,
esperado e amado por Si mesmo.
1841. São três as virtudes teologais: fé, esperança e
caridade
(1ª Cor. 13, 13).
Informam e vivificam todas as virtudes morais.
1842. Pela fé, cremos em Deus e em tudo quanto Ele
nos revelou e a santa Igreja nos propõe para
acreditarmos.
1843. Pela esperança, desejamos e esperamos de Deus,
com firme confiança, a vida eterna e as graças para a
merecer.
1844. Pela caridade, amamos a Deus sobre todas as
coisas e ao próximo como a nós mesmos, por amor de Deus.
A caridade é o «vínculo da perfeição» (Cl. 3, 14)
e a forma de todas as virtudes.
1845. Os sete dons do Espírito Santo, concedidos aos
cristãos, são: sabedoria, entendimento, conselho,
fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus.
ARTIGO 8
O PECADO
I. A misericórdia e o pecado
1846. O Evangelho é a revelação, em Jesus Cristo, da
misericórdia de Deus para com os pecadores
(Cf. Lc 15).
O anjo assim o disse a José: «pôr-Lhe-ás o nome de
Jesus, porque Ele salvará o seu povo dos seus pecados»
(Mt. 1, 21), o mesmo se diga da Eucaristia, sacramento
da Redenção: «isto é o meu Sangue, o Sangue da
Aliança, que vai ser derramado por todos para a remissão
dos pecados» (Mt. 26, 28).
1847. «Deus, que nos criou sem nós, não quis
salvar-nos sem nós»
(Santo Agostinho, Sermão 169, 11, 13: PL 38, 923).
O acolhimento da sua misericórdia exige de nós a
confissão das nossas faltas. «Se dizemos que não
temos pecado, enganamo-nos, e a verdade não está em nós.
Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo
para perdoar os nossos pecados e para nos purificar de
toda a maldade» (1ª Jo. 1, 8-9).
1848. Como afirma São Paulo: «onde abundou o pecado,
superabundou a graça» (Rm. 5, 20). Mas para realizar
a sua obra, a graça tem de pôr a descoberto o pecado,
para converter o nosso coração e nos obter «a justiça
para a vida eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor»
(Rm. 5, 21). Como um médico que examina a chaga antes de
lhe aplicar o penso, Deus, pela sua Palavra e pelo seu
Espírito, projeta uma luz viva sobre o pecado:
- «a conversão requer o reconhecimento do pecado.
Contém em si mesma o juízo interior da consciência. Pode
ver-se nela a prova da ação do Espírito de verdade no
mais íntimo do homem. Torna-se, ao mesmo tempo, o
princípio dum novo dom da graça e do amor: "recebei o
Espírito Santo". Assim, neste "convencer quanto ao
pecado". descobrimos um duplo dom: o dom da verdade da
consciência e o dom da certeza da redenção. O Espírito
da verdade é o Consolador»
(João Paulo II, Enc. Dominum et vivificantem, 31:
AAS 78 (1986) 843).
II. Definição de pecado
1849. O pecado é uma falta contra a razão, a verdade, a
reta consciência. É uma falha contra o verdadeiro amor
para com Deus e para com o próximo, por causa dum apego
perverso a certos bens. Fere a natureza do homem e
atenta contra a solidariedade humana. Foi definido como
«uma palavra, um ato ou um desejo contrário à Lei
eterna»
(Santo Agostinho, Contra Faustum manichaeum, 22,
27: CSEL 25, 621 (PL 42, 418): cf. São Tomás de
Aquino, Summa theologiae, 1-2, q. 71, a. 6: Ed.
Leon. 7, 8-9).
1850. O pecado é uma ofensa a Deus: «pequei contra
Vós, só contra Vós, e fiz o mal diante dos vossos olhos»
(Sl. 51, 6). O pecado é contrário ao amor que
Deus nos tem e afasta d'Ele os nossos corações. É, como
o primeiro pecado, uma desobediência, uma revolta contra
Deus, pela vontade de os homens se tornarem «como
deuses», conhecendo e determinando o que é bem e o
que é mal (Gn. 3, 5). Assim, o pecado é «o
amor de si próprio levado até ao desprezo de Deus»
(Santo Agostinho, De civitate Dei, 14, 28: CSEL
40/2, 56 (PL 41, 436)).
Por esta exaltação orgulhosa de si mesmo, o pecado é
diametralmente oposto à obediência de Jesus, que
realizou a salvação
(Cf. Fl. 2, 6-9).
1851. É precisamente na paixão, em que a misericórdia de
Cristo o vai vencer, que o pecado manifesta melhor a sua
violência e a sua multiplicidade: incredulidade, ódio
assassino, rejeição e escárnio por parte dos chefes e do
povo, covardia de Pilatos e crueldade dos soldados,
traição de Judas tão dura para Jesus, negação de Pedro e
abandono dos discípulos. No entanto, mesmo na hora das
trevas e do príncipe deste mundo
(Cf. Jo. 14, 30),
o sacrifício de Cristo torna-se secretamente a fonte de
onde brotará, inesgotável, o perdão dos nossos pecados.
III. A diversidade dos pecados
1852. É grande a variedade dos pecados. A Sagrada
Escritura fornece-nos várias listas. A Epístola aos
Gálatas opõe as obras da carne aos frutos do Espírito:
«as obras da natureza decaída ("carne") são claras:
imoralidade, impureza, libertinagem, idolatria,
feitiçaria, inimizades, discórdias, ciúmes, fúrias,
rivalidades, dissensões, facciosismos, invejas, excessos
de bebida e de comida e coisas semelhantes a estas.
Sobre elas vos previno, como já vos tinha prevenido: os
que praticam ações como estas, não herdarão o Reino de
Deus» (Gl. 5, 19-21)
(Cf. Rm. 1, 28-32; 1ª Cor 6, 9-10; Ef. 5, 3-5; Cl. 3,
5-9; 1ª Tm 1, 9-10; 2ª Tm 3, 2-5).
1853. Os pecados podem distinguir-se segundo o seu
objeto, como todo o ato humano; ou segundo as virtudes a
que se opõem; por excesso ou por defeito; ou segundo os
mandamentos que violam. Também podem agrupar-se segundo
outros critérios: os que dizem respeito a Deus, ao
próximo, à própria pessoa do pecador; pecados
espirituais e carnais: ou, ainda, pecados por
pensamentos, palavras, obras ou omissões. A raiz do
pecado está no coração do homem, na sua vontade livre,
conforme o ensinamento do Senhor: «do coração é que
provêm pensamentos malévolos, assassínios, adultérios,
fornicações, roubos, falsos testemunhos, maledicências -
coisas que tornam o homem impuro» (Mt. 15, 19). Mas
é também no coração que reside a caridade, princípio das
obras boas e puras, que o pecado ofende.
IV. A gravidade do pecado: pecado mortal e pecado venial
1854. Os pecados devem ser julgados segundo a sua
gravidade. A distinção entre pecado mortal e pecado
venial, já perceptível na Escritura (Cf. 1ª Jo.
5, 16-17),
impôs-se na Tradição da Igreja. A experiência dos
homens corrobora-a.
1855. O pecado mortal destrói a caridade no
coração do homem por uma infracção grave à Lei de Deus.
Desvia o homem de Deus, que é o seu último fim, a sua
bem-aventurança, preferindo-Lhe um bem inferior. O
pecado venial deixa subsistir a caridade, embora
ofendendo-a e ferindo-a.
1856. O pecado mortal, atacando em nós o princípio vital
que é a caridade, torna necessária uma nova iniciativa
da misericórdia de Deus e uma conversão do coração que
normalmente se realiza no quadro do sacramento da
Reconciliação:
- «quando [...] a vontade se deixa atrair por uma
coisa de si contrária à caridade, pela qual somos
ordenados para o nosso fim último, o pecado, pelo seu
próprio objeto, deve considerar-se mortal [...], quer
seja contra o amor de Deus (como a blasfémia, o
perjúrio, etc.), quer contra o amor do próximo (como o
homicídio, o adultério, etc.) [...] Em contrapartida,
quando a vontade do pecador por vezes se deixa levar
para uma coisa que em si é desordenada, não sendo
todavia contrária ao amor de Deus e do próximo (como uma
palavra ociosa, um risco supérfluo, etc.), tais pecados
são veniais»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q.
88. a. 2, e: Ed. Leon. 7, 135).
1857. Para que um pecado seja mortal,
requerem-se, em simultâneo, três condições: «é pecado
mortal o que tem por objeto uma matéria grave, e é
cometido com plena consciência e de propósito
deliberado»
(João Paulo II. Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia,
17: AAS 77 (1985) 221).
1858. A matéria grave é precisada pelos dez
Mandamentos, segundo a resposta que Jesus deu ao jovem
rico: «não mates, não cometas adultério, não furtes,
não levantes falsos testemunhos, não cometas fraudes,
honra pai e mãe» (Mc. 10, 18). A gravidade dos
pecados é maior ou menor: um homicídio é mais grave que
um roubo. A qualidade das pessoas lesadas também entra
em linha de conta: a violência cometida contra pessoas
de família é, por sua natureza, mais grave que a
exercida contra estranhos.
1859. Para que o pecado seja mortal tem de ser cometido
com plena consciência e total consentimento.
Pressupõe o conhecimento do carácter pecaminoso do ato,
da sua oposição à Lei de Deus. E implica também um
consentimento suficientemente deliberado para ser uma
opção pessoal. A ignorância simulada e o endurecimento
do coração
(Cf. Mc. 3, 5-6; Lc 16, 19-31)
não diminuem, antes aumentam, o carácter voluntário do
pecado.
1860. A ignorância involuntária pode diminuir, ou
mesmo desculpar, a imputabilidade duma falta grave. Mas
parte-se do princípio de que ninguém ignora os
princípios da lei moral, inscritos na consciência de
todo o homem. Os impulsos da sensibilidade e as paixões
podem também diminuir o carácter voluntário e livre da
falta. O mesmo se diga de pressões externas e de
perturbações patológicas. O pecado cometido por malícia,
por escolha deliberada do mal, é o mais grave.
1861. O pecado mortal é uma possibilidade radical da
liberdade humana, tal como o próprio amor. Tem como
consequência a perda da caridade e a privação da graça
santificante, ou seja, do estado de graça. E se não for
resgatado pelo arrependimento e pelo perdão de Deus,
originará a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna
no Inferno, uma vez que a nossa liberdade tem capacidade
para fazer escolhas definitivas, irreversíveis. No
entanto, embora nos seja possível julgar se um ato é, em
si, uma falta grave, devemos confiar o juízo sobre as
pessoas à justiça e à misericórdia de Deus.
1862. Comete-se um pecado venial quando, em
matéria leve, não se observa a medida prescrita pela lei
moral ou quando, em matéria grave, se desobedece à lei
moral, mas sem pleno conhecimento ou sem total
consentimento.
1863. O pecado venial enfraquece a caridade, traduz um
afeto desordenado aos bens criados, impede o progresso
da pessoa no exercício das virtudes e na prática do bem
moral; e merece penas temporais. O pecado venial
deliberado e não seguido de arrependimento, dispõe, a
pouco e pouco, para cometer o pecado mortal. No entanto,
o pecado venial não quebra a aliança com Deus e é
humanamente reparável com a graça de Deus. «Não priva
da graça santificante, da amizade com Deus, da caridade,
nem, portanto, da bem-aventurança eterna»
(João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia,
17: AAS 77 (1985) 221).
- «Enquanto vive na carne, o homem não é capaz de evitar
totalmente o pecado, pelo menos os pecados leves. Mas
estes pecados, que chamamos leves, não os tenhas por
insignificantes. Se os tens por insignificantes quando
os pesas, treme quando os contas. Muitos objetos leves
fazem uma massa pesada; muitas gotas de água enchem um
rio; muitos grãos fazem um monte. Onde, então, está a
nossa esperança? Antes de mais, na confissão...»
(Santo Agostinho, In epistulam Iohannis Parthos
tractatus, 1, 6: PL 35, 1982).
1864. «Todo o pecado ou blasfémia será perdoado aos
homens, mas a blasfémia contra o Espírito não lhes será
perdoada» (Mt. 12, 31)
(Cf. Mc. 3. 29; Lc. 12, 10).
Não há limites para a misericórdia de Deus, mas quem
recusa deliberadamente receber a misericórdia de Deus,
pelo arrependimento, rejeita o perdão dos seus pecados e
a salvação oferecida pelo Espírito Santo
(Cf. João Paulo II, Enc. Dominum et vivificantem,
46: AAS 78 (1986) 864-865).
Tal endurecimento pode levar à impenitência final e à
perdição eterna.
V. A proliferação do pecado
1865. O pecado arrasta ao pecado; gera o vício, pela
repetição dos mesmos atos. Daí resultam as inclinações
perversas, que obscurecem a consciência e corrompem a
apreciação concreta do bem e do mal. Assim, o pecado
tende a reproduzir-se e reforçar-se, embora não possa
destruir radicalmente o sentido moral.
1866. Os vícios podem classificar-se segundo as virtudes
a que se opõem, ou relacionando-os com os pecados
capitais que a experiência cristã distinguiu, na
sequência de São João Cassiano
(Cf. São Cassiano, Conlatio, 5, 2: CSEL 13, 121
(PL 49, 611))
e São Gregório Magno
(Cf. São Gregório Magno, Moralia in Job, 31, 45,
87: CCL 143B, 1610 (PL 76, 621)).
Chamam-se capitais, porque são geradores doutros pecados
e doutros vícios. São eles: a soberba, a avareza, a
inveja, a ira, a luxúria, a gula e a preguiça ou
negligência (acedia).
1867. A tradição catequética lembra também a existência
de «pecados que bradam ao céu». Bradam ao céu: o
sangue de Abel
(Cf. Gn 4. 10);
o pecado dos sodomitas
(Cf. Gn. 18, 20; 19, 13);
o clamor do povo oprimido no Egito
(Cf. Ex. 3, 7-10); o lamento do estrangeiro, da viúva e do
órfão
(Cf. Ex. 22, 20-22);
a injustiça para com o assalariado
(Cf. Dt 24, 14-15; Tg 5, 4).
1868. O pecado é um ato pessoal. Mas, além disso, nós
temos responsabilidade nos pecados cometidos por outros,
quando neles cooperamos:
- tomando parte neles, direta e voluntariamente;
- ordenando-os. aconselhando-os, aplaudindo-os ou
aprovando-os;
- não os denunciando ou não os impedindo, quando a isso
obrigados;
- protegendo os que praticam o mal.
1869. Assim, o pecado torna os homens cúmplices uns dos
outros, faz reinar entre eles a concupiscência, a
violência e a injustiça. Os pecados provocam situações
sociais e instituições contrárias à Bondade divina; as
«estruturas de pecado» são expressão e efeito dos
pecados pessoais e induzem as suas vítimas a que, por
sua vez, cometam o mal. Constituem, em sentido
analógico, um «pecado social»
(João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia,
16: AAS 77 (1985) 216).
Resumindo:
1870. «Deus encerrou todos na desobediência, para
usar de misericórdia para com todos» (Rm. 11, 32).
1871. O pecado é «uma palavra, um ato ou um desejo
contrários à lei eterna»
(Santo Agostinho, Contra Faustum manichaeum, 22,
27: CSEL 25, 621 (PL 42, 418)).
É uma ofensa a Deus. Levanta-se contra Deus por uma
desobediência contrária à obediência de Cristo.
1872. O pecado é um ato contrário à razão. Fere a
natureza do homem e atenta contra a solidariedade
humana.
1873. A raiz de todos os pecados está no coração do
homem. As suas espécies e gravidade aferem-se,
principalmente, pelo seu objeto.
1874. Optar deliberadamente - isto é, sabendo e
querendo - por algo gravemente contrário à lei divina e
ao fim último do homem, é cometer um pecado mortal. Este
destrói em nós a caridade, sem a qual a bem-aventurança
eterna é impossível; se não houver arrependimento, tem
como consequência a morte eterna.
1875. O pecado venial constitui uma desordem moral,
reparável pela caridade que deixa subsistir em nós.
1876. A repetição dos pecados, mesmo veniais, gera os
vícios, entre os quais se distinguem os pecados
capitais.
A VIDA EM CRISTO
PRIMEIRA SECÇÃO
A VOCAÇÃO DO HOMEM: A VIDA NO ESPÍRITO
CAPÍTULO SEGUNDO
A COMUNIDADE HUMANA
1877. A vocação da humanidade é manifestar a imagem de
Deus e ser transformada à imagem do Filho único do Pai.
Esta vocação reveste-se de uma forma pessoal, pois cada
um é chamado a entrar na bem-aventurança divina. Mas diz
também respeito ao conjunto da comunidade humana.
ARTIGO 1
A PESSOA E A SOCIEDADE
I. O caráter comunitário da vocação humana
1878. Todos os homens são chamados ao mesmo fim, que é o
próprio Deus. Existe uma certa semelhança entre a
unidade das pessoas divinas e a fraternidade que os
homens devem instaurar entre si, na verdade e no amor
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 24: AAS 58 (1966) 1045).
O amor ao próximo é inseparável do amor a Deus.
1879. A pessoa humana tem necessidade da vida social.
Esta não constitui para ela algo de acessório, mas uma
exigência da sua natureza. Graças ao contacto com os
demais, ao serviço mútuo e ao diálogo com os seus
irmãos, o homem desenvolve as suas capacidades, e assim
responde à sua vocação
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 25: AAS 58 (1966) 1045).
1880. Sociedade é um conjunto de pessoas ligadas
de modo orgânico por um princípio de unidade que
ultrapassa cada uma delas. Assembleia ao mesmo tempo
visível e espiritual, uma sociedade perdura no tempo:
assume o passado e prepara o futuro. Através dela, cada
homem é constituído «herdeiro», recebe
«talentos» que enriquecem a sua identidade e cujos
frutos deve desenvolver
(Cf. Lc. 19, 13. 15).
Com toda a razão, cada um é devedor de dedicação às
comunidades de que faz parte e de respeito às
autoridades encarregadas do bem comum.
1881. Cada comunidade define-se pelo fim a que tende e,
por conseguinte, obedece a regras específicas. Mas
«pessoa humana é e deve ser o princípio, o sujeito e o
fim de todas as instituições sociais»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 25: AAS 58 (1966) 1045).
1882. Certas sociedades, como a família e a comunidade
civil, correspondem de modo mais imediato à natureza do
homem. São-lhe necessárias. Para favorecer a
participação do maior número possível de pessoas na vida
social, deve fomentar-se a criação de associações e
instituições de livre iniciativa, «com fins
económicos, culturais, sociais, desportivos,
recreativos, profissionais, políticos, tanto no interior
das comunidades políticas como a nível mundial»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 25: AAS 58 (1966) 1045).
Esta «socialização» exprime também a tendência
natural que leva os seres humanos a associarem-se, com
vista a atingirem objetivos que ultrapassam as
capacidades individuais. Desenvolve as qualidades da
pessoa, particularmente o sentido de iniciativa e de
responsabilidade, e contribui para garantir os seus
direitos
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 24: AAS 58 (1966) 1045-1046; João Paulo II,
Enc. Centesimus annus, 16: AAS 83 (1991) 813).
1883. Mas a socialização também oferece perigos. Uma
intervenção exagerada do Estado pode constituir uma
ameaça à liberdade e às iniciativas pessoais. A doutrina
da Igreja elaborou o princípio dito da
subsidiariedade. Segundo ele, «uma sociedade de
ordem superior não deve interferir na vida interna duma
sociedade de ordem inferior, privando-a das suas
competências, mas deve antes apoiá-la, em caso de
necessidade, e ajudá-la a coordenar a sua ação com a dos
demais componentes sociais, com vista ao bem comum»
(João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 48: AAS 83
(1991) 854: cf. Pio XI, Enc. Quadragesimo anno:
AAS 23 (1931) 184-186).
1884. Deus não quis reservar só para Si o exercício de
todos os poderes. Confia a cada criatura as funções que
ela é capaz de exercer, segundo as capacidades da sua
própria natureza. Este modo de governo deve ser imitado
na vida social. O procedimento de Deus no governo do
mundo, que testemunha tão grande respeito para com a
liberdade humana, deveria inspirar a sabedoria daqueles
que governam as comunidades humanas. Eles devem atuar
como ministros da providência divina.
1885. O princípio da subsidiariedade opõe-se a todas as
formas de coletivismo e marca os limites da intervenção
do Estado. Visa harmonizar as relações entre os
indivíduos e as sociedades e tende a instaurar uma
verdadeira ordem internacional.
II. Conversão e sociedade
1886. A sociedade é indispensável à realização da
vocação humana. Para atingir esse fim, tem de ser
respeitada a justa hierarquia dos valores, que
«subordina as dimensões físicas e instintivas às
dimensões interiores e espirituais»
(João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 36:
AAS 83 (1991) 838):
- «a convivência humana [...] há de considerar-se,
antes de mais, como um fato de ordem principalmente
espiritual: como comunicação de conhecimentos, à luz da
verdade; exercício de direitos e cumprimento de deveres;
incentivo e apelo aos bens do espírito; gozo comum do
justo prazer da beleza em todas as suas expressões;
permanente disposição para partilhar com os outros o
melhor de si mesmo; aspiração a uma mútua e cada vez
mais rica assimilação de valores espirituais. Todos
estes valores vivificam e, ao mesmo tempo, orientam tudo
o que diz respeito às doutrinas, às realidades
económicas, à convivência cívica, aos movimentos e
regimes políticos, à ordem jurídica e aos demais
elementos exteriores através dos quais se articula e se
exprime a convivência humana no seu incessante devir»
(João XXIII, Enc. Pacem in terris, 36: AAS 55
(1963) 266).
1887. A inversão dos meios e dos fins
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 41:
AAS 83 (1991) 844),
que chega a dar valor de fim último ao que não passa de
meio para a ele chegar ou a considerar as pessoas como
puros meios com vista a um fim, gera estruturas injustas
que «tornam árduo e praticamente impossível um
procedimento cristão, conforme com os mandamentos do
divino legislador»
(Pio XII, Mensagem radiofónica (1 de Junho de
1941): AAS 33 (1941) 197).
1888. Deve-se, pois, apelar para as capacidades
espirituais e morais da pessoa e para a exigência
permanente da sua conversão interior, para se
conseguirem mudanças sociais que estejam realmente ao
seu serviço. A prioridade reconhecida à conversão do
coração, não elimina de modo algum, antes impõe, a
obrigação de introduzir nas instituições e nas condições
de vida, quando introduzem ao pecado, as correções
convenientes para que elas se conformem com as normas da
justiça e favoreçam o bem, em vez de se lhe oporem
(Cf. II Concílio do Vaticano, Cons. dogm. Lumen
Gentium, 36: AAS 57 (1965) 42).
1889. Sem a ajuda da graça, os homens não seriam capazes
de «descobrir o caminho, muitas vezes estreito, entre
a covardia que cede ao mal e a violência que, julgando
combatê-lo, o agrava»
(João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 25
AAS 83 (1991) 823).
É o caminho da caridade, ou seja, do amor de Deus e do
próximo. A caridade constitui o maior mandamento social.
Ela respeita o outro e os seus direitos, exige a prática
da justiça, de que só ela nos torna capazes e
inspira-nos uma vida de entrega: «quem procurar
preservar a vida, há de perdê-la; quem a perder, há de
salvá-la» (Lc. 17, 33).
Resumindo:
1890. Existe uma certa
semelhança entre a unidade das pessoas divinas e a
fraternidade que os homens devem instaurar entre si.
1891. Para se desenvolver em
conformidade com a sua natureza, a pessoa humana tem
necessidade da vida social. Certas sociedades, como a
família e a comunidade civil, correspondem, de modo mais
imediato, à natureza do homem.
1892. «A pessoa humana é e deve ser o princípio, o
sujeito e o fim de todas as instituições sociais»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 25 AAS 58 (1966) 1045).
1893. Deve promover-se uma larga participação nas
associações e instituições de livre iniciativa.
1894. Segundo o princípio da subsidiariedade, nem o
Estado nem qualquer sociedade mais abrangente devem
substituir-se à iniciativa e à responsabilidade das
pessoas e dos corpos intermédios.
1895. A sociedade deve
favorecer a prática das virtudes, e não a impedir. Deve
inspirar-se numa justa hierarquia de valores.
1896. Onde quer que o pecado perverta o clima social,
deve fazer-se apelo à conversão dos corações e à graça
de Deus. A caridade incentiva reformas justas. Não
existe solução para a questão social fora do Evangelho
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 5:
AAS 83 (1991) 800).
ARTIGO 2
A PARTICIPAÇÃO NA VIDA SOCIAL
I. A autoridade
1897. «A sociedade humana não estará bem constituída
nem será fecunda, se a ela não presidir uma autoridade
legítima que salvaguarde as instituições e dedique o
necessário trabalho e esforço ao bem comum»
(João XXIII, Enc. Pacem in terris, 46: AAS 55
(1963) 269).
Chama-se «autoridade» àquela qualidade em virtude
da qual pessoas ou instituições dão leis e ordens a
homens e esperam obediência da parte deles.
1898. Toda a comunidade humana tem necessidade de uma
autoridade que a governe
(Cf. Leão XIII, Enc. Diuturnum illud: Leonis XIII
Acta 2, 271; Id., Enc. Immortale Dei:
Leonis XIII Acta, 5, 120).
Esta tem o seu fundamento na natureza humana. Ela é
necessária para a unidade da comunidade civil. O seu
papel consiste em assegurar, quanto possível, o bem
comum da sociedade.
1899. A autoridade exigida pela ordem moral emana de
Deus: «submeta-se cada qual às autoridades
constituídas. Pois não há autoridade que não tenha sido
constituída por Deus e as que existem foram
estabelecidas por Ele. Quem resiste, pois, à autoridade,
opõe-se à ordem estabelecida por Deus, e os que lhe
resistem atraem sobre si a condenação» (Rm. 13, 1‑2)
(Cf. 1ª Pe. 2, 13-17).
1900. O dever de obediência impõe a todos a obrigação de
tributar à autoridade as honras que lhe são devidas e de
rodear de respeito e, segundo o seu mérito, de gratidão
e benevolência, as pessoas que a exercem.
Saída da pena do papa São Clemente de Roma, encontramos
a mais antiga oração da Igreja pela autoridade política
(Cf. já 1ª Tm. 2, 1-2):
- «Dai-lhes, Senhor, a saúde, a paz, a concórdia, a
estabilidade, para que exerçam sem obstáculos a
soberania que lhes confiastes. Sois Vós, ó mestre,
celeste rei dos séculos, quem dá aos filhos dos homens
glória, honra e poder sobre as coisas da terra. Dirigi,
Senhor, o seu conselho segundo o que é bem, segundo o
que é agradável aos vossos olhos, para que, exercendo
com piedade, na paz e na mansidão, o poder que lhes
destes, vos encontrem propício»
(São Clemente de Roma, Epistula ad Corinthios,
61, 1-2: SC 167, 198-200 (Funk 1, 178-180)).
1901. Se a autoridade remete para uma ordem fixada por
Deus, já «a determinação dos regimes políticos, tal
como a designação dos seus dirigentes, devem ser
deixados à livre vontade dos cidadãos»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 74: AAS 58 (1966) 1096).
A diversidade dos regimes políticos é moralmente
admissível, desde que concorram para o bem legítimo da
comunidade que os adota. Os regimes cuja natureza for
contrária à lei natural, à ordem pública e aos direitos
fundamentais das pessoas, não podem promover o bem comum
das nações onde se impuseram.
1902. A autoridade não recebe de si mesma a legitimidade
moral. Por isso, não deve proceder de maneira despótica,
mas agir em prol do bem comum, como uma «força moral
fundada na liberdade e no sentido de responsabilidade»
(II Concílio do Vaticano, Const. past.
Gaudium et spes, 74: AAS 58 (1966) 1096):
- «a legislação humana só se reveste do carácter de
lei, na medida em que se conforma com a justa razão; daí
ser evidente que ela recebe todo o seu vigor da Lei
eterna. Na medida em que se afastar da razão, deve ser
declarada injusta, pois não realiza a noção de lei:
será, antes, uma forma de violência»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q.
93, a. 3. ad 2: Ed. Leon. 7, 164).
1903. A autoridade só é exercida legitimamente na medida
em que procurar o bem comum do respectivo grupo e em
que, para o atingir, empregar meios moralmente lícitos.
No caso de os dirigentes promulgarem leis injustas ou
tomarem medidas contrárias à ordem moral, tais
disposições não podem obrigar as consciências. «Neste
caso, a própria autoridade deixa de existir e degenera
em abuso do poder»
(João XXIII, Enc. Pacem in terris, 51: AAS 55
(1963) 271).
1904. «É preferível que todo o poder seja equilibrado
por outros poderes e outras competências que o mantenham
no seu justo limite. Este é o princípio do "Estado de
direito", no qual é soberana a Lei, e não a vontade
arbitrária dos homens»
(João
Paulo II, Enc. Centesimus annus, 44: AAS
83 (1991) 848).
II. O bem comum
1905. Em conformidade com a natureza social do homem, o
bem de cada um está necessariamente relacionado com o
bem comum. E este não pode definir-se senão em
referência à pessoa humana:
- «não vivais isolados, fechados em vós mesmos, como
se já estivésseis justificados; mas reuni-vos para
procurar em conjunto o que é de interesse comum»
(Pseudo Barnabé, Epistula, 4, 10: SC 172, 100-102
(Funk 1, 48)).
1906. Por bem comum devem entender-se «o conjunto das
condições sociais que permitem, tanto aos grupos como a
cada um dos seus membros, atingir a sua perfeição, do
modo mais completo e adequado»
(Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes,
26: AAS 58 (1966)1046: cf. Ibid., 74: AAS 58
(1966) 1096).
O bem comum interessa à vida de todos. Exige prudência
da parte de cada um, sobretudo da parte de quem exerce a
autoridade. E inclui três elementos essenciais.:
1907. Supõe, em primeiro lugar, o respeito da pessoa
como tal. Em nome do bem comum, os poderes públicos
são obrigados a respeitar os direitos fundamentais e
inalienáveis da pessoa humana. A sociedade humana deve
empenhar-se em permitir, a cada um dos seus membros,
realizar a própria vocação. De modo particular, o bem
comum reside nas condições do exercício das liberdades
naturais, indispensáveis à realização da vocação humana:
«por exemplo, o direito de agir segundo a reta norma
da sua consciência, o direito à salvaguarda da vida
privada e à justa liberdade, mesmo em matéria religiosa»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium
et spes, 26: AAS 58 (1966) 1046).
1908. Em segundo lugar, o bem comum exige o bem-estar
social e o desenvolvimento da própria
sociedade. O desenvolvimento é o resumo de todos os
deveres sociais. Sem dúvida, à autoridade compete
arbitrar, em nome do bem comum, entre os diversos
interesses particulares; mas deve tornar acessível a
cada qual aquilo de que precisa para levar uma vida
verdadeiramente humana: alimento, vestuário, saúde,
trabalho, educação e cultura, informação conveniente,
direito de constituir família
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 26: AAS 58 (1966) 1046),
etc.
1909. Finalmente, o bem comum implica a paz, quer
dizer, a permanência e segurança duma ordem justa.
Supõe, portanto, que a autoridade assegure, por meios
honestos, a segurança da sociedade e dos seus
membros. O bem comum está na base do direito à legítima
defesa, pessoal e coletiva.
1910. Se cada comunidade humana possui um bem comum que
lhe permite reconhecer-se como tal, é na comunidade
política que se encontra a sua realização mais
completa. Compete ao Estado defender e promover o bem
comum da sociedade civil, dos cidadãos e dos corpos
intermédios.
1911. As dependências humanas intensificam-se.
Estendem-se, pouco a pouco, a toda a terra. A unidade da
família humana, reunindo seres de igual dignidade
natural, implica um bem comum universal. E este
requer uma organização da comunidade das nações, capaz
de «prover às diversas necessidades dos homens, tanto
no domínio da vida social (alimentação, saúde,
educação...), como para fazer face a múltiplas
circunstâncias particulares que podem surgir aqui e ali
(por exemplo: [...] acudir às misérias dos refugiados,
dar assistência aos migrantes e suas famílias...)»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 84: AAS 58 (1966) 1107).
1912. O bem comum está sempre orientado para o progresso
das pessoas: «a ordem das coisas deve estar
subordinada à ordem das pessoas, e não o inverso»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 26: AAS 58 (1966) 1047).
Esta ordem tem por base a verdade, constrói-se na
justiça e é vivificada pelo amor.
III. Responsabilidade e participação
1913. Participação é o empenhamento voluntário e
generoso da pessoa nas permutas sociais. É necessário
que todos tomem parte, cada qual segundo o lugar que
ocupa e o papel que desempenha, na promoção do bem
comum. Este é um dever inerente à dignidade da pessoa
humana.
1914. A participação realiza-se, primeiro, ao
encarregar-se alguém dos sectores de que assume a
responsabilidade pessoal: pelo cuidado que põe na
educação da família, pela consciência com que realiza o
seu trabalho, o homem participa no bem dos outros e da
sociedade
(Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus,
31: AAS 83 (1991) 847).
1915. Os cidadãos devem, tanto quanto possível, tomar
parte ativa na vida pública. As modalidades desta
participação podem variar de país para país ou de uma
cultura para outra. «É de louvar o modo de agir das
nações em que, em autêntica liberdade, o maior número
possível de cidadãos participa nos assuntos públicos»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 3162: AAS 58 (1966) 1050).
1916. A participação de todos na promoção do bem comum
implica, como qualquer dever ético, uma conversão
incessantemente renovada dos parceiros sociais. A fraude
e outros subterfúgios, pelos quais alguns se esquivam às
obrigações da lei e às prescrições do dever social,
devem ser firmemente condenados como incompatíveis com
as exigências da justiça. Importa promover o progresso
das instituições que melhorem as condições da vida
humana
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 30: AAS 58 (1966) 1049).
1917. Incumbe àqueles que exercem cargos de autoridade
garantir os valores que atraem a confiança dos membros
do grupo e os incitam a colocar-se ao serviço dos seus
semelhantes. A participação começa pela educação e pela
cultura. «Pode-se legitimamente pensar que o futuro
da humanidade está nas mãos daqueles que souberem dar às
gerações de amanhã razões de viver e de esperar»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 31: AAS 58 (1966) 1050).
Resumindo:
1918. «Não existe autoridade que não venha de Deus, e
as que existem foram por Deus estabelecidas» (Rm.
13, 1).
1919. Toda a comunidade humana tem necessidade duma
autoridade, para se manter e desenvolver:
1920. «A comunidade política e a autoridade pública
têm o seu fundamento na natureza humana, e pertencem,
por isso, à ordem estabelecida por Deus»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 74: AAS 58 (1966) 1096).
1921. A autoridade exerce-se de modo legítimo, se se
dedicar a conseguir o bem comum da sociedade. Para o
atingir, deve empregar meios moralmente aceitáveis.
1922. A diversidade dos regimes políticos é legítima,
desde que estas concorram para o bem da comunidade.
1923. A autoridade política deve exercer-se dentro
dos limites da ordem moral, e garantir as condições
necessárias para o exercício da liberdade.
1924. O bem comum abrange «o conjunto das condições
sociais que permitem aos grupos e às pessoas atingir a
sua perfeição, do modo mais pleno e fácil»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 26: AAS 58 (1966) 1046).
1925. O bem comum inclui
três elementos essenciais: o respeito e a promoção dos
direitos fundamentais da pessoa; a prosperidade ou
desenvolvimento dos bens espirituais e temporais da
sociedade; a paz e a segurança do grupo e dos seus
membros.
1926. A dignidade da pessoa humana implica a busca do
bem comum. Cada qual deve preocupar-se em suscitar e
sustentar instituições que melhorem as condições da vida
humana.
1927. Compete ao Estado defender e promover o bem
comum da sociedade civil. O bem comum de toda a família
humana exige uma organização da sociedade internacional.
ARTIGO 3
A JUSTIÇA SOCIAL
1928. A sociedade garante a justiça social, quando
realiza as condições que permitem às associações e aos
indivíduos obterem o que lhes é devido, segundo a sua
natureza e vocação. A justiça social está ligada ao bem
comum e ao exercício da autoridade.
I. O respeito pela pessoa humana
1929. A justiça social só pode alcançar-se no respeito
da dignidade transcendente do homem. A pessoa constitui
o fim último da sociedade, que está ordenada para ela:
- a defesa e promoção da dignidade da pessoa humana
«foram-nos confiadas pelo Criador, tarefa a que estão
rigorosa e responsavelmente obrigados os homens e as
mulheres em todas as conjunturas da história»
(João Paulo II, Enc.
Sollicitudo rei socialis, 47: AAS 80 (1988) 581).
1930. O respeito pela pessoa humana implica o dos
direitos que dimanam da sua dignidade de criatura. Esses
direitos são anteriores à sociedade e impõem-se lhe.
Estão na base da legitimidade moral de qualquer
autoridade: desprezando-os ou recusando reconhecê-los na
sua legislação positiva, uma sociedade atenta contra a
sua própria legitimidade moral
(Cf. João XXIII, Enc. Pacem in terris, 61:
AAS 55 (1963) 274).
Faltando esse respeito, uma sociedade não tem outra
solução, senão o recurso à força e à violência, para
obter a obediência dos seus súbitos. É dever da Igreja
trazer à memória dos homens de boa vontade aqueles
direitos, e distingui-los das reivindicações abusivas ou
falsas.
1931. O respeito pela pessoa humana passa pelo respeito
pelo princípio: «que cada um considere o seu próximo,
sem qualquer excepção, como “outro ele mesmo”, e zele,
antes de mais, pela sua existência e pelos meios que lhe
são necessários para viver dignamente»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 27: AAS 58 (1966) 274).
Nenhuma legislação será capaz, por si mesma, de fazer
desaparecer os temores, os preconceitos, as atitudes de
orgulho e egoísmo que são obstáculo ao estabelecimento
de sociedades verdadeiramente fraternas. Tais atitudes
só desaparecem com a caridade, que vê em cada homem um
«próximo», um irmão.
1932. O dever de nos fazermos o «próximo» do
outro, e de o servirmos ativamente, é tanto mais
premente quanto esse outro for mais indefeso, seja em
que domínio for. «Quantas vezes o fizestes a um dos
meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes» (Mt.
25, 40).
1933. Este mesmo dever é extensivo a todos os que pensam
ou se comportam de modo diferente de nós. A doutrina de
Cristo chega a exigir o perdão das ofensas. Ele estende
o mandamento do amor, que é o da nova Lei, a todos os
inimigos
(Cf. Mt 5, 43-44).
A libertação, no espírito do Evangelho, é incompatível
com o ódio ao inimigo, enquanto pessoa; embora não o
seja com o ódio ao mal, que ele pode praticar enquanto
inimigo.
II. Igualdade e diferença entre os homens
1934. Criados à imagem do Deus único, dotados duma
idêntica alma racional, todos os homens têm a mesma
natureza e a mesma origem. Resgatados pelo sacrifício de
Cristo, todos são chamados a participar da mesma
bem-aventurança divina. Todos gozam, portanto, de igual
dignidade.
1935. A igualdade entre os homens assenta essencialmente
na sua dignidade pessoal e nos direitos que dela
dimanam:
- «toda a espécie de discriminação relativamente aos
direitos fundamentais da pessoa, quer por razão do sexo,
quer da raça, cor, condição social, língua ou religião,
deve ser ultrapassada e eliminada como contrária ao
desígnio de Deus»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 29: AAS 58 (1966) 1048-1049).
1936. Ao vir ao mundo, o homem não dispõe de tudo o que
é necessário para o desenvolvimento da sua vida corporal
e espiritual. Precisa dos outros. Há diferenças
relacionadas com a idade, as capacidades físicas, as
aptidões intelectuais e morais, os intercâmbios de que
cada um pôde beneficiar, a distribuição das riquezas
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 29: AAS 58 (1966) 1048).
Os «talentos» não são distribuídos por igual
(Cf. Mt. 25, 14-30: Lc. 19, 11-27).
1937. Estas diferenças fazem parte do plano de Deus que
quer que cada um receba de outrem aquilo de que precisa
e que os que dispõem de «talentos» particulares
comuniquem os seus benefícios aos que deles precisam. As
diferenças estimulam e muitas vezes obrigam as pessoas à
magnanimidade, à benevolência e à partilha: e incitam as
culturas a enriquecerem-se umas às outras:
- «Eu distribuo as virtudes tão diferentemente, que
não dou tudo a todos, mas a uns uma e a outros outra
[...] A um darei principalmente a caridade, a outro a
justiça, a este a humildade, àquele uma fé viva. [...] E
assim dei muitos dons e graças de virtudes, espirituais
e temporais, com tal diversidade, que não comuniquei
tudo a uma só pessoa, a fim de que vós fosseis forçados
a usar de caridade uns para com os outros; [...] Eu quis
que um tivesse necessidade do outro e todos fossem meus
ministros na distribuição das graças e dons de Mim
recebidos»
(Santa Catarina de Sena, Il dialogo della Divina
provvidenza, 7: ed. G. Cavallini (Roma 1995) p.
23-24).
1938. Mas também existem desigualdades iníquas
que ferem milhões de homens e de mulheres. Essas estão
em contradição frontal com o Evangelho:
- «a igual dignidade pessoal postula que se chegue a
condições de vida mais humanas e justas. Com efeito, as
excessivas desigualdades económicas e sociais entre os
membros ou povos da única família humana provocam
escândalo e são obstáculo à justiça social, à equidade,
à dignidade da pessoa humana e, finalmente, à paz social
e internacional»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 29: AAS 58 (1966) 1049).
III. A solidariedade humana
1939. O princípio da solidariedade, também enunciado sob
o nome de «amizade» ou de «caridade social»,
é uma exigência direta da fraternidade humana e cristã
(Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis,
38-40: AAS 80 (1988) 564-569; Id.. Enc.
Centesimus annus, 10: AAS 83 (1991) 805-806):
- um erro, «hoje largamente espalhado, é o que
esquece esta lei da solidariedade humana e da caridade,
ditada e imposta tanto pela comunidade de origem e pela
igualdade da natureza racional entre todos os homens,
seja qual for o povo a que pertençam, como pelo
sacrifício da redenção oferecido por Jesus Cristo no
altar da cruz ao Pai celeste, em favor da humanidade
pecadora»
(Pio XII, Enc. Summi Pontificatus: AAS 31 (1939)
426).
1940. A solidariedade manifesta-se, em primeiro lugar,
na repartição dos bens e na remuneração do trabalho.
Implica também o esforço por uma ordem social mais
justa, em que as tensões possam ser resolvidas melhor e
os conflitos encontrem mais facilmente uma saída
negociada.
1941. Os problemas socioeconômicos só podem ser
resolvidos com a ajuda de todas as formas de
solidariedade: solidariedade dos pobres entre si, dos
ricos com os pobres, dos trabalhadores entre si, dos
empresários e empregados na empresa; solidariedade entre
as nações e entre os povos. A solidariedade
internacional é uma exigência de ordem moral. Dela
depende, em parte, a paz do mundo.
1942. A virtude da solidariedade vai além dos bens
materiais. Ao difundir os bens espirituais da fé, a
Igreja favoreceu, por acréscimo, o desenvolvimento dos
bens temporais, a que, muitas vezes, abriu novos
caminhos. Assim se verificou, ao longo dos séculos, a
Palavra do Senhor: «procurai primeiro o Reino de Deus
e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por
acréscimo» (Mt. 6, 33):
- «desde há dois mil anos que vive e persevera na
alma da Igreja este sentimento, que levou e ainda leva
as almas até ao heroísmo caridoso dos monges
agricultores, dos libertadores de escravos, dos que
cuidam dos doentes, dos mensageiros da fé, da
civilização, da ciência a todas as gerações e a todos os
povos, em vista a criar condições sociais capazes de a
todos tornar possível uma vida digna do homem e do
cristão»
(Pio XII, Mensagem radiofónica (1 de Junho de
1941): AAS 33 (1941) 204).
Resumindo:
1943. A sociedade assegura a justiça social,
realizando as condições que permitem às associações e
aos indivíduos obterem o que lhes é devido.
1944. O respeito pela pessoa humana considera o outro
como «outro eu». Supõe o respeito pelos direitos
fundamentais, decorrentes da dignidade intrínseca da
pessoa.
1945. A igualdade entre os homens assenta na sua
dignidade pessoal e nos direitos que dela dimanam.
1946. As diferenças entre as pessoas fazem parte do
desígnio de Deus que quer que precisemos uns dos outros.
Devem estimular a caridade.
1947. A igual dignidade das pessoas humanas exige
esforços no sentido de reduzir desigualdades sociais e
económicas excessivas. Conduza o desaparecimento das
desigualdades iníquas.
1948. A solidariedade é uma virtude eminentemente
cristã. Pratica a partilha dos bens espirituais, ainda
mais que a dos materiais.
A VIDA EM CRISTO
PRIMEIRA SECÇÃO
A VOCAÇÃO DO HOMEM: A VIDA NO ESPÍRITO
CAPÍTULO TERCEIRO
A SALVAÇÃO DE DEUS: A LEI
E A GRAÇA
1949. Chamado à bem-aventurança, mas ferido pelo pecado,
o homem tem necessidade da salvação de Deus. O auxílio
divino é-lhe dado em Cristo, pela lei que o dirige e na
graça que o ampara:
- «trabalhai com temor e tremor na vossa salvação:
porque é Deus que opera em vós o querer e o agir,
segundo os seus desígnios» (Fl, 2, 12-13).
ARTIGO 1
A LEI MORAL
1950. A lei moral é obra da Sabedoria divina. Podemos
defini-la, em sentido bíblico, como uma instrução
paterna, uma pedagogia de Deus. Ela prescreve ao homem
os caminhos, as regras de procedimento que o levam à
bem-aventurança prometida e lhe proíbe os caminhos do
mal, que desviam de Deus e do seu amor. E, ao mesmo
tempo, firme nos seus preceitos e amável nas suas
promessas.
1951. A lei é uma regra de procedimento emanada da
autoridade competente em ordem ao bem comum. A lei moral
pressupõe a ordem racional estabelecida entre as
criaturas, para seu bem e em vista do seu fim, pelo
poder, sabedoria e bondade do Criador. Toda a lei
encontra na Lei eterna a sua verdade primeira e última.
A lei é declarada e estabelecida pela razão como uma
participação na providência do Deus vivo, Criador e
Redentor de todos. «Esta ordenação da razão, eis o
que se chama a lei»
(Leão XIII, Enc. Libertas praestantissimum:
Leonis XIII Acta 8. 218: São Tomás de Aquino, Summa
theologiae, 1-2, q. 90. a. 1: Ed. Leon. 7, 149-150).
- «Entre todos os seres animados, o homem é o único que
pode gloriar-se de ter recebido de Deus uma lei: animal
dotado de razão, capaz de compreender e de discernir,
ele regulará o seu procedimento dispondo da sua
liberdade e da sua razão, na submissão Àquele que tudo
lhe submeteu»
(Tertuliano, Adversos Marcionem, 2, 4, 5: CCL I.
479 (PL 2, 315)).
1952. As expressões da lei moral são diversas, mas todas
coordenadas entre si: a lei eterna, fonte em Deus de
todas as leis; a lei natural; a lei revelada,
compreendendo a Lei antiga e a Lei nova ou evangélica:
por fim, as leis civis e eclesiásticas.
1953. A lei moral encontra em Cristo a sua plenitude e
unidade. Jesus Cristo é, em pessoa, o caminho da
perfeição. Ele é o fim da lei, porque só Ele ensina e
confere a justiça de Deus: «o fim da Lei é Cristo,
para a justificação de todo o crente» (Rm. 10, 4).
I. A lei moral natural
1954. O homem participa na sabedoria e na bondade do
Criador, que lhe confere o domínio dos seus atos e a
capacidade de se governar em ordem à verdade e ao bem. A
lei natural exprime o sentido moral original que permite
ao homem discernir, pela razão, o bem e o mal, a verdade
e a mentira:
- «a lei natural [...] está escrita e gravada na alma
de todos e de cada um dos homens, porque não é senão a
razão humana ordenando fazer o bem e proibindo pecar...
Mas este ditame da razão humana não poderia ter força de
lei, se não fosse a voz e a intérprete duma razão
superior, à qual o nosso espírito e a nossa liberdade
devem estar sujeitos»
(Leão XIII, Enc. Libertas praestantissimum:
Leonis XIII Acta 8. 219).
1955. A lei «divina e natural»
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 89: AAS 58 (1966) 1111-1112)
mostra ao homem o caminho a seguir para praticar o bem e
atingir o seu fim. A lei natural enuncia os preceitos
primários e essenciais que regem a vida moral. Tem como
fulcro a aspiração e a submissão a Deus, fonte e juiz de
todo o bem, assim como o sentido do outro como igual a
si mesmo. Quanto aos seus preceitos principais, está
expressa no Decálogo. Esta lei é chamada natural, não em
relação à natureza dos seres irracionais, mas porque a
razão que a promulga é própria da natureza humana:
- «onde estão, pois, inscritas [estas regras] senão
no livro daquela luz que se chama a verdade? É lá que
está escrita toda a lei justa, e é de lá que ela passa
para o coração do homem que pratica a justiça; não que
imigre para ele, mas porque nele imprime a sua marca, à
maneira de um selo que do sinete passa para a cera, sem
contudo deixar o sinete»
(Santo Agostinho, De Trinitate, 14, 15, 21: CCL
50A, 451 (PL 42, 1052)).
A lei natural «não é senão a luz da inteligência
posta em nós por Deus; por ela, nós conhecemos o que se
deve fazer e o que se deve evitar. Esta luz ou esta lei,
deu-a Deus ao homem na criação»
(São Tomás de Aquino, In duo praecepta caritatis et
in detem Legi praecepta expositio 1: Opera amnia,
v. 27 (Parisiis 1875) p. 144).
1956. Presente no coração de cada homem e estabelecida
pela razão, a lei natural é universal nos seus
preceitos, e a sua autoridade estende-se a todos os
homens. Ela exprime a dignidade da pessoa e determina a
base dos seus deveres e direitos fundamentais:
- «existe, sem dúvida, uma verdadeira lei, que é a
reta razão; ela é conforme à natureza, comum a todos os
homens; é imutável e eterna; as suas ordens apelam para
o dever; as suas proibições desviam da falta. [...] É um
sacrilégio substituí-la por uma lei contrária: e é
interdito deixar de cumprir uma só que seja das suas
disposições; quanto a ab-rogá-la inteiramente, ninguém o
pode fazer»
(Marco Túlio Cícero, De re publica, 3, 22, 33:
Scripta quae manserunt omnia, Bibliotheca
Teubneriana fasc. 39. ed. K. Ziegler (Leipzig
1969) p. 96).
1957. A aplicação da lei natural varia muito; pode
requerer uma reflexão adaptada à multiplicidade das
condições de vida, segundo os lugares, as épocas e as
circunstâncias. Todavia, na diversidade das culturas, a
lei natural permanece como regra a unir os homens entre
si, impondo-lhes, para além das diferenças inevitáveis,
princípios comuns.
1958. A lei natural é imutável
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 10: AAS 58 (1966) 1033)
e permanente através das variações da história. Subsiste
sob o fluxo das ideias e dos costumes e está na base do
respectivo progresso. As regras que a traduzem
permanecem substancialmente válidas. Mesmo que se lhe
neguem até os princípios, não é possível destruí-la nem
tirá-la do coração do homem; ela ressurge sempre na vida
dos indivíduos e das sociedades:
- «não há dúvida de que o roubo é punido pela vossa
Lei, Senhor, e pela lei que está escrita no coração do
homem e que nem a própria iniquidade consegue apagar»
(Santo Agostinho, Confissões 2, 4, 9: CCL 27, 21
(PL 32, 678)).
1959. Obra excelente do Criador, a lei natural fornece
os fundamentos sólidos sobre os quais o homem pode
construir o edifício das regras morais que hão de
orientar as suas opções. Também nela assenta a base
moral indispensável para a construção da comunidade dos
homens. Enfim, proporciona a base necessária à lei
civil, que a ela se liga, quer por uma reflexão que dos
seus princípios tira as conclusões, quer por adições de
natureza positiva e jurídica.
1960. Os preceitos da lei natural não são por todos
recebidos de maneira clara e imediata. Na situação
atual, a graça e a Revelação são necessárias ao homem
pecador para que as verdades religiosas e morais possam
ser conhecidas, «por todos e sem dificuldade, com
firme certeza e sem mistura de erro»
(I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius,
c. 2: DS 3005: Pio XII. Enc. Humani Generis: DS
3876).
A lei natural proporciona à lei revelada e à graça uma
base preparada por Deus e concedida por obra do
Espírito.
II. A Lei antiga
1961. Deus, nosso Criador e nosso Redentor, escolheu
Israel como seu povo e revelou-lhe a sua Lei, preparando
assim a vinda de Cristo. A Lei de Moisés exprime muitas
verdades naturalmente acessíveis à razão. Estas
encontram-se declaradas e autenticadas no âmago da
aliança da salvação.
1962. A Lei antiga é o primeiro estádio da lei revelada.
As suas prescrições morais estão compendiadas nos Dez
Mandamentos. Os preceitos do Decálogo assentam os
alicerces da vocação do homem, feito à imagem de Deus:
proíbem o que é contrário ao amor de Deus e do próximo e
prescrevem o que lhe é essencial. O Decálogo é uma luz
oferecida à consciência de todo o homem, para lhe
manifestar o apelo e os caminhos de Deus e o proteger
contra o mal:
- Deus «escreveu nas tábuas da Lei o que os homens
não fiam nos seus corações»
(Santo Agostinho, Enarratio in Psalmum, 57, I:
CCL 39, 708)
1963. Segundo a tradição cristã, a Lei santa
(Cf. Rm. 7, 12),
espiritual
(Cf. Rm. 7, 14)
e boa
(Cf. Rm. 7, 16),
é ainda imperfeita. Como um pedagogo
(Cf. Gl. 3, 24)
ela mostra o que se deve fazer; mas, por si, não dá a
força, a graça do Espírito para ser cumprida. Por causa
do pecado, que ela não pode anular, não deixa de ser uma
lei de escravidão. Segundo São Paulo, ela tem por função
principalmente denunciar e manifestar o pecado
que constitui uma «lei de concupiscência»
(Cf. Rm. 7)
no coração do homem. No entanto, a Lei permanece como a
primeira etapa no caminho do Reino. Prepara e dispõe o
povo eleito e cada cristão para a conversão e para a fé
em Deus salvador. Proporciona um ensinamento que
subsiste para sempre, como Palavra de Deus.
1964. A Lei antiga é uma preparação para o Evangelho.
«A Lei é profecia e pedagogia das realidades futuras»
(Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses, 4, 15,
1: SC 100. 548 (PG 7, 1012)).
Ela profetiza e preanuncia a obra de libertação do
pecado, que será realizada por Cristo; e fornece ao Novo
Testamento imagens, «tipos» e símbolos para
exprimir a vida segundo o Espírito. Finalmente, a Lei
completa-se pelo ensinamento dos Livros Sapienciais e
dos Profetas, que a orientam para a Nova Aliança e para
o Reino dos céus.
- Houve [...] na vigência da Antiga Aliança, pessoas que
possuíam a caridade e a graça do Espírito Santo, e
aspiravam acima de tudo às promessas espirituais e
eternas, sob este aspecto, já pertenciam à nova Lei. E,
vice-versa, existem na nova Aliança homens carnais,
ainda distantes da perfeição da Nova Lei. Para os
incitar à prática da virtude, tem sido necessário, mesmo
na Nova Aliança, o temor do castigo e certas promessas
temporais. Em todo o caso, a Lei antiga, embora
prescrevesse a caridade, não dava o Espírito Santo, pelo
qual "a caridade se difunde nos nossos corações"
(Rm. 5, 5)
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q.
107, a.I, ad 2: Ed. Leon 7, 279).
III. A nova Lei ou Lei evangélica
1965. A Lei nova ou Lei evangélica é a perfeição, na
terra, da Lei divina, natural e revelada. É obra de
Cristo e tem a sua expressão, de modo particular, no
sermão da montanha. É também obra do Espírito Santo e,
por Ele, torna-se a lei interior da caridade:
«estabelecerei com a casa de Israel uma aliança nova
[...] Hei de imprimir as minhas leis no seu espírito e
gravá-las-ei no seu coração. Eu serei o seu Deus e eles
serão o meu povo» (Heb. 8, 8-10)
(Cf. Jr. 31, 31-34).
1966. A Lei nova é a graça do Espírito Santo,
dada aos fiéis pela fé em Cristo. Opera pela caridade e
serve-se do sermão do Senhor para nos ensinar o que se
deve fazer, e dos sacramentos para nos comunicar a graça
de o fazer:
- aquele que quiser meditar com piedade e perspicácia o
sermão que nosso Senhor pronunciou na montanha, tal como
o lemos no Evangelho de São Mateus, nele encontrará, sem
dúvida alguma, a carta perfeita da vida cristã [...].
Esse sermão encerra todos os preceitos próprios para
guiar a vida cristã
(Santo Agostinho, De sermone Domine in monte, 1,
1, 1: CCL 35, 1-2 (PL 34, 1229-1231)).
1967. A Lei evangélica «cumpre»
(Cf. Mt. 5, 17-19), apura, ultrapassa e leva à perfeição a
Lei antiga. Nas «bem-aventuranças», ela cumpre
as promessas divinas, elevando-as e ordenando-as
para o «Reino dos céus». Dirige-se àqueles que
estão dispostos a acolher com fé esta esperança nova: os
pobres, os humildes, os aflitos, os corações puros, os
perseguidos por causa de Cristo, traçando assim os
surpreendentes caminhos do Reino.
1968. A Lei evangélica dá cumprimento aos mandamentos
da Lei. O sermão do Senhor, longe de abolir ou
desvalorizar as prescrições morais da Lei antiga, tira
deles as virtualidades ocultas, fazendo surgir novas
exigências: revela toda a verdade divina e humana que
elas contêm. Não acrescenta preceitos externos novos:
mas chega a reformar a raiz dos atos, o coração, onde o
homem escolhe entre o puro e o impuro
(Cf. Mt. 15, 18-19),
onde se formam a fé, a confiança e a caridade e, com
elas, as outras virtudes. Assim, o Evangelho leva a Lei
à sua plenitude, pela imitação da perfeição do Pai
Celeste
(Cf. Mt. 5, 48),
pelo perdão dos inimigos e pela oração pelos
perseguidores, à maneira da generosidade divina
(Cf. Mt. 5, 44).
1969. A Lei nova pratica os atos da religião: a
esmola, a oração, o jejum, ordenando-os para «o Pai
que vê no segredo», ao contrário do desejo «de
ser visto pelos homens»
(Cf. Mt. 6, 1-6; 16-18).
A sua oração é o «Pai Nosso»
(Cf. Mt. 6, 9-13).
1970. A Lei evangélica implica a escolha decisiva entre
«os dois caminhos»
(Cf. Mt. 7, 13-14)
e a passagem à prática das palavras do Senhor
(Cf. Mt. 7, 21-27);
resume-se na regra de ouro: «tudo quanto quiserdes
que os homens vos façam, fazei-lho, de igual modo, vós
também, pois nisso consiste a Lei e os Profetas» (Mt.
7, 12)
(Cf. Lc. 6, 31).
Toda a Lei evangélica se apoia no «mandamento novo»
de Jesus
(Cf. Jo. 13, 34),
de nos amarmos uns aos outros como Ele nos amou
(Cf. Jo. 15, 12).
1971. Ao sermão do Senhor convém juntar a catequese
moral dos ensinamentos apostólicos (Rm. 12-15; 1ª
Cor. 12-13; Cl. 3-4; Ef. 4-5; etc.). Esta doutrina
transmite o ensinamento do Senhor com a autoridade dos
Apóstolos, sobretudo pela exposição das virtudes que
dimanam da fé em Cristo e que são animadas pela
caridade, o principal dom do Espírito Santo. «Seja a
vossa caridade sem fingimento [...]. Amai-vos uns aos
outros com amor fraterno [...]. Sede alegres na
esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na
oração, acudindo com a vossa parte às necessidades dos
santos, procurando o ensejo de exercer a hospitalidade
(Rm. 12, 9-12). Esta catequese ensina-nos também
a tratar os casos de consciência à luz da nossa relação
com Cristo e com a Igreja»
(Cf. Rom 14; 1 Cor 5-10).
1972. A Lei nova é chamada Lei do amor, porque
faz agir mais pelo amor infundido pelo Espírito Santo do
que pelo temor: Lei da graça, porque confere a
força da graça para agir pela fé e pelos sacramentos;
Lei de liberdade porque nos liberta das observâncias
rituais e jurídicas da Lei antiga, nos inclina a agir
espontaneamente sob o impulso da caridade e, finalmente,
nos faz passar da condição do escravo «que ignora o
que faz o seu senhor»,
(Cf. Tg. 1, 25; 2, 12)
para a do amigo de Cristo: «porque vos dei a conhecer
tudo o que ouvi do meu Pai» (Jo. 15, 15); ou ainda
para a condição de filho herdeiro
(Cf. G. 14.1-7; 21-31; Rm. 8, 15-17).
1973. Além dos seus preceitos, a Lei nova inclui também
os conselhos evangélicos. A distinção tradicional
entre os mandamentos de Deus e os conselhos evangélicos
estabelece-se por referência à caridade, perfeição da
vida cristã. Os preceitos destinam-se a afastar tudo o
que é incompatível com a caridade. Os conselhos têm por
fim afastar o que, mesmo sem lhe ser contrário, pode
constituir impedimento à expansão da caridade
(Cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2.
Q. 184, a. 3: Ed. Leon. 10, 453-454).
1974. Os conselhos evangélicos manifestam a plenitude
viva da caridade, sempre insatisfeita por não dar mais.
Atestam o seu ímpeto e solicitam a nossa prontidão
espiritual. A perfeição da Lei nova consiste
essencialmente nos preceitos do amor de Deus e do
próximo. Os conselhos indicam caminhos mais diretos,
meios mais adequados, e são praticáveis segundo a
vocação de cada um:
- «Deus não quer que cada um observe todos os
conselhos, mas somente os que são convenientes, segundo
a diversidade das pessoas, dos tempos, das ocasiões e
das forças, consoante a caridade o requer; pois é ela
que, como rainha de todas as virtudes, de todos os
mandamentos, de todos os conselhos, em suma, de todas as
leis e de todas as ações cristãs, lhes dá a todos e a
todas o lugar, a ordem, o tempo e o valor»
(São Francisco de Sales, Traité de l'amour de Dieu,
8, 6: Oeuvres, v. 5 (Anecy 1894) p. 75).
Resumindo:
1975. Segundo a Escritura, a Lei é uma instrução
paterna de Deus, que prescreve ao homem os caminhos que
levam à bem-aventurança prometida, e proíbe os caminhos
do mal.
1976. «A lei é uma ordenação da razão para o bem
comum, promulgada por aquele que tem o encargo da
comunidade»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2. q.
90, a. 4, e: Ed. Leon. 7, 152).
1977. Cristo é o fim da Lei
(Cf. Rm. 10, 4).
Só Ele ensina e concede a justiça de Deus.
1978. A lei natural é uma participação na sabedoria e
bondade de Deus pelo homem, formado à imagem do seu
Criador Ela exprime a dignidade da pessoa humana
e constitui a base dos seus direitos e deveres
fundamentais.
1979. A lei natural é imutável, permanente através da
história. As regras que a traduzem permanecem
substancialmente válidas. É a base necessária para a
fixação das regras morais e da lei civil.
1980. A Lei antiga é o primeiro estádio da Lei
revelada. As suas prescrições morais estão compendiadas
nos Dez Mandamentos.
1981. A Lei de Moisés contém muitas verdades
naturalmente acessíveis à razão. Deus revelou-as, porque
os homens não as liam no seu coração.
1982. A Lei antiga é uma preparação para o Evangelho.
1983. A nova Lei é a graça do Espírito Santo,
recebida pela fé em Cristo, operando pela caridade. Está
expressa sobretudo no sermão do Senhor na montanha e
utiliza os sacramentos para nos comunicar a graça.
1984. A Lei evangélica cumpre, ultrapassa e
aperfeiçoa a Lei antiga: as suas promessas pelas
bem-aventuranças do Reino dos céus; os seus mandamentos,
reformando a raiz dos atos, o coração.
1985. A nova Lei é uma lei de amor; uma lei de graça,
uma lei de liberdade.
1986. Além dos seus preceitos, a nova Lei comporta os
conselhos evangélicos. «A santidade da Igreja é
especialmente favorecida pelos vários conselhos que o
Senhor propõe no Evangelho aos seus discípulos»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
42 AAS 57 (1965) 48).
ARTIGO 2
GRAÇA E JUSTIFICAÇÃO
I. A justificação
1987. A graça do Espírito Santo tem o
poder de nos justificar, isto é, de nos lavar dos nossos
pecados e de nos comunicar «a justiça de Deus pela fé
em Jesus Cristo»
(Cf. Rm. 3, 22)
e pelo Baptismo
(Cf. Rm. 6, 3-4):
- «se morremos com Cristo, acreditamos que também com
Ele viveremos, sabendo que, uma vez ressuscitado dos
mortos, Cristo já não morre: a morte já não tem domínio
sobre Ele. Porque, na morte que sofreu, Cristo morreu
para o pecado de uma vez para sempre: mas a sua vida é
uma vida para Deus. Assim vós também, considerai-vos
mortos para o pecado e vivos para Deus, em Cristo Jesus»
(Rm. 6, 8- ll).
1988. Pelo poder do Espírito Santo, nós tomamos parte na
paixão de Cristo, morrendo para o pecado, e na sua
ressurreição, nascendo para uma vida nova. Somos os
membros do seu corpo, que é a Igreja
(Cf. 1ª Cor. 12),
os sarmentos enxertados na videira, que é Ele próprio
(Cf. Jo. 15, 1-4):
- «é pelo Espírito que nós temos parte em Deus. [...]
Pela participação no Espírito, tornamo-nos participantes
da natureza divina [...]. É por isso que aqueles em quem
habita o Espírito são divinizados»
(Santo Atanásio de Alexandria, Epistula ad
Serapionem. 1, 24: PG 26, 585-588).
1989. A primeira obra da graça do Espírito Santo é a
conversão, que opera a justificação, segundo a
mensagem de Jesus no princípio do Evangelho:
«convertei-vos, que está perto o Reino dos céus»
(Mt. 4, 17). Sob a moção da graça, o homem volta-se para
Deus e desvia-se do pecado, acolhendo assim o perdão e a
justiça do Alto. «A justificação comporta, portanto,
a remissão dos pecados, a santificação e a renovação do
homem interior»
(Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de
iustificatione, c. 7: DS 1528).
1990. A justificação desliga o homem do pecado,
que está em contradição com o amor de Deus, e
purifica-lhe o coração. A justificação continua a
iniciativa da misericórdia de Deus, que oferece o
perdão; reconcilia o homem com Deus; liberta-o da
escravidão do pecado e cura-o.
1991. A justificação é, ao mesmo tempo, acolhimento
da justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo. Justiça
designa, aqui, a retidão do amor divino. Com a
justificação, são difundidas nos nossos corações a fé, a
confiança e a caridade, e é-nos concedida a obediência à
vontade divina.
1992. A justificação foi-nos merecida pela paixão de
Cristo, que na cruz Se ofereceu como hóstia viva,
santa e agradável a Deus, e cujo sangue se tornou
instrumento de propiciação pelos pecados de todos os
homens. A justificação é concedida pelo Batismo,
sacramento da fé. Conforma-nos com a justiça de Deus que
nos torna interiormente justos pelo poder da sua
misericórdia. E tem pôr fim a glória de Deus e de
Cristo, e o dom da vida eterna
(Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de
iustificatione, c. 7: DS 1529):
- «mas agora, foi sem a Lei que se manifestou a
justiça de Deus, atestada pela Lei e pelos Profetas: a
justiça que vem para todos os crentes, mediante a fé em
Jesus Cristo. É que não há diferença alguma: todos
pecaram e estão privados da glória de Deus. Sem o
merecerem, são justificados pela sua graça, em virtude
da redenção realizada em Cristo Jesus. Deus ofereceu-o
para nele, pelo seu sangue, se realizar a expiação que
atua mediante a fé: foi assim que Ele mostrou a sua
justiça, ao perdoar os pecados cometidos outrora, no
tempo da divina paciência. Deus mostra assim a sua
justiça no tempo presente, porque Ele é justo e
justifica quem tem fé em Jesus» (Rm. 3, 21-26).
1993. A justificação estabelece a colaboração entre a
graça de Deus e a liberdade do homem. Do lado do
homem, exprime-se no assentimento da fé à Palavra de
Deus que convida à conversão, e na cooperação da
caridade com o impulso do Espírito Santo que se lhe
adianta e o guarda:
- «quando Deus move o coração do homem pela
iluminação do Espírito Santo o homem não fica sem fazer
nada ao receber esta inspiração, que, aliás, pode
rejeitar: no entanto, também não pode, sem a graça de
Deus, caminhar, por sua livre vontade, para a justiça na
sua presença»
(Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de
iustificatione, c. 5: DS 1525).
1994. A justificação é a obra mais excelente do amor
de Deus manifestado em Cristo Jesus e concedido pelo
Espírito Santo. Santo Agostinho pensa que «a
justificação do ímpio é obra maior que a criação do céu
e da terra»; porque «o céu e a terra passarão, ao
passo que a justificação e a salvação dos eleitos
permanecerão»
(Santo Agostinho, In Iohannis evangelium tractatus,
72, 3: CCL 36, 508 (PL 35, 1823)).
Pensa mesmo que a justificação dos pecadores é mais
importante que a criação dos anjos em justiça, pelo tato
de testemunhar uma maior misericórdia.
1995. O Espírito Santo é o mestre interior. Fazendo
nascer o «homem interior»
(Cf. Rm. 7, 22; Ef 3,16)
a justificação implica a santificação de todo o
ser:
- «pois, como pusestes os vossos membros ao serviço
da impureza e do mal para cometer a iniquidade, assim
ponde agora os vossos membros ao serviço da justiça para
chegar à santidade. [...]. Mas agora, libertos do pecado
e feitos servos de Deus, tendes por fruto a santidade: e
o termo é a vida eterna» (Rm. 6, 19-22).
II. A graça
1996. A nossa justificação vem da graça de Deus. A graça
é o favor, o socorro gratuito que Deus nos dá, a
fim de respondermos ao seu chamamento para nos tornarmos
filhos de Deus
(Cf. Jo. 1, 12-18)
filhos adotivos
(Cf. Rm. 8, 14-17)
participantes da natureza divina
(Cf. 2ª Pe. 1, 3-4)
e da vida eterna
(Cf. Jo. 17, 3).
1997. A graça é uma participação na vida de Deus,
introduz-nos na intimidade da vida trinitária: pelo
Batismo, o cristão participa na graça de Cristo, cabeça
do seu corpo; como «filho adotivo», pode
doravante chamar «Pai» a Deus, em união como seu
Filho Unigénito; e recebe a vida do Espírito, que lhe
infunde a caridade e forma a Igreja.
1998. Esta vocação para a vida eterna é sobrenatural.
Depende inteiramente da iniciativa gratuita de Deus,
porque só Ele pode revelar-se e dar-se a Si mesmo. E
ultrapassa as capacidades da inteligência e as forças da
vontade humana, como de qualquer criatura
(Cf. 1ª Cor. 2, 7-9).
1999. A graça de Cristo é dom gratuito que Deus nos faz
da sua vida, infundida pelo Espírito Santo na nossa alma
para a curar do pecado e a santificar. É a graça
santificante ou deificante, recebida no Batismo. É,
em nós, a nascente da obra de santificação
(Cf. Jo 4, 14; 7, 38-39):
- «por isso, se alguém está em Cristo, é uma nova
criação. O que era antigo passou: eis que surgiram
coisas novas! Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou
consigo por meio de Cristo» (2ª Cor. 5,
17-18).
2000. A graça santificante é um
dom habitual, uma disposição estável e sobrenatural, que
aperfeiçoa a alma, mesmo para a tornar capaz de viver
com Deus e de agir por seu amor. Devemos distinguir a
graça habitual, disposição permanente para viver
e agir segundo o apelo divino, e as graças atuais,
que designam as intervenções divinas, quer na origem
da conversão, quer no decurso da obra de santificação.
2001. A preparação do homem para acolher a graça
é já obra da graça. Esta é necessária para suscitar e
sustentar a nossa colaboração na justificação pela fé e
na santificação pela caridade. Deus acaba em nós o que
começou, «porque é Ele próprio que começa fazendo com
que queiramos e é Ele que acaba, cooperando com aqueles
que assim querem»
(Santo Agostinho, De gratia et libero arbítrio,
17, 33: PL 44, 901):
- «é certo que nós também trabalhamos, mas não fazemos
mais do que cooperar com Deus que trabalha, porque a sua
misericórdia nos precedeu. Precedeu-nos para sermos
curados e continua a acompanhar-nos para que, uma vez
curados, sejamos vivificados. Precede-nos para que
sejamos chamados, segue-nos para que sejamos
glorificados, precede-nos para que vivamos segundo a
piedade, segue-nos para que vivamos para sempre com Ele,
porque sem Ele nada podemos fazer»
(Santo Agostinho, De natura et gratia, 31, 35:
CSEL 49, 258-259 (PL 44, 264)).
2002. A livre iniciativa de Deus reclama a resposta
livre do homem, porque Deus criou o homem à sua
imagem, conferindo-lhe, com a liberdade, o poder de O
conhecer e de O amar. Só livremente é que a sua alma
entra na comunhão do amor. Deus toca imediatamente e
move diretamente o coração do homem. Colocou no homem
uma aspiração à verdade e ao bem, que só Ele pode
satisfazer. As promessas da «vida eterna»
correspondem a esta aspiração, para além de toda a
esperança.
«Se Tu, após as tuas obras muito boas, [...] descansaste
no sétimo dia, foi para nos dizer de antemão, pela voz
do Teu Livro, que no termo das nossas obras, que "são
muito boas" pelo simples fato de teres sido Tu quem
no-las deu, também nós repousaremos em Ti, no Sábado da
vida eterna»
(Santo Agostinho, Confissões, 13, 36, 51: CCL 27,
272 (PL 32, 868)).
2003. A graça é, antes de tudo e principalmente, o dom
do Espírito que nos justifica e nos santifica. Mas
também compreende os dons que o Espírito nos dá, para
nos associar à sua obra, para nos tornar capazes de
colaborar na salvação dos outros e no crescimento do
corpo Místico de Cristo, que é a Igreja. São as
graças sacramentais, dons próprios dos diferentes
sacramentos. São, além disso, as graças especiais,
também chamadas «carismas», segundo o termo
grego empregado por São Paulo e que significa favor, dom
gratuito, benefício
(Cf. II Concílio
do Vaticano,
Const. dogm. Lumen Gentium, 12: AAS 57 (1965)
16-17). Qualquer que seja o seu carácter, por
vezes extraordinário, como o dom dos milagres ou das
línguas, os carismas estão ordenados para a graça
santificante e têm por finalidade o bem comum da Igreja.
Estão ao serviço da caridade que edifica a Igreja
(Cf. 1ª Cor. 12).
2004. Entre as graças especiais, devem mencionar-se as
graças de estado, que acompanham o exercício das
responsabilidades da vida cristã e dos ministérios no
seio da Igreja:
- «possuímos dons diferentes, conforme a graça que
nos foi dada. Quem tem o dom da profecia, comunique-o em
harmonia com a fé: quem tem o dom do ministério, exerça
as funções do ministério: quem tem o dom do ensino,
ensine: quem tem o dom de exortar, exorte; quem tem a
missão de repartir, faça-o com desinteresse; quem
preside, faça-o com zelo; quem exerce a misericórdia,
faça-o com alegria» (Rm. 12, 6-8).
2005. Sendo, como é, de ordem sobrenatural, a graça
escapa nossa experiência e só pode ser conhecida
pela fé. Não podemos, pois, basear-nos nos nossos
sentimentos nem nas nossas obras, para daí concluirmos
que estamos justificados e salvos
(Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de
iustificatione, c. 9: DS 1533-1534). No entanto, segundo a palavra do Senhor,
que diz: «pelos seus frutos os conhecereis» (Mt.
7, 20), a consideração dos benefícios de Deus na nossa
vida e na vida dos santos oferece-nos uma garantia de
que a graça de Deus opera em nós e nos incita a uma fé
cada vez maior e a uma atitude de pobreza confiante:
- encontramos uma das mais belas ilustrações desta
atitude na resposta de Santa Joana d'Arc a uma pergunta
capciosa dos seus juízes eclesiásticos: «interrogada
sobre se sabe se está na graça de Deus, responde; "se
não estou, Deus nela me ponha: se estou, Deus nela me
guarde"»
(Santa Joana D'Arc: Dito: Procès de condannation,
ed. P. Tisset (Paris, 1969) p. 62).
III. O mérito
«Vós sois glorificado na assembleia dos santos: quando
coroais os seus méritos, coroais os vossos próprios
dons»
(Prefácio dos Santos, I: Missale Romanum, editio typica
(Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 428 [Missal
Romano, Gráfica de Coimbra 1992. p. 495]: cf. o
«Doutor da Graça». Santo Agostinho, Enarratio in
Psalmum 102, 7: CCL 40, 1457 (PI_ 37, 1321)).
2006. A palavra «mérito» designa, em geral, a
retribuição devida por uma comunidade ou sociedade à
ação de um dos seus membros, experimentada como um
benefício ou um malefício, digna de recompensa ou de
castigo. O mérito diz respeito à virtude da justiça, em
conformidade com o princípio da igualdade que a rege.
2007. Em relação a Deus, não há, da parte do homem,
mérito no sentido dum direito estrito. Entre Ele e nós,
a desigualdade é sem medida, pois nós tudo recebemos
d'Ele, nosso Criador.
2008. O mérito do homem perante Deus, na vida cristã,
provém do fato de que Deus dispôs livremente associar
o homem à obra da sua graça. A ação paterna de Deus
é primeira, pelo seu impulso, e o livre agir do homem é
segundo, na sua colaboração; de modo que os méritos das
obras devem ser atribuídos à graça de Deus, primeiro, e
depois ao fiel. Aliás, o próprio mérito do homem depende
de Deus, porque as suas boas ações procedem, em Cristo,
das predisposições e ajudas do Espírito Santo.
2009. A adoção filial, tornando-nos, pela graça,
participantes da natureza divina, pode conferir-nos,
segundo a justiça gratuita de Deus, um verdadeiro
mérito. Trata-se de um direito derivante da graça, o
direito pleno do amor que nos faz «co-herdeiros»
de Cristo e dignos de obter a «herança prometida da
vida eterna»
(Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de
iustificatione, c. 16: DS 1546). Os méritos das nossas boas obras são dons
da bondade divina
(Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de
iustificatione, c. 16: DS 1546).
«A graça precedeu; agora restitui-se o que é devido
[...] Os méritos são dons de Deus»
(Santo Agostinho, Sermão 298, 4-5: SPM 1, 98-99
(PL 38, 1376)).
2010. Uma vez que, na ordem da graça, a iniciativa
pertence a Deus, ninguém pode merecer a graça
primeira, que está na origem da conversão, do perdão
e da justificação. Sob a moção do Espírito Santo e da
caridade, podemos, depois, merecer para nós
mesmos e para outros, as graças úteis para a
santificação e para o aumento da graça e da caridade,
bem como para a obtenção da vida eterna. Os próprios
bens temporais, tais como a saúde e a amizade, podem ser
merecidos segundo a sabedoria de Deus. Estas graças e
estes bens são objeto da oração cristã. Esta provê à
nossa necessidade da graça para as ações meritórias.
2011. A caridade de Cristo é, em nós, a fonte
de todos os nossos méritos diante de Deus. A graça,
unindo-nos a Cristo com um amor ativo, assegura a
qualidade sobrenatural dos nossos atos e, por
consequência, o seu mérito, tanto diante de Deus como
diante dos homens. Os santos tiveram sempre uma
consciência viva de que os seus méritos eram pura graça.
- «Depois do exílio da terra, espero ir gozar de Vós na
Pátria, mas não quero acumular méritos para o céu, quero
é trabalhar só por vosso amor [...] Na noite desta vida,
aparecerei diante de Vós com as mãos vazias, pois não
Vos peço, Senhor, que conteis as minhas obras. Todas as
nossas justiças têm manchas aos vossos olhos. Quero,
portanto, revestir-me com a vossa própria Justiça, e
receber do vosso Amor a posse eterna de Vós mesmo...»
(Santa Teresa do Menino Jesus, Acte d'offrande à
l'Amour miséricordieux: Récréations pieuses – Prières
(Paris 1992) p. 512-515. [Obras Completas
(Paço de Arcos, Edições Carmelo 199) p. 1077]).
IV. A santidade cristã
2012. «Deus concorre em tudo para o bem daqueles que
O amam [...]. Porque os que Ele de antemão conheceu,
também os predestinou para serem conformes à imagem do
seu Filho, para que Ele seja o Primogénito de muitos
irmãos. E aqueles que predestinou, também os chamou; e
aqueles que chamou, também os justificou; e aqueles que
justificou, também os glorificou» (Rm. 8, 28-30).
2013. «Os cristãos, de qualquer estado ou ordem, são
chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da
caridade»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
40: AAS 57 (1965) 45).
Todos são chamados à santidade: «sede perfeitos, como
o vosso Pai Celeste é perfeito» (Mt. 5, 48):
- «para alcançar esta perfeição, empreguem os fiéis
as forças recebidas segundo a medida em que Cristo as
dá, a fim de que [...] obedecendo em tudo à vontade do
Pai, se consagrem com toda a alma à glória do Senhor e
ao serviço do próximo. Assim crescerá em frutos
abundantes a santidade do povo de Deus, como
patentemente se manifesta na história da Igreja, com a
vida de tantos santos»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
40: AAS 57 (1965) 45).
2014. O progresso espiritual tende para a união cada vez
mais íntima com Cristo. Esta união chama-se «mística»,
porque participa no mistério de Cristo pelos sacramentos
- «os santos mistérios» - e, n'Ele, no mistério
da Santíssima Trindade. Deus chama-nos todos a esta
íntima união com Ele, mesmo que graças especiais ou
sinais extraordinários desta vida mística somente a
alguns sejam concedidos, para manifestar o dom gratuito
feito a todos.
2015. O caminho desta perfeição passa pela cruz. Não há
santidade sem renúncia e combate espiritual
(Cf. 2ª Tm. 4).
O progresso espiritual implica a ascese e a
mortificação, que conduzem gradualmente a viver na paz e
na alegria das bem-aventuranças:
- «aquele que sobe, nunca mais para de ir de
princípio em princípio, por princípios que não têm fim.
Aquele que sobe nunca mais deixa de desejar aquilo que
já conhece»
(São Gregório de Nissa, In Canticum homilia 8:
Gregorii Nysseni opera, ed. W. Jaeger - H.
Langerbeck, v. 6 (Leiden 1960) p. 247 (PG 44, 941)).
2016. Os filhos da santa Igreja, nossa Mãe, esperam
justamente a graça da perseverança final e a
recompensa de Deus seu Pai pelas boas obras
realizadas com a sua graça, em comunhão com Jesus
(Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de
iustificatione, can. 26: DS 1576).
Guardando a mesma regra de vida, os crentes partilham a
«bem-aventurada esperança» dos que a misericórdia
divina reúne na «Cidade santa, a nova Jerusalém, que
desce do céu, como noiva adornada para o seu Esposo»
(Ap. 21, 2).
Resumindo:
2017. A graça do Espírito Santo confere-nos a justiça
de Deus. Unindo-nos, pela fé e pelo Batismo, à paixão e
ressurreição de Cristo, o Espírito Santo faz-nos
participar da sua vida.
2018. A justificação, tal como a conversão, apresenta
duas faces. Sob a moção da graça, o homem volta-se para
Deus e desvia-se do pecado, recebendo assim o perdão e a
justiça do Alto.
2019. A justificação compreende a remissão dos
pecados, a santificação e a renovação do homem interior.
2020 A justificação foi-nos merecida pela paixão de
Cristo. Foi-nos dada por meio do Batismo. Conforma-nos
com a justiça de Deus, que nos faz justos. Tem como fim
a glória de Deus e de Cristo e o dom da vida eterna. É a
obra mais excelente da misericórdia de Deus.
2021. A graça é o socorro que Deus nos dá para
correspondermos à nossa vocação de nos tornarmos seus
filhos adotivos. Introduz-nos na intimidade da vida
trinitária.
2022. Na obra da graça, a iniciativa divina previne,
prepara e suscita a livre resposta do homem. A graça
corresponde às aspirações profundas da liberdade humana;
chama-a a cooperar consigo e aperfeiçoa-a.
2023. A graça santificante é o dom gratuito que Deus
nos faz da sua vida, infundida pelo Espírito Santo na
alma para a curar do pecado e a santificar.
2024. A graça santificante torna-nos «agradáveis a
Deus». Os carismas, graças especiais do Espírito Santo,
estão ordenados à graça santificante e têm por
finalidade o bem comum da Igreja. Deus também atua por
meio de múltiplas graças atuais, distintas da graça
habitual, permanente em nós.
2025. Não há para nós mérito diante de Deus, senão
como consequência do Livre desígnio divino de associar o
homem à obra da sua graça. O mérito pertence, em
primeiro lugar, à graça de Deus; em segundo lugar, à
cooperação do homem. O mérito do homem reverte para
Deus.
2026. A graça do Espírito Santo, em virtude da nossa
filiação adotiva, pode conferir-nos um verdadeiro mérito
segundo a justiça gratuita de Deus. A caridade é, em
nós, a principal fonte de mérito perante Deus.
2027. Ninguém pode merecer a graça primeira, que está
na origem da conversão. Sob a moção do Espírito Santo,
podemos merecer; para nós mesmos e para outrem, todas as
graças úteis para chegar à vida eterna, bem como os bens
temporais necessários.
2028. «Todos os cristãos [...] são chamados à
plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade»
(II Concílio do Vaticano, Const dogm. Lumen Gentium,
40: AAS 57 (1965) 45).
«A perfeição cristã só tem um limite: o de não ter
nenhum»
(São Gregório de Nissa, De vita Moysis, 1. 5: ed.
M. Simonetti (Vicenza 1984) p. 10 (PG. 44. 300)).
2029. «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si
mesmo, tome a sua cruz e siga-Me» (Mt. 16,
24). |