PARÁGRAFO 6
MARIA – MÃE DE CRISTO
MÃE DA IGREJA
963. Depois de termos falado do papel da Virgem Maria no
mistério de Cristo e do Espírito, é conveniente
considerarmos agora o seu lugar no mistério da Igreja.
«Efetivamente, a Virgem Maria [...] é reconhecida e
honrada como verdadeira Mãe de Deus e do Redentor [...].
Ao mesmo tempo, porém, é verdadeiramente "Mãe dos
membros (de Cristo) [...], porque cooperou com o seu
amor para que na Igreja nascessem os fiéis, membros
daquela Cabeça"»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
53: AAS 57 (1965) 57-58: cf. Santo Agostinho,
De sancta virginitate 6, 6: CSEL 41, 240 (PL 40,
399)).
«Maria, [...] Mãe de Cristo e Mãe da Igreja»
(Paulo VI, Allocutio ad Conciliares Patres, tertia
exata Oecumenicae Synodi Sessione (21 de novembro de
1964): AAS 56 (1964) 1015).
I.
A maternidade de Maria em relação à Igreja
INTEIRAMENTE UNIDA A SEU FILHO...
964. O papel de Maria em relação à Igreja é inseparável
da sua união com Cristo e decorre dela diretamente.
«Esta associação de Maria com o Filho na obra da
salvação, manifesta-se desde a concepção virginal de
Cristo até à sua morte»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
57: AAS 57 (1965) 61).
Mas é particularmente manifesta na hora da sua paixão:
-
«a Bem-aventurada Virgem avançou na peregrinação de fé,
e manteve fielmente a sua união como Filho até à Cruz,
junto da qual esteve de pé, não sem um desígnio divino;
padeceu acerbamente com o seu Filho único e associou-se
com coração de mãe ao seu sacrifício, consentindo
amorosamente na imolação da vítima que d'Ela nascera; e,
por fim, foi dada por mãe ao discípulo pelo próprio
Jesus Cristo, agonizante na Cruz, com estas palavras:
"Mulher, eis aí o teu filho"»
(Jo. 19, 26-27)
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
58: AAS 57 (1965) 61-62).
965. Depois da Ascensão do seu Filho, Maria «assistiu
com suas orações aos começos da Igreja»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
69: AAS 57 (1965) 66).
E, reunida com os Apóstolos e algumas mulheres, vemos
«Maria implorando com as suas orações o dom daquele
Espírito, que já na Anunciação a cobrira com a Sua
sombra»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
58: AAS 57 (1965) 61-62).
...
TAMBÉM NA SUA ASSUNÇÃO...
966. «Finalmente, a Virgem Imaculada, preservada
imune de toda a mancha da culpa original, terminado o
curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e
alma e exaltada pelo Senhor como Rainha, para assim se
conformar mais plenamente com o seu Filho, Senhor dos
senhores e vencedor do pecado e da morte»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
69: AAS 57 (1965) 66).
A Assunção da santíssima Virgem é uma singular
participação na ressurreição do seu Filho e uma
antecipação da ressurreição dos outros cristãos:
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen
Gentium, 59: AAS 57 (1965) 62: cf. Pio XII, Const.
ap. Munificentissimus Deus (1 novembro de 1950):
DS 3903)
-
«no teu parto guardaste a virgindade e na tua dormição
não abandonaste a mundo, ó Mãe de Deus: alcançaste a
fonte da vida. Tu que concebeste o Deus vivo e que,
pelas tuas orações, hás de livrar as nossas almas da
morte»
(Liturgia bizantina, Tropário para a festa da
Dormição da bem-aventurada Virgem Maria: Horológion tò
mega (Romae 1876) p. 215).
...
ELA É NOSSA MÃE NA ORDEM DA GRAÇA
967. Pela sua plena adesão à vontade do Pai, à obra
redentora do Filho e a todas as moções do Espírito
Santo, a Virgem Maria é para a Igreja o modelo da fé e
da caridade. Por isso, ela é «membro eminente e
inteiramente singular da Igreja»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
53: AAS 57 (1965) 59)
e constitui mesmo «a realização exemplar», o
typus, da Igreja
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
63: AAS 57 (1965) 64).
968. Mas o seu papel em relação à Igreja e a toda a
humanidade vai ainda mais longe. Ela «cooperou de
modo inteiramente singular, com a sua fé, a sua
esperança e a sua ardente caridade, na obra do Salvador,
para restaurar nas almas a vida sobrenatural. É, por
essa razão, nossa Mãe, na ordem da graça»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
61: AAS 57 (1965) 63).
969. «Esta maternidade de Maria na economia da graça
perdura sem interrupção, desde o consentimento, que
fielmente deu na anunciação e que manteve inabalável
junto da Cruz, até à consumação perpétua de todos os
eleitos. De fato, depois de elevada ao céu, não
abandonou esta missão salvadora, mas, com a sua
multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons
da salvação eterna [...]. Por isso, a Virgem é invocada
na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora,
socorro e medianeira»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
62: AAS 57 (1965) 63).
970. «Mas a função maternal de Maria para com os
homens, de modo algum ofusca ou diminui a mediação única
de Cristo, mas antes manifesta a sua eficácia. Com
efeito, todo o influxo salutar da Virgem santíssima
[...] deriva da abundância dos méritos de Cristo,
funda-se na sua mediação e dela depende inteiramente,
haurindo aí toda a sua eficácia»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen
Gentium, 60: AAS 57 (1965) 62).
«Efetivamente, nenhuma criatura pode ser equiparada
ao Verbo Encarnado e Redentor; mas, assim como o
sacerdócio de Cristo é participado de diversos modos
pelos ministros e pelo povo fiel, e assim como a bondade
de Deus, sendo uma só, se difunde variamente pelos seres
criados, assim também a mediação única do Redentor não
exclui, antes suscita nas criaturas, uma cooperação
variada, que participa dessa fonte única»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
62: AAS 57 (1965) 63).
II.
O culto à Santíssima Virgem
971. «Todas as gerações me hão de proclamar ditosa»
(Lc. 1, 48): «a piedade da Igreja para com a
santíssima Virgem pertence à própria natureza do culto
cristão»
(Paulo VI, Ex. Ap. Marialis cultus, 56: AAS 66
(1974) 162).
A santíssima Virgem «é com razão venerada pela Igreja
com um culto especial. E, na verdade, a santíssima
Virgem é, desde os tempos mais antigos, honrada com o
título de "Mãe de Deus", e sob a sua proteção se acolhem
os fiéis implorando-a em todos os perigos e necessidades
[...]. Este culto [...], embora inteiramente singular,
difere essencialmente do culto de adoração que se presta
por igual ao Verbo Encarnado, ao Pai e ao Espírito
Santo, e favorece-o poderosamente»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
66: AAS 57 (1965) 65).
Encontra a sua expressão nas festas litúrgicas dedicadas
à Mãe de Deus
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 103: AAS 56 (1964) 125)
e na oração mariana, como o santo Rosário, «resumo de
todo o Evangelho»
(Paulo VI, Ex. Ap. Marialis cultus, 42:
AAS 66 (1974) 152-153).
III. Maria - ícone escatológico da Igreja
972. Depois de termos falado da Igreja, da sua origem,
missão e destino, não poderíamos terminar melhor do que
voltando a olhar para Maria, a fim de contemplar nela o
que a Igreja é no seu mistério, na sua «peregrinação
da fé», e o que será na pátria ao terminar a sua
caminhada, onde a espera, na «glória da santíssima e
indivisa Trindade» e «na comunhão de todos os
santos» (II
Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
69: AAS 57 (1965) 66-67),
Aquela que a mesma Igreja venera como Mãe do seu Senhor
e como sua própria Mãe:
-
«assim como, glorificada já em corpo e alma, a Mãe de
Jesus é imagem e início da igreja que se há de consumar
no século futuro, assim também, brilha na terra como
sinal de esperança segura e de consolação, para o povo
de Deus ainda peregrino»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
68: AAS 57 (1965) 66).
Resumindo:
973. Ao pronunciar o «Fiat» da Anunciação e
dando o seu consentimento ao mistério da Encarnação,
Maria colabora desde logo com toda a obra a realizar por
seu Filho. Ela é Mãe, onde quer que Ele seja Salvador e
Cabeça do Corpo Místico.
974. Terminado o curso da sua vida terrena, a
santíssima Virgem Maria foi elevada em corpo e alma para
a glória do céu, onde participa já na glória da
ressurreição do seu Filho, antecipando a ressurreição de
todos os membros do Seu Corpo.
975.
«Nós cremos que a santíssima Mãe de Deus, a nova Eva, a
Mãe da Igreja, continua a desempenhar no céu o seu papel
maternal para com os membros de Cristo»
(Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 15: AAS 60 (1968)
439).
ARTIGO 10
«CREIO NA REMISSÃO DOS PECADOS»
976. O Símbolo dos Apóstolos liga a fé no perdão dos
pecados à fé no Espírito Santo, mas também à fé na
Igreja e na comunhão dos santos. Foi ao dar o Espírito
Santo aos Apóstolos que Cristo o ressuscitado transmitiu
o seu próprio poder divino de perdoar os pecados:
«recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os
pecados, ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os
retiverdes, ser-lhes-ão retidos» (Jo. 20, 22-23).
(A segunda parte do Catecismo tratará expressamente do
perdão dos pecados por meio do Batismo, do sacramento da
Penitência e dos outros sacramentos, sobretudo da
Eucaristia. Por isso, basta evocar aqui brevemente
alguns dados fundamentais).
I.
Um só Batismo para a remissão dos pecados
977. Nosso Senhor ligou o perdão dos pecados à fé e ao
Batismo: «ide por todo o mundo e proclamai a Boa-Nova
a todas as criaturas. Quem acreditar e for batizado será
salvo» (Mc. 16, 15-16). O Batismo é o primeiro e
principal sacramento do perdão dos pecados, porque nos
une a Cristo, que morreu pelos nossos pecados e
ressuscitou para a nossa justificação
(Cf.
Rm. 4, 25),
a fim de que «também nós vivamos numa vida nova»
(Rm. 6, 4).
978. «No momento em que fazemos a nossa primeira
profissão de fé, ao receber o santo Batismo que nos
purifica, o perdão que recebemos é tão pleno e total que
não fica absolutamente nada por apagar, quer da falta
original, quer das faltas cometidas de própria vontade
por ação ou omissão; nem qualquer pena a suportar para
as expiar [...]. Mas apesar disso, a graça do Batismo
não isenta ninguém de nenhuma das enfermidades da
natureza. Pelo contrário, resta-nos ainda combater os
movimentos da concupiscência, que não cessam de nos
arrastar para o mal»
(Cat Rom 1, 11, 3, P.123).
979. Neste combate contra a inclinação para o mal, quem
seria suficientemente forte e vigilante para evitar
todas as feridas do pecado? «Portanto, se era
necessário que a Igreja tivesse o poder de perdoar os
pecados, era também necessário que o Batismo não fosse
para ela o único meio de se servir destas chaves do
Reino dos céus que tinha recebido de Jesus Cristo; era
necessário que fosse capaz de perdoar as faltas a todos
os penitentes que tivessem pecado, até mesmo ao último
dia da sua vida»
(Cat Rom1, 11, 4, p. 123).
980. É pelo sacramento da Penitência que o batizado pode
ser reconciliado com Deus e com a Igreja:
-
«os Santos Padres tiveram razão quando chamaram à
Penitência um "batismo laborioso"
(São Gregório de Nazianzo, Oratio 39, 17: SC 358,
188 (PG 36, 356)).
Este sacramento da Penitência é necessário para a
salvação daqueles que caíram depois do Batismo, tal como
o próprio Batismo o é para os que ainda não foram
regenerados»
(Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de
sacramento Paenitentiae, c. 2: DS 1672).
II.
O poder das chaves
981. Depois da ressurreição, Cristo enviou os seus
Apóstolos «a anunciar a todos os povos o
arrependimento em seu nome, com vista à remissão dos
pecados» (Lc. 24, 47). Este «ministério da
reconciliação» (2ª Cor. 5, 18), não o cumprem os
Apóstolos e os seus sucessores somente anunciando aos
homens o perdão de Deus que nos foi merecido por Jesus
Cristo, e chamando-os à conversão e à fé; mas também
comunicando-lhes a remissão dos pecados pelo Batismo e
reconciliando-os com Deus e com a Igreja, graças ao
poder das chaves recebido de Cristo:
- a
Igreja «recebeu as chaves do Reino dos céus, para que
nela se faça a remissão dos pecados pelo Sangue de
Cristo e a ação do Espírito Santo. É nesta Igreja que a
alma, morta pelos pecados, recupera a vida para viver
com Cristo, cuja graça nos salvou»
(Santo Agostinho, Sermão 214, 11: ed. P.
Verbraken: Revue Bénédictine 72 (1962) 21 (PL 38,
1071-1072)).
982. Não há nenhuma falta, por mais grave que seja, que
a santa Igreja não possa perdoar. «Nem há pessoa, por
muito má e culpável que seja, a quem não deva ser
proposta a esperança certa do perdão, desde que se
arrependa verdadeiramente dos seus erros»
(Cat Rom 1, 11, 5, p. 124).
Cristo, que morreu por todos os homens, quer que na sua
Igreja as portas do perdão estejam sempre abertas a todo
aquele que se afastar do pecado
(Cf. Mt. 18, 21-22).
983. A catequese deve esforçar-se por despertar e
alimentar, entre os fiéis, a fé na grandeza incomparável
do dom que Cristo ressuscitado fez à sua Igreja: a
missão e o poder de verdadeiramente perdoar os pecados,
pelo ministério dos Apóstolos e seus sucessores:
-
«o Senhor quer que os seus discípulos tenham um poder
imenso: Ele quer que os seus pobres servidores façam, em
seu nome, tudo quanto Ele fazia quando vivia na terra»
(Santo Ambrósio, De Paenitentia 1, 8, 34: CSEL
73, 135-136 (PL 16, 476-477)).
-
«os sacerdotes receberam um poder que Deus não deu nem
aos anjos nem aos arcanjos. [...] Deus sanciona lá em
cima tudo o que os sacerdotes fazem cá em baixo»
(São João Cristóstomo, De sacerdotio 3, 5: SC
272, 148 (PG 48, 643)).
-
«se na Igreja não houvesse a remissão dos pecados, nada
havia a esperar, não existiria qualquer esperança duma
vida eterna, duma libertação eterna. Dêmos graças a
Deus, que deu à sua Igreja um tal dom»
(Santo Agostinho, Sermão 213, 8, 8: ed. G. Morin,
Sancti Augustini sermones post Maurinos reperti
[Guelferbytanus 1, 9] (Romae 1930) p. 448 (PL 38, 1064)).
Resumindo:
984. O Credo relaciona «o perdão dos pecados» com a
profissão de fé no Espírito Santo. De fato, Cristo
ressuscitado confiou aos Apóstolos o poder de perdoar os
pecados, quando lhes deu o Espírito Santo.
985. O Batismo é o primeiro e principal sacramento
para o perdão dos pecados: une-nos a Cristo morto e
ressuscitado e dá-nos o Espírito Santo.
986. Por vontade de Cristo, a Igreja possui o poder
de perdoar os pecados dos batizados e exerce-o através
dos Bispos e dos Presbíteros, de modo habitual no
sacramento da Penitência.
987. «Na remissão dos pecados, os sacerdotes e os
sacramentos são instrumentos mediante os quais nosso
Senhor Jesus Cristo, único autor e dispensador da
salvação, nos concede a remissão dos pecados e a graça
da justificação»
(Cat Rom1, 11, 6, p. 124-125).
ARTIGO 11
«CREIO NA RESSURREIÇÃO DA CARNE»
988. O Credo cristão - profissão da nossa fé em Deus
Pai, Filho e Espírito Santo, e na sua ação criadora,
salvadora e santificadora - culmina na proclamação da
ressurreição dos mortos no fim dos tempos, e na vida
eterna.
989. Nós cremos e esperamos firmemente que, tal como
Cristo ressuscitou verdadeiramente dos mortos e vive
para sempre, assim também os justos, depois da morte,
viverão para sempre com Cristo ressuscitado, e que Ele
os ressuscitará no último dia
(Cf. Jo. 6, 39-40).
Tal como a d'Ele, também a nossa ressurreição será obra
da Santíssima Trindade:
-
«se o Espírito d'Aquele que ressuscitou Jesus de
entre os mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou
Cristo Jesus de entre os mortos, também dará vida aos
vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em
vós» (Rm. 8, 11)
(Cf. 1ª Ts 4, 14; 1ª Cor 6, 14; 2ª Cor 4, 14; Fl. 3,
10-11).
990.
A palavra «carne» designa o homem na sua
condição de fraqueza e mortalidade
(Cf. Gn. 6, 3: Sl. 56, 5: Is. 40, 6).
«Ressurreição da carne» significa que, depois da
morte, não haverá somente a vida da alma imortal, mas
também os nossos «corpos mortais» (Rm. 8, 11)
retomarão a vida.
991. Crer na ressurreição dos mortos foi, desde o
princípio, um elemento essencial da fé cristã. «A
ressurreição dos mortos é a fé dos cristãos: é por crer
nela que somos cristãos»
(Tertuliano, De resurrectione mortuorum 1, 1: CCL
2, 921 (PL 2, 841)):
-
«como é que alguns de entre vós dizem que não há
ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos
mortos, também Cristo não ressuscitou. Mas se Cristo não
ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a
vossa fé. [...] Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos,
como primícias dos que morreram» (1ª Cor. 15, 12-14,
20).
I.
A ressurreição de Cristo e a nossa ressurreição
REVELAÇÃO PROGRESSIVA DA RESSURREIÇÃO
992. A ressurreição dos mortos foi revelada
progressivamente por Deus ao seu povo. A confiança na
ressurreição corporal dos mortos impôs-se como
consequência intrínseca da fé num Deus criador do homem
todo, alma e corpo. O Criador do céu e da terra é também
aquele que mantém fielmente a sua aliança com Abraão e a
sua descendência. É nesta dupla perspectiva que começará
a exprimir-se a fé na ressurreição. Nas suas provações,
os mártires Macabeus confessam:
-
«o Rei do universo ressuscitar-nos-á para uma vida
eterna, a nós que morremos pelas suas leis»
(2º Mac. 7, 9).
«É preferível morrermos às mãos dos homens e termos a
confiança em Deus de que havemos de ser ressuscitados
por Ele» (2º Mac. 7, 14)
(Cf. 2º Mac. 7, 29: Dn. 12, 1-13).
993. Os fariseus
(Cf. At. 23, 6)
e muitos contemporâneos do Senhor
(Cf. Jo 11, 24)
esperavam a ressurreição. Jesus ensina-a firmemente. E
aos saduceus, que a negavam, responde: «não andareis
vós enganados, ignorando as Escrituras e o poder de
Deus»? (Mc. 12, 24). A fé na ressurreição assenta na
fé em Deus, que «não é um Deus de mortos, mas de
vivos» (Mc. 12, 27).
994. Mas há mais: Jesus liga a fé na ressurreição à sua
própria pessoa: «Eu sou a Ressurreição e a Vida»
(Jo. 11, 25). É o próprio Jesus que, no último dia, há
de ressuscitar os que n'Ele tiverem acreditado
(Cf. Jo. 5, 24-25: 6, 40),
comido o seu Corpo e bebido o seu Sangue
(Cf. Jo. 6, 54).
Desde logo, Ele dá um sinal disto mesmo e uma garantia,
restituindo a vida a alguns mortos
(Cf. Mc. 5, 21-43: Lc. 7, 11-17: Jo. 11)
e preanunciando assim a sua própria ressurreição que, no
entanto, será de ordem diferente. Jesus fala deste
acontecimento único como do «sinal de Jonas»
(Cf. Mt. 12, 39),
do sinal do templo
(Cf. Jo. 2, 19-22);
Ele anuncia a sua ressurreição ao terceiro dia depois da
morte
(Cf. Mc. 10, 34).
995. Ser testemunha de Cristo é ser «testemunha da
sua ressurreição» (At. 1, 22)
(Cf. At. 4, 33),
é «ter comido e bebido com Ele depois da sua
ressurreição dos mortos» (At. 10, 41). A confiança
cristã na ressurreição é toda marcada pelos encontros
com Cristo ressuscitado. Nós ressuscitaremos como Ele,
com Ele e por Ele.
996. Desde o princípio, a fé cristã na ressurreição
deparou com incompreensões e oposições
(Cf. At. 17, 32: 1ª Cor. 15, 12-13).
«Não há ponto em que a fé cristã encontre mais
contradição do que o da ressurreição da carne»
(Santo Agostinho, Enarratio Psalmum 88, 2. 5: CCL
39, 1237 (PL 37, 1134)).
É bastante comum a aceitação de que, depois da morte, a
vida da pessoa humana continua de modo espiritual. Mas
como acreditar que este corpo, tão manifestamente
mortal, possa ressuscitar para a vida eterna?
COMO É QUE OS MORTOS RESSUSCITAM?
997. O que é ressuscitar? Na morte, separação da
alma e do corpo, o corpo do homem cai na corrupção,
enquanto a sua alma vai ao encontro de Deus, embora
ficando à espera de se reunir ao seu corpo glorificado.
Deus, na sua omnipotência, restituirá definitivamente a
vida incorruptível aos nossos corpos, unindo-os às
nossas almas pela virtude da ressurreição de Jesus.
998. Quem ressuscitará? Todos os homens que
tiverem morrido: «os que tiverem praticado o bem,
para uma ressurreição de vida e os que tiverem praticado
o mal, para uma ressurreição de condenação» (Jo. 5,
29)
(Cf. Dn. 12, 2).
999. Como? Cristo ressuscitou com o seu próprio
corpo: «vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu
mesmo» (Lc. 24, 39); mas não regressou a uma vida
terrena. De igual modo, n'Ele «todos ressuscitarão
com o seu próprio corpo, com o corpo que agora têm»
(IV Concílio de Trento, c. 1. De fide catholica:
DS 801),
mas
esse corpo será «transformado em corpo glorioso»
(Cf. Fl. 3, 21)
em «corpo espiritual» (1ª Cor. 15, 44):
-
«alguém poderia perguntar: "como ressuscitam os
mortos? Com que espécie de corpo voltam eles"?
Insensato! O que tu semeias não volta à vida sem morrer.
E o que semeias não é o corpo que há de vir, é um
simples grão [...]. O que é semeado sujeito à corrupção
ressuscita incorruptível; [...] os mortos ressuscitarão
incorruptíveis [...]. É, de fato, necessário que este
ser corruptível se revista de incorruptibilidade, que
este ser mortal se revista de imortalidade» (1ª Cor,
15, 35-37. 42. 52-53).
1000. Este «como» ultrapassa a nossa imaginação e
o nosso entendimento; só na fé se torna acessível. Mas a
nossa participação na Eucaristia dá-nos já um antegozo
da transfiguração do nosso corpo, operada por Cristo:
- «assim
como, depois de ter recebido a invocação de Deus, o pão
que vem da terra deixa de ser pão ordinário e é
Eucaristia, constituída por duas coisas, uma terrena,
outra celeste, do mesmo modo os nossos corpos, que
participam na Eucaristia, já não são corruptíveis, pois
têm a confiança da ressurreição»
(Santo Ireneu de Lião, Adversus Haereses 4, 18,
5: SC 100, 610-612 (PG 7, 1028-1029)).
1001. Quando? Definitivamente o «no último
dia» (Jo. 6, 39-40.44.54; 11, 24), «no fim do
mundo»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
48: AAS 57 (1965) 54).
Com efeito, a ressurreição dos mortos está intimamente
associada à Parusia de Cristo:
-
«ao sinal dado, à voz do arcanjo e ao som da trombeta
divina, o próprio Senhor descerá do céu e os mortos em
Cristo ressuscitarão primeiro» (1ª Ts. 4, 16).
RESSUSCITADOS COM CRISTO
1002. Se é verdade que Cristo nos há de ressuscitar
«no último dia», também é verdade que, de certo
modo, nós já ressuscitamos com Cristo. De fato, graças
ao Espírito Santo, a vida cristã é desde já, na terra,
uma participação na morte e ressurreição de Cristo:
-
«pelo Batismo fostes sepultados com Cristo e também
ressuscitastes com Ele, devido à fé que tivestes na
força de Deus, que O ressuscitou dos mortos [...]. Uma
vez que ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do
Alto, onde Cristo Se encontra sentado à direita de Deus»
(Cl. 2, 12; 3, 1).
1003. Unidos a Cristo pelo Batismo, os crentes
participam já realmente na vida celeste de Cristo
ressuscitado
(Cf. Fl. 3, 20).
Mas esta vida continua «escondida com Cristo em Deus»
(Cl. 3, 3). «Ele próprio nos ressuscitou e nos fez
sentar nos céus, em Cristo Jesus» (Ef. 2, 6).
Alimentados pelo seu Corpo na Eucaristia, nós
pertencemos já ao Corpo de Cristo. Quando ressuscitarmos
no último dia, havemos também de nos «manifestar com
Ele na glória» (Cl. 3, 4).
1004. À espera desse dia, o corpo e a alma do crente
participam já na dignidade de ser «em Cristo».
Daí a exigência do respeito para com o próprio corpo e
também para com o corpo de outrem, particularmente
quando sofre:
-
«o corpo [...] é para o Senhor. E o Senhor é para o
corpo. E Deus, que ressuscitou o Senhor, também nos há
de ressuscitar a nós pelo seu poder. Não sabeis que os
vossos corpos são membros de Cristo? [...] Não sabeis
que não pertenceis a vós próprios? [...]. Glorificai,
pois, a Deus no vosso corpo» (1ª Cor. 6,
13-15. 19-20).
II.
Morrer em Cristo Jesus
1005. Para ressuscitar com Cristo, temos de morrer com
Cristo, temos «de nos exilar do corpo para habitarmos
junto do Senhor» (2ª Cor. 5, 8). Nesta
«partida» (Cf. Fl. 1, 23)
que é a morte, a alma é separada do corpo. Voltará a
juntar-se-lhe no dia da ressurreição dos mortos
(Cf. Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 28: AAS
60 (1968) 444).
A
MORTE
1006. «É em face da morte que o enigma da condição
humana mais se adensa»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 18: AAS 58 (1966) 1038).
Num certo sentido, a morte do corpo é natural: mas
sabemos pela fé que a morte é, de fato, «salário do
pecado» (Rm. 6, 23)
(Cf. Gn. 2, 17).
E para aqueles que morrem na graça de Cristo, é uma
participação na morte do Senhor, a fim de poder
participar na sua ressurreição
(Cf. Rm. 6, 3-9: Fl. 3, 10-11).
1007. A morte é o termo da vida terrena. As
nossas vidas são medidas pelo tempo no decurso do
qual nós mudamos e envelhecemos. E como acontece com
todos os seres vivos da terra, a morte surge como o fim
normal da vida. Este aspecto da morte confere uma
urgência às nossas vidas: a lembrança da nossa condição
de mortais também serve para nos lembrar de que temos um
tempo limitado para realizar a nossa vida:
-
«lembra-te do teu Criador nos dias da mocidade [...],
antes que o pó regresse à terra, donde veio, e o
espírito volte para Deus que o concedeu» (Ecl. 12,
1.7).
1008. A morte é consequência do pecado.
Intérprete autêntico das afirmações da Sagrada Escritura
(Cf. Gn. 2, 17; 3, 3.19; Sb. 1, 13; Rm. 5, 12; 6, 23)
e da Tradição, o Magistério da Igreja ensina que a morte
entrou no mundo por causa do pecado do homem
(Cf. Concílio de Trento, Sess. 5ª. Decr. de peccato
originali, can 1: DS 1511).
Embora o homem possuísse uma natureza mortal. Deus
destinava-o a não morrer. A morte foi, portanto,
contrária aos desígnios de Deus Criador e entrou no
mundo como consequência do pecado
(Cf. Sb. 2, 23-24).
«A morte corporal, de que o homem estaria isento se
não tivesse pecado»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 18: AAS 58 (1966) 1038),
é, pois, «o último inimigo» (1ª Cor. 15,
26) do homem a ter de ser vencido.
1009. A morte é transformada por Cristo. Jesus,
Filho de Deus, também sofreu a morte, própria da
condição humana. Mas apesar da repugnância que sentiu
perante ela
(Cf. Mc. 14, 33-34: Heb. 5, 7-8),
assumiu-a num ato de submissão total e livre à vontade
do Pai. A obediência de Jesus transformou em bênção a
maldição da morte
(Cf. Rm. 5, 19-21).
O
SENTIDO DA MORTE CRISTÃ
1010. Graças a Cristo, a morte cristã tem um sentido
positivo. «Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro»
(Fl. 1, 21). «É digna de fé esta palavra: se tivermos
morrido com Cristo, também com Ele viveremos» (2ª
Tm. 2, 11). A novidade essencial da morte cristã
está nisto: pelo Batismo, o cristão já «morreu com
Cristo» sacramentalmente para viver uma vida nova;
se morremos na graça de Cristo, a morte física consuma
este «morrer com Cristo» e completa assim a nossa
incorporação n'Ele, no seu ato redentor:
-
«é bom para mim morrer em (eis) Cristo Jesus, mais do
que reinar dum extremo ao outro da terra. É a Ele que eu
procuro, Ele que morreu por nós: é a Ele que eu quero,
Ele que ressuscitou para nós. Estou prestes a nascer
[...]. Deixai-me receber a luz pura: quando lá tiver
chegado, serei um homem»
(Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Romanos
6, 1-2: Sc: l0bis, 114 (Funk 1, 258-260)).
1011. Na morte, Deus chama o homem a Si. É por isso que
o cristão pode experimentar, em relação à morte, um
desejo semelhante ao de São Paulo: «desejaria partir
e estar com Cristo» (Fl. 1, 23). E pode transformar
a sua própria morte num ato de obediência e amor para
com o Pai, a exemplo de Cristo
(Cf. Lc. 23, 46):
-
«o meu desejo terreno foi crucificado: [...] há em
mim uma água viva que dentro de mim murmura e diz: "vem
para o Pai"»
(Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Romanos
7, 2: Sc 10bis, 116 (Funk 1, 260)).
«Ansiosa por ver-te, desejo morrer»
(Santa Teresa de Jesus, Poesía, 7: Biblioteca
Mística Carmelitana, v. 6 (Burgos 1919) p. 86.
[Santa Teresa de Ávila, Seta de Fogo (Lisboa,
Assírio & Alvim 1989) p. 31]).
«Eu não morro, entro na vida»
(Santa Teresa do Menino Jesus, Lettre (9 de junho
de 1897): Correspondance Générale, v. 2
(Paris 1973) p. 1015. [Santa Teresa do Menino Jesus e d
Santa Face, Obras Completas (Paço de Arcos,
Edições do Carmelo 1996) p. 622]).
1012. A visão cristã da morte
(Cf. 1ª Ts. 4, 13-14)
é expressa de modo privilegiado na liturgia da Igreja:
-
«para os que creem em Vós, Senhor, a vida não acaba,
apenas se transforma: e, desfeita a morada deste exílio
terrestre, adquirimos no céu uma habitação eterna»
(Prefácio dos Defuntos I: Missale Romanum, editio
typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 439 [Missal
Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 509]).
1013. A morte é o fim da peregrinação terrena do homem,
do tempo de graça e misericórdia que Deus lhe oferece
para realizar a sua vida terrena segundo o plano divino
e para decidir o seu destino último. Quando acabar «a
nossa vida sobre a terra, que é só uma»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
48: AAS 57 (1965) 54),
não voltaremos a outras vidas terrenas. «Os homens
morrem uma só vez» (Heb. 9, 27). Não existe
«reencarnação» depois da morte.
1014. A Igreja exorta-nos a prepararmo-nos para a hora
da nossa morte («duma morte repentina e imprevista,
livrai-nos, Senhor»: antiga Ladainha dos Santos), a
pedirmos à Mãe de Deus que rogue por nós «na hora da
nossa morte» (Oração da Ave-Maria) e a confiarmo-nos
a S. José, padroeiro da boa morte:
-
«em todos os teus atos em todos os teus pensamentos,
havias de te comportar como se devesses morrer hoje. Se
tivesses boa consciência, não terias grande receio da
morte. Mais vale acautelares-te do pecado do que fugir
da morte. Se hoje não estás preparado, como o estarás
amanhã»?
(Imitação de Cristo 1, 23, 5-8: ed. T. Lupo
(Città del Vaticano 1982) p. 70).
«Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã a morte
corporal, à qual nenhum homem vivo pode escapar. Ai
daqueles que morrem em pecado mortal: Bem-aventurados os
que ela encontrar a cumprir as tuas santíssimas
vontades, porque a segunda morte não lhes fará mal»
(São Francisco de Assis, Cântico das criaturas:
Opuscula sancti Patris Francisci Assisiensis, ed. C.
Esser (Grottaferrata 1978) p. 85-86. [Cf. Fontes
Franciscanas, I (Braga, Editorial Franciscana, 1994)
p. 781).
Resumindo:
1015. «Caro salutis est cardo - A carne é o fulcro da
salvação»
(Tertuliano, De resurrectione mortuorum 8, 2: CCL
2, 931 (PL 2, 852)).
Nós cremos em Deus, que é o Criador da carne; cremos no
Verbo que se fez carne para remir a carne; cremos na
ressurreição da carne, acabamento da criação e da
redenção da carne.
1016. Pela morte, a alma é separada do corpo; mas, na
ressurreição, Deus restituirá a vida incorruptível ao
nosso corpo transformado, reunindo-o à nossa alma. Tal
como Cristo ressuscitou e vive para sempre, todos nós
ressuscitaremos no último dia.
1017. «Nós cremos na verdadeira ressurreição desta
carne que possuímos agora»
(II Concílio de Lião, Professio fidei Michaelis
Palaeologi imperatoris: DS 854. C).
No entanto, semeia-se no túmulo um corpo corruptível e
ressuscita um corpo incorruptível
(Cf. 1ª Cor, 15, 42)
um «corpo espiritual» (1ª
Cor. 15, 44).
1018. Em consequência do pecado original, o homem
deve sofrer a morte corporal, «de que estaria isento, se
não tivesse pecado»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 18: AAS 58 (1966) 1038).
1019. Jesus, Filho de Deus, sofreu livremente a morte
por nós, numa submissão total e livre à vontade de Deus
seu Pai. Pela sua morte, Ele venceu a morte, abrindo
assim a todos os homens a possibilidade da salvação.
ARTIGO 12
«CREIO NA VIDA ETERNA»
1020. O cristão, que une a sua própria morte à de Jesus,
encara a morte como chegada até junto d'Ele, como
entrada na vida eterna. A Igreja, depois de, pela última
vez, ter pronunciado sobre o cristão moribundo as
palavras de perdão da absolvição de Cristo e de, pela
última vez, o ter marcado com uma unção fortificante e
lhe ter dado Cristo, no Viático, como alimento para a
viagem, fala-lhe com estas doces e confiantes palavras:
«parte deste mundo, alma cristã, em nome de Deus Pai
omnipotente, que te criou, em nome de Jesus Cristo,
Filho de Deus vivo, que por ti sofreu, em nome do
Espírito Santo, que sobre ti desceu; chegues hoje ao
lugar da paz e a tua morada seja no céu, junto de Deus,
na companhia da Virgem Maria. Mãe de Deus, de São José e
de todos os Anjos e Santos de Deus [...]. Confio-te ao
Criador para que voltes aquele que te formou do pó da
terra. Venham ao encontro de ti, que estás a partir
desta vida, Santa Maria, os Anjos e todos os Santos
[...]. Vejas o teu Redentor face a face e gozes da
contemplação de Deus pelos séculos dos séculos»
(Ordo Unctionis infirmorum eorumque pastoralis curae.
Orto commendationis morientium. 146-147, editio
typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1972) p. 60-61 [em
port.: Unção e Pastoral dos Doentes. Encomendação
dos moribundos. 146-147, segunda edição típica (Coimbra,
Gráfica de Coimbra — Conferência Episcopal Portuguesa,
1994) p. 1091).
I.
O juízo particular
1021. A morte põe termo à vida do homem, enquanto tempo
aberto à aceitação ou à rejeição da graça divina,
manifestada em Jesus Cristo
(Cf. 2ª Tm. 1, 9-10).
O Novo Testamento fala do juízo, principalmente na
perspectiva do encontro final com Cristo na sua segunda
vinda. Mas também afirma, reiteradamente, a retribuição
imediata depois da morte de cada qual, em função das
suas obras e da sua fé. A parábola do pobre Lázaro
(Cf. Lc. 16, 22)
e a palavra de Cristo crucificado ao bom ladrão
(Cf. Lc. 23, 43),
assim como outros textos do Novo Testamento
(Cf. 2ª Cor. 5, 5: Fl. 1, 23; Heb. 9, 27: 12, 23),
falam dum destino final da alma
(Cf. Mt. 16, 26),
o qual pode ser diferente para umas e para outras.
1022. Ao morrer, cada homem recebe na sua alma imortal a
retribuição eterna, num juízo particular que põe a sua
vida em referência a Cristo, quer através duma
purificação
(Cf. II Concílio de Lião, Professio fidei Michaelis
Palaeologi imperatoris: DS 856: Concílio de
Florença, Decr. pro Graecis: DS 1304: Concílio
de Trento, Sess. 25ª, Decretum de purgatorio: DS
1820),
quer para entrar imediatamente na felicidade do céu
(Cf. II Concílio de Lião, Professio fidei Michaelis
Palaeologi imperatoris: DS 857; João XXII, Buda
Ne super his: DS 991; Bento XII, Const.
Benedictus Deus: DS 1000-1001; Concílio de Florença,
Decr. pro Graecis: DS 1305),
quer para se condenar imediatamente para sempre
(Cf. II Concílio de Lião, Professio fidei Michaelis
Palaeologi imperatoris: DS 858; Bento XII, Const.
Benedictus Deus: DS 1002; Concílio de Florença,
Decr. pro Graecis: DS 1306).
«Ao
entardecer desta vida, examinar-te-ão no amor»
(São João da Cruz, Avisos y sentencias. 57:
Biblioteca Mística Carmelitana, N. 13 (Burgos 1931),
p. 238. [S. João da Cruz, Ditos de luz, e amor. 57:
Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo
1986) P. 1015]).
II.
O céu
1023. Os que morrerem na graça e na amizade de Deus e
estiverem perfeitamente purificados, viverão para sempre
com Cristo. Serão para sempre semelhantes a Deus, porque
O verão «tal como Ele é» (1ª Jo. 3, 2),
«face a face» (1ª Cor. 13, 12)
(Cf. Ap. 22, 4):
«Com a nossa autoridade apostólica, definimos que, por
geral disposição divina, as almas de todos os santos
mortos antes da paixão de Cristo [...] e as de todos os
outros fiéis que morreram depois de terem recebido o
santo Batismo de Cristo e nas quais nada havia a
purificar no momento da morte, ou ainda daqueles que, se
no momento da morte houve ou ainda há qualquer coisa a
purificar, acabaram por o fazer [...] mesmo antes de
ressuscitarem em seus corpos e do Juízo universal - e
isto depois da Ascensão ao céu do nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo -, estiveram, estão e estarão no
céu, associadas ao Reino dos céus e no paraíso celeste,
com Cristo, na companhia dos santos anjos. E depois da
paixão e morte de nosso Senhor Jesus Cristo, essas almas
viram e veem a essência divina com uma visão intuitiva e
face a face, sem a mediação de qualquer criatura»
(Bento XII. Const. Benedictus Deus: DS 1000; cf.
II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
49 AAS 57 (1965) 54).
1024. Esta vida perfeita com a Santíssima Trindade, esta
comunhão de vida e de amor com Ela, com a Virgem Maria,
com os anjos e todos os bem-aventurados, chama-se
«céu». O céu é o fim último e a realização das
aspirações mais profundas do homem, o estado de
felicidade suprema e definitiva.
1025. Viver no céu é «estar com Cristo»
(Cf. Jo. 14, 3; Fl. 1, 23: 1ª Ts. 4, 17).
Os eleitos vivem «n'Ele»; mas n'Ele conservam, ou
melhor, encontram a sua verdadeira identidade, o seu
nome próprio
(Cf. Ap. 2, 17):
-
«porque a vida consiste em estar com Cristo, onde está
Cristo, aí está a vida, aí está o Reino»
(Santo Ambrósio, Expositio evangelii secundum Lucam
10, 121: CCL, 14, 379 (PL 15-1927)).
1026. Pela sua morte e ressurreição, Jesus Cristo
«abriu-nos» o céu. A vida dos bem-aventurados
consiste na posse em plenitude dos frutos da redenção
operada por Cristo, que associa à sua glorificação
celeste aqueles que n'Ele acreditaram e permaneceram
fiéis à sua vontade. O céu é a comunidade bem-aventurada
de todos os que estão perfeitamente incorporados n'Ele.
1027. Este mistério de comunhão bem-aventurada com Deus
e com todos os que estão em Cristo ultrapassa toda a
compreensão e toda a representação. A Sagrada Escritura
fala-nos dele por imagens: vida, luz, paz, banquete de
núpcias, vinho do Reino, casa do Pai, Jerusalém celeste,
paraíso: aquilo que «nem os olhos viram, nem os
ouvidos escutaram, nem jamais passou pelo pensamento do
homem, Deus o preparou para aqueles que O amam» (1ª
Cor. 2, 9).
1028. Em virtude da sua transcendência, Deus não pode
ser visto tal como é, senão quando Ele próprio abrir o
seu mistério à contemplação imediata do homem e lhe der
capacidade para O contemplar. Esta contemplação de Deus
na sua glória celeste é chamada pela Igreja «visão
beatífica»:
«Qual não será a tua glória e a tua felicidade quando
fores admitido a ver a Deus, a ter a honra de participar
nas alegrias da salvação e da luz eterna, na companhia
de Cristo Senhor teu Deus, [...] gozar no Reino dos
céus, na companhia dos justos e dos amigos de Deus, das
alegrias da imortalidade alcançada!»
(São Cipriano de Cartago, Epistula 58, 10: CSEL
3/2, (1996): 665; 58.10.1: CCL 3C, 333-334 (56, 10: PL
4, 367-368)).
1029. Na glória do céu, os bem-aventurados continuam a
cumprir com alegria a vontade de Deus, em relação aos
outros homens e a toda a criação. Eles já reinam com
Cristo. Com Ele «reinarão pelos séculos dos séculos»
(Ap. 22, 5)
(Cf. Mt. 25, 21.23).
III. A purificação final ou Purgatório
1030. Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas
não de todo purificados, embora seguros da sua salvação
eterna, sofrem depois da morte uma purificação, a fim de
obterem a santidade necessária para entrar na alegria do
céu.
1031. A Igreja chama Purgatório a esta
purificação final dos eleitos, que é absolutamente
distinta do castigo dos condenados. A Igreja formulou a
doutrina da fé relativamente ao Purgatório sobretudo nos
concílios de Florença
(Cf. Conc. de Florença, Decr. pro Graecis: DS
1304)
e de Trento
(Cf. Concílio de Trento, Sess. 25ª, Decretum de
purgatorio: DS 1820: Sess. 6ª. Decr. de
iustificatione, canon 30: DS 1580).
A Tradição da Igreja, referindo-se a certos textos da
Escritura
(Por exemplo, 1ª Cor. 3, 15: 1ª Pe. 1, 7)
fala dum fogo purificador:
«pelo que diz respeito a certas faltas leves, deve
crer-se que existe, antes do julgamento, um fogo
purificador, conforme afirma Aquele que é a verdade,
quando diz que, se alguém proferir uma blasfémia contra
o Espírito Santo, isso não lhe será perdoado nem neste
século nem no século futuro
(Mt. 12, 32). Desta afirmação podemos deduzir que
certas faltas podem ser perdoadas neste mundo e outras
no mundo que há de vir»
(São Gregório Magno, Dialogi 4, 41, 3: SC 265,
148 (4, 39: PL 77, 396)).
1032. Esta doutrina apoia-se também na prática da oração
pelos defuntos, de que já fala a Sagrada Escritura:
«por isso, [Judas Macabeu] pediu um sacrifício
expiatório para que os mortos fossem livres das suas
faltas» (2º Mac. 12, 46). Desde os primeiros tempos,
a Igreja honrou a memória dos defuntos, oferecendo
sufrágios em seu favor, particularmente o Sacrifício
eucarístico para que, purificados, possam chegar à visão
beatífica de Deus. A Igreja recomenda também a esmola,
as indulgências e as obras de penitência a favor dos
defuntos:
(Cf. II Concílio de Lião, Professio fidei Michaelis
Palaeologi imperatoris: DS 856)
-
«socorramo-los e façamos comemoração deles. Se os
filhos de Job foram purificados pelo sacrifício do seu
pai
(Cf. Job. 1, 5)
por que duvidar de que as nossas oferendas pelos
defuntos lhes levam alguma consolação? [...] Não
hesitemos em socorrer os que partiram e em oferecer por
eles as nossas orações»
(São João Crisóstomo, In epistulam I ad Corinthios
homilia 41, 5: PG 61, 361).
IV.
O Inferno
1033. Não podemos estar em união com Deus se não
escolhermos livremente amá-Lo. Mas não podemos amar a
Deus se pecarmos gravemente contra Ele, contra o nosso
próximo ou contra nós mesmos: «quem não ama permanece
na morte. Todo aquele que odeia o seu irmão é um
homicida: ora vós sabeis que nenhum homicida tem em si a
vida eterna» (1ª Jo. 3, 14-15). Nosso Senhor
adverte-nos de que seremos separados d'Ele, se
descurarmos as necessidades graves dos pobres e dos
pequeninos seus irmãos
(Cf. Mt. 25, 31-46).
Morrer em pecado mortal sem arrependimento e sem dar
acolhimento ao amor misericordioso de Deus, significa
permanecer separado d'Ele para sempre, por nossa própria
livre escolha. E é este estado de autoexclusão
definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados
que se designa pela palavra «Inferno».
1034. Jesus fala muitas vezes da «gehena» do
«fogo que não se apaga»
(Cf. Mt. 5, 22.29; 13, 42.50; Mc. 9, 43-48)
reservada aos que recusam, até ao fim da vida, acreditar
e converter-se, e na qual podem perder-se, ao mesmo
tempo, a alma e o corpo
(Cf. Mt. 10, 28).
Jesus anuncia, em termos muitos severos, que «enviará
os seus anjos que tirarão do seu Reino [...] todos os
que praticaram a iniquidade, e hão de lançá-los na
fornalha ardente» (Mt. 13, 41-42), e sobre eles
pronunciará a sentença: «afastai-vos de Mim,
malditos, para o fogo eterno» (Mt. 25, 41).
1035. A doutrina da Igreja afirma a existência do
Inferno e a sua eternidade. As almas dos que morrem em
estado de pecado mortal descem imediatamente, após a
morte, aos infernos, onde sofrem as penas do Inferno,
«o fogo eterno»
(Cf. Symbolum Quicumque: DS 76; Synodus
Constantinopolitana. q (em 543), Anathematismi contra
Origenem, 7: DS 409; Ibid, 9: DS 411; IV
Concílio de Latrão, Cap. I, De fide catholica: DS
801: II Concílio de Lião, Professio fidei Michaelis
Palaeologi imperatoris: DS 858; Bento XII, Const.
Benedictus Deus: DS 1002; Concílio de Florença,
Decr. pro Iacobitis: DS 1351: Concílio de Trento,
Sess. 6ª, Decr. de iustificatione, canon 25: DS
1575; Paulo VI. Sollemnis Professio fidei, 12:
AAS 60 (1968) 438).
A principal pena do inferno consiste na separação eterna
de Deus, o único em Quem o homem pode ter a vida e a
felicidade para que foi criado e a que aspira.
1036. As afirmações da Sagrada Escritura e os
ensinamentos da Igreja a respeito do Inferno são um
apelo ao sentido de responsabilidade com que o homem
deve usar da sua liberdade, tendo em vista o destino
eterno. Constituem, ao mesmo tempo, um apelo urgente
à conversão: «entrai pela porta estreita, pois larga é a
porta e espaçoso o caminho que levam à perdição e muitos
são os que seguem por eles. Que estreita é a porta e
apertado o caminho que levam à vida e como são poucos
aqueles que os encontram»! (Mt. 7, 13-14):
«Como não sabemos o dia nem a hora, é preciso que,
segundo a recomendação do Senhor, vigiemos
continuamente, a fim de que, no termo da nossa vida
terrena, que é só uma, mereçamos entrar com Ele para o
banquete de núpcias e ser contados entre os benditos, e
não sejamos lançados, como servos maus e preguiçosos, no
fogo eterno, nas trevas exteriores, onde "haverá choro e
ranger de dentes"»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
48: AAS 57 (1965) 54).
1037. Deus não predestina ninguém para o Inferno
(II Concílio de Orange, Conclusio: DS 397;
Concílio de Trento, Sess. 6ª. Decr: de
iustificatione, canon 17: DS 1567).
Para ter semelhante destino, é preciso haver uma aversão
voluntária a Deus (pecado mortal) e persistir nela até
ao fim. Na liturgia eucarística e nas orações
quotidianas dos seus fiéis, a Igreja implora a
misericórdia de Deus, «que não quer que ninguém
pereça, mas que todos se convertam» (2ª Pe.
3, 9):
«Aceitai benignamente, Senhor, a oblação que nós, vossos
servos, com toda a vossa família, vos apresentamos. Daí
a paz aos nossos dias livrai-nos da condenação eterna e
contai-nos entre os vossos eleitos»
(Oração Eucarística I ou Cânone Romano, 88:
Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis
Vaticanis 1970), p. 450 [Missal Romano, Gráfica
de Coimbra 1992, 518]).
V.
O Juízo final
1038. A ressurreição de todos os mortos, «justos e
pecadores» (At. 24, 15), há de preceder o Juízo
final. Será «a hora em que todos os que estão nos
túmulos hão de ouvir a sua voz e sairão: os que tiverem
praticado o bem, para uma ressurreição de vida, e os que
tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de
condenação» (Jo. 5, 28-29). Então Cristo virá «na
sua glória, com todos os seus anjos [...]. Todas as
nações se reunirão na sua presença e Ele separará uns
dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos
cabritos; e colocará as ovelhas à sua direita e os
cabritos à sua esquerda. [...] Estes irão para o
suplício eterno e os justos para a vida eterna» (Mt.
25, 31-33.46).
1039. É perante Cristo, que é a Verdade, que será
definitivamente posta descoberto a verdade da relação de
cada homem com Deus
(Cf. Jo. 12, 48).
O Juízo final revelará, até às suas últimas
consequências, o que cada um tiver feito ou deixado de
fazer de bem durante a sua vida terrena:
-
«todo o mal que os maus fazem é registrado - e eles
não o sabem. No dia em que "Deus virá e não se calará"
(Sl. 50, 3) [...]. Então, Ele Se voltará para os da sua
esquerda: "na terra, dir-lhes-á, Eu tinha posto para vós
os meus pobrezinhos, Eu, Cabeça deles, estava no céu
sentado à direita do Pai - mas na terra os meus membros
tinham fome: o que vós tivésseis dado aos meus membros,
teria chegado à Cabeça. Quando Eu coloquei os meus
pobrezinhos na terra, constituí-os vossos portadores
para trazerem as vossas boas obras ao meu tesouro. Vós
nada depositastes nas mãos deles: por isso nada
encontrais em Mim"»
(Santo Agostinho, Sermão 18, 4, 4: CCL 41,
247-249 (PL 38, 130-131)).
1040. O Juízo final terá lugar quando acontecer a vinda
gloriosa de Cristo. Só o Pai sabe o dia e a hora, só Ele
decide sobre a sua vinda. Pelo seu Filho Jesus Cristo.
Ele pronunciará então a sua palavra definitiva sobre
toda a história. Nós ficaremos a saber o sentido último
de toda a obra da criação e de toda a economia da
salvação, e compreenderemos os caminhos admiráveis pelos
quais a sua providência tudo terá conduzido para o seu
fim último. O Juízo final revelará como a justiça de
Deus triunfa de todas as injustiças cometidas pelas suas
criaturas e como o seu amor é mais forte do que a morte
(Cf. Ct. 8, 6).
1041. A mensagem do Juízo final é um apelo à conversão,
enquanto Deus dá ainda aos homens «o tempo favorável,
o tempo da salvação» (2ª Cor. 6, 2). Ela
inspira o santo temor de Deus, empenha na justiça do
Reino de Deus e anuncia a «feliz confiança» (Tt.
2, 13) do regresso do Senhor, que virá «para ser
glorificado nos seus santos, e admirado em todos os que
tiverem acreditado» (2ª Ts. 1, 10).
VI.
A esperança dos novos céus e da nova terra
1042. No fim dos tempos, o Reino de Deus chegará à sua
plenitude. Depois do Juízo final, os justos reinarão
para sempre com Cristo, glorificados em corpo e alma, e
o próprio universo será renovado:
Então a Igreja alcançará «na glória celeste, a sua
realização acabada, quando vier o tempo da restauração
de todas as coisas e, quando, juntamente com o género
humano, também o universo inteiro, que ao homem está
intimamente ligado e por ele atinge o seu fim, for
perfeitamente restaurado em Cristo»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
48: AAS 57 (1965) 53).
1043. A esta misteriosa renovação, que há de transformar
a humanidade e o mundo, a Sagrada Escritura chama «os
novos céus e a nova terra» (2ª Pe. 3, 13)
(Cf. Ap. 21, 1).
Será a realização definitiva do desígnio divino de
«reunir sob a chefia de Cristo todas as coisas que há
nos céus e na terra» (Ef. 1, 10).
1044. Neste «mundo novo»
(Cf. Ap. 21, 5),
a Jerusalém celeste, Deus terá a sua morada entre os
homens. «Há de enxugar-lhes dos olhos todas as
lágrimas; a morte deixará de existir, e não mais haverá
luto, nem clamor, nem fadiga. Porque o que havia
anteriormente desapareceu» (Ap. 21, 4)
(Cf. Ap 21, 27).
1045. Para o homem, esta consumação será a
realização final da unidade do género humano, querida
por Deus desde a criação e da qual a Igreja peregrina
era «como que o sacramento»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
1: AAS 57 (1965) 5).
Os que estiverem unidos a Cristo formarão a comunidade
dos resgatados, a «Cidade santa de Deus» (Ap. 21,
2), a «Esposa do Cordeiro» (Ap. 21, 9). Esta não
mais será atingida pelo pecado, pelas manchas
(Cf. Ap, 21, 27),
pelo amor próprio, que destroem e ferem a comunidade
terrena dos homens. A visão beatífica, em que Deus Se
manifestará aos eleitos de modo inesgotável, será a
fonte inexaurível da felicidade, da paz e da mútua
comunhão.
1046. Quanto ao cosmos, a Revelação afirma a
profunda comunidade de destino entre o mundo material e
o homem:
-
«Na verdade, as criaturas esperam ansiosamente a
revelação dos filhos de Deus [...] com a esperança de
que as mesmas criaturas sejam também libertadas da
corrupção que escraviza [...]. Sabemos que toda a
criatura geme ainda agora e sofre as dores da
maternidade. E não só ela, mas também nós, que possuímos
as primícias do Espírito, gememos interiormente,
esperando a adoção filial e a libertação do nosso corpo»
(Rm. 8, 19-23).
1047. Assim, pois, também o universo visível está
destinado a ser transformado, «a fim de que o próprio
mundo, restaurado no seu estado primitivo, esteja sem
mais nenhum obstáculo ao serviço dos justos»
(Santo Ireneu de Lião, Adversus Haereses 5, 32.
1: SC 153, 398 (PG 7, 1210)),
participando na sua glorificação em Jesus Cristo
ressuscitado.
1048. «Ignoramos o tempo em que a terra e a
humanidade atingirão a sua plenitude, e também não
sabemos como é que o universo será transformado. Porque
a figura deste mundo, deformada pelo pecado, passa
certamente, mas Deus ensina-nos que se prepara uma nova
habitação e uma nova terra, na qual reinará a justiça e
cuja felicidade satisfará e superará todos os desejos de
paz que se levantam no coração dos homens»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 39: AAS 58 (1966) 1056-1057).
1049. «A expectativa da nova terra não deve, porém,
enfraquecer, mas antes ativar a solicitude em ordem a
desenvolver esta terra onde cresce o corpo da nova
família humana, que já consegue apresentar uma certa
prefiguração do mundo futuro. Por conseguinte, embora o
progresso terreno se deva cuidadosamente distinguir do
crescimento do Reino de Cristo, todavia, na medida em
que pode contribuir para a melhor organização da
sociedade humana, interessa muito ao Reino de Deus»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 39: AAS 58 (1966) 1057).
1050. «Pois todos os bens da dignidade humana, da
comunhão fraterna e da liberdade, ou seja, todos os
frutos excelentes da natureza e do nosso esforço, depois
de os termos propagado pela terra, no Espírito do Senhor
e segundo o seu mandato, voltaremos de novo a
encontrá-los, mas então purificados de qualquer mancha,
iluminados e transfigurados, quando Cristo entregar ao
Pai o Reino eterno e universal»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 39: AAS 58 (1966) 1057: cf. Const.
dogm. Lumen Gentium, 2: AAS 57 (1965) 5-6).
Então, Deus será «tudo em todos» (1ª Cor. 15,
28), na vida eterna:
-
«a vida subsistente e verdadeira é o Pai que, pelo
Filho e no Espírito Santo, derrama sobre todos sem
excepção os dons celestes. Graças à sua misericórdia,
também nós, homens, recebemos a promessa indefectível da
vida eterna»
(São Cirilo de Jerusalém, Catecheses illuminandorum
18, 29: Opera. v. 2. ed. J. Rupp (Monaci
1870) p. 332 (PG 33, 1049)).
Resumindo:
1051. Ao morrer: cada homem recebe, na sua alma
imortal, a sua retribuição eterna, num juízo particular
feito por Cristo, Juiz dos vivos e dos mortos.
1052. «Nós cremos que as almas de todos os que morrem
na graça de Cristo [...] constituem o povo de Deus no
além da morte, a qual será definitivamente destinada no
dia da ressurreição, quando estas almas forem reunidas
aos seus corpos»
(Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 28: AAS 60
(1968) 444).
1053. «Nós cremos que a multidão dessas almas que
estão congregadas à volta de Jesus e de Maria, no
paraíso, formam a Igreja celeste onde, na eterna
bem-aventurança, veem Deus como Ele é onde também,
certamente em graus e modos diversos, estão associadas
aos santos anjos no governo divino exercido por Cristo
glorioso, intercedendo por nós e ajudando a nossa
fraqueza com a sua solicitude fraterna»
(Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 29: AAS 60
(1968) 444).
1054. Os que morrem na graça e amizade de Deus, mas
imperfeitamente purificados, embora seguros da sua
salvação eterna, sofrem depois da morte uma purificação,
a fim de obterem a santidade necessária para entrar na
alegria de Deus.
1055. Em virtude da «comunhão dos santos», a Igreja
encomenda os defuntos à misericórdia de Deus e oferece
em seu favor sufrágios, em particular o santo Sacrifício
eucarístico.
1056. Seguindo o exemplo de Cristo, a Igreja adverte
os fiéis da «triste e lamentável realidade da morte
eterna»
(Cf. Sagrada Congregação do Clero, Directorium
catechisticum generale, 69: AAS 64 (1972)
141),
também chamada «Inferno».
1057. A pena principal do Inferno consiste na
separação eterna de Deus, o único em Quem o homem pode
encontrar a vida e a felicidade para que foi criado e às
quais aspira.
1058. A Igreja ora para que ninguém se perca: «Senhor
[...], não permitais que eu me separe de Vós»
(Oração antes da Comunhão, 132: Missale
Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis
1970), p. 474 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra
1992, 546]).
Sendo verdade que ninguém se pode salvar a si mesmo,
também é verdade que «Deus quer que todos se salvem»
(1ª
Tm. 2, 4) e que a Ele «tudo é possível»
(Mt. 19, 26).
1059. «A santa Igreja Romana crê e firmemente
confessa que, no dia do Juízo, todos os homens hão de
comparecer com o seu próprio corpo perante o tribunal de
Cristo, para prestar contas dos seus próprios atos»
(II Concílio de Lião, Professio fidei Michaelis
Palaeologi imperatoris: DS 859: cf. Concílio de
Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c.
16: DS 1549).
1060. No fim dos tempos, o Reino de Deus chegará à
sua plenitude. Então, os justos reinarão com Cristo para
sempre, glorificados em corpo e alma; o próprio universo
material será transformado. Deus será, então, «tudo em
todos» (1ª Cor. 15, 28), na vida eterna.
«AMEN»
1061. O Credo, tal como o último livro da Sagrada
Escritura
(Cf. Ap. 22, 21)
termina com a palavra hebraica Amém,
palavra que se encontra com frequência no final das
orações do Novo Testamento. Do mesmo modo, a Igreja
termina com um «Amém» as suas orações.
1062. Em hebraico, Amém está ligado à mesma raiz
que a palavra «crer», raiz que exprime solidez,
confiança, fidelidade. Assim se compreende porque é que
o «Amém» se pode dizer tanto da fidelidade de
Deus para conosco como da nossa confiança n'Ele.
1063. No profeta Isaías encontramos a expressão «Deus
de verdade», literalmente «Deus do Amém»,
quer dizer, o Deus fiel às suas promessas: «todo
aquele que desejar ser abençoado sobre a terra deve
desejar sê-lo pelo Deus fiel (do «Amém») (Is. 65,
16). Nosso Senhor emprega frequentemente a palavra
«Amém»
(Cf. Mt. 6, 2.5.16),
por vezes sob forma redobrada
(Cf. Jo. 5, 19),
para sublinhar a confiança que deve inspirar a sua
doutrina, a sua autoridade fundada na verdade de Deus.
1064. O «Amém» final do Credo retoma e confirma,
portanto, a palavra com que começa: «Creio». Crer
é dizer «Amém» às palavras, às promessas, aos
mandamentos de Deus; é fiar-se totalmente n'Aquele que é
o «Amém» de infinito amor e perfeita fidelidade.
A vida cristã de cada dia será, então, o «Amém»
ao «Creio» da profissão de fé do nosso Batismo:
-
«Que o teu Símbolo seja para ti como um espelho. Revê-te
nele, para ver se crês tudo quanto dizes crer. E
alegra-te todos os dias na tua fé»
(Santo Agostinho, Sermão 58, 11, 13: PL 38, 399).
1065. O próprio Jesus Cristo é o «Amém» (Ap. 3,
14). É o Amém definitivo do amor do Pai para conosco:
assume e leva a bom termo o nosso «Amém» ao Pai:
«é que todas as promessas de Deus encontram n'Ele um
«sim»! Desse modo, por seu intermédio, nós dizemos
«Ámen» a Deus, a fim de lhe darmos glória» (2ª Cor.
1, 20):
«Por Cristo, com Cristo, em Cristo,
a Vós, Deus Pai todo-poderoso,
na unidade do Espírito Santo,
toda a honra e toda a glória
agora e para sempre.
ÁMEN»
(Doxologia final da oração eucarística: Missale
Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis
1970), p. 455, 460, 464 e 471 [Missal Romano,
Gráfica de Coimbra 1992, p. 522, 528, 535, 543, etc.]).
SEGUNDA PARTE - A CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO CRISTÃO
A CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO CRISTÃO
INTRODUÇÃO
PORQUÊ A LITURGIA?
1066. No Símbolo da Fé, a Igreja confessa o mistério da
Santíssima Trindade e o seu «desígnio admirável»
(Ef. 1, 9) sobre toda a criação: o Pai realiza o
«mistério da sua vontade», dando o seu Filho muito
amado e o seu Espírito Santo para a salvação do mundo e
para a glória do seu nome. Tal é o mistério de Cristo
(Cf.
Ef. 3, 4),
revelado e realizado na história segundo um plano, uma
«disposição» sabiamente ordenada, a que São Paulo
chama «a economia do mistério» (Ef. 3, 9)
e a que a tradição patrística chamará «a economia do
Verbo encarnado» ou «economia da salvação».
1067. «Esta obra da redenção humana e da glorificação
perfeita de Deus, cujo prelúdio foram as magníficas
obras divinas operadas no povo do Antigo Testamento,
realizou-a Cristo Senhor, principalmente pelo mistério
pascal da sua bem-aventurada paixão, Ressurreição dos
mortos e gloriosa ascensão, em que, "morrendo, destruiu
a morte e ressuscitando restaurou a vida". Efetivamente,
foi do lado de Cristo adormecido na cruz que nasceu "o
sacramento admirável de toda a Igreja"»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 5: AAS 56 (1964) 99).
É por isso que, na liturgia, a Igreja celebra
principalmente o mistério pascal, pelo qual Cristo
realizou a obra da nossa salvação.
1068. É este mistério de Cristo que a Igreja proclama e
celebra na sua liturgia, para que os fiéis dele vivam e
dele deem testemunho no mundo.
- «A liturgia, com efeito, pela qual, sobretudo no
sacrifício eucarístico, "se atua a obra da nossa
redenção", contribui em sumo grau para que os fiéis
exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério de
Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 2: AAS 56 (1964) 97-98).
QUAL O SIGNIFICADO DA PALAVRA LITURGIA?
1069. Originariamente, a palavra «liturgia»
significa «obra pública», «serviço por parte
dele em favor do povo». Na tradição cristã, quer
dizer que o povo de Deus toma parte na «obra de Deus»
(Cf. Jo. 17, 4).
Pela liturgia, Cristo, nosso Redentor e Sumo-Sacerdote
(Cf. At 13, 2: Lc 1, 23),
continua na sua Igreja, com ela e por ela, a obra da
nossa redenção.
1070. No Novo Testamento, a palavra «liturgia» é
empregada para designar, não somente a celebração do
culto divino, mas também o anúncio do Evangelho
(Cf. Rm. 15, 16; Fl. 2, 14-17.30)
e a caridade em ato
(Cf. Rm. 15, 27; 2ª Cor. 9, 12; Fl. 2, 25).
Em todas estas situações, trata-se do serviço de Deus e
dos homens. Na celebração litúrgica, a Igreja é serva, à
imagem do seu Senhor, o único «Liturgo»
(Cf. Heb. 8, 2.6),
participando no seu sacerdócio (culto) profético
(anúncio) e real (serviço da caridade):
- «com razão se considera a liturgia como o exercício
da função sacerdotal de Jesus Cristo. Nela, mediante
sinais sensíveis e no modo próprio de cada qual,
significa-se e realiza-se a santificação dos homens e é
exercido o culto público integral pelo corpo Místico de
Jesus Cristo, isto é, pela cabeça e pelos membros.
Portanto, qualquer celebração litúrgica, enquanto obra
de Cristo Sacerdote e do seu corpo que é a Igreja, é
ação sagrada por excelência e nenhuma outra ação da
Igreja a iguala em eficácia com o mesmo título e no
mesmo grau»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 7: AAS 56 (1964) 101).
A LITURGIA COMO FONTE DE VIDA
1071. Obra de Cristo, a Liturgia é também uma ação da
sua Igreja. Ela realiza e manifesta a Igreja como
sinal visível da comunhão de Deus e dos homens por
Cristo; empenha os fiéis na vida nova da comunidade, e
implica uma participação «consciente, ativa e
frutuosa» de todos
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 11: AAS 56 (1964) 103).
1072. «A liturgia não esgota toda a ação da Igreja»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 9: AAS 56 (1964) 101).
Deve ser precedida pela evangelização, pela fé e pela
conversão, e só então pode produzir os seus frutos na
vida dos fiéis: a vida nova segundo o Espírito, o
empenhamento na missão da Igreja e o serviço da sua
unidade.
(Cf. Ef. 3, 16-17)
ORAÇÃO E LITURGIA
1073. A liturgia é também participação na oração de
Cristo, dirigida ao Pai no Espírito Santo. Nela, toda a
oração cristã encontra a sua fonte e o seu termo. Pela
liturgia, o homem interior lança raízes e alicerça-se no
«grande amor com que o Pai nos amou» (Ef. 2, 4),
em seu Filho bem-amado. É a mesma «maravilha de Deus»
que é vivida e interiorizada por toda a oração, «em
todo o tempo, no Espírito» (Ef 6, 18).
CATEQUESE E LITURGIA
1074. «A liturgia é simultaneamente o cume para o
qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde
dimana toda a sua força»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 10: AAS 56 (1964) 102).
É, portanto, o lugar privilegiado da catequese do Povo
de Deus. «A catequese está intrinsecamente ligada a
toda a ação litúrgica e sacramental, pois é nos
sacramentos, sobretudo na Eucaristia, que Jesus Cristo
age em plenitude, em ordem à transformação dos homens»
(João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae, 23:
AAS 71 (1979) 1296).
1075. A catequese litúrgica visa introduzir no mistério
de Cristo (ela é «mistagogia»), partindo do
visível para o invisível, do significante para o
significado, dos «sacramentos» para os «mistérios».
Tal catequese compete aos catecismos locais e regionais;
o presente catecismo, que deseja colocar-se ao serviço
de toda a Igreja na diversidade dos seus ritos e das
suas culturas (II
Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium,
3-4: AAS 56 (1964) 98)
apresentará o que é fundamental e comum a toda a Igreja
a respeito da liturgia, enquanto mistério e enquanto
celebração (Primeira Secção), e depois, dos sete
sacramentos e sacramentais (Segunda Secção).
SEGUNDA PARTE
A CELEBRAÇÃO
DO MISTÉRIO CRISTÃO
PRIMEIRA SECÇÃO
A «ECONOMIA» SACRAMENTAL
1076. No dia do Pentecostes, pela efusão do
Espírito Santo, a Igreja foi manifestada ao mundo
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 6: AAS 56 (1964) 100; Id, Const. dogm.
Lumen Gentium, 2: AAS 57 (1965) 6).
O dom do Espírito inaugura um tempo novo na
«dispensação do mistério»: o tempo da Igreja,
durante o qual Cristo manifesta, torna presente e
comunica a sua obra de salvação pela liturgia da sua
Igreja, «até que Ele venha» (1ª Cor. 11, 26).
Durante este tempo da Igreja, Cristo vive e age, agora
na sua Igreja e com ela, de um modo novo, próprio deste
tempo novo. Age pelos sacramentos e é a isso que a
Tradição comum do Oriente e do Ocidente chama
«economia sacramental». Esta consiste na comunicação
(ou «dispensação») dos frutos do mistério pascal
de Cristo na celebração da liturgia «sacramental»
da Igreja.
É
por isso que importa, antes de mais, pôr em relevo está
«dispensação sacramental» (Capítulo primeiro).
Assim, aparecerão mais claramente a natureza e os
aspectos essenciais da celebração litúrgica (Capítulo
segundo).
CAPÍTULO PRIMEIRO
O MISTÉRIO PASCAL NO TEMPO DA IGREJA
ARTIGO
1
A LITURGIA – OBRA DA SANTÍSSIMA TRINDADE
I.
O Pai, fonte e fim da liturgia
1077. «Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, que, nos céus, nos encheu de toda a espécie de
bênçãos espirituais em Cristo. Foi assim que, n' Ele,
nos escolheu antes da criação do mundo, para sermos, na
caridade, santos e irrepreensíveis na sua presença.
Destinou-nos de antemão a que nos tornássemos seus
filhos adoptivos por Jesus Cristo. Assim aprouve à sua
vontade, para que fosse enaltecida a glória da sua
graça, com a qual nos favoreceu em seu Filho muito
amado» (Ef. 1, 3-6).
1078. Abençoar é uma ação divina que dá a vida e de que
o Pai é a fonte. A sua bênção é, ao mesmo tempo, palavra
e dom («bene-dictio», «eu-logia»).
Aplicada ao homem, tal palavra significará a adoração e
a entrega ao seu Criador, em ação de graças.
1079. Desde o princípio até à consumação dos tempos,
toda a obra de Deus é bênção. Desde o poema
litúrgico da primeira criação até aos cânticos da
Jerusalém celeste, os autores inspirados anunciam o
desígnio da salvação como uma imensa bênção divina.
1080. Desde o princípio, Deus abençoa os seres vivos,
especialmente o homem e a mulher. A aliança com Noé e
todos os seres animados renova esta bênção de
fecundidade, apesar do pecado do homem, pelo qual a
terra fica «maldita». Mas é a partir de Abraão
que a bênção divina penetra na história dos homens, que
caminhava em direção à morte, para a fazer regressar à
vida, à sua fonte: pela fé do «pai dos crentes»
que acolhe a bênção, é inaugurada a história da
salvação.
1081. As bênçãos divinas manifestam-se em acontecimentos
maravilhosos e salvíficos: o nascimento de Isaac, a
saída do Egito (Páscoa e Êxodo), o dom da terra
prometida, a eleição de David, a presença de Deus no
templo, o exílio purificador e o regresso do «pequeno
resto». A Lei, os Profetas e os Salmos, que
entretecem a liturgia do povo eleito, se por um lado
recordam essas bênçãos divinas, por outro respondem-lhes
com as bênçãos de louvor e ação de graças.
1082. Na liturgia da Igreja, a bênção divina é
plenamente revelada e comunicada: o Pai é reconhecido e
adorado como a Fonte e o Fim de todas as bênçãos da
criação e da salvação; no seu Verbo - encarnado, morto e
ressuscitado por nós -, Ele cumula-nos das suas bênçãos
e, por Ele, derrama nos nossos corações o Dom que
encerra todos os dons: o Espírito Santo.
1083. Compreende-se então a dupla dimensão da liturgia
cristã, como resposta de fé e de amor às «bênçãos
espirituais» com que o Pai nos gratifica. Por um
lado, a Igreja, unida ao seu Senhor e «sob a ação do
Espírito Santo»
(Cf. Lc. 10, 21),
bendiz o Pai «pelo seu Dom inefável» (2ª Cor. 9,
15), mediante a adoração, o louvor e a ação de
graças. Por outro lado, e até à consumação do desígnio
de Deus, a Igreja não cessa de oferecer ao Pai «a
oblação dos seus próprios dons» e de Lhe implorar
que envie o Espírito Santo sobre esta oblação, sobre si
própria, sobre os fiéis e sobre o mundo inteiro, a fim
de que, pela comunhão na morte e ressurreição de
Cristo-Sacerdote e pelo poder do Espírito, estas bênçãos
divinas produzam frutos de vida, «para que seja
enaltecida a glória da sua graça» (Ef. 1, 6).
II.
A ação de Cristo na liturgia
CRISTO GLORIFICADO...
1084. «Sentado à direita do Pai» e derramando o
Espírito Santo sobre o seu corpo que é a Igreja, Cristo
age agora pelos sacramentos, que instituiu para
comunicar a sua graça. Os sacramentos são sinais
sensíveis (palavras e ações), acessíveis à nossa
humanidade atual. Realizam eficazmente a graça que
significam, em virtude da ação de Cristo e pelo poder do
Espírito Santo.
1085. Na liturgia da Igreja, Cristo significa e realiza
principalmente o seu mistério pascal. Durante a sua vida
terrena, Jesus anunciava pelo seu ensino e antecipava
pelos seus atos o seu mistério pascal. Uma vez chegada a
sua «Hora»
(Cf. Jo. 13, 1; 17, 1),
Jesus vive o único acontecimento da história que não
passa jamais: morre, é sepultado, ressuscita de entre os
mortos e senta-Se à direita do Pai «uma vez por
todas» (Rm. 6, 10; Heb. 7, 27; 9, 12). É um
acontecimento real, ocorrido na nossa história, mas
único; todos os outros acontecimentos da história
acontecem uma vez e passam, devorados pelo passado. Pelo
contrário, o mistério pascal de Cristo não pode ficar
somente no passado, já que pela sua morte, Ele destruiu
a morte; e tudo o que Cristo é, tudo o que fez e sofreu
por todos os homens, participa da eternidade divina, e
assim transcende todos os tempos e em todos se torna
presente. O acontecimento da cruz e da ressurreição
permanece e atrai tudo para a vida.
...
DESDE A IGREJA DOS APÓSTOLOS...
1086. «Assim como Cristo foi enviado pelo Pai, assim
também Ele enviou os Apóstolos, cheios do Espírito
Santo, não só para que, pregando o Evangelho a toda a
criatura, anunciassem que o Filho de Deus, pela sua
morte e ressurreição, nos libertara do poder de Satanás
e da morte e nos introduzira no Reino do Pai, mas também
para que realizassem a obra da salvação que anunciavam,
mediante o Sacrifício e os sacramentos, à volta dos
quais gira toda a vida litúrgica»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosactum
Concilium, 6: AAS 56 (1964) 100).
1087. Deste modo, Cristo ressuscitado, ao dar o Espírito
Santo aos Apóstolos, confia-lhes o seu poder de
santificação:
(Cf. Jo. 20, 21-23)
eles tornam-se sinais sacramentais de Cristo. Pelo poder
do mesmo Espírito Santo, eles confiam este poder aos
seus sucessores. Esta «sucessão apostólica»
estrutura toda a vida litúrgica da Igreja: ela própria é
sacramental, transmitida pelo sacramento da Ordem.
...
ESTÁ PRESENTE NA LITURGIA TERRESTRE...
1088. «Para realizar tão grande obra» - como é a
dispensação ou comunicação da sua obra de salvação -
«Cristo está sempre presente na sua igreja, sobretudo
nas ações litúrgicas. Está presente no sacrifício da
Missa, quer na pessoa do ministro - "o que se oferece
agora pelo ministério sacerdotal é o mesmo que se
ofereceu outrora na Cruz" - quer e sobretudo sob as
espécies eucarísticas. Está presente com a sua virtude
nos sacramentos, de modo que, quando alguém batiza, é o
próprio Cristo que batiza. Está presente na sua Palavra,
pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada
Escritura. Está presente, enfim, quando a Igreja reza e
canta os salmos, Ele que prometeu: "onde dois ou
três estiverem reunidos em meu nome, aí estou Eu, no
meio deles"» (Mt. 18, 20)
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosactum
Concilium, 7: AAS 56 (1964)100-101).
1089. «Em tão grande obra, pela qual Deus é
perfeitamente glorificado e os homens santificados,
Cristo associa sempre a Si a Igreja, sua amadíssima
esposa, a qual invoca o seu Senhor e por meio d'Ele
rende culto ao eterno Pai»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosactum
Concilium, 7: AAS 56 (1964)101).
...
QUE PARTICIPA NA LITURGIA CELESTE
1090. «Na liturgia da terra, participamos,
saboreando-a de antemão, na liturgia celeste, celebrada
na cidade santa de Jerusalém, para a qual nos dirigimos
como peregrinos e onde Cristo está sentado à direita de
Deus, como ministro do santuário e do verdadeiro
tabernáculo; com todo o exército da milícia celestial,
cantamos ao Senhor um hino de glória; venerando a
memória dos santos, esperamos ter alguma parte e
comunhão com eles; e aguardamos o Salvador, nosso Senhor
Jesus Cristo, até que Ele apareça como nossa vida e
também nós apareçamos com Ele na glória»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosactum
Concilium, 7: AAS 56 (1964)101).
III. O Espírito Santo e a Igreja na liturgia
1091. Na liturgia, o Espírito Santo é o pedagogo da fé
do povo de Deus, o artífice das «obras-primas de
Deus» que são os sacramentos da Nova Aliança. O
desejo e a obra do Espírito no coração da Igreja é que
nós vivamos da vida de Cristo ressuscitado. Quando Ele
encontra em nós a resposta da fé que suscitou,
realiza-se uma verdadeira cooperação. E, por ela, a
liturgia torna-se a obra comum do Espírito Santo e da
Igreja.
1092. Nesta dispensação sacramental do mistério de
Cristo, o Espírito Santo age do mesmo modo que nos
outros tempos da economia da salvação: prepara a Igreja
para o encontro com o seu Senhor; lembra e manifesta
Cristo à fé da assembleia; torna presente e atualiza o
mistério de Cristo pelo seu poder transformante; e
finalmente, enquanto Espírito de comunhão, une a Igreja
à vida e à missão de Cristo.
O
ESPÍRITO SANTO PREPARA PARA ACOLHER CRISTO
1093. O Espírito Santo realiza, na economia sacramental,
as figuras da Antiga Aliança. Uma vez que a
Igreja de Cristo estava «admiravelmente preparada na
história do povo de Israel e na Antiga Aliança»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
2: AAS 57 (1965) 6),
a liturgia da Igreja conserva, como parte integrante e
insubstituível, fazendo-os seus, elementos do culto
dessa Antiga Aliança:
-
principalmente a leitura do Antigo Testamento;
- a oração dos Salmos;
- e sobretudo, o memorial dos acontecimentos salvíficos
e das realidades significativas, que encontraram o seu
cumprimento no mistério de Cristo (a Promessa e a
Aliança, o Êxodo e a Páscoa, o Reino e o Templo, o
Exílio e o regresso).
1094. É com base nesta harmonia dos dois Testamentos
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei
Verbum, 14-16: AAS 58 (1966) 824-625)
que se articula a catequese pascal do Senhor
(Cf. Lc. 24, 13-49)
e, depois, a dos Apóstolos e dos Padres da Igreja. Esta
catequese desvenda o que estava oculto sob a letra do
Antigo Testamento: o mistério de Cristo. É chamada
«tipológica», porque revela a novidade de Cristo a
partir das «figuras» (tipos) que a anunciavam nos
fatos, palavras e símbolos da primeira Aliança. Por esta
releitura no Espírito de verdade a partir de Cristo, as
figuras são desvendadas
(Cf. 2ª Cor. 3, 14-16).
Assim, o dilúvio e a arca de Noé prefiguravam a salvação
pelo Batismo
(Cf. 1ª Pe. 3, 21),
tal como a nuvem, a travessia do Mar Vermelho e a água
do rochedo eram figura dos dons espirituais de Cristo
(Cf. 1ª Cor. 10, 1-6);
e o maná do deserto prefigurava a Eucaristia, «o
verdadeiro Pão do céu» (Jo. 6, 48).
1095. É por isso que a Igreja, especialmente por ocasião
dos tempos do Advento, da Quaresma e sobretudo na noite
da Páscoa, relê e revive todos estes grandes
acontecimentos da história da salvação no «hoje»
da sua liturgia. Isso, porém, exige igualmente que a
catequese ajude os fiéis a abrirem-se a esta
inteligência «espiritual» da economia da
salvação, tal como a liturgia da Igreja a manifesta e
no-la faz viver.
1096. Liturgia judaica e liturgia cristã. Um
melhor conhecimento da fé e da vida religiosa do povo
judeu, tal como ainda agora são professadas e vividas,
pode ajudar a compreender melhor certos aspectos da
liturgia cristã. Para os judeus, tal como para os
cristãos, a Sagrada Escritura é uma parte essencial das
suas liturgias: para a proclamação da Palavra de Deus, a
resposta a esta Palavra, a oração de louvor e de
intercessão por vivos e mortos, o recurso à misericórdia
divina. A liturgia da Palavra, na sua estrutura própria,
encontra a sua origem na oração judaica. A Oração das
Horas e outros textos e formulários litúrgicos têm nela
os seus paralelos, assim como as próprias fórmulas das
nossas orações mais veneráveis, como o Pai Nosso. As
orações eucarísticas inspiram-se também em modelos de
tradição judaica. A relação entre a liturgia judaica e a
liturgia cristã, como igualmente a diferença dos
respectivos conteúdos, são particularmente visíveis nas
grandes festas do ano litúrgico, como a Páscoa. Tanto os
cristãos como os judeus celebram a Páscoa: a Páscoa da
história, virada para o futuro, entre os judeus: a
Páscoa consumada na morte e ressurreição de Cristo,
entre os cristãos - embora sempre na esperança da sua
consumação definitiva.
1097. Na liturgia da Nova Aliança, toda a ação
litúrgica, especialmente a celebração da Eucaristia e
dos sacramentos, é um encontro entre Cristo e a Igreja.
A assembleia litúrgica recebe a sua unidade da
«comunhão do Espírito Santo», que reúne os filhos de
Deus no único corpo de Cristo. Ultrapassa todas as
afinidades humanas, raciais, culturais e sociais.
1098. A assembleia deve preparar-se para o
encontro com o seu Senhor, ser «um povo bem disposto»
(Cf. Lc. 1, 17).
Esta preparação dos corações é obra comum do Espírito
Santo e da assembleia, particularmente dos seus
ministros. A graça do Espírito Santo procura despertar a
fé, a conversão do coração e a adesão à vontade do Pai.
Estas disposições pressupõem-se para receber outras
graças oferecidas na própria celebração, e para os
frutos de vida nova que ela é destinada a produzir em
seguida.
O
ESPÍRITO SANTO RECORDA O MISTÉRIO DE CRISTO
1099. O Espírito e a Igreja cooperam para manifestar
Cristo e a sua obra de salvação na liturgia.
Principalmente na Eucaristia, e analogicamente nos
outros sacramentos, a liturgia é o memorial do
mistério da salvação. O Espírito Santo é a memória viva
da Igreja
(Cf. Jo. 14, 26).
1100. A Palavra de Deus. O Espírito
Santo lembra à assembleia litúrgica, em primeiro lugar,
o sentido do acontecimento salvífico, dando vida à
Palavra de Deus, que é anunciada para ser recebida e
vivida:
-
«é enorme a importância da Sagrada Escritura na
celebração da liturgia. Porque é a ela que se vão buscar
as leituras que se explicam na homilia e os salmos para
cantar; com o seu espírito e da sua inspiração nasceram
as preces, as orações e os hinos litúrgicos: dela tiram
a sua capacidade de significação as ações e os sinais»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosactum
Concilium, 24: AAS 56 (1964) 106-107).
1101. É o Espírito Santo que dá aos leitores e ouvintes,
segundo a disposição dos seus corações, a inteligência
espiritual da Palavra de Deus. Através das palavras,
ações e símbolos, que formam a trama duma celebração, o
Espírito Santo põe os fiéis e os ministros em relação
viva com Cristo, Palavra e Imagem do Pai, de modo a
poderem fazer passar para a sua vida o sentido daquilo
que ouvem, veem e fazem na celebração.
1102. «É pela Palavra da salvação [...] que a fé é
alimentada no coração dos fiéis; e é mercê da fé que tem
início e se desenvolve a reunião dos fiéis»
(II Concílio do Vaticano, Decr. Presbiterorum
ordinis, 4: AAS 58 (1966) 996).
O anúncio da Palavra de Deus não se fica por um
ensinamento: faz apelo à resposta da fé, enquanto
assentimento e compromisso, em vista da aliança entre
Deus e o seu povo. É ainda o Espírito Santo que dá a
graça da fé, a fortifica e a faz crescer na comunidade.
A assembleia litúrgica é, antes de mais, comunhão na fé.
1103. A anamnese. A celebração litúrgica
refere-se sempre às intervenções salvíficas de Deus na
história. «A economia da revelação realiza-se por
meio de ações e palavras intimamente relacionadas entre
si [...]; as palavras [...] declaram as obras e
esclarecem o mistério nelas contido»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
2: AAS 58 (1966) 818).
Na liturgia da Palavra, o Espírito Santo «lembra»
à assembleia tudo quanto Cristo fez por nós. Segundo a
natureza das ações litúrgicas e as tradições rituais das
Igrejas, uma celebração «faz memória» das
maravilhas de Deus numa anamnese mais ou menos
desenvolvida. O Espírito Santo, que assim desperta a
memória da Igreja, suscita então a ação de graças e o
louvor (doxologia).
O
ESPÍRITO SANTO ATUALIZA O MISTÉRIO DE CRISTO
1104. A liturgia cristã não se limita a recordar os
acontecimentos que nos salvaram: atualiza-os, torna-os
presentes. O mistério pascal de Cristo celebra-se, não
se repete; as celebrações é que se repetem. Mas em cada
uma delas sobrevém a efusão do Espírito Santo, que
atualiza o único mistério.
1105. A epiclese («invocação sobre») é a
intercessão mediante a qual o sacerdote suplica ao Pai
que envie o Espírito santificador para que as oferendas
se tornem o corpo e o sangue de Cristo e para que,
recebendo-as, os fiéis se tornem eles próprios uma
oferenda viva para Deus.
1106 Juntamente com a anamnese, a epiclese é o coração
de qualquer celebração sacramental, e mais
particularmente da Eucaristia:
-
«tu perguntas como é que o pão se torna corpo de
Cristo, e o vinho [..] sangue de Cristo? Por mim,
digo-te: o Espírito Santo irrompe e realiza isso que
ultrapassa toda a palavra e todo o pensamento. [...]
Baste-te ouvir que é pelo Espírito Santo, do mesmo modo
que é da Santíssima Virgem e pelo Espírito Santo que o
Senhor, por Si mesmo e em Si mesmo, assumiu a carne»
(São João Damasceno, Expositio fidei, 86 [De
fide orthodoxa, 4, 13]: PTS 12, 194-195 (PG 94,
1141.1145)).
1107. O poder transformante do Espírito Santo na
liturgia apressa a vinda do Reino e a consumação do
mistério da salvação. Na expectativa e na esperança. Ele
faz-nos realmente antecipar a comunhão plena da
Santíssima Trindade. Enviado pelo Pai, que atende a
epiclese da Igreja, o Espírito dá a vida aos que O
acolhem e constitui para eles, desde já, as «arras»
da sua herança
(Cf. Ef, 1, 14; 2ª Cor. 1, 22).
A
COMUNHÃO DO ESPÍRITO SANTO
1108. A finalidade da missão do Espírito Santo em toda a
ação litúrgica é pôr-nos em comunhão com Cristo, para
formarmos o seu corpo. O Espírito Santo é como que a
seiva da Videira do Pai, que dá fruto nos sarmentos
(Cf. Jo. 15, 1-17; Gl. 5, 22).
Na liturgia, realiza-se a mais íntima cooperação do
Espírito Santo com a Igreja. Ele, Espírito de comunhão,
permanece indefectivelmente na Igreja, e é por isso que
a Igreja é o grande sacramento da comunhão divina que
reúne os filhos de Deus dispersos. O fruto do Espírito
na liturgia é, inseparavelmente, comunhão com a
Santíssima Trindade e comunhão fraterna
(Cf. 1ª Jo 1, 3-7).
1109. A epiclese é também oração pelo pleno efeito da
comunhão da assembleia no mistério de Cristo. «A
graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a
comunhão do Espírito Santo» (2ª Cor. 13, 13) devem
estar sempre conosco e dar frutos, para além da
celebração eucarística. Por isso, a Igreja pede ao Pai
que envie o Espírito Santo, para que faça da vida dos
fiéis uma oferenda viva para Deus pela transformação
espiritual à imagem de Cristo, pela preocupação com a
unidade da Igreja e pela participação na sua missão,
mediante o testemunho e o serviço da caridade.
Resumindo:
1110. Na liturgia da Igreja, Deus Pai é bendito e
adorado como fonte de todas as bênçãos da criação e da
salvação, com que nos abençoou no seu Filho, para nos
dar o Espírito da adopção filial.
1111. A obra de Cristo na liturgia é sacramental,
porque o seu mistério de salvação torna-se ali presente
pelo poder do seu Espírito Santo; porque o seu corpo,
que é a Igreja, é como que o sacramento (sinal e
instrumento) no qual o Espírito Santo dispensa o
mistério da salvação; e porque, através das suas ações
litúrgicas, a Igreja peregrina participa já, por
antecipação, na liturgia do céu.
1112. A missão do Espírito Santo na liturgia da
Igreja é preparar a assembleia para o encontro com
Cristo, lembrar e manifestar Cristo à fé da assembleia,
tornar presente e atualizar a obra salvífica de Cristo
pelo seu poder transformante e fazer frutificar o dom da
comunhão na Igreja.
ARTIGO 2
O MISTÉRIO PASCAL
NOS SACRAMENTOS DA IGREJA
1113. Toda a vida litúrgica da Igreja gravita em torno
do sacrifício eucarístico e dos sacramentos
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosactum
Concilium, 6: AAS 56 (1964) 100).
Há na Igreja sete sacramentos: Batismo, Confirmação ou
Crisma, Eucaristia, Penitência, Unção dos enfermos,
Ordem e Matrimónio
(Cf. II Concílio de Lião, Professio fidei. Michaelis
Palaeologi imperatoris: DS 860; Concílio de
Florença, Decretum pro Armenis: DS 1310; Concílio
de Trento, Sess. 7ª, Canones de sacramentis in
genere, can 1: DS 160).
Neste artigo, trata-se do que é comum aos sete
sacramentos da Igreja, do ponto de vista doutrinal; o
que lhes é comum sob o aspecto da celebração será
exposto no capítulo II; e o que é próprio de cada um
constituirá o objeto da secção II.
I.
Os sacramentos de Cristo
1114. «Aderindo à doutrina da Sagrada Escritura, às
tradições apostólicas [...] e ao sentir unânime dos
santos Padres»
(Concílio de Trento, Sess. 7ª, Decretum de
sacramentis, Prooemium: DS 1600),
nós professamos que os sacramentos da nova Lei [...]
foram todos instituídos por nosso Senhor Jesus Cristo»
(Concílio de Trento, Sess. 7ª, Canones de sacramentis
in genere, can 1: DS 1601).
1115. As palavras e as ações de Jesus durante a sua vida
ocultam e o seu ministério público já eram salvíficas.
Antecipavam o poder do seu mistério pascal. Anunciavam e
preparavam o que Ele ia dar à Igreja quando tudo
estivesse cumprido. Os mistérios da vida de Cristo são
os fundamentos do que, de ora em diante, pelos ministros
da sua Igreja, Cristo dispensa nos sacramentos, porque
«o que no nosso Salvador era visível, passou para os
seus mistérios»
(São Leão Magno, Sermão 74. 2: CCL 138A, 457 (PL
54, 398)).
1116. «Forças que saem» do corpo de Cristo
(Cf. Lc. 5, 17; 6, 19; 8, 46),
sempre vivo e vivificante: ações do Espírito Santo que
opera no seu corpo que é a Igreja, os sacramentos são
«as obras-primas de Deus», na nova e eterna Aliança.
II.
Os sacramentos da Igreja
1117. Pelo Espírito que a conduz «para a verdade
total» (Jo. 16, 13), a Igreja reconheceu, a pouco e
pouco, este tesouro recebido de Cristo e foi-lhe
precisando a «dispensação», tal como o fez
relativamente ao cânon das Sagradas Escrituras e à
doutrina da fé, enquanto fiel despenseira dos mistérios
de Deus
(Cf. Mt. 13, 52; 1ª Col. 4, 1).
Assim, a Igreja discerniu, no decorrer dos séculos, que,
entre as suas celebrações litúrgicas, há sete que são,
no sentido próprio da palavra, sacramentos instituídos
pelo Senhor.
1118. Os sacramentos são «da Igreja», no duplo
sentido de que são «por ela» e «para ela».
São «pela Igreja», porque ela é o sacramento da
ação de Cristo que nela opera, graças à missão do
Espírito Santo. E são «para a Igreja», são estes
«sacramentos que fazem a Igreja»
(Santo Agostinho, De civitate Dei 22, 17: CSEL
40/2, 625 (PL 41. 779); cf. São Tomás de Aquino,
Summa theologiae, 3. q. 64, a. 2. ad 3; Ed. Leon.
12, 43),
porque manifestam e comunicam aos homens, sobretudo na
Eucaristia, o mistério da comunhão do Deus-Amor, um em
três pessoas.
1119. Formando com Cristo-Cabeça «como que uma única
pessoa mística»
(Pio XII, Enc. Mystici corporis: AAS 35 (1943)
226),
a Igreja age nos sacramentos como «comunidade
sacerdotal», «organicamente estruturada»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
11: AAS 57 (1965) 15):
pelo Batismo e pela Confirmação, o povo sacerdotal
torna-se apto a celebrar a liturgia; e por outro lado,
certos fiéis, «assinalados com a sagrada Ordem, ficam
constituídos em nome de Cristo para apascentar a Igreja
com a Palavra e a graça de Deus»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
11: AAS 57 (1965) 15).
1120. O ministério ordenado ou sacerdócio ministerial
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
14: AAS 57 (1965) 14)
está ao serviço do sacerdócio batismal. Ele garante que,
nos sacramentos, é de certeza Cristo que age pelo
Espírito Santo em favor da Igreja. A missão de salvação,
confiada pelo Pai ao seu Filho encarnado, é confiada aos
Apóstolos e, por eles, aos seus sucessores; eles recebem
o Espírito de Jesus para agirem em seu nome e na sua
pessoa
(Cf. Jo. 20. 21-23; Lc. 24. 47; Mt. 28, 18-20).
Assim, o ministro ordenado é o laço sacramental que une
a ação litúrgica àquilo que disseram e fizeram os
Apóstolos e, por eles, ao que disse e fez o próprio
Cristo, fonte e fundamento dos sacramentos.
1121. Os três sacramentos do Batismo, Confirmação e
Ordem conferem, além da graça, um caráter
sacramental ou «selo», pelo qual o cristão
participa no sacerdócio de Cristo e faz parte da Igreja
segundo estados e funções diversas. Esta configuração a
Cristo e à Igreja, realizada pelo Espírito, é indelével
(Concílio de Trento, Sess. 7ª, Canones de sacramentis
in genere, can 9: DS 1609),
fica para sempre no cristão como disposição positiva
para a graça, como promessa e garantia da proteção
divina e como vocação para o culto divino e para o
serviço da Igreja. Por isso, estes sacramentos nunca
podem ser repetidos.
III. Os sacramentos da fé
1122. Cristo enviou os Apóstolos para que, «em seu
nome, pregassem a todas as nações a conversão para o
perdão dos pecados» (Lc. 24, 47). «Fazei
discípulos de todas as nações, batizai-os em nome do
Pai, do Filho e do Espírito Santo» (Mt. 28,
19). A missão de batizar, portanto a missão sacramental,
está implicada na missão de evangelizar; porque o
sacramento é preparado pela Palavra de Deus e
pela fé, que é assentimento à dita Palavra:
-
«o povo de Deus é reunido, antes de mais, pela
Palavra de Deus vivo [...]. A pregação da Palavra é
necessária para o próprio ministério dos sacramentos,
enquanto são sacramentos da fé, que nasce e se alimenta
da Palavra»
(II Concílio do Vaticano, Decr. Presbyterorum
ordinis, 4: AAS 58 (1966) 995-996).
1123. «Os sacramentos estão ordenados à santificação
dos homens, à edificação do corpo de Cristo e, por fim,
a prestar culto a Deus; como sinais, têm também a função
de instruir. Não só supõem a fé, mas também a alimentam,
fortificam e exprimem por meio de palavras e coisas,
razão pela qual se chamam sacramentos da fé»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosactum
Concilium, 59: AAS 56 (1964) 116).
1124. A fé da Igreja é anterior à fé do fiel, que é
chamado a aderir a ela. Quando a Igreja celebra os
sacramentos, confessa a fé recebida dos Apóstolos. Daí o
adágio antigo: «Lex orandi, lex credendi - A lei da
oração é a lei da fé» (Ou: «Legem credendi lex
statuat supplicandi - A lei da fé é determinada pela lei
da oração», como diz Próspero de Aquitânia [século
VI)
(Próspero de Aquitânia [séc. V], Indiculus, c. 8:
DS 246 (PL 51, 209)).
A lei da oração é a lei da fé, a Igreja crê
conforme reza. A liturgia é um elemento constitutivo da
Tradição santa e viva
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei
Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821).
1125. É por isso que nenhum rito sacramental pode ser
modificado ou manipulado ao arbítrio do ministro ou da
comunidade. Nem mesmo a autoridade suprema da Igreja
pode mudar a liturgia a seu bel-prazer, mas somente na
obediência da fé e no respeito religioso do mistério da
liturgia.
1126. Aliás, uma vez que os sacramentos exprimem e
desenvolvem a comunhão da fé na Igreja, a lex orandi
é um dos critérios essenciais do diálogo que procura
restaurar a unidade dos cristãos
(Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis
redintegratio, 2: AAS 57 (1965) 91-92: Ibid.,
15: AAS 57 (1965) 101-102).
IV.
Os sacramentos da salvação
1127. Celebrados dignamente na fé, os sacramentos
conferem a graça que significam
(Cf. Concílio de Trento, Canones de sacramentis in
genere, can 5: DS 1605; Ibid., can. 6: DS
1606).
Eles são eficazes, porque neles é o próprio
Cristo que opera: é Ele que batiza, é Ele que age nos
sacramentos para comunicar a graça que o sacramento
significa. O Pai atende sempre a oração da Igreja do seu
Filho, a qual, na epiclese de cada sacramento, exprime a
sua fé no poder do Espírito. Tal como o fogo transforma
em si tudo quanto atinge, assim o Espírito Santo
transforma em vida divina tudo quanto se submete ao seu
poder.
1128. É esse o sentido da afirmação da Igreja
(Cf. Concílio de Trento, Canones de sacramentis in
genere, can 8: DS 1608):
os sacramentos atuam ex opere operato (à letra:
«pelo próprio fato de a ação ser executada»),
quer dizer, em virtude da obra salvífica de Cristo,
realizada uma vez por todas. Segue-se daí que «o
sacramento não é realizado pela justiça do homem que o
dá ou que o recebe, mas pelo poder de Deus»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3, q. 68,
a. 8, c.: Ed. Leon. 12, 100).
Desde que um sacramento seja celebrado conforme a
intenção da Igreja, o poder de Cristo e do seu Espírito
age nele e por ele, independentemente da santidade
pessoal do ministro. No entanto, os frutos dos
sacramentos dependem também das disposições de quem os
recebe.
1129. A Igreja afirma que, para os crentes, os
sacramentos da Nova Aliança são necessários para a
salvação
(Cf. Concílio de Trento, Canones de sacramentis in
genere, can 4: DS 1604).
A «graça sacramental» é a graça do Espírito
Santo dada por Cristo e própria de cada sacramento. O
Espírito cura e transforma aqueles que O recebem,
conformando-os com o Filho de Deus. O fruto da vida
sacramental é que o Espírito de adopção deifique os
fiéis, unindo-os vitalmente ao Filho único, o Salvador.
V.
Os sacramentos da vida eterna
1130. A Igreja celebra o mistério do seu Senhor «até
que Ele venha» e «Deus seja tudo em todos»
(1ª Cor. 11, 26; 15, 28). Desde a era Apostólica,
a liturgia é atraída para o seu termo pelo gemido do
Espírito na Igreja: «Marana tha»! (1ª Cor. 16,
22). A liturgia participa, assim, no desejo de Jesus:
«tenho ardentemente desejado comer convosco esta Páscoa
[...], até que ela se realize plenamente no Reino de
Deus» (Lc. 22, 15-16)
(Cf. 2ª Pe. 1, 4).
Nos sacramentos de Cristo, a Igreja recebe já as arras
da sua herança e já participa na vida eterna, embora
«aguardando a ditosa esperança e a manifestação da
glória do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo»
(Tt. 2, 13). «O Espírito e a esposa dizem:
"Vem!" [...] Vem, Senhor Jesus»! (Ap. 22, 17.20).
-
São Tomás de Aquino define assim as diferentes dimensões
do sinal sacramental: «Sacramentum est et signum
rememorativum eius quod praecessit, scilicet passionis
Christi; et demonstrativum eius quod in nobis efficitur
per Christi passionem, scilicet gratiae; et
prognosticum, id est, praenuntiativum futurae gloriae -
O sacramento é sinal rememorativo daquilo que o
precedeu, ou seja, da paixão de Cristo; e demonstrativo
daquilo que em nós a paixão de Cristo realiza, ou seja,
da graça; e prognóstico, quer dizer, que anuncia de
antemão a glória futura»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3, q. 60,
a. 3 c.: Ed. Leon. 12, 6).
Resumindo:
1131. Os sacramentos são sinais eficazes da graça,
instituídos por Cristo e confiados à Igreja, pelos quais
nos é dispensada a vida divina. Os ritos visíveis, com
os quais são celebrados os sacramentos, significam e
realizam as graças próprias de cada sacramento. Eles dão
fruto naqueles que os recebem com as disposições
requeridas.
1132. A Igreja celebra os sacramentos enquanto
comunidade sacerdotal estruturada pelo sacerdócio
batismal e pelo dos ministros ordenados.
1133. O Espírito Santo prepara para os sacramentos
pela Palavra de Deus e pela fé, que acolhe a
Palavra nos corações bem dispostos. Então, os
sacramentos fortificam e exprimem a fé.
1134. O fruto da vida sacramental é, ao mesmo tempo,
pessoal e eclesial. Por um lado, este fruto é, para todo
o fiel, viver para Deus em Cristo Jesus; por outro, é
para a Igreja crescimento na caridade e na sua missão de
testemunho.
CAPÍTULO SEGUNDO
A CELEBRAÇÃO SACRAMENTAL
DO MISTÉRIO PASCAL
1135. A catequese da liturgia implica, primeiramente, a
compreensão da economia sacramental (capítulo
primeiro). A esta luz revela-se a novidade da sua
celebração. Tratar-se-á, pois, neste capítulo da
celebração dos sacramentos da Igreja. Ter-se-á em vista
aquilo que, através da diversidade das tradições
litúrgicas, é comum à celebração dos sete sacramentos; o
que é próprio de cada um será apresentado mais adiante.
Esta catequese fundamental das celebrações sacramentais
responderá às principais questões que os fiéis se
colocam a este respeito:
-
quem celebra?
- como celebrar?
- quando celebrar?
- onde celebrar?
ARTIGO 1
CELEBRAR A LITURGIA DA IGREJA
I.
Quem celebra?
1136. A liturgia é «ação» do «Cristo total»
(Christus totus). Os que agora a celebram para além
dos sinais, estão já integrados na liturgia celeste,
onde a celebração é totalmente comunhão e festa.
OS
CELEBRANTES DA LITURGIA CELESTE
1137. O Apocalipse de São João, lido na liturgia da
Igreja, revela-nos, primeiramente, um trono preparado no
céu, e Alguém sentado no trono
(Cf. Ap. 4, 2),
«o Senhor Deus» (Is. 6, 1)
(Cf. Ec. 1, 26-28).
Depois, o Cordeiro «imolado e de pé» (Ap. 5, 6)
(Cf. Jo 1, 29):
Cristo crucificado e ressuscitado, o único
Sumo-Sacerdote do verdadeiro santuário
(Cf. Heb. 4, 14-15; 10, 19-21: etc.),
o mesmo «que oferece e é oferecido, que dá e é dado»
(Liturgia Bizantina. Anáfora de São João Crisóstomo:
F. E. Brigtman, Liturgies Eastern and Western
(Oxford 1896) p.
378 (Pg. 63, 913)).
Enfim, «o rio da Vida [...] que corre do trono de
Deus e do Cordeiro» (Ap. 22, 1), um dos mais
belos símbolos do Espírito Santo
(Cf. Jo. 4, 10-14; Ap. 21, 6).
1138. «Recapitulados» em Cristo, tomam parte no
serviço do louvor de Deus e na realização do seu
desígnio: os Poderes celestes
(Cf. Ap. 4-5: Is. 6, 2-3),
toda a criação (os quatro viventes), os servidores da
Antiga e da Nova Aliança (os vinte e quatro anciãos), o
novo povo de Deus (os cento e quarenta e quatro mil)
(Cf. Ap. 7, 1-8; 14, 1),
em particular os mártires, «degolados por causa da
Palavra de Deus» (Ap. 6, 9) e a santíssima Mãe de
Deus (a Mulher
(Cf. Ap. 12);
a Esposa do Cordeiro
(Cf. Ap. 21, 9)
enfim, «uma numerosa multidão que ninguém podia contar e
provinda de todas as nações, tribos, povos e línguas»
(Ap. 7, 9).
1139. É nesta liturgia eterna que o Espírito e a Igreja
nos fazem participar, quando celebramos o mistério da
salvação nos sacramentos.
OS
CELEBRANTES DA LITURGIA SACRAMENTAL
1140. É toda a comunidade, o corpo de Cristo
unido à sua Cabeça, que celebra. «As ações litúrgicas
não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, que é
"o sacramento da unidade", isto é, povo santo reunido e
ordenado sob a direção dos Bispos. Por isso, tais ações
pertencem a todo o corpo da Igreja, manifestam-no e
afetam-no, atingindo, porém, cada um dos membros de modo
diverso, segundo a variedade de estados, funções e
participação atual»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 26: AAS 56 (1964) 107).
Também por isso, «sempre que os ritos comportam,
segundo a natureza própria de cada qual, uma celebração
comum, caracterizada pela presença e ativa participação
dos fiéis, inculque-se que esta deve preferir-se, na
medida do possível, à celebração individual e como que
privada»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 27: AAS 56 (1964) 107).
1141. A assembleia que celebra é a comunidade dos
batizados, que «pela regeneração e pela unção do
Espírito Santo, são consagrados para ser uma casa
espiritual e um sacerdócio santo, para oferecerem,
mediante todas as obras do cristão, sacrifícios
espirituais»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
10: AAS 57 (1965) 14).
Este «sacerdócio comum» é o de Cristo, único
Sacerdote, participado por todos os seus membros
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen
Gentium, 10: AAS 57 (1965) 14: Ibid.,
34: AAS 57 (1965) 40: Id., Decr. Presbyterorum
ordinis, 2: AAS 58 (1966) 991-992):
«É
desejo ardente da Mãe Igreja que todos os fiéis cheguem
àquela plena, consciente e ativa participação nas
celebrações litúrgicas que a própria natureza da
liturgia exige e que é, por força do Batismo, um direito
e um dever do povo cristão, "raça escolhida, sacerdócio
real, nação santa, povo adquirido"»
(1ª Pe. 2, 9)
(Cf. 1ª Pe. 2, 4-5)
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 14: AAS 56 (1964) 104).
1142. Mas «nem todos os membros têm a mesma função»
(Rm. 12, 4). Alguns deles são chamados por Deus, na
Igreja e pela Igreja, a um serviço especial da
comunidade. Estes servidores são escolhidos e
consagrados pelo sacramento da Ordem, pelo qual o
Espírito Santo os torna aptos para agirem na pessoa de
Cristo-Cabeça ao serviço de todos os membros da Igreja
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 14: AAS 56 (1964) 104).
O ministro ordenado é como que o «ícone» de
Cristo-Sacerdote. Por ser na Eucaristia que se manifesta
plenamente o sacramento da Igreja, na presidência da
Eucaristia aparece em primeiro lugar o ministério do
Bispo e, em comunhão com ele, o dos Presbíteros e
Diáconos.
1143. Para o exercício das funções do sacerdócio comum
dos fiéis, existem ainda outros ministérios
particulares, não consagrados pelo sacramento da
Ordem, e cuja função é determinada pelos Bispos segundo
as tradições litúrgicas e as necessidades pastorais.
«Também os acólitos, os leitores, os comentadores e os
membros do coro desempenham um verdadeiro ministério
litúrgico»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 29: AAS 56 (1964) 107).
1144. Assim, na celebração dos sacramentos, toda a
assembleia é «liturga», cada qual segundo a sua
função, mas «na unidade do Espírito» que age em
todos. «Nas celebrações litúrgicas, limite-se cada
um, ministro ou simples fiel, ao exercer o seu ofício, a
fazer tudo e só o que é da sua competência, segundo a
natureza do rito e as leis litúrgicas»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 28: AAS 56 (1964) 107).
II.
Como celebrar?
SINAIS E SÍMBOLOS
1145. Uma celebração sacramental é tecida de sinais e de
símbolos. Segundo a pedagogia divina da salvação, a sua
significação radica na obra da criação e na cultura
humana, determina-se nos acontecimentos da Antiga
Aliança e revela-se plenamente na pessoa e na obra de
Cristo.
1146. Sinais do mundo dos homens. Os sinais e os
símbolos ocupam um lugar importante na vida humana.
Sendo o homem um ser ao mesmo tempo corporal e
espiritual, exprime e percebe as realidades espirituais
através de sinais e símbolos materiais. Como ser social,
o homem tem necessidade de sinais e de símbolos para
comunicar com o seu semelhante através da linguagem. dos
gestos e de ações. O mesmo acontece nas suas relações
com Deus.
1147. Deus fala ao homem através da criação visível. O
cosmos material apresenta-se à inteligência do homem
para que leia nele os traços do seu Criador
(Cf. Sb, 13, 1: Rm. 1, 19-20; At. 14, 17).
A luz e a noite, o vento e o fogo, a água e a terra, a
árvore e os frutos, tudo fala de Deus e simboliza, ao
mesmo tempo, a sua grandeza e a sua proximidade.
1148. Enquanto criaturas, estas realidades sensíveis
podem tornar-se o lugar de expressão da ação de Deus que
santifica os homens e da ação dos homens que prestam a
Deus o seu culto. O mesmo acontece com os sinais e
símbolos da vida social dos homens: lavar e ungir,
partir o pão e beber do mesmo copo podem exprimir a
presença santificante de Deus e a gratidão do homem para
com o seu Criador.
1149. As grandes religiões da humanidade dão testemunho,
muitas vezes de modo impressionante, deste sentido
cósmico e simbólico dos ritos religiosos. A liturgia da
Igreja pressupõe, integra e santifica elementos da
criação e da cultura humana, conferindo-lhes a dignidade
de sinais da graça, da nova criação em Cristo Jesus.
1150. Sinais da Aliança. O povo eleito recebe de
Deus sinais e símbolos distintivos, que marcam a sua
vida litúrgica: já não são unicamente celebrações de
ciclos cósmicos e práticas sociais, mas sinais da
Aliança, símbolos das proezas operadas por Deus em favor
do seu povo. Entre estes sinais litúrgicos da Antiga
Aliança, podem citar-se a circuncisão, a unção e a
sagração dos reis e dos sacerdotes, a imposição das
mãos, os sacrifícios e sobretudo a Páscoa. A Igreja vê
nestes sinais uma prefiguração dos sacramentos da Nova
Aliança.
1151. Sinais assumidos por Cristo. Na sua
pregação, o Senhor Jesus serve-se muitas vezes dos
sinais da criação para dar a conhecer os mistérios do
Reino de Deus
(Cf. Lc. 8, 10).
Realiza as suas curas ou sublinha a sua pregação com
sinais materiais ou gestos simbólicos
(Cf. Jo. 9, 6: Mc. 7, 33-35; 8, 22-25).
Dá um sentido novo aos fatos e sinais da Antiga Aliança,
sobretudo ao Êxodo e à Páscoa
(Cf. Lc. 9, 31; 22, 7-20),
porque Ele próprio é o sentido de todos esses sinais.
1152. Sinais sacramentais. Depois do Pentecostes,
é através dos sinais sacramentais da sua Igreja que o
Espírito Santo opera a santificação. Os sacramentos da
Igreja não vêm abolir, mas purificar e assumir, toda a
riqueza dos sinais e símbolos do cosmos e da vida
social. Além disso, realizam os tipos e figuras da
Antiga Aliança, significam e realizam a salvação operada
por Cristo, e prefiguram e antecipam a glória do céu.
PALAVRAS E ACÇÕES
1153. Cada celebração sacramental é um encontro dos
filhos de Deus com o seu Pai, em Cristo e no Espírito
Santo. Tal encontro exprime-se como um diálogo, através
de ações e de palavras. Sem dúvida, as ações simbólicas
são já, só por si, uma linguagem. Mas é preciso que a
Palavra de Deus e a resposta da fé acompanhem e deem
vida a estas ações, para que a semente do Reino produza
os seus frutos em terra boa. As ações litúrgicas
significam o que a Palavra de Deus exprime: ao mesmo
tempo, a iniciativa gratuita de Deus e a resposta de fé
do seu povo.
1154. A liturgia da Palavra é parte integrante
das celebrações sacramentais. Para alimentar a fé dos
fiéis, os sinais da Palavra de Deus devem ser
valorizados: o livro da Palavra (leccionário ou
evangeliário), a sua veneração (procissão, incenso,
luz), o lugar da sua proclamação (ambão), a sua leitura
audível e inteligível, a homilia do ministro que
prolonga a sua proclamação, as respostas da assembleia
(aclamações, salmos de meditação, litanias, confissão de
fé...).
1155. Inseparáveis enquanto sinais e ensinamento, as
palavras e a ação litúrgica são-no também enquanto
realizam o que significam. O Espírito Santo não se
limita a dar a compreensão da Palavra de Deus suscitando
a fé nela; pelos sacramentos, realiza também as
«maravilhas» de Deus anunciadas pela Palavra: torna
presente e comunica a obra do Pai, realizada pelo Filho
muito amado.
CANTO E MÚSICA
1156. «A tradição musical da Igreja universal criou
um tesouro de inestimável valor, que excede todas as
outras expressões de arte, sobretudo porque o canto
sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte
necessária ou integrante da liturgia solene»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 112: AAS 56 (1964) 128).
A composição e o canto dos salmos inspirados, muitas
vezes acompanhados por instrumentos musicais, estavam já
estreitamente ligados às celebrações litúrgicas da
Antiga Aliança. A Igreja continua e desenvolve esta
tradição: «recitai entre vós salmos, hinos e cânticos
inspirados, cantai e louvai ao Senhor no vosso coração»
(Ef. 5,19)
(Cf. Cl. 3, 16-17).
Quem canta, reza duas vezes
(Cf. Santo Agostinho, Enarratio in Psalmum, 72,
1: CCL 39, 986 (PL 36, 914)).
1157. O canto e a música desempenham a sua função de
sinais, dum modo tanto mais significativo, quanto
«mais intimamente estiverem unidos à ação litúrgica»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 112: AAS 56 (1964) 128),
segundo três critérios principais: a beleza expressiva
da oração, a participação unânime da assembleia nos
momentos previstos e o carácter solene da celebração.
Participam, assim, na finalidade das palavras e das
ações litúrgicas: a glória de Deus e a santificação dos
fiéis
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 112: AAS 56 (1964) 128).
-
«Como eu chorei ao ouvir os vossos hinos, os vossos
cânticos, as suaves harmonias que ecoavam pela vossa
igreja! Que emoção me causavam! Passavam pelos meus
ouvidos, derramando a verdade no meu coração. Um grande
impulso de piedade me elevava, e as lágrimas rolavam-me
pela face; mas faziam-me bem»
(Santo Agostinho, Confissões 9, 6, 14: CCL27, 141
(PL 32, 769-770)).
1158. A harmonia dos sinais (canto, música, palavras e
ações) é aqui tanto mais expressiva e fecunda quanto
mais se exprimir na riqueza cultural própria do
Povo de Deus que celebra
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 119: AAS 56 (1964) 129-130).
Por isso, «promova-se com empenho o canto religioso
popular para que, tanto nos exercícios piedosos e
sagrados como nas próprias ações litúrgicas», de
acordo com as normas da Igreja, «ressoem as vozes dos
fiéis»
(II
Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium,
118: AAS 56 (1964) 129).
Mas «os textos destinados ao canto sacro devem estar
de acordo com a doutrina católica e inspirar-se
sobretudo na Sagrada Escritura e nas fontes litúrgicas»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 121: AAS56 (1964) 130).
AS
SANTAS IMAGENS
1159. A imagem sagrada, o «ícone» litúrgico,
representa principalmente Cristo. Não pode
representar o Deus invisível e incompreensível: foi a
Encarnação do Filho de Deus que inaugurou uma nova
«economia» das imagens:
-
«outrora Deus, que não tem nem corpo nem figura, não
podia de modo algum, ser representado por uma imagem.
Mas agora, que Ele se fez ver na carne e viveu no meio
dos homens, eu posso fazer uma imagem daquilo que vi de
Deus [...] Contemplamos a glória do Senhor com o rosto
descoberto»
(São João Damasceno, De sacris imaginibus oratio
1, 16: PTS 17, 89 e 92 (PG 94, 1245 e 1248)).
1160. A iconografia cristã transpõe para a imagem a
mensagem evangélica que a Sagrada Escritura transmite
pela palavra. Imagem e palavra esclarecem-se mutuamente:
-
«para dizer brevemente a nossa profissão de fé, nós
conservamos todas as tradições da Igreja, escritas ou
não, que nos foram transmitidas intactas. Uma delas é a
representação pictórica das imagens, que está de acordo
com a pregação da história evangélica, acreditando que,
de verdade e não só de modo aparente, o Deus Verbo Se
fez homem, o que é tão útil como proveitoso, pois as
coisas que mutuamente se esclarecem têm indubitavelmente
uma significação recíproca»
(II Concílio de Niceia (em 787) Terminus: COD p.
135).
1161. Todos os sinais da celebração litúrgica fazem
referência a Cristo: também as imagens sagradas da Mãe
de Deus e dos santos. De fato, elas significam Cristo
que nelas é glorificado; manifestam «a nuvem de
testemunhas» (Heb, 12, 1) que continuam a
participar na salvação do mundo e às quais estamos
unidos, sobretudo na celebração sacramental. Através dos
seus ícones, é o homem «à imagem de Deus»,
finalmente transfigurado «à sua semelhança»
(Cf. Rm, 8, 29; 1 Jo, 3, 2),
que se revela à nossa fé - como ainda os anjos, também
eles recapitulados em Cristo:
-
«seguindo a doutrina divinamente inspirada dos nossos
santos Padres e a tradição da Igreja Católica, que nós
sabemos ser a tradição do Espírito Santo que nela
habita, definimos com toda a certeza e cuidado que as
veneráveis e santas imagens, bem como as representações
da Cruz preciosa e vivificante, pintadas, representadas
em mosaico ou de qualquer outra matéria apropriada,
devem ser colocadas nas santas igrejas de Deus, sobre as
alfaias e vestes sagradas, nos muros e em quadros, nas
casas e nos caminhos: e tanto a imagem de nosso Senhor,
Deus e Salvador, Jesus Cristo, como a de nossa Senhora,
a puríssima e santa Mãe de Deus, a dos santos anjos e de
todos os santos e justos»
(II Concílio de Niceia, Definitio de sacris
imaginibus: DS 600).
1162. «A beleza e a cor das imagens estimulam a minha
oração. É uma festa para os meus olhos, e, tal como o
espetáculo do campo, impele o meu coração a dar glória a
Deus»
(São João Damasceno, De sacris imaginibus oratio
1, 47: PTS 17. 151 (PG 94, 1268)).
A contemplação dos sagrados ícones, unida à meditação da
Palavra de Deus e ao canto dos hinos litúrgicos, entra
na harmonia dos sinais da celebração, para que o
mistério celebrado se imprima na memória do coração e se
exprima depois na vida nova dos fiéis.
III. Quando celebrar?
O
TEMPO LITÚRGICO
1163. «A santa Mãe Igreja considera seu dever
celebrar com uma comemoração sagrada, em determinados
dias do ano, a obra de salvação do seu divino Esposo. Em
cada semana, no dia a que chamou Domingo, celebra a
memória da ressurreição do Senhor, como a celebra também
uma vez no ano, na Páscoa, a maior das solenidades,
unida à memória da sua bem-aventurada paixão. E
distribui todo o mistério de Cristo pelo decorrer do ano
[...]. Comemorando assim os mistérios da Redenção, ela
abre aos fiéis as riquezas das virtudes e merecimentos
do seu Senhor, a ponto de os tornar de algum modo
presentes a todos os tempos, para que os fiéis, em
contato com eles, se encham da graça da salvação»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 102: AAS 56 (1964) 125).
1164. O povo de Deus, desde o tempo da lei mosaica,
conheceu festas em datas fixadas a partir da Páscoa,
para comemorar as ações portentosas do Deus Salvador,
dar-Lhe graças por elas, perpetuar-lhes a lembrança e
ensinar as novas gerações a conformarem com elas a sua
conduta. No tempo da Igreja, situado entre a Páscoa de
Cristo, já realizada uma vez por todas, e a sua
consumação no Reino de Deus, a liturgia celebrada em
dias fixos está toda impregnada da novidade do mistério
de Cristo.
1165. Quando a Igreja celebra o mistério de Cristo, há
uma palavra que ritma a sua oração: hoje! como um
eco da oração que lhe ensinou o seu Senhor
(Cf. Mt. 6, 1)
e do chamamento do Espírito Santo
(Cf. Heb. 3, 7-4, 11; Sl 95, 8).
Este «hoje» do Deus vivo, em que o homem é
chamado a entrar, é a «Hora» da Páscoa de Jesus,
que atravessa e sustenta toda a história:
-
«a vida derramou-se sobre todos os seres e todos são
inundados duma grande luz: o Oriente dos orientes invade
o universo e Aquele que era "antes da estrela da manhã"
e antes dos astros, imortal e imenso, o grande Cristo,
brilha mais que o Sol sobre todos os seres. É por isso
que, para nós que n'Ele cremos, se instaura um dia de
luz, longo, eterno, que não se extingue: a Páscoa
mística»
(Cf. Heb. 3, 7-4, 11; Sl. 95, 8).
O
DIA DO SENHOR
1166. «Por tradição apostólica, que remonta ao
próprio dia da ressurreição de Cristo, a Igreja celebra
o mistério pascal todos os oito dias, no dia que bem se
denomina dia do Senhor ou Domingo»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 106: AAS 56 (1964) 12642).
O dia da ressurreição de Cristo é, ao mesmo tempo, o
“’primeiro dia da semana”, memorial do primeiro dia da
criação, e o “oitavo dia” em que Cristo, após o seu
“repouso” do grande sábado, inaugura o “dia que o Senhor
fez”»,
o «dia que não conhece ocaso»
(Cf. Matinas do dia da Páscoa do rito Bizantino. Ode
9, tropário: Pentekostárion (Roma 1884) p. 11).
A «Ceia do Senhor» é o seu centro, porque é nela
que toda a comunidade dos fiéis encontra o Senhor
ressuscitado, que os convida para o seu banquete
(Cf. Jo. 21, 12: Lc. 24, 30):
-
«o dia do Senhor, o dia da ressurreição, o dia dos
cristãos é o nosso dia. Chama-se dia do Senhor por isso
mesmo: porque foi nesse dia que o Senhor subiu vitorioso
para junto do Pai. Se os pagãos lhe chamam dia do Sol,
também nós, de bom grado o confessamos: porque hoje se
ergueu a luz do mundo, hoje apareceu o sol da justiça,
cujos raios nos trazem a salvação»
(São Jerónimo, In die Dominica Paschae homilia:
CCL 78, 550 (PL 30. 218-219)).
1167. O Domingo é o dia por excelência da assembleia
litúrgica, em que os fiéis se reúnem «para, ouvindo a
Palavra de Deus e participando na Eucaristia, fazerem
memória da paixão, ressurreição e glória do Senhor
Jesus, e darem graças a Deus, que os "regenerou para uma
esperança viva pela ressurreição de Jesus Cristo de
entre os mortos"»
(São Jerónimo, In die Dominica Paschae homilia:
CCL 78, 550 (PL 30. 218-219)):
-
«quando meditamos, ó Cristo, nas maravilhas que
tiveram lugar neste dia de domingo da tua santa
ressurreição, dizemos: bendito o dia de Domingo, porque
nele teve início a criação [...] a salvação do mundo
[...] a renovação do género humano [...]. Foi nesse dia
que o céu e a terra se congratularam e que todo o
universo se encheu de luz. Bendito o dia de Domingo,
porque nele foram abertas as portas do paraíso, para que
Adão e todos os deportados nele entrassem sem temor»
(Fanqîth. Breviarium iuxta Ecclesiae Antiochenae
Syrorum, v. 6, (Mossul )886) p. 193b).
O
ANO LITÚRGICO
1168. Partindo do Tríduo Pascal, como da sua fonte de
luz, o tempo novo da ressurreição enche todo o ano
litúrgico da sua claridade. Progressivamente, dum lado e
doutro desta fonte, o ano é transfigurado pela liturgia.
Ele é realmente o ano da graça do Senhor
(Cf. Lc. 4, 19).
A economia da salvação realiza-se no quadro do tempo,
mas a partir do seu cumprimento na Páscoa de Jesus e da
efusão do Espírito Santo, o fim da história é
antecipado, pregustado, e o Reino de Deus entra no nosso
tempo.
1169. É por isso que a Páscoa não é simplesmente
uma festa entre outras: é a «festa das festas», a
«solenidade das solenidades», tal como a
Eucaristia é o sacramento dos sacramentos (o grande
sacramento). Santo Atanásio chama-lhe «o grande
domingo»
(Santo Atanásio de Alexandria, Epistula festivalis
1 (em 329), 10: PG 26, 1366),
tal como a Semana Santa é chamada no Oriente «a
semana maior». O mistério da ressurreição, em que
Cristo aniquilou a morte, penetra no nosso velho tempo
com a sua poderosa energia, até que tudo Lhe seja
submetido.
1170. No Concílio de Niceia (em 325), todas as
Igrejas acordaram em que a Páscoa cristã fosse celebrada
no domingo a seguir à lua cheia (14 de Nisan), depois do
equinócio da Primavera. Devido a diferentes métodos
usados para calcular o dia 14 de Nisan, a data da Páscoa
nem sempre coincide nas Igrejas do Ocidente e do
Oriente. Por isso, estas Igrejas procuram hoje um
acordo, para chegarem de novo a celebrar numa data comum
o dia da ressurreição do Senhor.
1171. O ano litúrgico é o desenrolar dos diferentes
aspectos do único mistério pascal. Isto vale
particularmente para o ciclo das festas em torno do
mistério da Encarnação (Anunciação, Natal, Epifania),
que comemoram o princípio da nossa salvação e nos
comunicam as primícias do mistério da Páscoa.
O
SANTORAL NO ANO LITÚRGICO
1172. «Na celebração deste ciclo anual dos mistérios
de Cristo, a santa Igreja venera, com especial amor,
porque indissoluvelmente unida à obra de salvação do seu
Filho, a bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus; nela
vê e exalta o mais excelso fruto da redenção e contempla
com alegria, como numa imagem puríssima, o que ela
própria deseja e espera ser inteiramente»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 103: AAS 56 (1964) 125).
1173. Quando a Igreja, no ciclo anual, faz memória dos
mártires e dos outros santos, «proclama o mistério
pascal» realizado naqueles homens e mulheres que
«sofreram com Cristo e com Ele foram glorificados,
propõe aos fiéis os seus exemplos, que a todos atraem ao
Pai por Cristo, e implora, pelos seus méritos, os
benefícios de Deus»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 104: AAS 56 (1964) 126; cf. Ibid.,
108: AAS 56 (1964) 126 e Ibid., 111: AAS 56
(1964)127).
A
LITURGIA DAS HORAS
1174. O mistério de Cristo, a sua Encarnação e a sua
Páscoa, que celebramos na Eucaristia, especialmente na
assembleia dominical, penetra e transfigura o tempo de
cada dia pela celebração da Liturgia das Horas, «O
Ofício divino»
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const.
Sacrosanctum Concilium, IV, 83-101: AAS 56 (1964)
121-125).
Esta celebração, na fidelidade às recomendações
apostólicas de «orar sem cessar» (Cf.
1ª Ts. 5, 17; Ef. 6, 18)
«constituiu-se de modo a consagrar, pelo louvor a
Deus, todo o curso diurno e noturno do tempo»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 84: AAS 56 (1964) 121).
É «a oração pública da Igreja»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 98: AAS 56 (1964) 124),
na qual os fiéis (clérigos, religiosos e leigos) exercem
o sacerdócio real dos batizados. Celebrada «segundo a
forma aprovada» pela Igreja, a Liturgia das Horas
«é verdadeiramente a voz da própria Esposa que fala com
o Esposo; mais ainda, é a oração que Cristo, unido ao
seu corpo, eleva ao Pai»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 84: AAS 56 (1964) 121).
1175. A Liturgia das Horas está destinada a tornar-se a
oração de todo o povo de Deus. Nela, o próprio Cristo
«continua a exercer o seu múnus sacerdotal por
intermédio da sua Igreja»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 83: AAS 56 (1964) 121).
Cada qual participa nela segundo o seu lugar próprio na
Igreja e as circunstâncias da sua vida: os Sacerdotes,
enquanto dedicados ao ministério pastoral, porque são
chamados a permanecer assíduos na oração e no ministério
da Palavra
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const.
Sacrosanctum Concilium, 86: AAS 56 (1964) 121:
Ibid., 96: AAS 56 (1964) 123; Id., Decr.
Presbyterorum ordinis, 5: AAS 58 (1966) 998):
os religiosos e religiosas, em virtude do carisma da sua
vida consagrada
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 98: AAS 56 (1964) 124);
e todos os fiéis, segundo as suas possibilidades:
«cuidem os pastores de almas de que, nos domingos e
festas mais solenes, se celebrem em comum na Igreja as
Horas principais, sobretudo as Vésperas. Recomenda-se
também aos próprios leigos que recitem o Ofício divino,
quer juntamente com os Sacerdotes, quer reunidos entre
si, ou mesmo sozinhos»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 100: AAS 56 (1964) 124).
1176. Celebrar a Liturgia das Horas exige, não somente
harmonizar a voz com o coração que ora, mas também
procurar «adquirir maior instrução litúrgica e
bíblica, especialmente quanto aos salmos»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 90: AAS 56 (1964) 122).
1177. Os hinos e as preces litânicas da Liturgia das
Horas inserem a oração dos salmos no tempo da Igreja,
exprimindo o simbolismo do momento do dia, do tempo
litúrgico ou da festa celebrada. Além disso, a leitura
da Palavra de Deus em cada Hora (com os responsórios ou
tropários que a seguem) e, em certas horas, as leituras
dos Padres e mestres espirituais, revelam mais
profundamente o sentido do mistério celebrado, ajudam a
compreender os salmos e preparam para a oração
silenciosa. A «lectio divina», na qual a Palavra
de Deus é lida e meditada para se tornar oração, é deste
modo enraizada na celebração litúrgica.
1178. A Liturgia das Horas, que é como que um
prolongamento da celebração eucarística, não exclui,
antes postula como complemento, as diversas devoções do
povo de Deus, particularmente a adoração e o culto do
Santíssimo Sacramento.
IV.
Onde celebrar?
1179. O culto «em espírito e verdade» (Jo. 4, 24)
da Nova Aliança não está ligado a nenhum lugar
exclusivo. Toda a terra é santa e está confiada aos
filhos dos homens. O que tem primazia, quando os fiéis
se reúnem num mesmo lugar, sãs as «pedras vivas»
que se juntam para «a edificação dum edifício
espiritual» (1ª Pe. 2, 4-5). O corpo de Cristo
ressuscitado é o templo espiritual donde brota a fonte
de água viva. Incorporados em Cristo pelo Espírito
Santo, «nós somos o templo do Deus vivo» (2ª Cor.
6, 16).
1180. Quando o exercício da liberdade religiosa não é
impedido
(Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis
humanae, 4: AAS 58 (1966) 932-933),
os cristãos constroem edifícios destinados ao culto
divino. Estas igrejas visíveis não são simples lugares
de reunião, mas significam e manifestam a Igreja que
vive nesse lugar, morada de Deus com os homens
reconciliados e unidos em Cristo.
1181. «A casa de oração em que é celebrada e
conservada a santíssima Eucaristia, em que os fiéis se
reúnem, e na qual a presença do Filho de Deus, nosso
Salvador, oferecido por nós no altar do sacrifício, é
venerada para auxílio e consolação dos fiéis, deve ser
bela e apta para a oração e para as celebrações
sagradas»
(II Concílio do Vaticano, Decr. Presbyterorum
ordinis, 5: AAS 58 (1966) 998; cf. Id., Const.
Sacrosanctum Concilium, 122-127: AAS 56 (1964)
130-132).
Nesta «casa de Deus», a verdade e a harmonia dos
sinais que a constituem devem manifestar Cristo presente
e atuante neste lugar
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 7: AAS 56 (1964) 100-101).
1182. O altar da Nova Aliança é a cruz do Senhor
(Cf.
Heb. 13, 10),
de onde dimanam os sacramentos do mistério pascal. Sobre
o altar, que é o centro da igreja, é tornado presente o
sacrifício da Cruz sob os sinais sacramentais. Ele é
também a mesa do Senhor, para a qual o povo de Deus é
convidado
(Cf. Instrução geral do Missal Romano, 259:
Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis
Vaticanis 1970), p.75 [Missal Romano, Gráfica de
Coimbra 1992. p. 56]).
Em certas liturgias orientais, o altar é, ainda, o
símbolo do túmulo (Cristo morreu verdadeiramente e
verdadeiramente ressuscitou).
1183. O «sacrário» deve ser situado, «nas
igrejas, num dos lugares mais dignos, com a maior honra»
(Paulo VI, Enc. Mysterium fedei: AAS 57 (1965)
771).
A nobreza, o arranjo e a segurança do tabernáculo
eucarístico
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 128: AAS 56 (1964) 132)
devem favorecer a adoração do Senhor, realmente presente
no Santíssimo Sacramento do altar.
O
Santo Crisma
(myron), cuja unção é o sinal sacramental do selo do dom
do Espírito Santo, é tradicionalmente conservado e
venerado num lugar seguro do santuário. Pode
juntar-se-lhe o óleo dos catecúmenos e o dos enfermos.
1184. A cadeira do Bispo (cátedra) ou do
sacerdote «deve significar a sua função de presidente
da assembleia e guia da oração»
(Instrução geral do Missal Romano, 271:
Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis
Vaticanis 1970), p. 77 [Missal Romano, Gráfica de
Coimbra 1992. p. 57]).
O
ambão: «a dignidade da Palavra de Deus requer
na igreja um lugar próprio para a sua proclamação.
Durante a liturgia da Palavra, é para lá que deve
convergir espontaneamente a atenção dos fiéis»
(Instrução geral do Missal Romano, 272: Missale
Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis
1970), p.77 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra
1992, p. 571).
1185. A reunião do povo de Deus começa pelo Batismo. Por
isso, a igreja deve ter um lugar apropriado para a
celebração do Batismo (batistério) e favorecer a
lembrança das promessas do Batismo (água benta).
A
renovação da vida batismal exige a Penitência.
Por isso, a igreja deve prestar-se à expressão do
arrependimento e à recepção do perdão dos pecados, o que
reclama um lugar apropriado para acolher os penitentes.
A
igreja deve ser, também, um espaço que convide ao
recolhimento e à oração silenciosa, que prolongue e
interiorize a grande oração da Eucaristia.
1186. Finalmente a igreja tem uma significação
escatológica. Para entrar na casa de Deus, é preciso
franquear um limiar, símbolo da passagem do mundo
ferido pelo pecado para o mundo da vida nova, à qual
todos os homens são chamados. A igreja visível simboliza
a casa paterna, para a qual o Povo de Deus está a
caminho e onde o Pai «enxugará todas as lágrimas dos
seus olhos» (Ap. 21, 4). É também por isso que a
igreja é a casa de todos os filhos de Deus,
amplamente aberta e acolhedora.
Resumindo:
1187. A liturgia é obra do Cristo total, cabeça e
corpo. O nosso Sumo-Sacerdote celebra-a sem cessar na
liturgia celeste, com a Santa Mãe de Deus, os Apóstolos,
todos os santos e a multidão dos seres humanos que já
entraram no Reino.
1188. Numa celebração litúrgica, toda a assembleia é
«liturga», cada qual segundo a sua função. O sacerdócio
batismal é de todo o corpo de Cristo. Mas alguns fiéis
são ordenados pelo sacramento da Ordem para representar
Cristo como Cabeça do corpo.
1189. A celebração litúrgica comporta sinais e
símbolos que se referem à criação (luz, água, fogo), à
vida humana (lavar, tingir; partir o pão) e à história
da salvação (ritos da Páscoa). Inseridos no mundo da fé
e assumidos pela força do Espírito Santo, estes
elementos cósmicos, estes ritos humanos, estes gestos
memoriais de Deus, tornam-se portadores da ação
salvadora e santificadora de Cristo.
1190. A liturgia da Palavra é parte integrante da
celebração. O sentido da celebração é expresso pela
Palavra de Deus que é anunciada e pelo compromisso da fé
que lhe responde.
1191. 0 canto e a música estão em conexão estreita
com a ação litúrgica. São critérios do seu bom uso: a
beleza expressiva da oração, a participação unânime da
assembleia e o carácter sagrado da celebração.
1192. As imagens sagradas, presentes nas nossas
igrejas e nas nossas casas, destinam-se a despertar e
alimentar a nossa fé no mistério de Cristo. Através do
ícone de Cristo e das suas obras de salvação, é a Ele
que adoramos. Através das imagens sagradas da Santa Mãe
de Deus, dos anjos e dos santos, veneramos as pessoas
que nelas vemos representadas.
1193. 0 Domingo, «Dia do Senhor», é o dia principal
da celebração da Eucaristia, porque é o dia da
ressurreição. É o dia por excelência da assembleia
litúrgica, o dia da família cristã, o dia da alegria e
do descanso do trabalho. É «o fundamento e o núcleo de
todo o ano litúrgico»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 106: AAS 56 (1964) 126).
1194. A Igreja «desdobra todo o mistério de Cristo
durante o ciclo anual, desde a Encarnação e o Natal até
à Ascensão, ao dia do Pentecostes e à expectativa da
feliz confiança e da vinda do Senhor»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 102: AAS 56 (1964) 125).
1195. Celebrando a memória dos santos, em primeiro
lugar da Santa Mãe de Deus, depois dos Apóstolos, dos
mártires e dos outros santos, em dias fixos do ano
litúrgico, a Igreja da terra manifesta a sua união à
liturgia celeste; glorifica Cristo por ter realizado a
salvação nos seus membros glorificados; o exemplo deles
é para ela um estímulo no seu peregrinar para o Pai.
1196. Os fiéis que celebram a Liturgia das Horas
unem-se a Cristo, nosso Sumo-Sacerdote, pela oração dos
salmos, a meditação da Palavra de Deus, os cânticos e as
bênçãos, a fim de serem associados à sua oração contínua
e universal, que dá glória ao Pai e implora o dom do
Espírito Santo sobre o mundo inteiro.
1197. Cristo é o verdadeiro Templo de Deus, «o lugar
em que reside a sua glória»; pela graça de Deus, também
os cristãos se tornam templos do Espírito Santo, pedras
vivas com que se constrói a Igreja.
1198. Na sua condição terrena, a Igreja tem
necessidade de lugares onde a comunidade possa
reunir-se: as nossas igrejas visíveis, lugares sagrados,
imagens da Cidade santa, da Jerusalém celeste para a
qual caminhamos como peregrinos.
1199. É nestas igrejas que a Igreja celebra o culto
público para glória da Santíssima Trindade, ouve a
Palavra de Deus e canta os seus louvores, eleva a sua
oração e oferece o sacrifício de Cristo,
sacramentalmente presente no meio da assembleia. Estas
igrejas são também lugares de recolhimento e de oração
pessoal.
ARTIGO 2
DIVERSIDADE LITÚRGICA E UNIDADE DO MISTÉRIO
TRADIÇÕES LITÚRGICAS E CATOLICIDADE DA IGREJA
1200. Desde a primeira comunidade de Jerusalém até à
Parusia, as Igrejas de Deus celebram em toda a parte o
mesmo mistério pascal, fiéis à fé apostólica. O mistério
celebrado na liturgia é um só, mas as formas da sua
celebração são diversas.
1201. A riqueza insondável do mistério de Cristo é tal,
que nenhuma tradição litúrgica pode esgotar-lhe a
expressão. A história da origem e desenvolvimento destes
ritos testemunha uma complementaridade admirável. Sempre
que as Igrejas viveram estas tradições litúrgicas em
comunhão na fé e nos sacramentos da fé, enriqueceram-se
mutuamente, crescendo na fidelidade à Tradição e à
missão comum de toda a Igreja
(Cf. Paulo VI, Ex. ap. Evangelii nuntiandi,
63-64: AAS 68 (1976) 53-55).
1202. As diversas tradições litúrgicas nasceram em razão
da própria missão da Igreja. As Igrejas duma mesma área
geográfica e cultural acabaram por celebrar o mistério
de Cristo através de expressões particulares,
culturalmente diferenciadas: na tradição do «depósito
da fé»
(Cf. 2º Tm. 1, 14),
no simbolismo litúrgico, na organização da comunhão
fraterna, na compreensão teológica dos mistérios e nos
tipos de santidade. Assim, Cristo, Luz e Salvação de
todos os povos, é manifestado pela vida litúrgica duma
Igreja ao povo e à cultura a que a mesma Igreja é
enviada e em que se radicou. A Igreja é católica: pode
integrar na sua unidade, purificando-as, todas as
verdadeiras riquezas das culturas
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen
Gentium, 23: AAS 57 (1965) 28-29; in. Decr.
Unitatis redintegratio, 4: AAS 57 (1965) 95).
1203. As tradições litúrgicas ou ritos, atualmente em
uso na Igreja, são: o rito latino (principalmente o rito
romano, mas também os ritos de certas igrejas locais,
como o rito ambrosiano ou o de certas ordens religiosas)
e os ritos bizantino, alexandrino ou copta, siríaco,
arménio, maronita e caldeu. «Fiel à tradição, o
sagrado Concílio declara que a santa Mãe Igreja
considera iguais em direito e dignidade todos os ritos
legitimamente reconhecidos e quer que no futuro se
mantenham e sejam promovidos por todos os meios»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 4: AAS 56 (1964) 98).
LITURGIA E CULTURAS
1204. A celebração da Liturgia deve, pois, corresponder
ao génio e à cultura dos diferentes povos
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 37-40: AAS 56 (1964)).
Para que o mistério de Cristo seja «dado a conhecer a
todos os gentios, para que obedeçam à fé» (Rm. 16,
26), tem de ser anunciado, celebrado e vivido em todas
as culturas, de modo que estas não sejam abolidas, mas
resgatadas e plenamente realizadas por ele
(Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae,
53: AAS 71 (1979) 1319-1321).
É com e pela sua cultura humana própria, assumida e
transfigurada por Cristo, que a multidão dos filhos de
Deus tem acesso ao Pai, para O glorificar num só
Espírito.
1205. «Na liturgia, sobretudo na dos sacramentos,
existe uma parte imutável - por ser de instituição
divina - da qual a Igreja é guardiã, e partes
susceptíveis de mudança que a Igreja tem o poder e, por
vezes, mesmo o dever de adaptar às culturas dos povos
recentemente evangelizados»
(Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae,
53: AAS 71 (1979) 1319-1321).
1206. «A diversidade litúrgica pode ser fonte de
enriquecimento, mas também pode provocar tensões,
incompreensões recíprocas e até cismas. Neste domínio, é
claro que a diversidade não deve prejudicar a unidade.
Ela só pode exprimir-se na fidelidade à fé comum, aos
sinais sacramentais que a Igreja recebeu de Cristo e à
comunhão hierárquica. A adaptação às culturas exige uma
conversão do coração e, se necessário, rupturas com
hábitos ancestrais incompatíveis com a fé católica»
(João Paulo II, Carta Ap. Vicesimus quintus annus,
16: AAS 81 (1989) 913).
Resumindo:
1207. Convém que a celebração da liturgia tenda a
exprimir-se na cultura do povo em que a Igreja se
encontra, sem se submeter a ela. Por outro lado, a
própria liturgia é geradora e formadora de culturas.
1208. As diversas tradições litúrgicas, ou ritos,
legitimamente reconhecidas, uma vez que significam e
comunicam o mesmo mistério de Cristo, manifestam a
catolicidade da Igreja.
1209. O critério que garante a unidade na
pluriformidade das tradições litúrgicas é a fidelidade à
Tradição apostólica, quer dizer: a comunhão na fé e nos
sacramentos recebidos dos Apóstolos, comunhão que é
significada e garantida pela sucessão apostólica.
SEGUNDA SECÇÃO
OS SETE SACRAMENTOS DA IGREJA
1210. Os sacramentos da nova Lei foram instituídos por
Cristo e são em número de sete, a saber: o Batismo, a
Confirmação, a Eucaristia, a Penitência, a Unção dos
Enfermos, a Ordem e o Matrimónio. Os sete sacramentos
tocam todas as etapas e momentos importantes da vida do
cristão: outorgam nascimento e crescimento, cura e
missão à vida de fé dos cristãos. Há aqui uma certa
semelhança entre as etapas da vida natural e as da vida
espiritual
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3. q. 65,
a. 1. c: Ed. Leon. 12, 56-57).
1211. Seguindo esta analogia, exporemos primeiro os três
sacramentos da iniciação cristã (capítulo primeiro),
depois os sacramentos de cura (capítulo segundo)
e finalmente os que estão ao serviço da comunhão e da
missão dos fiéis (capítulo terceiro). Esta ordem
não é, certamente, a única possível, mas permite ver que
os sacramentos formam um organismo, no qual cada
sacramento particular tem o seu lugar vital. Neste
organismo, a Eucaristia ocupa um lugar único, como
«sacramento dos sacramentos»: «todos os outros
sacramentos estão ordenados para este, como para o seu
fim»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3. q. 65.
a. 3. c: Ed. Leon. 12, 60).
CAPÍTULO PRIMEIRO
OS SACRAMENTOS DA INICIAÇÃO CRISTÃ
1212. Através dos sacramentos da iniciação cristã -
Batismo, Confirmação e Eucaristia são lançados os
alicerces de toda a vida cristã. «A participação
na natureza divina, dada aos homens pela graça de
Cristo, comporta uma certa analogia com a origem,
crescimento e sustento da vida natural. Nascidos para
uma vida nova pelo Batismo, os fiéis são efetivamente
fortalecidos pelo sacramento da Confirmação e recebem na
Eucaristia o Pilo da vida eterna Assim. por estes
sacramentos da iniciação cristã, eles recebem cada vez
mais riquezas da vida divina e avançam para a perfeição
da caridade»
(Paulo VI, Const. Ap. Divinae consortium
naturae: AAS 63 (1971) 657: cf. Ordo initiationis
christianae adultorum, Praenotanda 1-2 (Typis
Polyglottis Vaticanis 1972) p. 7 [Iniciação
cristã dos adultos,
Segunda Edição, Preliminares, 1-2 (Coimbra, Gráfica de
Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa, 1996) p.
9-10]).
ARTIGO 1
O SACRAMENTO DO BATISMO
1213. O santo Batismo é o fundamento de toda a vida
cristã, o pórtico da vida no Espírito («vitae
spiritualis ianua - porta da vida espiritual») e a
porta que dá acesso aos outros sacramentos. Pelo Batismo
somos libertos do pecado e regenerados como filhos de
Deus: tornamo-nos membros de Cristo e somos incorporados
na Igreja e tornados participantes na sua missão
(Cf. Concílio de Florença, Decretum pro Armenis:
DS 1314: CIC can 204, § 1. 849; CCEO can 675 § 1).
«Batismos est sacramentam regeneratiorais per aquam
in Verbo - O Batismo pode definir-se como o sacramento
da regeneração pela água e pela Palavra»
(Cat. Rom. 2, 2, 5, p. 179).
I.
Como se chama este sacramento?
1214. Chama-se Batismo, por causa do rito central
com que se realiza: batizar (batizeis, em grego)
significa «mergulhar», «imergir». A «imersão»
na água simboliza a sepultura do catecúmeno na morte de
Cristo, de onde sai pela ressurreição com Ele
(Cf. Rm. 6, 3-4; Cl 2, 12)
como «nova criatura» (2ª Cor 5, 17; Gl 6,
15).
1215. Este sacramento é também chamado «banho da
regeneração e da renovação no Espírito Santo» (Tt.
3, 5), porque significa e realiza aquele nascimento
da água e do Espírito, sem o qual «ninguém pode
entrar no Reino de Deus» (Jo. 3, 5).
1216. «Este banho é chamado iluminação, porque
aqueles que recebem este ensinamento [catequético] ficam
com o espírito iluminado...»
(São Justino, Apologia 1, 61: CA 1, 168 (PG 6,
421)).
Tendo recebido no Batismo o Verbo, «luz verdadeira
que ilumina todo o homem» (Jo. 1, 9), o batizado,
«depois de ter sido iluminado»
(Cf. Heb. 10, 32),
tornou-se «filho da luz»
(Cf. 1ª Ts. 5, 5)
e ele próprio «luz» (Ef. 5, 8):
«O
Batismo é o mais belo e magnífico dos dons de Deus [...]
Chamamos-lhe dom, graça, unção, iluminação, veste de
incorruptibilidade, banho de regeneração, selo e tudo o
que há de mais precioso. Dom, porque é conferido àqueles
que não trazem nada: graça, porque é dado mesmo aos
culpados: batismo, porque o pecado é sepultado nas
águas; unção, porque é sagrado e régio (como aqueles que
são ungidos); iluminação, porque é luz irradiante;
veste, porque cobre a nossa vergonha; banho, porque
lava; selo, porque nos guarda e é sinal do senhorio de
Deus»
(São Gregório Nazianzo, Oratio 40, 3-4: SC 358,
202-204 (PG 36, 361-364)).
II.
O Batismo na economia da salvação
AS
PREFIGURAÇÕES DO BATISMO NA ANTIGA ALIANÇA
1217. Na liturgia da Vigília Pascal, a quando da
bênção da água batismal, a Igreja faz solenemente
memória dos grandes acontecimentos da história da
salvação que prefiguravam já o mistério do Batismo:
-
«Senhor nosso Deus: pelo vosso poder invisível,
realizais maravilhas nos vossos sacramentos. Ao longo
dos tempos, preparastes a água para manifestar a graça
do Batismo»
(Vigília Pascal, Bênção da água: Missale Romanum,
editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 283
[Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 315]).
1218. Desde o princípio do mundo, a água, esta criatura
humilde e admirável, é a fonte da vida e da fecundidade.
A Sagrada Escritura vê-a como «incubada» pelo
Espírito de Deus
(Cf. Gn. 1, 2):
-
«logo no princípio do mundo, o vosso Espírito pairava
sobre as águas, para que já desde então concebessem o
poder de santificar»
(Vigília Pascal, Bênção da água: Missale Romanum,
editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970). p. 283
[A tradução oficial portuguesa desta oração não inclui a
metáfora da «concepção»: «Logo no princípio do mundo, o
vosso Espírito pairava sobre as águas, prefigurando o
seu poder de santificar»: Missal Romano, Gráfica
de Coimbra 1992, 315]).
1219. A Igreja viu na arca de Noé uma prefiguração da
salvação pelo Batismo. Com efeito, graças a ela, «um
pequeno grupo, ao todo oito pessoas, foram salvas pela
água» (1ª Pe. 3, 20):
«Nas águas do dilúvio, destes-nos uma imagem do Batismo,
sacramento da vida nova, porque as águas significam ao
mesmo tempo o fim do pecado e o princípio da santidade»
(Vigília Pascal, Bênção da água: Missale Romanum,
editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 283
[Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992. 3151).
1220. Se a água de nascente simboliza a vida, a água da
maré um símbolo da morte. Por isso é que podia
prefigurar o mistério da cruz. E por este simbolismo, o
Batismo significa a comunhão com a morte de Cristo.
1221. É sobretudo a travessia do Mar Vermelho,
verdadeira libertação de Israel da escravidão do Egito,
que anuncia a libertação operada pelo Batismo:
-
«aos filhos de Abraão fizestes atravessar a pé enxuto
o Mar Vermelho, para que esse povo, liberto da
escravidão, fosse a imagem do povo santo dos batizados»
(Vigília Pascal, Bênção da água: Missale Romanum,
editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 283
[Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 315]).
1222. Finalmente, o Batismo é prefigurado na travessia
do Jordão, graças à qual o povo de Deus - recebe o dom
da terra prometida à descendência de Abraão, imagem da
vida eterna. A promessa desta herança bem-aventurada
cumpre-se na Nova Aliança.
O
BATISMO DE CRISTO
1223. Todas as prefigurações da Antiga Aliança encontram
a sua realização em Jesus Cristo. Ele começa a sua vida
pública depois de se ter feito batizar por São João
Batista no Jordão
(Cf. Mt. 3, 13).
E depois da sua ressurreição, confere esta missão aos
Apóstolos: «ide, pois, fazei discípulos de todas as
nações; batizai-os em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo e ensinai-os a cumprir tudo quanto vos
mandei» (Mt. 28, 19-20)
(Cf. Mc. 16, 15-16).
1224. Nosso Senhor sujeitou-se voluntariamente ao
Batismo de São João, destinado aos pecadores, para
cumprir toda a justiça
(Cf. Mt. 3, 15).
Este gesto de Jesus é uma manifestação do seu
«aniquilamento»
(CL Fl. 2, 7).
O Espírito que pairava sobre as águas da primeira
criação, desce então sobre Cristo como prelúdio da nova
criação e o Pai manifesta Jesus como seu «Filho muito
amado»
(Cf. Mt. 3, 16-17).
1225. Foi na sua Páscoa que Cristo abriu a todos os
homens as fontes do Batismo. De fato, Ele já tinha
falado da sua paixão, que ia sofrer em Jerusalém, como
dum «batismo» com que devia ser batizado
(Cf. Mc. 10, 38; Lc. 12, 50).
O sangue e a água que manaram do lado aberto de Jesus
crucificado
(Cf. Jo. 19, 34)
são tipos do Batismo e da Eucaristia, sacramentos da
vida nova
(Cf. 1ª Jo. 5, 6-8):
desde então, é possível «nascer da água e do
Espírito» para entrar no Reino de Deus (Jo. 3, 5).
-
«Repara: onde é que foste batizado, de onde é que vem o
Batismo, senão da cruz de Cristo, da morte de Cristo?
Ali está todo o mistério: Ele sofreu por ti. Foi n'Ele
que tu foste resgatado, n'Ele que foste salvo»
(Santo Ambrósio, De sacramentis 2, 2, 6: CSEL73,
27-28 (PL16, 425-426)).
O
BATISMO NA IGREJA
1226. Desde o dia de Pentecostes que a Igreja vem
celebrando e administrando o santo Batismo. Com efeito,
São Pedro declara à multidão, abalada pela sua pregação:
«convertei-vos e peça cada um de vós o Batismo em
nome de Jesus Cristo, para vos serem perdoados os
pecados. Recebereis então o dom do Espírito Santo»
(At. 2, 38). Os Apóstolos e os seus colaboradores
oferecem o Batismo a quem quer que acredite em Jesus:
judeus, pessoas tementes a Deus, pagãos
(Cf. At 2, 41: 8, 12-13; 10, 48; 16, 15).
O Batismo aparece sempre ligado à fé: «acredita no
Senhor Jesus e serás salvo juntamente com a tua família»,
declara São Paulo ao seu carcereiro em Filipos. E a
narrativa continua: «o carcereiro [...] logo recebeu
o Batismo, juntamente com todos os seus» (At.
16, 31-33).
1227. Segundo o apóstolo São Paulo, pelo Batismo o
crente comunga na morte de Cristo; é sepultado e
ressuscita com Ele:
- «todos nós, que fomos batizados em
Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte. Fomos
sepultados
com Ele pelo batismo na morte, para que,
assim como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do
Pai, também nós vivamos uma vida nova»
(Rm. 6, 3-4)
(Cf. Cl. 2, 12).
-
os batizados «revestem-se de Cristo»
(Cf. Gl. 3, 27).
Pelo Espírito Santo, o Batismo é um banho que purifica,
santifica e justifica
(Cf. 1ª Cor. 6, 11; 12, 13).
1228. O Batismo é, pois, um banho de água, no qual «a
semente incorruptível» da Palavra de Deus produz o
seu efeito vivificador
(Cf. 1ª Pe. 23; Ef. 5, 26).
Santo Agostinho dirá do Batismo: «Accedit verbum ad
elementum, et fit sacramentam Junta-se a palavra ao
elemento material e faz-se o sacramento»
(Santo Agostinho, In Iohannis evangelium tractatus
80, 3: CCL 36, 529 (PL 35, 1840)).
III. Como se celebra o sacramento do Batismo?
A
INICIAÇÃO CRISTÃ
1229. Desde o tempo dos Apóstolos que tornar-se cristão
requer um caminho e uma iniciação com diversas etapas.
Este itinerário pode ser percorrido rápida ou
lentamente. Mas deverá sempre incluir certos elementos
essenciais: o anúncio da Palavra, o acolhimento do
Evangelho que implica a conversão, a profissão de fé, o
Batismo, a efusão do Espírito Santo, o acesso à comunhão
eucarística.
1230. Esta iniciação tem variado muito no decurso dos
séculos e segundo as circunstâncias. Nos primeiros
séculos da Igreja, a iniciação cristã conheceu grande
desenvolvimento, com um longo período de catecumenato
e uma série de ritos preparatórios que escalonavam
liturgicamente o caminho da preparação catecumenal,
desembocando na celebração dos sacramentos da iniciação
cristã.
1231. Nas regiões onde o Batismo das crianças se tomou
largamente a forma habitual da celebração deste
sacramento, esta transformou-se num ato único, que
integra, de um modo muito abreviado, as etapas
preliminares da iniciação cristã. Pela sua própria
natureza, o Batismo das crianças exige um
catecumenato pós-batismal. Não se trata apenas da
necessidade duma instrução posterior ao Batismo, mas do
desenvolvimento necessário da graça batismal no
crescimento da pessoa. É o espaço próprio da
catequese.
1232. O II Concílio do Vaticano restaurou, para a Igreja
latina, «o catecumenato dos adultos, distribuído em
várias fases»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 64: AAS 56 (1964) 117).
O respectivo ritual encontra-se no Ordo initiationis
christianae adultorum (1972). Aliás, o Concílio
permitiu que, «para além dos elementos de iniciação
próprios da tradição cristã», se admitam, em terras
de missão, «os elementos de iniciação usados por cada
um desses povos, na medida em que puderem integrar-se no
rito cristão»
(II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 65: AAS 56 (1964) 117; cf. Ibid.,
37-40: AAS 56 (1964) 110-111).
1233. Hoje em dia, portanto, em todos os ritos latinos e
orientais, a iniciação cristã dos adultos começa com a
sua entrada no catecumenato, para atingir o ponto
culminante na celebração única dos três sacramentos,
Batismo, Confirmação e Eucaristia
(Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes,
14: AAS 58 (1966) 963: CIC can. 851.865 866).
Nos ritos orientais, a iniciação cristã das crianças na
infância começa no Batismo, seguido imediatamente da
Confirmação e da Eucaristia, enquanto no rito romano a
mesma iniciação prossegue durante os anos de catequese,
para terminar, mais tarde, com a Confirmação e a
Eucaristia, ponto culminante da sua iniciação cristã
(Cf. CIC can. 851, 2. 868).
A
MISTAGOGIA DA CELEBRAÇÃO
1234. O sentido e a graça do sacramento do Batismo
aparecem claramente nos ritos da sua celebração.
Seguindo, com participação atenta, os gestos e as
palavras desta celebração, os fiéis são iniciados nas
riquezas que este sacramento significa e realiza em cada
novo batizado.
1235. O sinal da cruz, no princípio da
celebração, manifesta a marca de Cristo impressa naquele
que vai passar a pertencer-Lhe, e significa a graça da
redenção que Cristo nos adquiriu pela sua cruz.
1236. O anúncio da Palavra de Deus ilumina com a
verdade revelada os candidatos e a assembleia e suscita
a resposta da fé, inseparável do Batismo. Na verdade, o
Batismo é, de modo particular, o «sacramento da fé»,
uma vez que é a entrada sacramental na vida da fé.
1237. E porque o Batismo significa a libertação do
pecado e do diabo, seu instigador, pronuncia-se sobre o
candidato um ou vários exorcismos. Ele é ungido
com o óleo dos catecúmenos ou, então, o celebrante
impõe-lhe a mão e ele renuncia expressamente a Satanás.
Assim preparado, pode professar a fé da Igreja, à
qual será «confiado» pelo Batismo
(Cf. Rm. 6, 17).
1238. A água batismal é então consagrada
por uma oração de epiclese (ou no próprio momento, ou na
Vigília Pascal). A Igreja pede a Deus que, pelo seu
Filho, o poder do Espírito Santo desça a esta água, para
que os que nela forem batizados «nasçam da água e do
Espírito» (Jo. 3, 5).
1239. Segue-se o rito essencial do sacramento:
o batismo propriamente dito, que significa e realiza
a morte para o pecado e a entrada na vida da Santíssima
Trindade, através da configuração com o mistério pascal
de Cristo. O Batismo é realizado, do modo mais
significativo, pela tríplice imersão na água batismal;
mas, desde tempos antigos, pode também ser conferido
derramando por três vezes água sobre a cabeça do
candidato.
1240. Na Igreja latina, esta tríplice infusão é
acompanhada pelas palavras do ministro: «(Nome), eu
te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo».
Nas liturgias orientais, estando o catecúmeno voltado
para o Oriente, o sacerdote diz: «o servo de Deus
(Nome) é batizado em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo»; e à invocação de cada pessoa da
Santíssima Trindade, mergulha-o e retira-o da água.
1241. A unção com o santo crisma, óleo perfumado
que foi consagrado pelo Bispo, significa o dom do
Espírito Santo ao novo batizado. Ele tornou-se cristão,
quer dizer, «ungido» pelo Espírito Santo,
incorporado em Cristo, que foi ungido sacerdote, profeta
e rei
(Cf. Ordo Baptismi parvulorum, 62 (Typis
Polyglottis Vaticanis 1969) p. 32 [Celebração do
Baptismo das crianças, 62, Segunda edição típica
(Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal
Portuguesa, 1994), p.61)).
1242. Na liturgia das Igrejas do Oriente, a unção
pós-batismal é o sacramento da Crismação (Confirmação).
Na liturgia romana, anuncia uma segunda unção com o
santo Crisma, que será dada pelo Bispo: o sacramento da
Confirmação que, por assim dizer, «confirma» e
completa a unção batismal.
1243. A veste branca simboliza que o batizado
«se revestiu de Cristo»
(Cf. Gl. 3, 27):
ressuscitou com Cristo. A vela, acesa no círio
pascal, significa que Cristo iluminou o neófito. Em
Cristo, os batizados são «a luz do mundo» (Mt. 5,
14)
(Cf. Fl, 2, 15).
- O
recém-batizado é agora filho de Deus no seu Filho Único
e pode dizer a oração dos filhos de Deus: O Pai-Nosso.
1244. A primeira Comunhão eucarística. Tornado
filho de Deus, revestido da veste nupcial, o neófito é
admitido «ao banquete das núpcias do Cordeiro» e
recebe o alimento da vida nova, o Corpo e Sangue de
Cristo. As Igrejas orientais conservam uma consciência
viva da unidade da iniciação cristã, dando a Sagrada
Comunhão a todos os novos batizados e confirmados, mesmo
às criancinhas, lembrando a palavra do Senhor:
«deixai vir a Mim as criancinhas, não as estorveis»
(Mc. 10, 14). A Igreja latina, que reserva o
acesso à Sagrada Comunhão para aqueles que atingiram o
uso da razão, exprime a abertura do Batismo em relação à
Eucaristia aproximando do altar a criança recém-batizada
para a oração do Pai Nosso.
1245. A celebração do Batismo conclui-se com a bênção
solene. Aquando do Batismo de recém-nascidos, a
bênção da mãe ocupa um lugar especial.
IV.
Quem pode receber o Batismo?
1246. «Todo o ser humano ainda não batizado - e só
ele – é capaz de receber o Baptismo»
(CIC can.864; cf. CCEO. can.679)
O
BATISMO DOS ADULTOS
1247. Desde os princípios da Igreja, o Batismo dos
adultos é a situação mais corrente nas terras onde o
anúncio do Evangelho ainda é recente. O catecumenato
(preparação para o Batismo) tem, nesse caso, um lugar
importante; sendo iniciação na fé e na vida cristã, deve
dispor para o acolhimento do dom de Deus no Batismo,
Confirmação e Eucaristia.
1248. O catecumenato, ou formação dos catecúmenos, tem
por finalidade permitir a estes, em resposta à
iniciativa divina e em união com uma comunidade
eclesial, conduzir à maturidade a sua conversão e a sua
fé. Trata-se duma «formação e de uma aprendizagem de
toda a vida cristã», mediante a qual os discípulos
se unem com Cristo seu mestre. Por conseguinte, sejam os
catecúmenos convenientemente iniciados no mistério da
salvação, na prática dos costumes evangélicos, e, com
ritos sagrados a celebrar em tempos sucessivos, sejam
introduzidos na vida da fé, da Liturgia e da caridade do
povo de Deus
(II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 14:
AAS 58 (1966) 962-963; cf. Ordo initiationis
christianae adultorum, Praenotanda 19 (Typis
Polyglottis Vaticanis 1972) p. 11 Iniciação cristã
dos adultos. Segunda Edição, Preliminares, 19
(Coimbra, Gráfica de Coimbra - Conferência Episcopal
Portuguesa. 1996) p. 26-27); Ibid., De tempore
catechumenatus eiusque ritibus 98, p. 36 [Ibid. O
tempo do catecumenado e os seus ritos 98.
p. 66]).
1249. Os catecúmenos «estão já unidos à Igreja»,
já são da casa de Cristo, e, não raro, eles levam já uma
vida de fé, de «confiança e de caridade»
(II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 14:
AAS 58 (1966) 963).
«A mãe Igreja já os abraça como seus, com amor e
solicitude»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
14: AAS 57 (1965) 19: cf. CIC can. 206.788).
O
BATISMO DAS CRIANÇAS
1250. Nascidas com uma natureza humana decaída e
manchada pelo pecado original,
(Cf. Concílio de Trento, Sess. 5ª, Decretum de
peccato originali, can. 4: DS 1514)
as
crianças também têm necessidade do novo nascimento no
Batismo para serem libertas do poder das trevas e
transferidas para o domínio da liberdade dos filhos de
Deus
(Cf. Cl. 1, 12-14),
a que todos os homens são chamados. A pura gratuidade da
graça da salvação é particularmente manifesta no Batismo
das crianças. Por isso, a Igreja e os pais privariam, a
criança da graça inestimável de se tornar filho de Deus,
se não lhe conferissem o Batismo pouco depois do seu
nascimento
(Cf. Cl. 1, 12-14).
1251. Os pais cristãos reconhecerão que esta prática
corresponde, também, ao seu papel de sustentar a vida
que Deus lhes confiou
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm.
Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15-16; Ibid.,
41: AAS 57 (1965) 47; Id., Const. past.
Gaudium et spes, 48: AAS 58 (1966) 1067-1069;
CIC can. 774. § 2. 1136).
1252. A prática de batizar as crianças é tradição
imemorial da Igreja
(Cf. At 16, 15. 33; 18, 8; 1 Cor 1, 16).
Explicitamente atestada desde o século II, é, no
entanto, bem possível que, desde o princípio da pregação
apostólica, quando «casas» inteiras receberam o
Batismo se tenham batizado também as crianças
(Cf. Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, Instr.
Pastoralis actio, 4: AAS 72 (1980) 1139).
FÉ
E BATISMO
1253. O Batismo é o sacramento da fé
(Cf. Mc. 16, 16).
Mas a fé tem necessidade da comunidade dos crentes. Só
na fé da Igreja é que cada um dos fiéis pode crer. A fé
que se requer para o Batismo não é uma fé perfeita e
amadurecida, mas um princípio chamado a desenvolver-se.
Ao catecúmeno ou ao seu padrinho pergunta-se: «que
pedis à Igreja de Deus»? E ele responde: «a fé»!
1254. Em todos os batizados, crianças ou adultos, a fé
deve crescer depois do Batismo. É por isso que a
Igreja celebra todos os anos, na Vigília Pascal, a
renovação das promessas do Batismo. A preparação para o
Batismo conduz apenas ao umbral da vida nova. O Batismo
é a fonte da vida nova em Cristo, donde jorra toda a
vida cristã.
1255. Para que a graça batismal possa desenvolver-se, é
importante a ajuda dos pais. Esse é também o papel do
padrinho ou da madrinha, que devem ser
pessoas de fé sólida, capazes e preparados para ajudar o
novo batizado, criança ou adulto, no seu caminho de vida
cristã
(Cf. CIC can. 872-874).
O seu múnus é um verdadeiro ofício eclesial
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 67: AAS 56 (1964) 118).
Toda a comunidade eclesial tem uma parte de
responsabilidade no desenvolvimento e na defesa da graça
recebida no Batismo.
V.
Quem pode batizar?
1256. São ministros ordinários do Batismo o Bispo e o
Presbítero, e, na Igreja latina, também o Diácono
(Cf. CIC can. 861, § 1; CCEO can. 677, § 1).
Em caso de necessidade, qualquer pessoa, mesmo não
batizada, desde que tenha a intenção requerida, pode
batizar utilizando a fórmula batismal trinitária
(Cf. CIC can. 861, § 2).
A intenção requerida é a de querer fazer o que faz a
Igreja quando batiza. A Igreja vê a razão desta
possibilidade na vontade salvífica universal de Deus
(Cf. 1ª Tm. 2, 4)
e na necessidade do Batismo para a salvação
(Cf. Mc. 16, 16).
VI.
A necessidade do Batismo
1257. O próprio Senhor afirma que o Batismo é necessário
para a salvação
(Cf. Jo. 3, 5).
Por isso, ordenou aos seus discípulos que anunciassem o
Evangelho e batizassem todas as nações
(Cf. Mt. 28, 20. Cf. Concílio de Trento, Sess. 7°,
Decretum de sacramentis, Canones de sacramento Baptismi,
can. 5: DS 1618; II Concílio do Vaticano, Const. dogm.
Lumen Gentium, 14: AAS 57 (1965) 18: ID., Decr. Ad
gentes, 5: AAS 58 (1966)
951-952).
O Batismo é necessário para a salvação de todos aqueles
a quem o Evangelho foi anunciado e que tiveram a
possibilidade de pedir este sacramento
(Cf. Mc. 16, 16).
A Igreja não conhece outro meio senão o Batismo para
garantir a entrada na bem-aventurança eterna. Por isso,
tem cuidado em não negligenciar a missão que recebeu do
Senhor de fazer «renascer da água e do Espírito»
todos os que podem ser batizados. Deus ligou a
salvação ao sacramento do Batismo; mas Ele próprio não
está prisioneiro dos seus sacramentos.
1258. Desde sempre, a Igreja tem a firme convicção de
que aqueles que sofrem a morte por causa da fé, sem
terem recebido o Batismo, são batizados pela sua morte
por Cristo e com Cristo. Este Batismo de sangue,
tal como o desejo do Batismo ou Batismo de desejo,
produz os frutos do Batismo, apesar de não ser
sacramento.
1259. Para os catecúmenos que morrem antes do
Batismo, o seu desejo explícito de o receber, unido ao
arrependimento dos seus pecados e à caridade,
garante-lhes a salvação, que não puderam receber pelo
sacramento.
1260. «Com efeito, já que Cristo morreu por todos e a
vocação última de todos os homens é realmente uma só, a
saber, a divina, devemos manter que o Espírito Santo a
todos dá a possibilidade de se associarem a este
mistério pascal, por um modo só de Deus conhecido»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes. 22: AAS 58 (1966) 1043; cf. In.. Const. dogm.
Lumen Gentium, 16: AAS 57 (1965) 20; In. Decr.
Ad gentes, 7: AAS 58 (1966) 955).
Todo o homem que, na ignorância do Evangelho de Cristo e
da sua Igreja, procura a verdade e faz a vontade de Deus
conforme o conhecimento que dela tem, pode salvar-se.
Podemos supor que tais pessoas teriam desejado
explicitamente o Batismo se dele tivessem conhecido
a necessidade.
1261. Quanto às crianças que morrem sem Batismo,
a Igreja não pode senão confiá-las à misericórdia de
Deus, como o faz no rito do respectivo funeral. De fato,
a grande misericórdia de Deus, «que quer que todos os
homens se salvem» (1ª Tm. 2, 4), e a ternura
de Jesus para com as crianças, que O levou a dizer:
«deixai vir a Mim as criancinhas, não as estorveis»
(Mc. 10, 14), permitem-nos esperar que haja um caminho
de salvação para as crianças que morrem sem Batismo. Por
isso, é mais premente ainda o apelo da Igreja a que não
se impeçam as criancinhas de virem a Cristo, pelo dom do
santo Batismo.
VII. A graça do Batismo
1262. Os diferentes efeitos do Batismo são significados
pelos elementos sensíveis do rito sacramental. A imersão
na água evoca os simbolismos da morte e da purificação,
mas também da regeneração e da renovação. Os dois
efeitos principais são, pois, a purificação dos pecados
e o novo nascimento no Espírito Santo
(Cf. At. 2, 38: Jo 3, 5).
PARA A REMISSÃO DOS PECADOS
1263. Pelo Batismo todos os pecados são
perdoados: o pecado original e todos os pecados
pessoais, bem como todas as penas devidas ao pecado
(Cf. Concílio de Florença, Decretum pro Armenis:
DS 1316).
Com efeito, naqueles que foram regenerados, nada resta
que os possa impedir de entrar no Reino de Deus: nem o
pecado de Adão, nem o pecado pessoal, nem as
consequências do pecado, das quais a mais grave é a
separação de Deus.
1264. No batizado permanecem, no entanto, certas
consequências temporais do pecado, como os sofrimentos,
a doença, a morte, ou as fragilidades inerentes à vida,
como as fraquezas de carácter, etc., assim como uma
inclinação para o pecado a que a Tradição chama
concupiscência ou, metaforicamente, a «isca»
ou «aguilhão» do pecado («fomes peccati»):
«deixada para os nossos combates, a concupiscência não
pode fazer mal àqueles que, não consentindo nela,
resistem corajosamente pela graça de Cristo. Bem pelo
contrário, "aquele que tiver combatido segundo as regras
será coroado"»
(2ª Tm. 2, 5) (Concílio de Trento, Decretum de
peccato originali, can. 5: DS 1515).
«UMA NOVA CRIATURA»
1265 O Batismo não somente purifica de todos os pecados,
como faz também do neófito «uma nova criatura»
(Cf. 2ª Cor. 5, 17),
um filho adotivo de Deus
(Cf. Gl. 4, 5-7),
tornado «participante da natureza divina»
(Cf. 2ª Pe. 1, 4),
membro de Cristo
(Cf. 1ª Cor. 6, 15; 12, 27)
e co-herdeiro com Ele
(Cf. Rm. 8, 17),
templo do Espírito Santo
(Cf. 1ª Cor. 6, 19).
1266. A Santíssima Trindade confere ao batizado a
graça santificante, a graça da justificação,
que:
- o
torna capaz de crer em Deus, esperar n'Ele e O amar,
pelas virtudes teologais;
- lhe dá o poder de viver e agir sob a moção do
Espírito Santo e pelos dons do Espírito Santo;
- lhe permite crescer no bem, pelas virtudes
morais. Assim, todo o organismo da vida sobrenatural
do cristão tem a sua raiz no santo Baptismo.
INCORPORADOS NA IGREJA, CORPO DE CRISTO
1267. O Batismo faz de nós membros do corpo de
Cristo. «Desde então [...], somos nós membros uns dos
outros» (Ef. 4, 25). O Batismo incorpora na
Igreja. Das fontes batismais nasce o único povo de
Deus da Nova Aliança, que ultrapassa todos os
limites naturais ou humanos das nações, das culturas,
das raças e dos sexos: «por isso é que todos nós
fomos batizados num só Espírito, para formarmos um só
corpo» (1ª Cor. 12, 13).
1268. Os batizados tornaram-se «pedras vivas»
para «a edificação dum edifício espiritual, para um
sacerdócio santo» (1ª Pe. 2, 5). Pelo Batismo,
participam no sacerdócio de Cristo, na sua missão
profética e real, são «raça eleita, sacerdócio de
reis, nação santa, povo que Deus tornou seu», para
anunciar os louvores d'Aquele que os «chamou das trevas
à sua luz admirável» (1ª Pe. 2, 9). O Batismo
confere a participação no sacerdócio comum dos fiéis.
1269. Feito membro da Igreja, o batizado já não se
pertence a si próprio
(Cf. 1ª Cor. 6, 19)
mas aquele que morreu e ressuscitou por nós
(Cf. 2ª Cor. 5, 15).
A partir daí, é chamado a submeter-se aos outros (Cf.
Ef. 5, 21: 1ª Cor. 16, 15-16),
a servi-los
(Cf. Jo. 13, 12-15)
na comunhão da Igreja, a ser «obediente e dócil»
aos chefes da Igreja
(Cf. Heb. 13, 17)
e a considerá-los com respeito e afeição
(Cf. 1ª Ts. 5, 12-13).
Assim como o Batismo é fonte de responsabilidade e
deveres, assim também o batizado goza de direitos no
seio da Igreja: direito a receber os sacramentos, a ser
alimentado com a Palavra de Deus e a ser apoiado com
outras ajudas espirituais da Igreja
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen
Gentium, 37: AAS 57 (1965) 42-43; CIC can. 208-223:
CCEO can 675, § 2).
1270. Os batizados, «regenerados [pelo Batismo] para
serem filhos de Deus, devem confessar diante dos homens
a fé que de Deus receberam por meio da Igreja»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium.
11: AAS 57 (1965) 16)
e
participar na atividade apostólica e missionária do povo
de Deus
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen
Gentium, 17: AAS 57 (1965) 21; Id., Decr. Ad
gentes. 7: AAS 58 (1966) 956; Ibid., 23: AAS
58 (1966) 974-975).
O
VÍNCULO SACRAMENTAL DA UNIDADE DOS CRISTÃOS
1271. O Batismo constitui o fundamento da comunhão entre
todos os cristãos, mesmo com aqueles que ainda não estão
em plena comunhão com a Igreja Católica: «pois
aqueles que creem em Cristo e foram devidamente
batizados, estão numa certa comunhão, embora não
perfeita, com a Igreja Católica justificados no Batismo
pela fé, são incorporados em Cristo, e, por isso, com
direito se honram com o nome de cristãos e justamente
são reconhecidos pelos filhos da Igreja Católica como
irmãos no Senhor»
(II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis
redintegratio, 3: AAS 57 (1965) 93).
«O Batismo, pois, constitui o vínculo sacramental da
unidade vigente entre todos os que por ele foram
regenerados»
(II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis
redintegratio, 22: AAS 57 (1965)105).
UMA
MARCA ESPIRITUAL INDELÉVEL...
1272. Incorporado em Cristo pelo Batismo, o batizado é
configurado com Cristo
(Cf. Rm. 8, 29).
O Batismo marca o cristão com um selo espiritual
indelével («charactere») da sua pertença a
Cristo. Esta marca não é apagada por nenhum pecado,
embora o pecado impeça o Batismo de produzir frutos de
salvação
(Cf. Concílio de Trento, Sess. 7ª, Decretum de
sacramentis, Canones de sacramentis in genere, can.
9: DS 1609: Ibid., Canones de sacramento
Baptismi. can. 6: DS 1619).
Ministrado uma vez por todas, o Batismo não pode ser
repetido.
1273. Incorporados na Igreja pelo Batismo, os fiéis
receberam o carácter sacramental que os consagra para o
culto religioso cristão
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
11:AAS 57 (1965) 16).
O selo batismal capacita e compromete os cristãos a
servir a Deus mediante uma participação viva na Santa
liturgia da Igreja, e a exercer o seu sacerdócio
batismal pelo testemunho duma vida santa e duma caridade
eficaz (II
Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
10: AAS 57 (1965) 15-16).
1274. O «selo do Senhor» («dominicus character»)
(Cf. Santo Agostinho, Epistula 98, 5: CSEL 34,
527 (PL 33, 362))
é o selo com que o Espírito Santo nos marcou «para o
dia da redenção» (Ef. 4, 30)
(Cf. Ef. 1, 13-14; 2ª Cor. 1, 21-22).
«O Batismo é, efetivamente, o selo da vida eterna»
(Santo Ireneu de Lião, Demonstratio praedicationis
apostolicae, 3: SC 62, 32).
O fiel que tiver «guardado o selo» até ao fim,
quer dizer, que tiver permanecido fiel às exigências do
seu Batismo, poderá partir «marcado pelo sinal da fé»
(Oração Eucarística I ou Cânone Romano: Missale
Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis
1970), p. 454 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra
1992, 521]),
com a fé do seu Batismo, na expectativa da visão
bem-aventurada de Deus - consumação da fé - e na
confiança da ressurreição.
Resumindo:
1275. A iniciação cristã faz-se pelo conjunto de três
sacramentos: o Batismo, que é o princípio da vida nova;
a Confirmação, que é a consolidação da mesma vida; e a
Eucaristia, que alimenta o discípulo com o corpo e
sangue de Cristo, em vista da sua transformação n'Ele.
1276. «Ide, pois, fazei discípulos de todas as
nações, batizai-os em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo, e ensinai-os a cumprir tudo quanto vos
mandei» (Mt. 28, 19-20).
1277. O Batismo constitui o nascimento para a vida
nova em Cristo. Segundo a vontade do Senhor; ele é
necessário para a salvação, como a própria Igreja, na
qual o Batismo introduz.
1278. O rito essencial do Batismo consiste em
mergulhar na água o candidato ou em derramar água sobre
a sua cabeça, pronunciando a invocação da Santíssima
Trindade, isto é, do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
1279. O fruto do Batismo ou graça batismal é uma
realidade rica que inclui: a remissão do pecado original
e de todos os pecados pessoais; o renascimento para uma
vida nova, pela qual o homem se torna filho adotivo do
Pai, membro de Cristo, templo do Espírito Santo. Por
esse facto, o batizado é incorporado na Igreja, corpo de
Cristo, e tornado participante do sacerdócio de Cristo.
1280. O Batismo imprime na alma um sinal espiritual
indelével, o carácter; que consagra o batizado para o
culto da religião cristã. Por causa do carácter; o
Batismo não pode ser repetido
(Cf. Concílio de Trento, Sess. Decretum de
sacramentis, Canones de sacramentis in genere, can.
9: DS 1609; Ibid., Canones de sacramento
Baptismi. can.11: DS 1624).
1281. Os que sofrem a morte por causa da fé, os
catecúmenos e todos aqueles que, sob o impulso da graça,
sem conhecerem a Igreja, procuram sinceramente a Deus e
se esforçam por cumprir a sua vontade, podem salvar-se,
mesmo sem terem recebido o Batismo
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
16: AAS 57 (1965) 20).
1282. Desde os tempos mais antigos, o Batismo é
administrado às crianças, visto ser uma graça e um dom
de Deus que não supõem méritos humanos; as crianças são
batizadas na fé da Igreja. A entrada na vida cristã dá
acesso à verdadeira liberdade.
1283. Quanto às crianças que morrem sem Batismo, a
Liturgia da Igreja convida-nos a ter confiança na
misericórdia divina e a rezar pela sua salvação.
1284. Em caso de necessidade, qualquer pessoa pode
batizar, desde que tenha a intenção de fazer o que a
Igreja faz e derrame água sobre a cabeça do candidato,
dizendo: «eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo».
ARTIGO 2
O SACRAMENTO DA CONFIRMAÇÃO
1285. Com o Batismo e a Eucaristia, o sacramento da
Confirmação constitui o conjunto dos «sacramentos da
iniciação cristã», cuja unidade deve ser
salvaguardada. Por isso, é preciso explicar aos fiéis
que a recepção deste sacramento é necessária para a
plenitude da graça batismal
(Cf. Ordo Confirmationis, Praenotanda 1 (Typis
Polyglottis Vaticanas 1973) p. 16 [Celebração da
Confirmação, Preliminares 1 (Coimbra, Gráfica de
Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa, 1991) p.
21]).
Com efeito, os batizados «pelo sacramento da
Confirmação, são mais perfeitamente vinculados à Igreja,
enriquecidos com uma força especial do Espírito Santo e
deste modo ficam mais estritamente obrigados a difundir
e a defender a fé por palavras e obras, como verdadeiras
testemunhas de Cristo»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
11: AAS 57 (1965) 15: cf. Ordo Confirmationis,
Praenotanda 2 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p.
16 [Celebração da Confirmação, Preliminares 2
(Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal
Portuguesa, 1991) p. 21]).
I.
A Confirmação na economia da salvação
1286. No Antigo Testamento, os profetas
anunciaram que o Espírito do Senhor repousaria sobre o
Messias esperado
(Cf. Is. 11. 2),
em vista da sua missão salvífica
(Cf. Lc. 4, 16-22; Is. 61, 1).
A descida do Espírito Santo sobre Jesus, aquando do seu
batismo por João, foi o sinal de que era Ele o que havia
de vir, de que era o Messias, o Filho de Deus
(Cf. Mt. 3, 13-17; Jo. 1, 33-34).
Concebido pelo poder do Espírito Santo, toda a sua vida
e toda a sua missão se realizam numa comunhão total com
o mesmo Espírito Santo, que o Pai Lhe dá «sem medida»
(Jo 3, 34).
1287. Ora, esta plenitude do Espírito não devia
permanecer unicamente no Messias: devia ser comunicada
a todo o povo messiânico
(Cf. Ez. 36, 25-27; Jo. 3, 1-2).
Repetidas vezes, Cristo prometeu esta efusão do Espírito
(Cf. Lc. 12, 12; Jo. 3, 5-8: 7, 37-39; 16, 7-15; At. 1,
8)
promessa que cumpriu, primeiro no dia de Páscoa
(Cf. Jo. 20, 22)
e depois, de modo mais esplêndido, no dia de Pentecostes
(Cf. At. 2, 1-4).
Cheios do Espírito Santo, os Apóstolos começaram a
proclamar «as maravilhas de Deus» (At. 2,
11) e Pedro declarou que esta efusão do Espírito era o
sinal dos tempos messiânicos
(Cf. At. 2, 17-18).
Aqueles que então acreditaram na pregação apostólica, e
se fizeram batizar, receberam, por seu turno, o dom do
Espírito Santo
(Cf. At. 2, 38).
1288. «A partir de então, os Apóstolos, para
cumprirem a vontade de Cristo, comunicaram aos neófitos,
pela imposição das mãos, o dom do Espírito para
completar a graça do Batismo
(Cf. At. 8, 15-17; 19, 5-6101).
É por isso que, na Epístola aos Hebreus, se menciona,
entre os elementos da primeira instrução cristã, a
doutrina sobre os Batismos e também sobre a imposição
das mãos
(Cf. Heb. 6, 2).
A imposição das mãos é justificadamente reconhecida,
pela Tradição católica, como a origem do sacramento da
Confirmação que, de certo modo, perpetua na Igreja a
graça do Pentecostes»
(Paulo VI. Const. ap. Divinae consortium naturae:
AAS 63 (1971) 659).
1289. Bem cedo, para melhor significar o dom do Espírito
Santo, se acrescentou à imposição das mãos uma unção com
óleo perfumado (crisma). Esta unção ilustra o nome de
«cristão», que significa «ungido», e que vai
buscar a sua origem ao próprio nome de Cristo, aquele
que «Deus ungiu com o Espírito Santo» (At. 10,
38). E este rito da unção mantém-se até aos nossos dias,
tanto no Oriente como no Ocidente. É por isso que, no
Oriente, este sacramento se chama crismação (=
unção do crisma), ou myron, que significa
«crisma». No Ocidente, o nome de Confirmação
sugere que este sacramento confirma o Batismo e, ao
mesmo tempo, consolida a graça baptismal.
DUAS TRADIÇÕES: O ORIENTE E O OCIDENTE
1290. Nos primeiros séculos, a Confirmação constitui
geralmente uma única celebração com o Batismo, formando
com ele, segundo a expressão de São Cipriano, um
«sacramento duplo»
(Cf. São Cipriano de Cartago, Epistula 73, 21: CSEL 3/2,
795; (1996), CCL 3C. 556 (PL 3, 1169)).
Entre outras razões, a multiplicação dos batismos de
crianças, e isto em qualquer tempo do ano, e a
multiplicação das paróquias (rurais), ampliando as
Dioceses, deixaram de permitir a presença do Bispo em
todas as celebrações batismais. No Ocidente, porque se
desejava reservar ao Bispo o completar do Batismo,
instaurou-se a separação, no tempo, dos dois
sacramentos. O Oriente conservou unidos os dois
sacramentos, de tal modo que a Confirmação é dada pelo
sacerdote que batiza. Este, no entanto, só o pode fazer
com o «myron» consagrado por um Bispo
(Cf. CCEO can. 695, § 1. 696. § 1).
1291. Um costume da Igreja de Roma facilitou a expansão
da prática ocidental, graças a uma dupla unção com o
santo crisma, depois do batismo: a unção já feita pelo
sacerdote ao neófito ao sair do banho batismal é
completada por uma segunda unção, feita pelo Bispo na
fronte de cada um dos novos batizados
(Cf. Santo Hipólito de Roma, Traditio apostolica,
21: ed. B. Botte (Münster i.W. 1989) p. 50 e 52).
A primeira unção com o santo crisma, feita pelo
Sacerdote, ficou ligada ao rito batismal e significa a
participação do batizado nas funções profética,
sacerdotal e real de Cristo. Se o Batismo é conferido a
um adulto, há apenas uma unção pós-batismal: a da
Confirmação.
1292. A prática das Igrejas do Oriente sublinha mais a
unidade da iniciação cristã. A da Igreja latina exprime,
com maior nitidez, a comunhão do novo cristão com o seu
Bispo, garante e servidor da unidade da sua Igreja, da
sua catolicidade e da sua apostolicidade; e assim, a
ligação com as origens apostólicas da Igreja de Cristo.
II.
Os sinais e o rito da Confirmação
1293. No rito deste sacramento, convém considerar o
sinal da unção e o que essa unção designa e
imprime: o selo espiritual.
A
unção,
na
simbologia bíblica e antiga, é rica de numerosas
significações: o óleo é sinal de abundância
(Cf. Dt. 11, 14; etc.)
e de alegria
(Cf. Sl. 23, 5: 104, 15),
purifica (unção antes e depois do banho) e torna ágil
(unção dos atletas e lutadores): é sinal de cura, pois
suaviza as contusões e as feridas
(Cf. Is. 1, 6: Lc. 10, 34)
e torna radiante de beleza, saúde e força.
1294. Todos estes significados da unção com óleo se
reencontram na vida sacramental. A unção antes do
Batismo, com o óleo dos catecúmenos, significa
purificação e fortalecimento; a unção dos enfermos
exprime cura e conforto. A unção com o santo crisma
depois do Batismo, na Confirmação e na Ordenação, é
sinal duma consagração. Pela Confirmação, os cristãos,
quer dizer, os que são ungidos, participam mais na
missão de Jesus Cristo e na plenitude do Espírito Santo
de que Ele está repleto, a fim de que toda a sua vida
espalhe «o bom odor de Cristo»
(Cf. 2ª Cor. 2, 15)
1295. Por esta unção, o confirmando recebe «a marca»,
o selo do Espírito Santo. O selo é o símbolo da
pessoa
(Cf.
Gn. 38, 18; Cf. 8, 6),
sinal da sua autoridade
(Cf. Gn. 41, 42),
da sua propriedade sobre um objeto
(Cf. Dt. 32. 34).
Era assim que se marcavam os soldados com o selo do seu
chefe e também os escravos com o do seu dono. O selo
autentica um ato jurídico
(Cf. 1º Rs. 21, 8)
ou um documento
(Cf. Jr. 32, 10)
e, eventualmente, torna-o secreto
(Cf. Is. 29, 11).
1296. O próprio Cristo se declara marcado com o selo do
Pai
(Cf. Jo. 6, 27).
O cristão também está marcado com um selo: «foi Deus
que nos concedeu a unção, nos marcou também com o seu
selo e depôs as arras do Espírito em nossos corações»
(2ª Cor 1, 21-22)
(Cf. Ef. 1, 13; 4, 30).
Este selo do Espírito Santo marca a pertença total a
Cristo, a entrega para sempre ao seu serviço, mas também
a promessa da proteção divina na grande prova
escatológica
(Cf. Ap. 7, 2-3; 9. 4; Ez. 9, 4-6).
A
CELEBRAÇÃO DA CONFIRMAÇÃO
1297. Um momento importante que precede a celebração da
Confirmação, mas que, de certo modo, faz parte dela, é a
consagração do santo crisma. É o Bispo que, em
Quinta-Feira Santa, no decorrer da missa crismal,
consagra o santo crisma para toda a sua diocese. Nas
Igrejas do Oriente, esta consagração é mesmo reservada
ao Patriarca:
- a
liturgia de Antioquia exprime assim a epiclese da
consagração do santo crisma (myron, em grego): «[Pai
(...), envia o Teu Espírito Santo] sobre nós e sobre
este óleo que está diante de nós e consagra-o, para que
seja para todos os que com ele forem ungidos e marcados,
myron santo, myron sacerdotal, myron real, unção de
alegria, a veste da luz, o manto da salvação, o dom
espiritual, a santificação das almas e dos corpos, a
felicidade imperecível, o selo indelével, o escudo da
fé, o capacete invencível contra todas as obras do
Adversário»
(Pontificale iuxta ritum Syrorum Occidentalium id est
Antiochiae, Pars I, Versio latina (Typis Polyglottis
Vaticanis 1941) p. 36-37).
1298. Quando a Confirmação é celebrada separadamente do
Batismo, como acontece no rito romano, a Liturgia do
sacramento começa pela renovação das promessas do
Batismo e pela profissão de fé dos confirmandos. Assim
se evidencia claramente que a Confirmação se situa na
continuação do Batismo
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum
Concilium, 71: AAS 56 (1964) 118).
No caso do Batismo dum adulto, este recebe imediatamente
a Confirmação e participa na Eucaristia
(Cf. CIC can. 866).
1299. No rito romano, o Bispo estende as mãos sobre o
grupo dos confirmandos, gesto que, desde o tempo dos
Apóstolos, é sinal do dom do Espírito. E o Bispo invoca
assim a efusão do Espírito:
-
«Deus todo-poderoso, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo,
que, pela água e pelo Espírito Santo, destes uma vida
nova a estes vossos servos e os libertastes do pecado,
enviai sobre eles o Espírito Santo Paráclito; dai-lhes,
Senhor, o espírito de sabedoria e de inteligência, o
espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de
ciência e de piedade, e enchei-os do espírito do vosso
temor. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é
Deus convosco na unidade do Espírito Santo»
(Ordo Confirmationis, 25 (Typis Polyglottis
Vaticanis 1973). p. 26 [Celebração da Confirmação,
25 (Coimbra, Gráfica de Coimbra — Conferência Episcopal
Portuguesa, 1991) p. 33]).
1300. Segue-se o rito essencial do sacramento. No
rito latino, «o sacramento da Confirmação é conferido
pela unção do santo crisma sobre a fronte, feita com a
imposição da mão, e por estas palavras: Accipe
signaculum doni Spiritus Sancti - Recebe por este sinal
o Espírito Santo, o Dom de Deus»
(Paulo VI. Const. Ap. Divinae consortium naturae:
AAS 63 (1971) 657 [Celebração da Confirmação,
Const. ap. sobre o Sacramento da Confirmação (Coimbra,
Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa.
1991) p. 19]).
Nas Igrejas orientais de rito bizantino, a unção do
myron faz-se depois duma oração de epiclese, sobre
as partes mais significativas do corpo: a fronte, os
olhos, o nariz, os ouvidos, os lábios, o peito, as
costas, as mãos e os pés, sendo cada unção acompanhada
da fórmula: «Σφραγίζ δωραζ Πυεύματζ Άγίoυ»
(«Signaculum doni Spiritus Sancti – Selo do dom que
é o Espírito Santo»)
(Rituale per le Chiese orientali di rito bizantino in
lingua greca, Pars 1 (Libreria Editrice Vaticana
1954) p. 36).
1301. O ósculo da paz, com que termina o rito do
sacramento, significa e manifesta a comunhão eclesial
com o Bispo e com todos os fiéis
(Cf. Santo Hipólito, Traditio apostolica, 21: ed.
B. Botte (Münster i.W. 1989) p. 54).
III. Os efeitos da Confirmação
1302. Ressalta desta celebração que o efeito do
sacramento da Confirmação é uma efusão especial do
Espírito Santo, tal como outrora foi concedida aos
Apóstolos, no dia de Pentecostes.
1303. Por esse fato, a Confirmação proporciona
crescimento e aprofundamento da graça batismal:
-
enraíza-nos mais profundamente na filiação divina, que
nos leva a dizer «Abba! Pai!» (Rm. 8, 15);
- une-nos mais firmemente a Cristo;
- aumenta em nós os dons do Espírito Santo;
- torna mais perfeito o laço que nos une à Igreja
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen
Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15);
- dá-nos uma força especial do Espírito Santo para
propagarmos e defendermos a fé, pela palavra e pela
ação, como verdadeiras testemunhas de Cristo, para
confessarmos com valentia o nome de Cristo, e para nunca
nos envergonharmos da cruz
(Cf. Concílio de Florença, Decretum por Armenis:
DS 1319: II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen
Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15; Ibid., 12: AAS
57 (1965) 16):
-
«lembra-te, pois, de que recebeste o sinal espiritual, o
espírito de sabedoria e de entendimento, o espírito de
conselho e de fortaleza, o espírito de ciência e de
piedade, o espírito do santo temor, e guarda o que
recebeste. Deus Pai marcou-te com o seu sinal, o Senhor
Jesus Cristo confirmou-te e pôs no teu coração o penhor
do Espírito»
(Santo Ambrósio, De mysteriis, 7, 42: CSEL 73, 106 (PL
16, 402-403)).
1304. Tal como o Batismo, de que é a consumação, a
Confirmação é dada uma só vez. Com efeito, a Confirmação
imprime na alma uma marca espiritual indelével, o
«caráter»
(Cf. Concílio de Trento, Decretum de sacramentis.
Canones de sacramentis in genere, can. 9: DS 1609),
que é sinal de que Jesus Cristo marcou um cristão com o
selo do seu Espírito, revestindo-o da fortaleza do Alto,
para que seja sua testemunha
(Cf. Lc. 24, 48-49).
1305. O «caráter» aperfeiçoa o sacerdócio comum
dos fiéis, recebido no Batismo, e «o confirmado
recebe a força de confessar a fé de Cristo publicamente
e como em virtude dum encargo oficial (quasi ex
officio)»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae 3, q. 72,
a. 5. ad 2: Ed. Leon. 12. 130).
IV.
Quem pode receber este sacramento?
1306. Todo o batizado ainda não confirmado pode e deve
receber o sacramento da Confirmação
(Cf. CIC can. 889. § 1).
Uma vez que Batismo, Confirmação e Eucaristia formam uma
unidade, segue-se que «os fiéis têm obrigação de
receber este sacramento no tempo devido»
(CIC can. 890),
porque, sem a Confirmação e a Eucaristia, o sacramento
do Batismo é, sem dúvida, válido e eficaz, mas a
iniciação cristã fica incompleta.
1307. O costume latino, desde há séculos, aponta «a
idade da discrição» como ponta de referência para se
receber a Confirmação. Em perigo de morte, porém, devem
confirmar-se as crianças, mesmo que ainda não tenham
atingido a idade da discrição
(Cf. CIC can. 891.883. 3).
1308. Se por vezes se fala da Confirmação como
«sacramento da maturidade cristã», não deve, no
entanto, confundir-se a idade adulta da fé com a idade
adulta do crescimento natural, nem esquecer-se que a
graça batismal é uma graça de eleição gratuita e
imerecida, que não precisa duma «ratificação»
para se tornar efetiva. São Tomás recorda isso mesmo:
-
«a idade do corpo não constitui um prejuízo para a alma.
Por isso, mesmo na infância, o homem pode receber a
perfeição da idade espiritual de que fala a Sabedoria
(4, 8): “a velhice honrada não é a que dão os longos
dias, nem se avalia pelo número dos anos”. E foi assim
que muitas crianças, graças à fortaleza do Espírito
Santo que tinham recebido, lutaram corajosamente e até
ao sangue por Cristo»
(São Tomás de Aquino, Summa theologiae 3, q. 72.
a. 8, ad 2: Ed. Leon. 12. 133).
1309. A preparação para a Confirmação deve
ter por fim conduzir o cristão a uma união mais íntima
com Cristo e a uma familiaridade mais viva com o
Espírito Santo, com a sua ação, os seus dons e os seus
apelos, para melhor assumir as responsabilidades
apostólicas da vida cristã. Desse modo, a catequese da
Confirmação deve esforçar-se por despertar o sentido de
pertença à Igreja de Jesus Cristo, tanto à Igreja
universal como à comunidade paroquial. Esta última tem
uma responsabilidade particular na preparação dos
confirmandos
(Ordo Confirmationis, Praenotanda 3 (Typis
Polyglottis Vaticanis 1973) p. 16 [Celebração da
Confirmação, Preliminares 3 (Coimbra, Gráfica de
Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa. 1991) p.
12]).
1310. Para receber a Confirmação é preciso estar em
estado de graça. Convém recorrer ao sacramento da
Penitência para ser purificado, em vista do dom do
Espírito Santo. E uma oração mais intensa deve preparar
para receber com docilidade e disponibilidade a força e
as graças do Espírito Santo
(Cf. At. 1, 14).
1311. Tanto para a Confirmação, como para o Batismo,
convém que os candidatos procurem a ajuda espiritual dum
padrinho ou de uma madrinha. É conveniente
que seja o mesmo do Batismo, para marcar bem a unidade
dos dois sacramentos
(Cf. Ordo Confirmationis, Praenotanda 5 (Typis
Polyglottis Vaticanis 1973) p. 17 [Celebração da
Confirmação, Preliminares 5 (Coimbra, Gráfica de
Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa. 1991) p.
22]: Ibid., 6: (Typis Polyglottis Vaticanis 1973)
p. 17 [(Coimbra, Gráfica de Coimbra - Conferência
Episcopal Portuguesa. 1991) 22]: CIC can 893, § 1-2).
V.
O ministro da Confirmação
1312. O ministro originário da Confirmação é o
Bispo
(Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen
Gentium, 26: AAS 57 (1465) 32).
-
No Oriente, é
ordinariamente o sacerdote que batiza quem imediatamente
confere a Confirmação, numa só e mesma celebração. Fá-lo,
no entanto, com o santo crisma consagrado pelo Patriarca
ou pelo Bispo, o que exprime a unidade apostólica da
Igreja, cujos laços são reforçados pelo sacramento da
Confirmação. Na Igreja latina aplica-se a mesma
disciplina nos batismos de adultos ou quando é admitido
à plena comunhão com a Igreja um batizado de outra
comunidade cristã, que não tenha recebido validamente o
sacramento da Confirmação
(Cf. CIC can. 883, § 2).
1313. No rito latino, o ministro ordinário da
Confirmação é o Bispo
(Cf. CIC can. 882).
Mesmo que o Bispo possa, em caso de necessidade,
conceder a presbíteros a faculdade de administrar a
Confirmação
(Cf. CIC. can. 884, § 2),
é conveniente que seja ele mesmo a conferi-la, não se
esquecendo de que foi por esse motivo que a celebração
da Confirmação foi separada, no tempo, da do Batismo. Os
Bispos são os sucessores dos Apóstolos e receberam a
plenitude do sacramento da Ordem. A administração deste
sacramento feita por eles, realça que ele tem como
efeito unir mais estreitamente aqueles que o recebem à
Igreja, às suas origens apostólicas e à sua missão de
dar testemunho de Cristo.
1314. Se um cristão estiver em perigo de morte, qualquer
sacerdote pode conferir-lhe a Confirmação
(Cf. CIC can 883, 3).
De fato, é vontade da Igreja que nenhum dos seus filhos,
mesmo pequenino, parta deste mundo sem ter sido levado à
perfeição pelo Espírito Santo com o dom da plenitude de
Cristo.
Resumindo:
1315. «Quando os Apóstolos que estavam em Jerusalém
ouviram dizer que a Samaria recebera a Palavra de Deus,
enviaram-lhe Pedro e João. Quando chegaram lá, rezaram
pelos samaritanos para que recebessem o Espírito Santo,
que ainda não tinha descido sobre eles. Apenas tinham
sido batizados em nome do Senhor Jesus. Então
impunham-lhes as mãos e eles recebiam o Espírito Santo»
(At. 8, 14-17).
1316. A Confirmação completa a graça batismal; ela é
o sacramento que dá o Espírito Santo, para nos enraizar
mais profundamente na filiação divina, incorporar-nos
mais solidamente em Cristo, tornar mais firme o laço que
nos prende à Igreja, associar-nos mais à sua missão e
ajudar-nos a dar testemunho da fé cristã pela palavra,
acompanhada de obras.
1317. A Confirmação, tal como o Batismo, imprime na
alma do cristão um sinal espiritual ou caráter
indelével; é por isso que só se pode receber este
sacramento uma vez na vida.
1318. No Oriente, este sacramento é administrado
imediatamente a seguir ao Batismo e é seguido da
participação na Eucaristia; esta tradição põe em relevo
a unidade dos três sacramentos da iniciação cristã. Na
Igreja latina, este sacramento é administrado quando se
atinge a idade da razão e ordinariamente a sua
celebração é reservada ao Bispo, significando assim que
este sacramento vem robustecer o vínculo eclesial.
1319. O candidato à Confirmação, que atingiu a idade
da razão, deve professar a fé, estar em estado de graça,
ter a intenção de receber o sacramento e estar preparado
para assumir o seu papel de discípulo e testemunha de
Cristo, na comunidade eclesial e nos assuntos temporais.
1320. O rito essencial da Confirmação é a unção com o
santo crisma na fronte do batizado (no Oriente também em
outros órgãos dos sentidos), com a imposição da mão do
ministro e as palavras: «accipe signaculum doni Spiritus
Sancti - Recebe por este sinal o Espírito Santo, o Dom
de Deus» (no rito Romano) ou: «signaculum doni Spiritus
Sancti - Selo do dom que é o Espírito Santo» (no rito
Bizantino).
1321. Quando a Confirmação é celebrada separadamente
do Batismo, a sua ligação com este sacramento é
expressa, entre outras coisas, pela renovação dos
compromissos batismais. A celebração da Confirmação no
decorrer da Eucaristia contribui para sublinhar a
unidade dos sacramentos da iniciação cristã. |