A Intermediação de Maria Mãe dos Homens
para nos levar ao Cordeiro de Deus

'O ROSÁRIO É A VIDA DE CRISTO CONTEMPLADA COM O OLHAR DE MARIA'
"
Maria é aquela que nos acompanha na escuridão da noite até o clarear do novo dia”

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                                                   Criado em 30 de março de 2005

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86 ANOS DE GRAÇAS E BÊNÇÃOS no Brasil e no mundo

Catecismo da Igreja - Parte 2

PÁGINA INICIAL

PARÁGRAFO 5

CÉU E A TERRA

325. O Símbolo dos Apóstolos professa que Deus é «Criador do céu e da terra» (DS 30). E o Símbolo Niceno-Constantinopolitano explicita: «... de todas as coisas, visíveis e invisíveis» (DS 150).

326. Na Sagrada Escritura, a expressão «céu e terra» significa: tudo o que existe, a criação inteira. Indica também o laço que, no interior da criação, ao mesmo tempo une e distingue céu e terra: «a terra» é o mundo dos homens (Cf. Sl. 115, 16); «o céu» ou «os céus» pode designar o firmamento (Cf. Sl. 19, 2), mas também o «lugar» próprio de Deus: «Pai nosso que estais nos céus» (Mt. 5, 16) (Cf. Sl 115, 16), e, por conseguinte, também «o céu» que é a glória escatológica. Finalmente, a palavra «céu» indica o «lugar» das criaturas espirituais - os anjos - que rodeiam Deus.

327. A profissão de fé do quarto Concílio de Latrão afirma que Deus, «desde o princípio do tempo, criou do nada ao mesmo tempo uma e outra criatura, a espiritual e a corporal, isto é, os anjos e o mundo terrestre. Depois criou a criatura humana, que participa das duas primeiras, formada, como é, de espírito e corpo» (IV Concílio de Latrão, Cap. I. De fide catholica: DS 800; Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. I: DS 3002 e Paulo VI, Sollemnis Professio fìdei, 8. AAS 60 (1968) 436).

I. Os anjos

A EXISTÊNCIA DOS ANJOS UMA VERDADE DE FÉ

328. A existência dos seres espirituais, não-corporais, a que a Sagrada Escritura habitualmente chama Anjos, é uma verdade de fé. O testemunho da Escritura é tão claro como a unanimidade da Tradição.

QUEM SÃO OS ANJOS?

329. Santo Agostinho diz a respeito deles: «Angelus [...] officii nomen est, non naturae. Quaeris nomen naturae, spiritus est; quaeris officium, Angelus est: ex eo quod est, spiritus est: ex eo quod agit, Angelus -Anjo é nome de ofício, não de natureza. Desejas saber o nome da natureza? Espírito. Desejas saber o do ofício? Anjo. Pelo que é, é espírito: pelo que faz, é Anjo (Anjo = mensageiro)» (Santo Agostinho, Enarratio in Psalmum, 103, 1, 15: CCL 40, 1488 (PL 37, 1348-1349). Com todo o seu ser, os Anjos são servos e mensageiros de Deus. Pelo fato de contemplarem «continuamente o rosto do meu Pai que está nos céus» (Mt. 18, 10), eles são «os poderosos executores das suas ordens, sempre atentos à sua palavra» (Sl. 103, 20).

330. Enquanto criaturas puramente espirituais, são dotados de inteligência e vontade: são criaturas pessoais (Cf. Pio XII, Enc. Humani generis: DS 3891) e imortais (Cf. Lc. 20. 36). Excedem em perfeição todas as criaturas visíveis. O esplendor da sua glória assim o atesta (Cf. Dn. 10, 9-12).

CRISTO «COM TODOS OS SEUS ANJOS»

331. Cristo é o centro do mundo dos Anjos (angélico). Estes pertencem-Lhe: «quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os [seus] Anjos...» (Mt. 25, 31). Pertencem-Lhe, porque criados por e para Ele: «em vista d'Ele é que foram criados todos os seres, que há nos céus e na terra, os seres visíveis e os invisíveis, os Anjos que são os tronos, senhorias, principados e dominações. Tudo foi criado por seu intermédio e para Ele» (Cl. 1, 16), E são d'Ele mais ainda porque Ele os fez mensageiros do seu plano salvador: «não são eles todos espíritos ao serviço de Deus, enviados a fim de exercerem um ministério a favor daqueles que hão de herdar a salvação»? (Heb. 1, 14).

332. Ei-los, desde a criação (Cf. Job 38, 7, onde os anjos são chamados «filhos de Deus») e ao longo de toda a história da salvação, anunciando de longe ou de perto esta mesma salvação, e postos ao serviço do plano divino da sua realização: eles fecham o paraíso terrestre (Cf. Gn. 3, 24); protegem Lot (Cf. Gn. 19), salvam Agar e seu filho (Cf. Gn. 21, 17), detêm a mão de Abraão (Cf. Gn. 22, 11) pelo seu ministério é comunicada a Lei (Cf. At. 7. 53), são eles que conduzem o povo de Deus (Cf. Ex. 23, 20-23), anunciam nascimentos (Cf. Jz. 13) e vocações (Cf. Jz. 6, 11-24; Is. 6. 6) assistem os profetas (Cf. Rs. 19, 5) - para não citar senão alguns exemplos. Finalmente, é o Anjo Gabriel que anuncia o nascimento do Precursor e o do próprio Jesus (Cf. Lc. 1, 11. 26).

333. Da Encarnação à Ascensão, a vida do Verbo Encarnado é rodeada da adoração e serviço dos Anjos. Quando Deus «introduziu no mundo o seu Primogénito, disse: adorem-no todos os anjos de Deus» (Heb. 1, 6). O seu cântico de louvor, na altura do nascimento de Cristo, nunca deixou de se ouvir no louvor da Igreja: «Glória a Deus [...]» (Lc. 2, 14). Eles protegem a infância de Jesus (Cf. Mt 1, 20; 2, 13.19), servem-no no deserto (Cf. Mc. 1, 13; Mt. 4, 11) e confortam-no na agonia (Cf. Lc. 22, 43) no momento em que por eles poderia ter sido salvo das mãos dos inimigos (Cf. Mt. 26, 53) como outrora Israel (Cf. Mac. 10, 29-30; 11, 8). São ainda os Anjos que «evangelizam» (Cf. Lc. 2, 10), anunciando a Boa-Nova da Encarnação (Cf. Lc. 2, 8-14) e da Ressurreição (Cf. Mc. 16, 5-7) de Cristo. E estarão presentes quando da segunda vinda de Cristo, que anunciam (Cf. At. 1, 10-11), ao serviço do seu juízo (Cf. Mt. 13, 41; 24, 31; Lc. 12, 8-9).

OS ANJOS NA VIDA DA IGREJA

334. Daqui resulta que toda a vida da Igreja beneficia da ajuda misteriosa e poderosa dos Anjos (Cf. At. 5, 18-20; 8, 26-29; 10, 3-8; 12, 6-11; 27, 23-25).

335. Na sua liturgia, a Igreja associa-se aos Anjos para adorar a Deus três vezes santo (Cf. Oração eucarística. «Santo»: (editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970). p. 392) [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 452]); invoca a sua assistência (como na oração "In paradisum deducant te angeli - conduzam-te os anjos ao paraíso" da Liturgia dos Defuntos (Ordo exsequiarum, 50, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1969), p. 23 [Ed. portuguesa: Celebração das Exéquias. Braga, Conferência Episcopal Portuguesa – Editorial A.O., 1984, n. 77, p. 71]), ou ainda no «Hino querubínico» da Liturgia bizantina (Liturgia Byzantina sancti Ioannis Chrysostomi, Hymnus cherubinorum: Liturgies Eastern and Western, ed. F. E. Brightman (Oxford 1896) p. 377), e festeja de modo mais particular a memória de certos Anjos (São Miguel, São Gabriel, São Rafael e os Anjos da Guarda).

336. Desde o seu começo (Cf. Mt. 18, 10) até à morte (Cf. Lc. 16, 22), a vida humana é acompanhada pela sua assistência (Cf. Sl. 34, 8; 91, 10-13) e intercessão (Cf. Job. 33, 23-24; Zc. 1, 12; Tb. 12, 12). «Cada fiel tem a seu lado um Anjo como protetor e pastor para o guiar na vida» (São Basílio Magno, Adversus Eunomium 3, 1; SC 305, 148 (Pg. 29, 656B). Desde este mundo, a vida cristã participa, pela fé, na sociedade bem-aventurada dos Anjos e dos homens, unidos em Deus.

II. O mundo visível

337. Foi o próprio Deus que criou o mundo visível, com toda a sua riqueza, a sua diversidade e a sua ordem. A Sagrada Escritura apresenta a obra do Criador, simbolicamente, como uma sequência de seis dias «de trabalho» divino, que terminam no «repouso» do sétimo dia (Cf. Gn. 1, 1-2, 4). O texto sagrado ensina, a respeito da criação, verdades reveladas por Deus para a nossa salvação (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 11: AAS 58 (1966) 823), as quais permitem «conhecer a natureza última e o valor de todas as criaturas e a sua ordenação para a glória de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 36: AAS 57 (1965) 41).

338. Nada existe que não deva a sua existência a Deus Criador: O mundo começou quando foi tirado do nada pela Palavra de Deus: todos os seres existentes, toda a Natureza, toda a história humana radicam neste acontecimento primordial: é a própria gênese, pela qual o mundo foi constituído e o tempo começado (Cf. Santo Agostinho, De genesi contra Manichaeos, 1, 2, 4: PL 36, 175).

339. Cada criatura possui a sua bondade e perfeição próprias. Acerca de cada uma das obras dos «seis dias» está escrito: «e Deus viu que era bom». «Foi em virtude da própria criação que todas as coisas foram estabelecidas segundo a sua consistência, a sua verdade, a sua excelência própria, com o seu ordenamento e leis específicas» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 36: AAS 58 (1966) 1054). As diferentes criaturas, queridas pelo seu próprio ser, refletem, cada qual a seu modo, uma centelha da sabedoria e da bondade infinitas de Deus. É por isso que o homem deve respeitar a bondade própria de cada criatura, para evitar o uso desordenado das coisas, que despreza o Criador e traz consigo consequências nefastas para os homens e para o seu meio ambiente.

340. A interdependência das criaturas é querida por Deus. O sol e a lua, o cedro e a florzinha, a águia e o pardal: o espetáculo das suas incontáveis diversidades e desigualdades significa que nenhuma criatura se basta a si mesma. Elas só existem na dependência umas das outras, para se completarem mutuamente, no serviço umas das outras.

341. A beleza do Universo: a ordem e a harmonia do mundo criado resultam da diversidade dos seres e das relações existentes entre si. O homem descobre-as progressivamente como leis da natureza. Elas suscitam a admiração dos sábios. A beleza da criação reflete a beleza infinita do Criador, a qual deve inspirar o respeito e a submissão da inteligência e da vontade humanas.

342. A hierarquia das criaturas é expressa pela ordem dos «seis dias», indo do menos perfeito para o mais perfeito. Deus ama todas as suas criaturas (Cf. Sl. 145, 9) e cuida de cada uma, até dos passarinhos. No entanto, Jesus diz: «vós valeis mais do que muitos passarinhos» (Lc. 12, 7), e ainda: «um homem vale muito mais que uma ovelha» (Mt. 12, 12).

343. O homem é o ponto culminante da obra da criação. A narrativa inspirada exprime essa realidade, fazendo nítida distinção entre a criação do homem e a das outras criaturas (Cf. Gn. 1, 26).

344. Existe uma solidariedade entre todas as criaturas pelo fato de todas terem o mesmo Criador e todas serem ordenadas para a sua glória:

- «Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas,
 especialmente, o meu senhor, irmão Sol,
o qual faz o dia e por ele nos alumia
E ele é belo e radiante com grande esplendor:
de Ti. Altíssimo, nos dá ele a imagem [...]

Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água,
que é tão útil e humilde,
e preciosa e casta [...]

Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra,
que nos sustenta e governa,
e produz variados frutos,
com flores coloridas, e verduras [...]

Louvai e bendizei a meu Senhor,
e dai-lhe graças e servi-o
com grande humildade»
(São Francisco de Assis. Cântico das criaturas: Opuscula sancti Patris Francisci Assisiensis, ed C. Esser (Grottaferrata 1978) p. 84-86 [Fontes Franciscanas, l Braga, Editorial Franciscana, 1994) p. 77-78]).

345. O «Sábado» - fim da obra dos «seis dias». O texto sagrado diz que «Deus concluiu, no sétimo dia, a obra que fizera» e que assim «se completaram o céu e a terra»; e no sétimo dia Deus «descansou» e santificou e abençoou este dia (Gn. 2, 1-3). Estas palavras inspiradas são ricas de salutares ensinamentos:

346. Na criação, Deus estabeleceu uma base e leis que permanecem estáveis (Cf. Heb. 4, 3-4) sobre as quais o crente pode apoiar-se com confiança, e que serão para ele sinal e garantia da fidelidade inquebrantável da Aliança divina (Cf. Jr. 31. 35-37; 33, 19-26). Por seu lado, o homem deve manter-se fiel a esta base e respeitar as leis que o Criador nela inscreveu.

347. A criação foi feita em vista do Sábado e, portanto, do culto e da adoração de Deus. O culto está inscrito na ordem da criação (Cf. Gn. 1, 14) - «Operi Dei nihil preponatur - Nada se anteponha à obra de Deus (ao culto divino)» - diz a Regra de São Bento (São Bento, Regula. 43. 3: CSEL 75, 106 (PL 66, 675) indicando assim a justa ordem das preocupações humanas.

348. O Sábado está no coração da Lei de Israel. Guardar os Mandamentos é corresponder à sabedoria e à vontade de Deus, expressas na sua obra da criação.

349. O oitavo dia. Mas para nós, um dia novo surgiu: o dia da Ressurreição de Cristo. O sétimo dia acaba a primeira criação. O oitavo dia começa a nova criação. A obra da criação culmina, assim, na obra maior da Redenção. A primeira criação encontrou o seu sentido e cumeria nova criação em Cristo, cujo esplendor ultrapassa o da primeira (Cf. Vigília Pascal, oração depois da primeira leitura: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 276 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 304]).

Resumindo:

350. Os Anjos são criaturas espirituais que glorificam a Deus sem cessar e servem os seus planos salvíficos em relação às outras criaturas: «ad omnia bona nostra cooperantur angeli - Os Anjos prestam a sua cooperação a tudo quanto diz respeito ao nosso bem» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1, 114. 3, ad 3: Ed. Leon. 5, 535).

351. Os Anjos assistem a Cristo, seu Senhor. Servem-no de modo particular no cumprimento da sua missão salvífica em relação aos homens.

352. A Igreja venera os Anjos, que a ajudam na sua peregrinação terrestre e protegem todo o género humano.

353. Deus quis a diversidade das suas criaturas e a sua bondade própria, a sua interdependência e a sua ordem. Destinou todas as criaturas materiais para o bem do género humano. O homem, e através dele toda a criação, tem como destino a glória de Deus.

354. Respeitar as leis inscritas na criação e as relações derivantes da natureza das coisas, é princípio de sabedoria e fundamento da moral.

PARÁGRAFO 6

O HOMEM

355. «Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus. Ele o criou homem e mulher» (Gn 1, 27). O homem ocupa um lugar único na criação: é «à imagem de Deus» (I); na sua própria natureza, une o mundo espiritual e o mundo material (II); foi criado «homem e mulher» (III); Deus estabeleceu-o na sua amizade (IV).

I. «A imagem de Deus»

356. De todas as criaturas visíveis, só o homem é «capaz de conhecer e amar o seu Criador» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 12: AAS 58 (1966) 1034); é a «única criatura sobre a terra que Deus quis por si mesma» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 24: AAS 58 (1966) 1045); só ele é chamado a partilhar, pelo conhecimento e pelo amor, a vida de Deus. Com este fim foi criado, e tal é a razão fundamental da sua dignidade:

- «qual foi a razão de terdes elevado o homem a tão alta dignidade? Foi certamente o incomparável amor com que Vos contemplastes a Vós mesmo na vossa criatura e Vos enamorastes dela; porque foi por amor que a criastes, foi por amor que lhe destes um ser capaz de apreciar o vosso bem eterno» (Santa Catarina de Sena, Il dialogo della Divina provvidenza, 13: ed. G. Cavallini (Roma 1995) p. 43).

357. Porque é «à imagem de Deus», o indivíduo humano possui a dignidade de pessoa: ele não é somente alguma coisa, mas alguém. É capaz de se conhecer, de se possuir e de livremente se dar e entrar em comunhão com outras pessoas. E é chamado, pela graça, a uma Aliança com o seu Criador, a dar-Lhe uma resposta de fé e amor que mais ninguém pode dar em seu lugar.

358. Deus tudo criou para o homem (Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 12: AAS 58 (1966) 1034: Ibid. 24: AAS 58 (1966) 1045; Ibid. 39: AAS 58 (1966) 1056-1057) mas o homem foi criado para servir e amar a Deus, e para Lhe oferecer toda a criação:

- «qual é, pois, o ser que vai chegar à existência rodeado de tal consideração? É o homem, grande e admirável figura vivente, mais precioso aos olhos de Deus que toda a criação; é o homem, para quem existem o céu e a terra e o mar e a totalidade da criação, e a cuja salvação Deus deu tanta importância, que, por ele, nem ao seu próprio Filho poupou. Porque Deus não desiste de tudo realizar, para fazer subir o homem até Si e fazê-lo sentar à sua direita» (São João Crisóstomo, Sermones in Genesim, 2, 1: PG 54, 587D-588A).

359. «Na realidade, só no mistério do Verbo Encarnado é que verdadeiramente se esclarece o mistério do homem» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042):

- «São Paulo ensina-nos que dois homens estão na origem do género humano: Adão e Cristo. [...] O primeiro Adão, diz ele, foi criado como um ser humano que recebeu a vida; o segundo é um ser espiritual que dá a vida. O primeiro foi criado pelo segundo, de quem recebeu a alma que o faz viver. [...] O segundo Adão gravou a sua imagem no primeiro, quando o modelou. Por isso, veio a assumir a sua função e o seu nome, para que não se perdesse aquele que fizera à sua imagem. Primeiro e último Adão: o primeiro teve princípio; o último não terá fim. Por isso é que o último é verdadeiramente o primeiro, como Ele mesmo diz: "Eu sou o Primeiro e o Último"» (São Pedro Crisólogo, Sermones 117, 1-2: CCL 24A, 709 (PL 52, 520) [2ª leit. do Ofício de Leituras de Sábado da XXIX Semana do Tempo Comum: Liturgia das Horas (Gráfica de Coimbra 1983), v. 4, p. 440]).

360. Graças à comunidade de origem, o género humano forma uma unidade. Deus «fez, a partir de um só homem todo o género humano para habitar sobre toda a face da terra» (At. 17, 26) (Cf. Tb. 8, 6):

- «maravilhosa visão, que nos faz contemplar o género humano na unidade da sua origem em Deus [...]; na unidade da sua natureza, em todos igualmente integrada dum corpo material e duma alma espiritual; na unidade do seu fim imediato e da sua missão no mundo; na unidade da sua habitação, a terra, de cujos bens todos os homens, por direito natural, podem servir-se para sustentar e desenvolver a vida; na unidade do seu fim sobrenatural. Deus, para o Qual todos devem tender, na unidade dos meios para atingir este fim; [...] na unidade da Redenção, para todos levada a cabo por Cristo» (Pio XII, Enc. Summi Pontificatus: AAS 31 (1939) 427: II Concílio Vaticano, Decl. Nostra aetate, 1: AAS 58 (1966) 740).

361. «Esta lei de solidariedade humana e de caridade» (Pio XII. Enc. Summi Pontificatus: AAS 31 (1939) 426), sem excluir a rica variedade das pessoas, das culturas e dos povos, assegura-nos que todos os homens são verdadeiramente irmãos.

II. «Corpore et anima unus» - Unidade de corpo e alma

362. A pessoa humana, criada à imagem de Deus, é um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual. A narrativa bíblica exprime esta realidade numa linguagem simbólica, quando afirma que «Deus formou o homem com o pó da terra, insuflou-lhe pelas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se num ser vivo» (Gn. 2, 7). O homem, no seu ser total, foi, portanto, querido por Deus.

363. Muitas vezes, a palavra alma designa, nas Sagradas Escrituras, a vida humana (Cf. Mt. 16, 25-26; Jo. 15. 13), ou a pessoa humana no seu todo (Cf. At. 2, 41). Mas designa também o que há de mais íntimo no homem (Cf. Mt. 26, 38; Jo. 12, 27) e de maior valor na sua pessoa (Cf. Mt. 10, 28; 2 Mac 6, 30), aquilo que particularmente faz dele imagem de Deus: «alma» significa o princípio espiritual no homem.

364. O corpo do homem participa na dignidade da «imagem de Deus»: é corpo humano precisamente por ser animado pela alma espiritual, e a pessoa humana na sua totalidade é que é destinada a tornar-se, no Corpo (Místico) de Cristo, templo do Espírito (Cf. 1ª Cor. 6, 19-20; 15, 44-45):

- «corpo e alma, mas realmente uno, o homem, na sua condição corporal, reúne em si mesmo os elementos do mundo material, que assim nele encontram a sua consumação e nele podem louvar Livremente o seu Criador. Por isso, não é lícito ao homem menosprezar a vida do corpo. Pelo contrário, deve estimar e respeitar o seu corpo, que foi criado por Deus e que há de ressuscitar no último dia» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 14: AAS 58 (1966) 1035).

365. A unidade da alma e do corpo é tão profunda que se deve considerar a alma como a «forma» do corpo (Cf. Concílio de Viena (ano 1312), Const. «Fidei catholicae»: DS 902); quer dizer, é graças à alma espiritual que o corpo, constituído de matéria, é um corpo humano e vivo. No homem, o espírito e a matéria não são duas naturezas unidas, mas a sua união forma uma única natureza.

366. A Igreja ensina que cada alma espiritual é criada por Deus de modo imediato (Cf. Pio XII, Enc. Humani generis (ano 1950): DS 3896; Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 8: AAS 60 (1968) 436) e não produzida pelos pais; e que é imortal (Cf. V Concílio de Latrão (ano 1513), Bulla Apostolici regiminis: DS 1440), isto é, não morre quando, na morte, se separa do corpo; e que se unirá de novo ao corpo na ressurreição final.

367. Encontra-se às vezes uma distinção entre alma e espírito. São Paulo, por exemplo, ora para que «todo o nosso ser, o espírito, a alma e o corpo», seja guardado sem mancha até à vinda do Senhor (1ª Ts. 5, 23). A Igreja ensina que esta distinção não introduz uma dualidade na alma (IV Concílio de Constantinopla (ano 870), canon 11: DS 657), «Espírito» significa que o homem é ordenado, desde a sua criação, para o seu fim sobrenatural (Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 2: DS 3005; II Concílio Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042-1043), e que a alma é capaz de ser gratuitamente sobre elevada até à comunhão com Deus (Cf. Pio XII, Enc. Humani generis (ano 1950): DS 3891).

368. A tradição espiritual da Igreja insiste também no coração, no sentido bíblico de «fundo do ser» («nas entranhas»: Jr 31, 33) em que a pessoa se decide ou não por Deus (Cf. Dt 6, 5; 29, 3; Is 29, 13; Ez 36, 26; Mt 6, 21: Lc 8, 15; Rm 5, 5).

III. «Homem e mulher os criou»

IGUALDADE E DIFERENÇA QUERIDAS POR DEUS

369. O homem e a mulher foram criados, quer dizer, foram queridos por Deus: em perfeita igualdade enquanto pessoas humanas, por um lado; mas, por outro, no seu respectivo ser de homem e de mulher. «ser homem», «ser mulher» é uma realidade boa e querida por Deus: o homem e a mulher têm uma dignidade inamissível e que lhes vem imediatamente de Deus, seu Criador (Cf. Gn. 2, 7.22). O homem e a mulher são, com uma mesma dignidade, «à imagem de Deus». No seu «ser homem» e no seu «ser mulher», refletem a sabedoria e a bondade do Criador.

370. Deus não é, de modo algum; à imagem do homem. Não é nem homem nem mulher. Deus é puro espírito, no Qual não há lugar para a diferença de sexos. Mas as «perfeições» do homem e da mulher refletem qualquer coisa da infinita perfeição de Deus: as duma mãe (Cf. Is. 49, 14-15; 66, 13; Sl 131, 2-3) e as dum pai e esposo (Cf. Os 11, 1-4; Jr. 3, 4-19).

«UM PARA O OUTRO» - «UMA UNIDADE A DOIS»

371. Criados juntamente, o homem e a mulher são, na vontade de Deus, um para o outro. A Palavra de Deus no-lo dá a entender em diversos passos do texto sagrado. «não convém que o homem esteja só: vou fazer-lhe uma ajudante que se pareça com ele» (Gn. 2, 18). Nenhum dos animais pode ser este «par» do homem (Cf. Gn. 2, 19-20). A mulher que Deus «molda» da costela tirada do homem e que apresenta ao homem, provoca da parte deste, uma exclamação admirativa, de amor e comunhão: «e osso dos meus ossos e carne da minha carne» (Ga. 2, 23). O homem descobre a mulher como um outro «eu», da mesma humanidade.

372. O homem e a mulher são feitos «um para o outro»: não é que Deus os tenha feito «a meias» e «incompletos»; criou-os para uma comunhão de pessoas, em que cada um pode ser «ajuda» para o outro, uma vez que são, ao mesmo tempo, iguais enquanto pessoas («osso dos meus ossos») e complementares enquanto masculino e feminino (Cf. João Paulo II, Ep. ap. Mulieris dignitatem, 7: AAS 80 (1988) 1664-1665). No matrimónio, Deus une-os de modo que, formando «uma só carne» (Gn. 2, 24), possam transmitir a vida humana: «crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra» (Gn. 1, 28). Transmitindo aos seus descendentes a vida humana, o homem e a mulher, como esposos e pais, cooperam de modo único na obra do Criador (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 50: AAS 58 (1966) 1070-1071).

373. Segundo o desígnio de Deus, o homem e a mulher são vocacionados para «dominarem a terra» (Cf. Gn. 1, 28) como «administradores» de Deus. Esta soberania não deve ser uma dominação arbitrária e destruidora. A imagem do Criador, «que ama tudo o que existe» (Sb. 11, 24), o homem e a mulher são chamados a participar na Providência divina em relação às outras criaturas. Daí a sua responsabilidade para com o mundo que Deus lhes confiou.

IV. O homem no paraíso

374. O primeiro homem não só foi criado bom, como também foi constituído num estado de amizade com o seu Criador, e de harmonia consigo mesmo e com a criação que o rodeava; amizade e harmonia tais, que só serão ultrapassadas pela glória da nova criação em Cristo.

375. A Igreja, interpretando de modo autêntico o simbolismo da linguagem bíblica à luz do Novo Testamento e da Tradição, ensina que os nossos primeiros pais, Adão e Eva, foram constituídos num estado de santidade e de justiça originais (Cf. Concílio de Trento, Sess. 5.°. Decretum de peccato originali, canon 1: DS1511). Esta graça da santidade original era uma participação na vida divina (Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 2: AAS 57 (1965) 5-6).

376. Todas as dimensões da vida do homem eram fortalecidas pela irradiação desta graça. Enquanto permanecesse na intimidade divina, o homem não devia nem morrer (Cf. Gn. 2, 17; 3, 19), nem sofrer (Cf. Gn. 3, 16). A harmonia interior da pessoa humana, a harmonia entre o homem e a mulher (Cf. Gn. 2, 25), enfim, a harmonia entre o primeiro casal e toda a criação, constituía o estado dito «de justiça original».

377. O «domínio» do mundo, que Deus tinha concedido ao homem desde o princípio, realizava-se, antes de mais, no próprio homem como domínio de si. O homem era integrado e ordenado em todo o seu ser, porque livre da tríplice concupiscência (Cf. 1ª Jo. 2, 16), que o sujeita aos prazeres dos sentidos, à ambição dos bens terrenos e à afirmação de si contra os imperativos da razão.

378. Sinal da familiaridade com Deus é o fato de Deus o colocar no jardim (Cf. Gn. 2, 8). Ali vive «a fim de o cultivar e guardar» (Gn. 2, 15): o trabalho não é um castigo (Cf. Gn. 3, 17-19), mas a colaboração do homem e da mulher com Deus no aperfeiçoamento da criação visível.

379. Toda esta harmonia da justiça original, prevista para o homem pelo plano de Deus, será perdida pelo pecado dos nossos primeiros pais.

Resumindo:

380. «Formastes o homem à vossa imagem e lhe confiastes o Universo, para que, servindo-Vos unicamente a Vós, seu Criador; exercesse domínio sobre todas as criaturas» (Oração eucarística IV 118: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 467 [Missal Romano. Gráfica de Coimbra 1992. 538]).

381. O homem foi predestinado para reproduzir a imagem do Filho de Deus feito homem - «imagem do Deus invisível» (Cl. 1, 15) -, para que Cristo seja o primogénito duma multidão de irmãos e irmãs (Cf. Ef .1, 3-6: Rm. 8, 29).

382. O homem é «uma unidade de corpo e alma» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 14: AAS 58 (1966) 1035). A doutrina da fé afirma que a alma espiritual e imortal foi criada imediatamente por Deus.

383. «Deus não criou o homem solitário: desde a origem "criou-os homem e mulher" (Gn. 1, 27); a sociedade dos dois realiza a primeira forma de comunhão entre pessoas» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 12: AAS 58 (1966) 1034).

384. A Revelação dá-nos a conhecer o estado de santidade e justiça originais do homem e da mulher, antes do pecado: da amizade de ambos com Deus derivava a felicidade da sua existência no paraíso.

PARÁGRAFO 7

A QUEDA

385. Deus é infinitamente bom e todas as suas obras são boas. No entanto, ninguém escapa à experiência do sofrimento, dos males da natureza - que aparecem como ligados aos limites próprios das criaturas -, e sobretudo à questão do mal moral. Donde vem o mal? «Quaerebam unde malum et non erat exitus - Procurava a origem do mal e não encontrava solução», diz Santo Agostinho (Santo Agostinho, Confissões 7, 7. 11: CCL 27. 99 (PL 32, 739). A sua própria busca dolorosa só encontrará saída na conversão ao Deus vivo. Porque «o mistério da iniquidade» (2ª Ts. 2, 7) só se esclarece à luz do «mistério da piedade» (Cf. 1ª Tm. 3, 16). A revelação do amor divino em Cristo manifestou, ao mesmo tempo, a extensão do mal e a superabundância da graça (Cf. Rm. 5, 20). Devemos, portanto, abordar a questão da origem do mal, fixando o olhar da nossa fé n'Aquele que é o seu único vencedor (Cf. Lc. 11, 21-22: Jo. 16, 11; 1 Jo. 3, 8).

I. «Onde abundou o pecado, sobreabundou a graça»

A REALIDADE DO PECADO

386. O pecado está presente na história do homem. Seria vão tentar ignorá-lo ou dar outros nomes a esta obscura realidade. Para tentar compreender o que é o pecado, temos primeiro de reconhecer o laço profundo que une o homem a Deus, porque, fora desta relação, o mal do pecado não é desmascarado na sua verdadeira identidade de recusa e oposição a Deus, embora continue a pesar na vida do homem e na história.

387. A realidade do pecado e, dum modo particular, a do pecado das origens, só se esclarece à luz da Revelação divina. Sem o conhecimento que está nos dá de Deus, não se pode reconhecer claramente o pecado, e somos tentados a explicá-lo unicamente como falta de maturidade, fraqueza psicológica, erro, consequência necessária duma estrutura social inadequada, etc. Só no conhecimento do desígnio de Deus sobre o homem é que se compreende que o pecado é um abuso da liberdade que Deus dá às pessoas criadas para que possam amá-Lo e amarem-se mutuamente.

O PECADO ORIGINAL – UMA VERDADE FUNDAMENTAL DA FÉ

388. Com o progresso da Revelação, vai-se esclarecendo também a realidade do pecado. Embora o povo de Deus do Antigo Testamento tenha abordado a dor da condição humana à luz da história da queda narrada no Génesis, não podia atingir o significado último dessa história, o qual só se manifesta à luz da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo (Cf. Rm. 5, 12-21). É preciso conhecer Cristo como fonte da graça para reconhecer Adão como fonte do pecado. Foi o Espírito Paráclito, enviado por Cristo ressuscitado, que veio «confundir o mundo em matéria de pecado» (Jo 16, 8), revelando Aquele que é o seu redentor.

389. A doutrina do pecado original é, por assim dizer, «o reverso» da Boa-Nova de que Jesus é o Salvador de todos os homens, de que todos têm necessidade da salvação e de que a salvação é oferecida a todos, graças a Cristo. A Igreja, que tem o sentido de Cristo (Cf.1ª Cor. 2, 16), sabe bem que não pode tocar-se na revelação do pecado original sem atentar contra o mistério de Cristo.

PARA LER A NARRATIVA DA QUEDA

390. A narrativa da queda (Gn. 3) utiliza uma linguagem feita de imagens, mas afirma um acontecimento primordial, um facto que teve lugar no princípio da história do homem (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 13: AAS 58 (1966) 1034-1035). A Revelação dá-nos uma certeza de fé de que toda a história humana está marcada pela falta original, livremente cometida pelos nossos primeiros pais (Cf. Concílio de Trento, Sess. 5.º, Decretum de peccato originali, canon 3: DS1513: Pio XII, Enc. Humani generis: DS 3897: Paulo VI, Alocução aos participantes no «simpósio» teológico sobre o pecado original (11 de Julho de 1966): AAS 58 (1966) 649-655).

II. A queda dos anjos

391. Por detrás da opção de desobediência dos nossos primeiros pais, há uma voz sedutora, oposta a Deus (Cf. Gn. 3, 1-5), a qual, por inveja, os faz cair na morte (Cf. Sb. 2, 24). A Escritura e a Tradição da Igreja veem neste ser um anjo decaído, chamado Satanás ou Diabo (Cf. Jo. 8, 44; Ap. 12, 9). Segundo o ensinamento da Igreja, ele foi primeiro um anjo bom, criado por Deus. «Diabolus enim et alii daemones a Deo quidem natura creati sunt boni, sed ipsi per se facti sunt mali - De fato, o Diabo e os outros demónios foram por Deus criados naturalmente bons; mas eles, por si, é que se fizeram maus» (IV Concílio de Latrão (ano 1215), Cap. 1, De fide catholica: DS 800).

392. A Escritura fala dum pecado destes anjos (Cf. 2ª Pe 2, 4). A queda consiste na livre opção destes espíritos criados, que radical e irrevogavelmente recusaram Deus e o seu Reino. Encontramos um reflexo desta rebelião nas palavras do tentador aos nossos primeiros pais: «sereis como Deus» (Gn. 3, 5). O Diabo é «pecador desde o princípio» (1ª Jo. 3, 8), «pai da mentira» (Jo. 8, 44).

393. É o carácter irrevogável da sua opção, e não uma falha da infinita misericórdia de Deus, que faz com que o pecado dos anjos não possa ser perdoado. «Não há arrependimento para eles depois da queda, tal como não há arrependimento para os homens depois da morte» (São João Damasceno, Expositio fidei [De fide orthodoxa 2, 4]: PTS 12, 50 (PG 94, 877)).

394. A Escritura atesta a influência nefasta daquele que Jesus chama «o assassino desde o princípio» (Jo. 8, 44), e que chegou ao ponto de tentar desviar Jesus da missão recebida do Pai (Cf. Mt. 4, 1-11). «Foi para destruir as obras do Diabo que apareceu o Filho de Deus» (1ª Jo. 3, 8). Dessas obras, a mais grave em consequências foi a mentirosa sedução que induziu o homem a desobedecer a Deus.

395. No entanto, o poder de Satanás não é infinito. Satanás é uma simples criatura, poderosa pelo fato de ser puro espírito, mas, de qualquer modo, criatura: impotente para impedir a edificação do Reino de Deus. Embora Satanás exerça no mundo a sua ação, por ódio contra Deus e o seu reinado em Jesus Cristo, e embora a sua ação cause graves prejuízos - de natureza espiritual e indiretamente, também, de natureza física - a cada homem e à sociedade, essa ação é permitida pela divina Providência, que com força e suavidade dirige a história do homem e do mundo. A permissão divina da atividade diabólica é um grande mistério. Mas «nós sabemos que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm. 8, 28).

III. O pecado original

A PROVA DA LIBERDADE

396. Deus criou o homem «à sua imagem» e constituiu-o na sua amizade. Criatura espiritual, o homem só pode viver esta amizade na modalidade da livre submissão a Deus. É isso o que exprime a proibição feita ao homem de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, «pois no dia em que o comeres, morrerás» (Gn. 2, 17). A «árvore de conhecer o bem e o mal» (Gn. 2, 17) evoca simbolicamente o limite intransponível que o homem, como criatura, deve livremente reconhecer e confiadamente respeitar. O homem depende do Criador. Está sujeito às leis da criação e às normas morais que regulam o exercício da liberdade.

O PRIMEIRO PECADO DO HOMEM

397. Tentado pelo Diabo, o homem deixou morrer no coração a confiança no seu Criador (Cf Gn. 3, 1-11). Abusando da liberdade, desobedeceu ao mandamento de Deus. Nisso consistiu o primeiro pecado do homem (Cf. Rm. 5, 19). Daí em diante, todo o pecado será uma desobediência a Deus e uma falta de confiança na sua bondade.

398. Neste pecado, o homem preferiu-se a si próprio a Deus, e por isso desprezou Deus: optou por si próprio contra Deus, contra as exigências da sua condição de criatura e, daí, contra o seu próprio bem. Constituído num estado de santidade, o homem estava destinado a ser plenamente «divinizado» por Deus na glória. Pela sedução do Diabo, quis «ser como Deus» (Cf. Gn. 3, 5), mas «sem Deus, em vez de Deus, e não segundo Deus» (São Máximo o Confessor, Ambiguorum liber: PG 91, 1156).

399. A Escritura refere as consequências dramáticas desta primeira desobediência: Adão e Eva perdem imediatamente a graça da santidade original (Cf. Rm. 3, 23). Têm medo daquele Deus (Cf. Gn. 3, 9-10) de quem se fizeram uma falsa imagem: a dum Deus ciumento das suas prerrogativas (Cf. Gn. 3, 5).

400. A harmonia em que viviam, graças à justiça original, ficou destruída; o domínio das faculdades espirituais da alma sobre o corpo foi quebrado (Cf. Gn. 3, 7); a união do homem e da mulher ficou sujeita a tensões (Cf. Gn. 3, 11-13); as suas relações serão marcadas pela avidez e pelo domínio (Cf. Gn. 3, 16). A harmonia com a criação desfez-se: a criação visível tornou-se, para o homem, estranha e hostil (Cf. Gn. 3, 17.19). Por causa do homem, a criação ficou sujeita «à servidão da corrupção» (Cf. Rm. 8, 20). Enfim, vai concretizar-se a consequência explicitamente anunciada para o caso da desobediência (Cf. Gn. 2, 17): o homem «voltará ao pó de que foi formado» (Cf. Gn. 3, 19). A morte faz a sua entrada na história da humanidade (Cf. Rm. 5, 12).

401. A partir deste primeiro pecado, uma verdadeira «invasão» de pecado inunda o mundo: o fratricídio cometido por Caim na pessoa de Abel (Cf. Gn. 4, 3-15); a corrupção universal como consequência do pecado (Cf. Gn. 6, 5.12; Rm. 1, 18-32). Na história de Israel, o pecado manifesta-se com frequência, sobretudo como uma infidelidade ao Deus da Aliança e como transgressão da lei de Moisés. Mesmo depois da redenção de Cristo, o pecado manifesta-se de muitas maneiras entre os cristãos (Cf. 1ª Cor. 1-6; Ap 2-3). A Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja não se cansam de lembrar a presença e a universalidade do pecado na história do homem.

- «o que a Revelação divina nos dá a conhecer, concorda com os dados da experiência. Quando o homem olha para dentro do seu próprio coração, descobre-se inclinado também para o mal, e imerso em muitos males, que não podem provir do seu Criador, que é bom. Muitas vezes, recusando reconhecer Deus como seu princípio, o homem perturbou, por isso mesmo, a sua ordenação para o fim último e, ao mesmo tempo, toda a harmonia consigo próprio, com os outros homens e com toda a criação» (I Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 13: AAS 58 (1966) 1035).

CONSEQUÊNCIAS DO PECADO DE ADÃO PARA A HUMANIDADE

402. Todos os homens estão implicados no pecado de Adão. É São Paulo quem o afirma: «pela desobediência de um só homem, muitos [quer dizer, a totalidade dos homens] se tornaram pecadores» (Rm. 5, 19): «assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte atingiu todos os homens, porque todos pecaram» (Rm. 5, 12). A universalidade do pecado e da morte, o Apóstolo opõe a universalidade da salvação em Cristo: «assim como, pelo pecado de um só, veio para todos os homens a condenação, assim também, pela obra de justiça de um só [Cristo], virá para todos a justificação que dá a vida» (Rm. 5, 18).

403. Depois de São Paulo, a Igreja sempre ensinou que a imensa miséria que oprime os homens, e a sua inclinação para o mal e para a morte não se compreendem sem a ligação com o pecado de Adão e o fato de ele nos ter transmitido um pecado de que todos nascemos infectados e que é «morte da alma» (Concílio de Trento, Sess.5.ª, Decretum de peccato originali, canon 2: DS 1512). A partir desta certeza de fé, a Igreja confere o Batismo para a remissão dos pecados, mesmo às crianças que não cometeram qualquer pecado pessoal (Concílio de Trento, Sess. 5.ª, Decretum de peccato originali, canon 4: DS 1514).

404. Como é que o pecado de Adão se tornou o pecado de todos os seus descendentes? Todo o género humano é, em Adão, «sicut unum corpus unius hominis - como um só corpo dum único homem» (São Tomás de Aquino, Quaestiones disputatae de malo, 4. 1, c.: Ed. Leon. 23, 105). Em virtude desta «unidade do género humano», todos os homens estão implicados no pecado de Adão, do mesmo modo que todos estão implicados na justificação de Cristo. Todavia, a transmissão do pecado original é um mistério que nós não podemos compreender plenamente. Mas sabemos, pela Revelação, que Adão tinha recebido a santidade e a justiça originais, não só para si, mas para toda a natureza humana; consentindo na tentação, Adão e Eva cometeram um pecado pessoal, mas este pecado afeta a natureza humana que eles vão transmitir num estado decaído (Concílio de Trento, Sess. 5.ª, Decretum de peccato originali, canon 1-2: DS 1511-1512). É um pecado que vai ser transmitido a toda a humanidade por propagação, quer dizer, pela transmissão duma natureza humana privada da santidade e justiça originais. E é por isso que o pecado original se chama «pecado» por analogia: é um pecado «contraído» e não «cometido»; um estado, não um ato.

405. Embora próprio de cada um (Concílio de Trento, Sess. 5.ª, Decretum de peccato originali, canon 3: DS 1513), o pecado original não tem, em qualquer descendente de Adão, carácter de falta pessoal. É a privação da santidade e justiça originais, mas a natureza humana não se encontra totalmente corrompida: está ferida nas suas próprias forças naturais, sujeita à ignorância, ao sofrimento e ao império da morte, e inclinada ao pecado (inclinação para o mal, que se chama concupiscência). O Batismo, ao conferir a vida da graça de Cristo, apaga o pecado original e reorienta o homem para Deus, mas as consequências para a natureza, enfraquecida e inclinada para o mal, persistem no homem e convidam-no ao combate espiritual.

406. A doutrina da Igreja sobre a transmissão do pecado original foi definida sobretudo no século V, particularmente sob o impulso da reflexão de Santo Agostinho contra o pelagianismo, e no século XVI, por oposição à Reforma protestante. Pelágio sustentava que o homem podia, pela força natural da sua vontade livre, sem a ajuda necessária da graça de Deus, levar uma vida moralmente boa; reduzia a influência do pecado de Adão à de um simples mau exemplo. Os primeiros reformadores protestantes, pelo contrário, ensinavam que o homem estava radicalmente pervertido e a sua liberdade anulada pelo pecado das origens: identificavam o pecado herdado por cada homem com a tendência para o mal («concupiscência»), a qual seria invencível. A Igreja pronunciou-se especialmente sobre o sentido do dado revelado, quanto ao pecado original, no segundo Concílio de Orange em 529 (Concílio de Orange, Canones 1-2: DS 371-372) e no Concílio de Trento em 1546 (Concílio de Trento, Sess. Decretum de peccato originali, DS 1510-1516).

UM DURO COMBATE

407. A doutrina sobre o pecado original - ligada à da redenção por Cristo - proporciona uma visão de lúcido discernimento sobre a situação do homem e da sua ação neste mundo. Pelo pecado dos primeiros pais, o Diabo adquiriu um certo domínio sobre o homem, embora este permanecesse livre. O pecado original traz consigo «a escravidão, sob o poder daquele que possuía o império da morte, isto é, do Diabo» (Concílio de Trento, Sess. Decretum de peccato originali, canon l: DS 1511; cf. Heb. 2, 14). Ignorar que o homem tem uma natureza ferida, inclinada para o mal, dá lugar a graves erros no domínio da educação, da política, da ação social (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 25: AAS 83 (1991) 823-824) e dos costumes.

408. As consequências do pecado original e de todos os pecados pessoais dos homens dão ao mundo, no seu conjunto, uma condição pecadora, que pode ser designada pela expressão de São João «o pecado do mundo» (Jo. 1, 29). Esta expressão significa também a influência negativa que as situações comunitárias e as estruturas sociais, que são o fruto dos pecados dos homens, exercem sobre as pessoas (Cf. João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 16: AAS 77 (1985) 213-217).

409. Esta dramática situação do mundo, que «está todo sob o poder do Maligno» (1ª Jo, 5, 19) (Cf. 1ª Pe. 5, 8), transforma a vida do homem num combate:

- «um duro combate contra os poderes das trevas atravessa toda a história dos homens. Tendo começado nas origens, há de durar - o Senhor no-lo disse - até ao último dia. Empenhado nesta batalha, o homem vê-se na necessidade de lutar sem descanso para aderir ao bem. Só através de grandes esforços é que, com a graça de Deus, consegue realizar a sua unidade interior» (II Concílio do Vaticano. Const. past. Gaudium et spes, 37: AAS 58 (1966) 1055).

IV. «Vós não o abandonastes ao poder da morte»

410. Depois da queda, o homem não foi abandonado por Deus. Pelo contrário, Deus chamou-o (Cf. Gn 3, 9) e anunciou-lhe, de modo misterioso, que venceria o mal e se levantaria da queda (Cf. Gn. 3, 15). Esta passagem do Génesis tem sido chamada «Proto-Evangelho» por ser o primeiro anúncio do Messias redentor, do combate entre a Serpente e a Mulher, e da vitória final dum descendente desta.

411. A Tradição cristã vê nesta passagem um anúncio do «novo Adão» (Cf. 1ª Cor. 15, 21-22.45) que, pela sua «obediência até à morte de cruz» (Fl. 2, 8), repara super abundantemente a desobediência de Adão (Cf. Rm. 5, 19-20). Por outro lado, muitos Santos Padres e Doutores da Igreja veem na mulher, anunciada no proto-Evangelho, a Mãe de Cristo, Maria, como «nova Eva». Ela foi a primeira a beneficiar, dum modo único, da vitória sobre o pecado alcançada por Cristo: foi preservada de toda a mancha do pecado original (Cf. Pio IX. Bulla Ineffabilis Deus: DS 2803) e, durante toda a sua vida terrena, por uma graça especial de Deus, não cometeu qualquer espécie de pecado (Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª., Decretum de iustificatione, canon 23: DS 1573).

412. Mas porque é que Deus não impediu o primeiro homem de pecar? São Leão Magno responde: «a graça inefável de Cristo deu-nos bens superiores aos que a inveja do demónio nos tinha tirado» (São Leão Magno, Sermo 73. 4: CCL 88A. 453 (PL 54. 151)). E São Tomás de Aquino: «nada se opõe a que a natureza humana tenha sido destinada a um fim mais alto depois do pecado. Efetivamente, Deus permite que os males aconteçam para deles tirar um bem maior. Daí a palavra de São Paulo: "onde abundou o pecado, superabundou a graça" (Rm. 5, 20). Por isso, na bênção do círio pascal canta-se: "ó feliz culpa, que mereceu tal e tão grande Redentor"»! (São Tomás de Aquino, Summa theologiae. 3, q. 1, a. 3. ad 3: Ed. Leon. 11, 14: as palavras aqui citadas por São Tomás cantam-se no Precónio pascal «Exsultet»).

Resumindo:

413. «Não foi Deus quem fez a morte, nem Ele se alegra por os vivos se perderem [...]. A morte entrou no mundo pela inveja do Diabo» (Sb. 1, 13; 2, 24).

414. Satanás ou Diabo e os outros demónios são anjos decaídos por terem livremente recusado servir a Deus e ao seu desígnio. A sua opção contra Deus é definitiva. E eles tentam associar o homem à sua revolta contra Deus.

415. «Estabelecido por Deus num estado de santidade, o homem, seduzido pelo Maligno desde o princípio da história, abusou da sua liberdade, levantando-se contra Deus e pretendendo atingir o seu fim fora de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 13: AAS 58 (1966) 1034-1035).

416. Pelo seu pecado, Adão, como primeiro homem, perdeu a santidade e a justiça originais que tinha recebido de Deus, não somente para si, mas para todos os seres humanos.

417. À sua descendência, Adão e Eva transmitiram a natureza humana ferida pelo seu primeiro pecado, portanto privada da santidade e da justiça originais. Esta privação é chamada «pecado original».

418. Como consequência do pecado original, a natureza humana ficou enfraquecida nas suas forças e sujeita à ignorância, ao sofrimento e ao domínio da morte, e inclinada para o pecado - inclinação que se chama «concupiscência».

419. «Afirmamos, pois, com o Concílio de Trento, que o pecado original é transmitido com a natureza humana, "não por imitação, mas por propagação", e que, assim, é "próprio de cada um"» (Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 16: AAS 60 (1968) 439).

420. A vitória alcançada por Cristo sobre o pecado trouxe-nos bens superiores àqueles que o pecado nos tinha tirado: «onde abundou o pecado, superabundou a graça» (Rm. 5, 20).

421. «Segundo a fé dos cristãos, este mundo foi criado e continua a ser conservado pelo amor do Criador; é verdade que caiu sob a escravidão do pecado, mas Cristo, pela Cruz e Ressurreição, venceu o poder do Maligno e libertou-o...» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 2: AAS 58 (1966) 1026)

CAPÍTULO SEGUNDO

CREIO EM JESUS CRISTO, FILHO ÚNICO DE DEUS

 A BOA-NOVA: DEUS ENVIOU O SEU FILHO

422. «Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher e sujeito à Lei, para resgatar os que estavam sujeitos à Lei e nos tornar seus filhos adotivos» (Gl. 4, 4-5). Esta é a «Boa-Nova de Jesus Cristo, Filho de Deus» (Cf. Mc 1, 1): Deus visitou o seu povo (Cf. Lc. 1, 68) e cumpriu as promessas feitas a Abraão e à sua descendência (Cf. Lc. 1, 55) fê-lo para além de toda a expectativa: enviou o seu «Filho muito-amado» (Cf. Mc 1, 11).

423. Nós cremos e confessamos que Jesus de Nazaré, judeu nascido duma filha de Israel, em Belém, no tempo do rei Herodes o Grande e do imperador César Augusto, carpinteiro de profissão, morto crucificado em Jerusalém sob o procurador Pôncio Pilatos no reinado do imperador Tibério, é o Filho eterno de Deus feito homem; que Ele «saiu de Deus» (Jo. 13, 3), «desceu do céu» (Jo. 3, 13; 6, 33) e «veio na carne» (Cf. 1ª Jo. 4, 2), porque «o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. Nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigénito, cheio de graça e de verdade [...] Na verdade, foi da sua plenitude que todos nós recebemos, graça sobre graça» (Jo. 1, 14, 16).

424.  Movidos pela graça do Espírito Santo e atraídos pelo Pai, nós cremos e confessamos a respeito de Jesus: «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo» (Mt. 16, 16). Foi sobre o rochedo desta fé, confessada por Pedro, que Cristo edificou a sua Igreja (Cf. Mt 16, 18: São Leão Magno. Sermão 4, 3: CCL 88, 19-20 (PL 54, 151); Sermão 51, 1: CCL 88A. 296-297 (PL 54, 309): Sermão 62, 2: CCL 88A, 377-378 (PL 54, 350-351); Sermão 83, 3: CCL 88A, 521-522 (PL 54, 432).

«ANUNCIAR A INSONDÁVEL RIQUEZA DE CRISTO» (Ef. 3, 8)

425. A transmissão da fé cristã é, antes de mais, o anúncio de Jesus Cristo, para levar à fé n'Ele. Desde o princípio, os primeiros discípulos arderam no desejo de anunciar Cristo: «nós é que não podemos deixar de dizer o que vimos e escutámos» (At. 4, 20). E convidam os homens de todos os tempos a entrar na alegria da sua comunhão com Cristo:

- «o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram acerca do Verbo da vida, é o que nós vos anunciamos, pois a vida manifestou-Se e nós vimo-la e dela damos testemunho: nós vos anunciamos a vida eterna que estava junto do Pai e nos foi manifestada. Nós vos anunciamos o que vimos e ouvimos, para que estejais também em comunhão conosco. E a comunhão em que estamos é com o Pai e com o seu Filho, Jesus Cristo. E escrevemos tudo isto para a nossa alegria ser completa» (1ª Jo. 1, 1-4).

NO CORAÇÃO DA CATEQUESE: CRISTO

426. «No coração da catequese, encontramos essencialmente uma Pessoa: Jesus de Nazaré, Filho único do Pai [...], que sofreu e morreu por nós e que agora, ressuscitado, vive conosco para sempre [...]. Catequizar [...] é revelar, na Pessoa de Cristo, todo o desígnio eterno de Deus [...]. É procurar compreender o significado dos gestos e das palavras de Cristo e dos sinais por Ele realizados» (João Paulo II. Ex. Ap. Catechesi tradendae, 5: AAS 71 (1979). 1280-1281). O fim da catequese é «pôr em comunhão com Jesus Cristo: somente Ele pode levar ao amor do Pai, no Espírito, e fazer-nos participar na vida da Santíssima Trindade» (João Paulo II. Ex. Ap. Catechesi tradendae, 5: AAS 71 (1979). 1281).

427. «Na catequese, é Cristo, Verbo Encarnado e Filho de Deus, que é ensinado; tudo o mais é-o em referência a Ele. E só Cristo ensina. Todo e qualquer outro o faz apenas na medida em que é seu porta-voz, consentindo em que Cristo ensine pela sua boca [...]. Todo o catequista deveria poder aplicar a si próprio a misteriosa palavra de Jesus: "a minha doutrina não é minha, mas d'Aquele que Me enviou"» (Jo. 7, 16) (João Paulo II. Ex. Ap. Catechesi tradendae, 6: AAS 71 (1979). 1281-1282).

428. Aquele que é chamado a «ensinar Cristo» deve, portanto, antes de mais nada, procurar «esse lucro sobreeminente que é o conhecimento de Jesus Cristo». Tem de «aceitar perder tudo [...] para ganhar Cristo e encontrar-se n'Ele» e «conhecê-Lo, a Ele, na força da sua ressurreição e na comunhão com os seus sofrimentos, conformar-se com Ele na morte, na esperança de chegar a ressuscitar dos mortos» (Fl. 3, 8-11).

429. Deste conhecimento amoroso de Cristo brota o desejo de O anunciar, de «evangelizar» e levar os outros ao «sim» da fé em Jesus Cristo. Mas, ao mesmo tempo, faz-se sentir a necessidade de conhecer sempre melhor esta fé. Com esse objetivo, seguindo a ordem do Símbolo da fé, primeiro serão apresentados os principais títulos de Jesus: Cristo, Filho de Deus, Senhor (Artigo 2). O Símbolo confessa, em seguida, os principais mistérios da vida de Cristo: da sua Encarnação (Artigo 3), da sua Páscoa (Artigos 4 e 5) e, por fim, da sua Glorificação (Artigos 6 e 7).

ARTIGO 2

«E EM JESUS CRISTO, SEU ÚNICO FILHO,
NOSSO SENHOR»

I. Jesus

430. Em hebraico, Jesus quer dizer «Deus salva». Quando da Anunciação, o anjo Gabriel dá-Lhe como nome próprio o nome de Jesus, o qual exprime, ao mesmo tempo, a sua identidade e a sua missão (Cf. Lc. 1, 3 1). Uma vez que «só Deus pode perdoar os pecados» (Mc. 2, 7), será Ele quem, em Jesus, seu Filho eterno feito homem, «salvará o seu povo dos seus pecados» (Mt. 1, 21). Em Jesus, Deus recapitula, assim, toda a sua história de salvação em favor dos homens.

431. Nesta história da salvação, Deus não Se contenta com libertar Israel «da casa da escravidão» (Dt. 5, 6), fazendo-o sair do Egito. Salvou-o também dos seus pecados. Porque o pecado é sempre uma ofensa feita a Deus (Cf. Sl. 51, 6), só Ele é que pode absolvê-lo (Cf. Sl. 51. 11). É por isso que Israel, tomando cada vez mais consciência da universalidade do pecado, só poderá procurar a salvação na invocação do nome do Deus Redentor (Cf. Sl. 79, 9).

432. O nome de Jesus significa que o próprio nome de Deus está presente na pessoa do seu Filho (Cf. At. 5, 41: 3 Jo 7) feito homem para a redenção universal e definitiva dos pecados. Ele é o único nome divino que traz a salvação (Cf. Jo. 3, 18: At, 2. 21) e pode desde agora ser invocado por todos, pois a todos os homens Se uniu pela Encarnação (Cf. Rom. 10, 6-13), de tal modo que «não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos» (At. 4, l2) (Cf. At. 9. 14; Tg 2, 7).

433. O nome de Deus salvador era invocado apenas uma vez por ano, pelo sumo sacerdote, para expiação dos pecados de Israel, depois de ter aspergido o propiciatório do «santo dos santos» com o sangue do sacrifício (Cf. Lv. 16, 15-16: Sir. 50, 20-22: Heb. 9, 7). O propiciatório era o lugar da presença de Deus (Cf. Ex. 25, 22; Lv. 16, 2; Nm. 7, 8 9; Heb. 9, 5). Quando São Paulo diz de Jesus que Deus O «ofereceu para n’Ele, pelo seu sangue, se realizar a expiação» (Rm. 3, 25), quer dizer que, na sua humanidade, «era Deus que em Cristo reconciliava o mundo consigo» (2ª Cor. 5, 19).

434. A ressurreição de Jesus glorifica o nome de Deus salvador (Cf. Jo. 12. 28) porque, a partir daí, é o nome de Jesus que manifesta em plenitude o poder supremo do nome que está acima de todos os nomes (Fl. 2, 9-10). Os espíritos maus temem o seu nome (Cf. At. 16, 16-18; 19, 13-16) e é em seu nome que os discípulos de Jesus fazem milagres (Cf. Mc. 16. 17), porque tudo o que pedem ao Pai, em seu nome, Ele lhe concede (Cf. Jo. 15, 16).

435. O nome de Jesus está no centro da oração cristã. Todas as orações litúrgicas se concluem com a fórmula «per Dominum nostrum Jesum Christum - por nosso Senhor Jesus Cristo». A Ave-Maria culmina nas palavras «e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus». A oração-do-coração dos Orientais, chamada «oração a Jesus», diz: «Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim, pecador». E muitos cristãos morrem, como Santa Joana d'Arc, tendo nos lábios apenas uma palavra: «Jesus» (Cf. La réhabilitation de Jeanne la Pucelle. L'enquête ordonée par Charles VII en 1450 et le codicille de Guillaume Bouillé, ed. P. Doncoeur – Y. Larhers (Paris 1956), p. 39.45.56).

II. Cristo

436. Cristo vem da tradução grega do termo hebraico «Messias», que quer dizer «ungido». Só se torna nome próprio de Jesus porque Ele cumpre perfeitamente a missão divina que tal nome significa. Com efeito, em Israel eram ungidos, em nome de Deus, aqueles que Lhe eram consagrados para uma missão d'Ele dimanada. Era o caso dos reis (Cf. 1ª Sm. 9, 16; 10, 1; 16, 1. 12-13: 1 Rc. 1, 39), dos sacerdotes (Cf. Ex. 29, 7; Lv. 8, 12) e, em raros casos, dos profetas (Cf. 1º Rs. 19, 16). Este devia ser, por excelência, o caso do Messias, que Deus enviaria para estabelecer definitivamente o seu Reino (Cf. Sl. 2, 2; At. 4, 26-27). O Messias devia ser ungido pelo Espírito do Senhor (Cf. Is. 11, 2), ao mesmo tempo como rei e sacerdote (Cf. Zc. 4, 14; 6, 13) mas também como profeta (Cf. Is. 61, 1; Lc. 4, 16-21). Jesus realizou a expectativa messiânica de Israel na sua tríplice função de sacerdote, profeta e rei.

437. O anjo anunciou aos pastores o nascimento de Jesus como sendo o do Messias prometido a Israel: «nasceu-vos hoje, na cidade de David, um salvador que é Cristo, Senhor» (Lc. 2, 11). Desde a origem, Ele é «aquele que o Pai consagrou e enviou ao mundo» (Jo. 10, 36), concebido como «santo» no seio virginal de Maria (Cf.  Lc. 1, 35). José foi convidado por Deus a «levar para sua casa Maria, sua esposa», grávida «d'Aquele que nela foi gerado pelo poder do Espírito Santo» (Mt. 1, 20), para que Jesus, «chamado Cristo», nascesse da esposa de José, na descendência messiânica de David (Mt. 1, 16) (Cf. Rm. 1, 3; 2 Tm. 2, 8: Ap. 22. 16).

438. A consagração messiânica de Jesus manifesta a sua missão divina. «Aliás, é o que indica o seu próprio nome; porque no nome de Cristo está subentendido Aquele que ungiu. Aquele que foi ungido e a própria Unção com que foi ungido. Aquele que ungiu é o Pai, Aquele que foi ungido é o Filho, e foi-o no Espírito que é a Unção» (Santo Ireneu de Lyon, Adversus Haereses 3, 18, 3; SC 211, 350 (PG 7, 934)). A sua eterna consagração messiânica revelou-se no tempo da sua vida terrena, quando do seu batismo por João, altura em que «Deus O ungiu com o Espírito Santo e poder» (At. 10, 38), «para que se manifestasse a Israel» (Jo. 1, 31) como seu Messias. As suas obras e palavras dá-lo-ão a conhecer como «o santo de Deus» (Cf. Mc. 1, 24; Jo. 6, 69; At. 3, 14).

439. Numerosos judeus, e mesmo alguns pagãos que partilhavam da sua esperança, reconheceram em Jesus os traços fundamentais do messiânico «filho de David», prometido por Deus a Israel (Cf. Mt. 2, 2; 9, 27; 12, 23; 15, 22; 20, 30; 21, 9.15). Jesus aceitou o título de Messias a que tinha direito (Cf. Jo. 4, 25-26; 11, 27), mas não sem reservas, uma vez que esse título era compreendido, por numerosos dos seus contemporâneos, segundo um conceito demasiado humano (Cf. Mt. 22, 41-46), essencialmente político (Cf. Jo. 6, 15; Lc. 24, 21).

440. Jesus aceitou a profissão de fé de Pedro, que O reconhecia como o Messias, anunciando a paixão próxima do Filho do Homem (Cf. Mt. 16, 16-23). Revelou o conteúdo autêntico da sua realeza messiânica, ao mesmo tempo na identidade transcendente do Filho do Homem «que desceu do céu» (Jo. 3, 13) (Cf. Jo. 6, 62; Dn. 7, 13) e na sua missão redentora como Servo sofredor: «o Filho do Homem [...] não veio para ser servido, veio para servir e dar a vida como resgate pela multidão» (Mt. 20, 28) (Cf. Is. 53, 10-12). Foi por isso que o verdadeiro sentido da sua realeza só se manifestou do cimo da cruz (Cf. Jo. 19, 19-22; Lc. 23, 39-43). E só depois da ressurreição, a sua realeza messiânica poderá ser proclamada por Pedro perante o Povo de Deus: «saiba, com absoluta certeza, toda a casa de Israel, que Deus fez Senhor e Messias esse Jesus que vós crucificastes» (At. 2, 36).

III. Filho único de Deus

441. Filho de Deus, no Antigo Testamento, é um título dado aos anjos (Cf. Dt. (LXX) 32, 8; Job. 1. 6), ao povo eleito (Cf. Ex. 4, 22; Os. 11, 1; Jer. 3, 19: Sir. 36,14; Sb. 18, 13) aos filhos de Israel (Cf. Dt. 14, 1; Os. 2, 1) e aos seus reis (Cf. 2º Sm. 7, 14; Sl. 82, 6). Nestes casos, significa uma filiação adotiva, que estabelece entre Deus e a sua criatura relações de particular intimidade. Quando o Rei-Messias prometido é chamado «filho de Deus» (Cf. Cr. 17, 13; Sl. 2. 7), isso não implica necessariamente, segundo o sentido literal de tais textos, que Ele seja mais que um simples ser humano. Os que assim designaram Jesus, enquanto Messias de Israel (Cf. Mt. 27, 54), talvez não tenham querido dizer mais (Cf. Lc. 23, 47).

442. Mas não é este o caso de Pedro, quando confessa Jesus como «Cristo, o Filho de Deus vivo» (Cf. Mt. 16, 16), porque Jesus responde-lhe solenemente: «não foram a carne nem o sangue que to revelaram, mas sim o meu Pai que está nos céus» (Mt. 16, 17). De igual modo, Paulo dirá, a propósito da sua conversão no caminho de Damasco: «quando aprouve a Deus - que me escolheu desde o seio de minha mãe e me chamou pela sua graça - revelar o seu Filho em mim, para que O anuncie como Evangelho aos gentios...» (Gl. 1, 15-16). «E logo começou a proclamar nas sinagogas que Jesus era o Filho de Deus» (At 9, 20). Será este, desde o princípio (Cf. 1ª Ts. 1, 10) o núcleo da fé apostólica (Cf. Jo. 20, 31), primeiramente professada por Pedro como fundamento da Igreja (Cf. Mt. 16, 18).

443. Se Pedro pôde reconhecer o carácter transcendente da filiação divina de Jesus-Messias, foi porque Este lhe deixou perceber nitidamente. Diante do Sinédrio, à pergunta dos seus acusadores: «então, tu és o Filho de Deus»? Jesus respondeu: «é como dizeis, sou» (Lc. 22, 70) (Cf. Mt. 26, 64; Mc. 14, 62). Já muito antes, Ele Se designara como «o Filho» que conhece o Pai (Cf. Mt. 26, 64; Mc. 14, 62), diferente dos «servos» que Deus anteriormente enviara ao seu povo (Cf. Mt. 21, 34-36), superior aos próprios anjos (Cf. Mt. 24, 36). Ele distinguiu a sua filiação da dos Seus discípulos, nunca dizendo «Pai nosso» (Cf. Mt. 5, 48; 6, 8; 7. 21; Lc. 11, 13), a não ser para lhes ordenar: «vós, quando rezardes, dizei assim: Pai nosso» (Mt. 6,9); e sublinhou esta distinção: «o meu Pai e vosso Pai» (Jo. 20, 17).

444. Os evangelhos referem, em dois momentos solenes, no batismo e na transfiguração de Cristo, a voz do Pai, que O designa como seu «filho muito-amado» (Cf. Mt. 3, 17; 17, 5). Jesus designa-se a Si próprio como «o Filho único de Deus» (Jo. 3, 16), afirmando por este título a sua preexistência eterna (Cf. Jo 10, 36). E exige a fé «no nome do Filho único de Deus» (Jo. 3, 18). Esta profissão de fé cristã aparece já na exclamação do centurião diante de Jesus crucificado: «verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus»! (Mc. 15, 39); porque somente no Mistério Pascal o crente pode dar pleno significado ao título de «Filho de Deus».

445. É depois da ressurreição que a filiação divina de Jesus aparece no poder da sua humanidade glorificada: «segundo o Espírito santificante, pela sua ressurreição de entre os mortos, Ele foi estabelecido como Filho de Deus em poder» (Rm. 1, 4) (Cf. At. 13, 33). E os Apóstolos poderão confessar: «nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai como a Filho único, cheio de graça e de verdade» (Jo. 1, 14).

IV. Senhor

446. Na tradução grega dos Livros do Antigo Testamento, o nome inefável sob o qual Deus Se revelou a Moisés (Cf. Ex. 3, 14), YHWH, é traduzido por « Kyrios» («Senhor»). Senhor torna-se, desde então, o nome mais habitual para designar a própria divindade do Deus de Israel. É neste sentido forte que o Novo Testamento utiliza o título de «Senhor», tanto para o Pai como também - e aí é que está a novidade - para Jesus, assim reconhecido como sendo Ele próprio Deus (Cf. 1ª Cor. 2, 8).

447. O próprio Jesus veladamente atribui a Si mesmo este título, quando discute com os fariseus sobre o sentido do Salmo 110 (Cf. Mt. 22, 41-46; cf. também At. 2. 34-36; Heb. 1, 13), e também, de modo explícito, ao dirigir-Se aos Apóstolos (Cf. Jo. 13, 13). Ao longo de toda a vida pública, os seus gestos de domínio sobre a natureza, sobre as doenças, sobre os demónios, sobre a morte e o pecado, demonstravam a sua soberania divina.

448. Muitíssimas vezes, nos evangelhos, aparecem pessoas que se dirigem a Jesus chamando-lhe «Senhor». Este título exprime o respeito e a confiança dos que se aproximam de Jesus e d'Ele esperam socorro e cura (Cf. Mt. 8, 2: 14, 30; 15, 22: etc.). Pronunciado sob a moção do Espírito Santo, exprime o reconhecimento do Mistério divino de Jesus (Cf. Lc. 1, 43; 2, 11). No encontro com Jesus ressuscitado, transforma-se em adoração: «meu Senhor e meu Deus» (Jo. 20, 28). Assume então uma conotação de amor e afeição, que vai ficar como típica da tradição cristã: «é o Senhor»! (Jo. 21, 7).

449. Ao atribuir a Jesus o título divino de Senhor, as primeiras confissões de fé da Igreja afirmam, desde o princípio (Cf. At. 2, 34-36), que o poder, a honra e a glória, devidos a Deus Pai, também são devidos a Jesus (Cf. Rm. 9, 5; Tt 2, 13: Ap. 5, 13), porque Ele é «de condição divina» (Fl. 2, 6) e o Pai manifestou esta soberania de Jesus ressuscitando-O de entre os mortos e exaltando-O na sua glória (Cf. Rm. 10, 9; 1ª Cor. 12, 3; Fl. 2. 9-11).

450. Desde o princípio da história cristã, a afirmação do senhorio de Jesus sobre o mundo e sobre a história (Cf. Ap. 1, 15) significa também o reconhecimento de que o homem não deve submeter a sua liberdade pessoal, de modo absoluto, a nenhum poder terreno, mas somente a Deus Pai e ao Senhor Jesus Cristo: César não é o «Senhor» (Cf.Mc. 12, 17; At. 5, 29). «A Igreja crê... que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram no seu Senhor e Mestre» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 10; AAS 58 (1966) 1033; cf. ibid., 45: AAS 58 (1966) 1066).

451. A oração cristã é marcada pelo título de «Senhor», quer no convite à oração: «o Senhor esteja convosco», quer na conclusão da mesma: «por nosso Senhor Jesus Cristo», quer ainda pelo grito cheio de confiança e de esperança: «Maran atha» («o Senhor vem»!) ou «Marana tha» («vem, Senhor»!) (1ª Cor. 16, 22): «amém, vem, Senhor Jesus»! (Ap. 22, 20).

Resumindo:

452. O nome de Jesus significa «Deus salva». O menino nascido da Virgem Maria é chamado «Jesus», «porque salvará o seu povo dos seus pecados» (Mt. 1, 21); «não existe debaixo do céu outro nome dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos» (At. 4, 12).

453. O nome de Cristo significa «Ungido», «Messias». Jesus é Cristo, porque «Deus O ungiu com o Espírito Santo e o poder» (At. 10, 38). Ele era «Aquele que estava para vir» (Lc. 7, 19), o objeto da «esperança de Israel» (Cf. At. 28, 20).

454. O nome de Filho de Deus significa a relação única e eterna de Jesus Cristo com Deus seu Pai: Ele é o Filho único do Pai (Cf. Jo. 1, 14, 18; 3, 16,18) e, Ele próprio, Deus (Cf. Jo. 1, 1). Crer que Jesus Cristo é o Filho de Deus é condição necessária para ser cristão (Cf. At. 8, 37; 1ª Jo. 2, 23, 7).

455. O nome de Senhor significa a soberania divina. Confessar ou invocar Jesus como Senhor é crer na sua divindade. «Ninguém pode dizer "Jesus é Senhor", a não ser pela ação do Espírito Santo» (1ª Co. 12, 3).

ARTIGO 3

«JESUS CRISTO FOI CONCEBIDO PELO PODER
DO ESPÍRITO SANTO E NASCEU DA VIRGEM MARIA»

PARÁGRAFO 1

O FILHO DE DEUS FEZ-SE HOMEM

I. Porque é que o Verbo encarnou?

456. Com o Credo Niceno-Constantinopolitano, respondemos confessando: «por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus; e encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria e Se fez homem» (DS 150).

457. O Verbo fez-Se carne para nos salvar, reconciliando-nos com Deus: «foi Deus que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados» (1ª Jo. 4, 10). «O Pai enviou o Filho como salvador do mundo» (1ª Jo. 4, 14). «E Ele veio para tirar os pecados» (1ª Jo. 3, 5):

-- «enferma, a nossa natureza precisava de ser curada; decaída, precisava de ser elevada; morta, precisava de ser ressuscitada. Tínhamos perdido a posse do bem; era preciso que nos fosse restituído. Encerrados nas trevas, precisávamos de quem nos trouxesse a luz; cativos, esperávamos um salvador: prisioneiros, esperávamos um auxílio; escravos, precisávamos dum libertador. Seriam razões sem importância? Não seriam suficientes para comover a Deus, a ponto de O fazer descer até à nossa natureza humana para a visitar, já que a humanidade se encontrava em estado tão miserável e infeliz?» (São Gregório de Nissa, Oratio catechetica 15, 3: TD 7, 78 (Pg. 45, 48)).

458. O Verbo fez-se carne, para que assim conhecêssemos o amor de Deus: «assim se manifestou o amor de Deus para conosco: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que vivamos por Ele» (1ª Jo. 4, 9). «Porque Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n'Ele não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo. 3, 16).

459. O Verbo fez-se carne, para ser o nosso modelo de santidade: «tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim [...]» (Mt. 11, 29). «Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim» (Jo. 14, 6). E o Pai, na montanha da Transfiguração, ordena: «escutai-o» (Mc. 9, 7) (Cf. Dt. 6, 4-5). De fato, Ele é o modelo das bem-aventuranças e a norma da Lei nova: «amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (Jo. 15, 12). Este amor implica a oferta efetiva de nós mesmos, no seu seguimento (Cf. Mc. 8, 34).

460. O Verbo fez-se carne, para nos tornar «participantes da natureza divina» (2ª Pe. 1, 4): «pois foi por essa razão que o Verbo Se fez homem, e o Filho de Deus Se fez Filho do Homem: foi para que o homem, entrando em comunhão com o Verbo e recebendo assim a adoção divina, se tornasse filho de Deus» (Santo Ireneo de Lião, Adversus haereses 3, 19, 1: SC 211, 374 (PG 7, 939)). «Porque o Filho de Deus fez-se homem, para nos fazer deuses» (Santo Atanásio, De Incarnatione, 54, 3: SC 199, 458 (PG 25, 192B)). «Unigenitus [...] Dei Filias, suae divinitatis volens nos esse participes, naturam nostram assumpsit, ut homines deos faceret factos homo - O Filho Unigénito de Deus, querendo que fôssemos participantes da sua divindade, assumiu a nossa natureza para que, feito homem, fizesse os homens deuses» (São Tomás de Aquino, Officium de festo corporis Christi, Ad Matutinas. In primo Nocturno, Lectio 1: Opera omnia, v. 29 (Parisiis 1876) p. 336).

II. A Encarnação

461. Retomando a expressão de São João («o Verbo fez-Se carne»: Jo. 1, 14), a Igreja chama «encarnação» ao fato de o Filho de Deus ter assumido uma natureza humana, para nela levar a efeito a nossa salvação. Num hino que nos foi conservado por São Paulo, a Igreja canta este mistério:

- «tende em vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus. Ele, que era de condição divina, não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a Si próprio, assumindo a condição de servo, tornou-se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-se ainda mais, obedecendo até à morte, e morte de Cruz» (Fl. 2, 5-8) (Cf. Cântico nas I Vésperas de Domingo: Liturgia Horarum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1973-1974), v. 1, p. 545.629.718 e 808: v. 2, p. 844.937.1037 e 1129: v. 3. p. 548.669.793 e 916; v. 4, p. 496.617.741 e 864 [Ed. portuguesa: Liturgia das Horas (Gráfica de Coimbra 1983), v. I. p. 621.710.803 e 897: v. 2, p. 984, 1079, 1182 e 1278; v. 3. p. 685.800.918 e 1032; v. 4, p.633.748.866 e 980]).

462. A Epístola aos Hebreus fala do mesmo mistério:

- «é por isso que, ao entrar neste mundo, Cristo diz: "não quiseste sacrifícios e oferendas, mas formaste-Me um corpo. Holocaustos e imolações pelo pecado não Te foram agradáveis. Então Eu disse: Eis-Me aqui [...] para fazer a tua vontade"» (Heb. 10, 5-7, citando o Sl. 40. 7-9, segundo os LXX).

463. A fé na verdadeira Encarnação do Filho de Deus é o sinal distintivo da fé cristã: «nisto haveis de reconhecer o Espírito de Deus: todo o espírito que confessa a Jesus Cristo encarnado é de Deus» (1ª Jo. 4, 2). É esta a alegre convicção da Igreja desde o seu princípio, ao cantar «o grande mistério da piedade»: «Ele manifestou-se na carne» (1ª Tm. 3, 16).

III. Verdadeiro Deus e verdadeiro homem

464. O acontecimento único e absolutamente singular da Encarnação do Filho de Deus não significa que Jesus Cristo seja em parte Deus e em parte homem, nem que seja o resultado de uma mistura confusa do divino com o humano. Ele fez-Se verdadeiro homem, permanecendo verdadeiro Deus. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Esta verdade da fé, teve a Igreja de a defender e clarificar no decurso dos primeiros séculos, perante heresias que a falsificavam.

465. As primeiras heresias negaram menos a divindade de Cristo que a sua verdadeira humanidade (docetismo gnóstico). Desde os tempos apostólicos que a fé cristã insistiu sobre a verdadeira Encarnação do Filho de Deus «vindo na carne» (Cf. 1ª Jo. 4, 2-3; 2ª Jo. 7). Mas, a partir do século III, a Igreja teve de afirmar, contra Paulo de Samossata, num concilio reunido em Antioquia, que Jesus Cristo é Filho de Deus por natureza e não por adoção. O primeiro Concílio ecuménico de Niceia, em 325, confessou no seu Credo que o Filho de Deus é «gerado, não criado, consubstancial ('homoúsios') ao Pai» (Símbolo de Niceia: DS 125); e condenou Ario, o qual afirmava que «o Filho de Deus saiu do nada» (Concílio de Nicéia, Epistula synodalis «Epeidê tês» ad Aegyptios: DS 130) e devia ser «duma substância diferente da do Pai» (Símbolo de Niceia: DS 126).

466. A heresia nestoriana via em Cristo uma pessoa humana unida à pessoa divina do Filho de Deus. Perante esta heresia, São Cirilo de Alexandria e o terceiro Concilio ecuménico, reunido em Éfeso em (431), confessaram que «o Verbo, unindo na sua pessoa uma carne animada por uma alma racional, se fez homem» (Concílio de Éfeso, Epistula II Cyrilli Alexandrini ad Nestorium: DS250). A humanidade de Cristo não tem outro sujeito senão a pessoa divina do Filho de Deus, que a assumiu e a fez sua desde que foi concebida. Por isso, o Concílio de Éfeso proclamou, cm 431, que Maria se tornou, com toda a verdade. Mãe de Deus, por ter concebido humanamente o Filho de Deus em seu seio: «Mãe de Deus, não porque o Verbo de Deus dela tenha recebido a natureza divina, mas porque dela recebeu o corpo sagrado, dotado duma alma racional, unido ao qual, na sua pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne» (Concílio de Éfeso,  Epistola II Cyrilli Alexandrini ad Nestorium: DS251).

467. Os monofisitas afirmavam que a natureza humana tinha deixado de existir, como tal, em Cristo, sendo assumida pela sua pessoa divina de Filho de Deus. Confrontando-se com esta heresia, o quarto Concílio ecuménico, em Calcedónia, no ano de 451, confessou:

- «na sequência dos Santos Padres, ensinamos unanimemente que se confesse um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, igualmente perfeito na divindade e perfeito na humanidade, sendo o mesmo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, composto duma alma racional e dum corpo, consubstancial ao Pai pela sua divindade, consubstancial a nós pela sua humanidade, ‘semelhante a nós em tudo, menos no pecado’ (Cf. Heb. 4, 15): gerado do Pai antes de todos os séculos segundo a divindade, e nestes últimos dias, por nós e pela nossa salvação, nascido da Virgem Mãe de Deus segundo a humanidade.

Um só e mesmo Cristo, Senhor, Filho Único, que devemos reconhecer em duas naturezas, sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação. A diferença das naturezas não é abolida pela sua união; antes, as propriedades de cada uma são salvaguardadas e reunidas numa só pessoa e numa só hipóstase» (Concílio de Calcedónia, Symbolum: DS 301-302).

468. Depois do Concílio de Calcedónia, alguns fizeram da natureza humana de Cristo uma espécie de sujeito pessoal. Contra eles, o quinto Concílio ecuménico, reunido em Constantinopla em 553, confessou a propósito de Cristo: «não há n'Ele senão uma só hipóstase (ou pessoa), que é nosso Senhor Jesus Cristo, um da santa Trindade» (II Concílio de Constantinopla, Sess. 8ª, Canon 4: DS 424). Tudo na humanidade de Cristo deve, portanto, ser atribuído à sua pessoa divina como seu sujeito próprio (Cf. Concílio de Éfeso, Anathematismi Cyrilli Alexandrini, 4: DS 255); não só os milagres, mas também os sofrimentos (Cf. II Concílio de Constantinopla, Sess. 8ª, Canon 3: DS 423) e a própria morte: «aquele que foi crucificado na carne, nosso Senhor Jesus Cristo, é verdadeiro Deus, Senhor da glória e um da Santíssima Trindade» (Cf. II Concílio de Constantinopla, Sess. 8ª, Canon 10: DS 432).

469. Assim, a Igreja confessa que Jesus é inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem. É verdadeiramente o Filho de Deus feito homem, nosso irmão, e isso sem deixar de ser Deus, nosso Senhor:

- «Id quod fuit remansit, et quod non fuit assumpsit» - «Continuou a ser o que era e assumiu o que não era», como canta a Liturgia Romana (Antífona do «Benedictus» no ofício da Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus: Liturgia Horarum, editio typica, v. 1 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 394 [a edição oficial portuguesa omite a versão deste texto: Liturgia das Horas (Gráfica de Coimbra 1983),v. 1, p. 438]: cf. São Leão Magno, Sermão 21. 2: CCL138, 87 (PL 54, 192)). E a Liturgia de São João Crisóstomo proclama e canta: «o Filho único e Verbo de Deus, sendo imortal. Vos dignastes, para nossa salvação, encarnar no seio da Santa Mãe de Deus e sempre Virgem Maria, e sem mudança Vos fizestes homem e fostes crucificado! Ó Cristo Deus, que por vossa morte esmagastes a morte, que sois um da Santíssima Trindade, glorificado com o Pai e o Espírito Santo, salvai-nos»! (Ofício das Horas Bizantino, Tropário «O monoghenis»: «Horológion tò méga (Romae 1876) p. 82).

IV. Como é que o Filho de Deus é homem

470. Uma vez que, na união misteriosa da Encarnação, «a natureza humana foi assumida, não absorvida» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042), a Igreja, no decorrer dos séculos, foi levada a confessar a plena realidade da alma humana, com as suas operações de inteligência e vontade, e do corpo humano de Cristo. Mas, paralelamente, a mesma Igreja teve de lembrar repetidamente que a natureza humana de Cristo pertence, como própria, à pessoa divina do Filho de Deus que a assumiu. Tudo o que Ele fez e faz nela, depende de «um da Trindade». Portanto, o Filho de Deus comunica à sua humanidade o seu próprio modo de existir pessoal na Santíssima Trindade. E assim, tanto na sua alma como no seu corpo, Cristo exprime humanamente os costumes divinos da Trindade (Cf. Jo. 14. 9-10):

- «o Filho de Deus trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-Se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042-1043).

A ALMA E O CONHECIMENTO HUMANO DE CRISTO

471. Apolinário de Laodiceia afirmava que, em Cristo, o Verbo tinha ocupado o lugar da alma ou do espírito. Contra este erro, a Igreja confessou que o Filho eterno assumiu também uma alma racional humana (Cf. São Dâmaso I, Epistula «Hóti tê apostolikê kathédra»: DS 149).

472. Esta alma humana, que o Filho de Deus assumiu, é dotada de um verdadeiro conhecimento humano. Como tal, este não podia ser por si mesmo ilimitado. Exercia-se nas condições históricas da sua existência no espaço e no tempo. Foi por isso que o Filho de Deus, fazendo-Se homem, pôde aceitar «crescer em sabedoria, estatura e graça» (Lc. 2, 52) e também teve de se informar sobre o que, na condição humana, deve aprender-se de modo experimental (Cf. Mc. 6. 38: 8. 27; Jo. 11. 34: etc.). Isso correspondia à realidade do seu abatimento voluntário na «condição de servo» (Cf. Fl. 2, 7).

473. Mas, ao mesmo tempo, este conhecimento verdadeiramente humano do Filho de Deus exprimia a vida divina da sua pessoa (Cf. São Gregório Magno, Ep. Sicut aqua: DS 475). «A natureza humana do Filho de Deus, não por si mesma, mas pela sua união com o Verbo, conhecia e manifestava em si tudo o que é próprio de Deus» (São Máximo Confessor, Quaestiones et dubia, Q. I, 67: CCG10, 155 (66: PG 90. 840)). É o caso, em primeiro lugar, do conhecimento íntimo e imediato que o Filho de Deus feito homem tem do seu Pai (Cf. Mc 14, 36: Mt 11. 27; Jo I. 18; 8. 55; etc.). O Filho também mostrava, no seu conhecimento humano, a clarividência divina que tinha dos pensamentos secretos do coração dos homens (Cf. Mc 2. 8; Jo 2, 25; 6. 61; etc.).

474. Pela sua união com a Sabedoria divina na pessoa do Verbo Encarnado, o conhecimento humano de Cristo gozava, em plenitude, da ciência dos desígnios eternos que tinha vindo revelar (Cf. Mc 8, 31; 9. 31: 10. 33-34; 14, 18-20. 26-30). O que neste domínio Ele reconhece ignorar (Cf. Mc. 13. 32) declara, noutro ponto, não ter a missão de o revelar (Cf. At. 1, 7).

A VONTADE HUMANA DE CRISTO

475. De igual modo, a Igreja confessou, no sexto Concilio Ecuménico, que Cristo possui duas vontades e duas operações naturais, divinas e humanas, não opostas mas cooperantes, de maneira que o Verbo feito carne quis humanamente, em obediência ao Pai, tudo quanto decidiu divinamente com o Pai e o Espírito Santo para a nossa salvação (Cf. III Concílio de Constantinopla (ano 681). Sess. 18.ª. Definido de duabus in Christo voluntatibus et operatianibus: DS 556-559). A vontade humana de Cristo «segue a sua vontade divina, sem fazer resistência nem oposição em relação a ela, antes estando subordinada a essa vontade omnipotente» (III Concílio de Constantinopla (ano 681), Sess.18ª, Definitio de duabus in Christo voluntatibus et operationibus: DS 556).

O VERDADEIRO CORPO DE CRISTO

476. Uma vez que o Verbo Se fez carne, assumindo uma verdadeira natureza humana, o corpo de Cristo era circunscrito (Cf. Concílio de Latrão (ano 649). Canon 4: DS 504). Portanto, o rosto humano de Jesus pode ser «pintado» (Cf. Gl. 3, 1). No VII Concílio ecuménico (Concílio de Nicéia (ano 787), At. 7ª, Definitio de sacris imaginibus: DS 600-603), a Igreja reconheceu como legítimo que ele fosse representado em santas imagens.

477. Ao mesmo tempo, a Igreja sempre reconheceu que, no corpo de Jesus, «Deus que, por sua natureza, era invisível, tornou-Se visível aos nossos olhos» (Prefácio do Natal II: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 396 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 458]). Com efeito, as particularidades individuais do corpo de Cristo exprimem a pessoa divina do Filho de Deus. Este fez seus os traços do seu corpo humano, de tal modo que, pintados numa imagem sagrada, podem ser venerados porque o crente que venera a sua imagem, «venera nela a pessoa nela representada» (Concílio de Nicéia, Act.7ª, Definitio de sacris imaginibus: DS 601).

O CORAÇÃO DO VERBO ENCARNADO

478. Jesus conheceu-nos e amou-nos, a todos e a cada um, durante a sua vida, a sua agonia e a sua paixão, entregando-se por cada um de nós: «o Filho de Deus amou-me e entregou-se por mim» (Gl. 2, 20). Amou-nos a todos com um coração humano. Por esse motivo, o Sagrado Coração de Jesus, trespassado pelos nossos pecados e para nossa salvação (Cf. Jo. 19, 34), «praecipuus consideratur index et symbolus... illius amoris, quo divinus Redemptor aeternum Patrem hominesque universos continenter adamat é considerado sinal e símbolo por excelência... daquele amor com que o divino Redentor ama sem cessar o eterno Pai e todos os homens» (Pio XII, Enc. Haurietis aquas: DS 3924: cf. ID.. Enc. Mystici corporis: DS 3812).

Resumindo:

479. No tempo estabelecido por Deus, o Filho Unigénito do Pai, a Palavra eterna, isto é, o Verbo e imagem substancial do Pai, encarnou. Sem perder a natureza divina, assumiu a natureza humana.

480. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, na unidade da sua Pessoa divina; por essa razão, Ele é o único mediador entre Deus e os homens.

481. Jesus Cristo tem duas naturezas, a divina e a humana, não confundidas, mas unidas na única Pessoa do Filho de Deus.

482. Verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Cristo tem uma inteligência e uma vontade humanas em perfeito acordo e submissão à inteligência e vontade divinas, que Ele tem em comum com o Pai e o Espírito Santo.

483. A encarnação é, pois, o mistério da união admirável da natureza divina e da natureza humana, na única Pessoa do Verbo.

PARÁGRAFO 2

«... CONCEBIDO PELO PODER DO ESPÍRITO SANTO,
NASCIDO DA VIRGEM MARIA»

I. Concebido pelo poder do Espírito Santo...

484. A Anunciação a Maria inaugura a «plenitude dos tempos» (Gl. 4, 4), isto é, o cumprimento das promessas e dos preparativos. Maria é convidada a conceber Aquele em quem habitará «corporalmente toda a plenitude da Divindade» (Cl. 2, 9). A resposta divina ao seu «como será isto, se Eu não conheço homem»? (Lc. 1, 34) é dada pelo poder do Espírito: «o Espírito Santo virá sobre ti» (Lc. 1, 35).

485. A missão do Espírito Santo está sempre unida e ordenada à do Filho (Cf. Jo. 16, 14-15). O Espírito Santo, que é «o Senhor que dá a Vida», é enviado para santificar o seio da Virgem Maria e para a fecundar pelo poder divino, fazendo-a conceber o Filho eterno do Pai, numa humanidade originada da sua.

486. Tendo sido concebido como homem no seio da Virgem Maria, o Filho único do Pai é «Cristo», isto é, ungido pelo Espírito Santo (Cf. Mt. 1, 20; Lc 1, 35), desde o princípio da sua existência humana, embora a sua manifestação só se venha a fazer progressivamente: aos pastores (Cf. Lc. 2, 8-20), aos magos (Cf. Mt. 2, 1-12. A), a João Batista (Cf. Jo. 1, 31-34), aos discípulos (Cf. Jo. 2, 11). Toda a vida de Jesus Cristo manifestará, portanto, «como Deus O ungiu com o Espírito Santo e o poder» (At. 10, 38).

II. ...nascido da Virgem Maria

487. O que a fé católica crê, a respeito de Maria, funda-se no que crê a respeito de Cristo. Mas o que a mesma fé ensina sobre Maria esclarece, por sua vez, a sua fé em Cristo.

A PREDESTINAÇÃO DE MARIA

488. «Deus enviou o seu Filho» (GI. 4, 4). Mas, para Lhe «formar um corpo» (Cf. Heb. 10, 5), quis a livre cooperação duma criatura. Para isso, desde toda a eternidade, Deus escolheu, para ser a Mãe do seu Filho, uma filha de Israel, uma jovem judia de Nazaré, na Galileia, «virgem que era noiva de um homem da casa de David, chamado José. O nome da virgem era Maria» (Lc. 1, 26-27):

- «o Pai das misericórdias quis que a aceitação, por parte da que Ele predestinara para Mãe, precedesse a Encarnação, para que, assim como uma mulher contribuiu para a morte, também outra mulher contribuísse para a vida (Cf. II Concílio Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 56: AAS 57 (1965) 60; cf. ibid., 61: AAS 57 (1965) 63).

489. Ao longo da Antiga Aliança, a missão de Maria foi preparada pela missão de santas mulheres. Logo no princípio, temos Eva; apesar da sua desobediência, ela recebe a promessa duma descendência que sairá vitoriosa do Maligno (Cf. Gn. 3,15) e de vir a ser a mãe de todos os vivos (Cf. Gn. 3, 20). Em virtude desta promessa, Sara concebe um filho, apesar da sua idade avançada (Cf. Gn. 18, 10-14; 21, 1-2). Contra toda a esperança humana, Deus escolheu o que era tido por incapaz e fraco (Cf. 1ª Cor. 1, 27) para mostrar a sua fidelidade à promessa feita: Ana, a mãe de Samuel (Cf. 1º Sm. 1), Débora, Rute, Judite e Ester e muitas outras mulheres. Maria é a primeira entre os humildes e pobres do Senhor, que confiadamente esperam e recebem a salvação de Deus. Com ela, enfim, excelsa filha de Sião, passada a longa espera da promessa, cumprem-se os tempos e inaugura-se a nova economia da salvação» (Cf. II Concílio Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 55: AAS 57 (1965) 59-60).

A IMACULADA CONCEIÇÃO

490. Para vir a ser Mãe do Salvador, Maria «foi adornada por Deus com dons dignos de uma tão grande missão» (Cf. II Concílio Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 56: AAS 57 (1965) 60). O anjo Gabriel, no momento da Anunciação, saúda-a como «cheia de graça» (Cf. Lc. 1, 28). Efetivamente, para poder dar o assentimento livre da sua fé ao anúncio da sua vocação, era necessário que Ela fosse totalmente movida pela graça de Deus.

491. Ao longo dos séculos, a Igreja tomou consciência de que Maria, «cumulada de graça» por Deus (Cf. Lc. 1, 28), tinha sido redimida desde a sua conceição. É o que confessa o dogma da Imaculada Conceição, procla­mado em 1854 pelo Papa Pio IX:

- «por uma graça e favor singular de Deus omnipotente e em previsão dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano, a bem-aventurada Virgem Maria foi preservada intacta de toda a mancha do pecado original no primeiro instante da sua conceição» (Pio IX, Bulla Ineffabilis Deus DS 2803).

492. Este esplendor de uma «santidade de todo singular», com que foi «enriquecida desde o primeiro instante da sua conceição» (Cf. Cf. II Concílio Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,, 56: AAS 57 (1965) 60), vem-lhe totalmente de Cristo: foi «remida dum modo mais sublime, em atenção aos méritos de seu Filho» (Cf. II Concílio Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 53: AAS 57 (1965) 58). Mais que toda e qualquer outra pessoa criada, o Pai a «encheu de toda a espécie de bênçãos espirituais, nos céus, em Cristo» (Ef. 1, 3). «N'Ele a escolheu antes da criação do mundo, para ser, na caridade, santa e irrepreensível na sua presença» (Ef. 1, 4).

493. Os Padres da tradição oriental chamam ã Mãe de Deus «a toda Santa» («Panaghia»), celebram-na como «imune de toda a mancha de pecado, visto que o próprio Espírito Santo a modelou e dela fez uma nova criatura» (Cf. II Concílio Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 56: AAS 57 (1965) 60). Pela graça de Deus, Maria manteve-se pura de todo o pecado pessoal ao longo de toda a vida.

«FAÇA-SE EM MIM SEGUNDO A TUA PALAVRA...»

494. Ao anúncio de que dará à luz «o Filho do Altíssimo», sem conhecer homem, pela virtude do Espírito Santo (Cf. Lc. 1, 28-37), Maria respondeu pela «obediência da fé» (Cf. Rm. 1, 5), certa de que «a Deus nada é impossível»: «eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc. 1, 38). Assim, dando o seu consentimento à palavra de Deus, Maria tornou-se Mãe de Jesus. E aceitando de todo o coração, sem que nenhum pecado a retivesse, a vontade divina da salvação, entregou-se totalmente à pessoa e à obra do seu Filho para servir, na dependência d'Ele e com Ele, pela graça de Deus, o mistério da redenção (Cf. II Concílio Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 56: AAS 57 (1965) 60-61).

- «Como diz Santo Ireneu, "obedecendo, ela tornou-se causa de salvação, para si e para todo o género humano" (Santo Irineu de Lião, Adversus haereses, 3, 22, 4: SC 211, 440 (Pg. 7, 959)). Eis porque não poucos Padres afirmam, tal como ele, nas suas pregações, que "o nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria; e aquilo que a virgem Eva atou, com a sua incredulidade, desatou-o a Virgem Maria com a sua fé" (Cf. Santo Irineu de Lião, Adversus haereses, 3, 22, 4: SC 211, 442-444 (PG 7, 959-960)); e, por comparação com Eva, chamam Maria a "Mãe dos vivos" e afirmam muitas vezes: "a morte veio por Eva, a vida veio por Maria"» (Cf.  II Concílio Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 56: AAS 57 (1965) 60-61).

A MATERNIDADE DIVINA DE MARIA

495. Chamada nos evangelhos «a Mãe de Jesus» (Jo. 2, 1; 19, 25) (Cf. Mt. 13, 55), Maria é aclamada, sob o impulso do Espírito Santo e desde antes do nascimento do seu Filho, como «a Mãe do meu Senhor» (Lc. 1, 43). Com efeito, aquele que Ela concebeu como homem por obra do Espírito Santo, e que se tornou verdadeiramente seu Filho segundo a carne, não é outro senão o Filho eterno do Pai, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é, verdadeiramente, Mãe de Deus («Theotokos») (Cf. Concílio de Éfeso, Epistula II Cyrilli Alexandrini ad Nestorium: DS 251).

A VIRGINDADE DE MARIA

496. Desde as primeiras formulações da fé (Cf. DS 10-64), a Igreja confessou que Jesus foi concebido unicamente pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, afirmando igualmente o aspecto corporal deste acontecimento: Jesus foi concebido «absque semine, [...] ex Spiritu Sancto - do Espírito Santo, sem sémen [de homem]» (Concílio de Latrão (ano 649), Canon 3: DS 503). Os Santos Padres veem, na conceição virginal, o sinal de que foi verdadeiramente o Filho de Deus que veio ao mundo numa humanidade como a nossa:

diz, por exemplo, Santo Inácio de Antioquia (princípio do século II): «vós estais firmemente convencidos, a respeito de nosso Senhor, que Ele é verdadeiramente da raça de David segundo a carne (Cf. Rm. 1, 3). Filho de Deus segundo a vontade e o poder de Deus (Cf. Jo. 1, 13); verdadeiramente nascido duma virgem [...], foi verdadeiramente crucificado por nós, na sua carne, sob Pôncio Pilatos [...] e verdadeiramente sofreu, como também verdadeiramente ressuscitou» (Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Smyrnaeos 1-2: SC 10bis. p. 132-134 (Funk 1, 274‑276)).

497. As narrativas evangélicas (Cf. Mt. 1, 18-25: Lc 1, 26-38) entendem a conceição virginal como uma obra divina que ultrapassa toda a compreensão e possibilidade humanas (Cf. Lc. 1, 34): «o que foi gerado nela vem do Espírito Santo», diz o anjo a José, a respeito de Maria, sua esposa (Mt. 1, 20). A Igreja vê nisto o cumprimento da promessa divina feita através do profeta Isaías: «eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho» (Is. 7, 14), segundo a tradução grega de Mateus 1, 23.

498. Tem, por vezes, causado impressão o silêncio do Evangelho de São Marcos e das epístolas do Novo Testamento sobre a conceição virginal de Maria Também foi questionado, se não se trataria aqui de lendas ou construções teológicas fora do âmbito da historicidade. A isto há que responder: a fé na conceição virginal de Jesus encontrou viva oposição, troça ou incompreensão por parte dos não-crentes, judeus e pagãos (Cf. São Justino, Dialogus cum Tryphone Iudaeo 66-67: CA 2. 234-236 (PG 6, 628-629): Orígenes, Contra Celsum, 1. 32: SC 132, 162-164 (PG 8. 720-724); Ibid., 1, 69: SC 132, 270 (PG 8, 788-789): e outros); mas não tinha origem na mitologia pagã, nem era motivada por qualquer adaptação às ideias do tempo. O sentido deste acontecimento só é acessível à fé. que o vê no «nexo que liga os mistérios entre si» (I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 4: DS 3016), no conjunto dos mistérios de Cristo, da Encarnação até à Páscoa. Já Santo Inácio de Antioquia fala deste nexo: «o príncipe deste mundo não teve conhecimento da virgindade de Maria e do seu parto, tal como da morte do Senhor: três mistérios extraordinários, que se efetuaram no silêncio de Deus» (Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Ephesios 19, 1: SC l0bis- 74 (Funk 1, 228); cf. 1 Cor 2, 8)).

MARIA - «SEMPRE VIRGEM»

499. O aprofundamento da fé na maternidade virginal levou a Igreja a confessar a virgindade real e perpétua de Maria (II Concílio de Constantinopla, Sess.8ª Canon 6 : DS 427), mesmo no parto do Filho de Deus feito homem (Cf. São Leão Magno, Tomus ad Flavianum: DS 291; Ibid.: DS 294; Pelágio I, Ep. Humani generis: DS 442: Concílio e Latrão, Canon 3: DS 503; XVI Concílio de Toledo, Symbolum: DS 571; Paulo IV, Const. Cum quorumdam hominum: DS 1880). Com efeito, o nascimento de Cristo «não diminuiu, antes consagrou a integridade virginal» da sua Mãe (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 57: AAS 57 (1965) 61).

 A Liturgia da Igreja celebra Maria “Aeiparthenos” como a «sempre Virgem» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 52: AAS 57 (1965) 58)

500. A isso objeta-se, por vezes, que a Escritura menciona irmãos e irmãs de Jesus (Cf. Mc 3, 31-35; 6, 3: 1 Cor 9, 5: Gl 1, 19). A Igreja entendeu sempre estas passagens como não designando outros filhos da Virgem Maria. Com efeito, Tiago e José, «irmãos de Jesus» (Mt. 13, 55), são filhos duma Maria discípula de Cristo (Cf. Mc. 3, 31-35; 6, 3: 1ª Cor. 9, 5: Gl. 1, 19) designada significativamente como «a outra Maria» (Mt. 28, 1). Trata-se de parentes próximos de Jesus, segundo uma expressão conhecida do Antigo Testamento (Cf. Gn. 13, 8; 14, 16; 29. 15; etc.).

501. Jesus é o filho único de Maria. Mas a maternidade espiritual de Maria (Cf. Jo. 19, 26-27; Ap. 12, 17) estende-se a todos os homens que Ele veio salvar: «Ela deu à luz um Filho que Deus estabeleceu como "primogénito de muitos irmãos" (Rm. 8, 29), isto é, dos fiéis para cuja geração e educação Ela coopera com amor de mãe» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 63: AAS 57 (1965) 64).

A MATERNIDADE VIRGINAL DE MARIA NO PLANO DE DEUS

502. O olhar da fé pode descobrir, em ligação com o conjunto da Revelação, as razões misteriosas pelas quais Deus, no seu desígnio salvífico, quis que o seu Filho nascesse duma virgem. Tais razões dizem respeito tanto à pessoa e missão redentora de Cristo como ao acolhimento dessa missão por Maria, para bem de todos os homens:

503. A virgindade de Maria manifesta a iniciativa absoluta de Deus na Encarnação. Jesus só tem Deus por Pai (Cf. Lc. 2, 48-49). «A natureza humana, que Ele assumiu, nunca O afastou do Pai [...]. Naturalmente Filho do seu Pai segundo a divindade, naturalmente Filho da sua Mãe segundo a humanidade, mas propriamente Filho de Deus nas suas duas naturezas» (Concílio de Friúl (ano 796). Symbolum: DS 619).

504. Jesus é concebido pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria, porque Ele é o Novo Adão (Cf. 1ª Cor. 15, 45), que inaugura a criação nova: «o primeiro homem veio da terra e do pó: o segundo homem veio do céu» (1ª Cor. 15, 47). A humanidade de Cristo é, desde a sua conceição, cheia do Espírito Santo, porque Deus «não dá o Espírito por medida» (Jo. 3, 34). É da «sua plenitude», que Lhe é própria enquanto cabeça da humanidade resgatada que «nós recebemos graça sobre graça» (Jo. 1, 16).

505. Jesus, o novo Adão, inaugura, pela sua conceição virginal, o novo nascimento dos filhos de adoção, no Espírito Santo, pela fé, «Como será isso»? (Lc. 1, 34) (Cf. Jo. 3, 9). A parti­cipação na vida divina não procede «do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus» (Jo. 1, 13). A recepção desta vida é virginal, porque inteiramente dada ao homem pelo Espírito. O sentido esponsal da vocação humana, em relação a Deus (Cf. 2 Cor. 11, 2), foi perfeitamente realizado na maternidade virginal de Maria.

506. Maria é virgem, porque a virgindade é nela o sinal da sua fé, «sem a mais leve sombra de dúvida» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 63: AAS 57 (1965) 64) e da sua entrega sem reservas à vontade de Deus (Cf. 1ª Cor. 7, 34-35). É graças à sua fé que ela vem a ser a Mãe do Salvador: «Beatior est Maria percipiendo fïdem Christi quam concipiendo carnem Christi - Maria é mais feliz por receber a fé de Cristo do que por conceber a carne de Cristo» (Santo Agostinho, De sancta virginitate, 3, 3: CSEL 41. 237 (PL 40, 398)).

507. Maria é, ao mesmo tempo, virgem e mãe, porque é a figura e a mais perfeita realização da Igreja (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 63: AAS 57 (1965) 64): «por sua vez, a Igreja, que contempla a sua santidade misteriosa e imita a sua caridade, cumprindo fielmente a vontade do Pai, torna-se também, ela própria, mãe, pela fiel recepção da Palavra de Deus: efetivamente, pela pregação e pelo Batismo, gera, para uma vida nova e imortal, os filhos concebidos por ação do Espírito Santo e nascidos de Deus. E também ela é virgem, pois guarda fidelidade total e pura ao seu esposo» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 64: AAS 57 (1965) 64).

Resumindo:

508. Na descendência de Eva, Deus escolheu a Virgem Maria para ser a Mãe do seu Filho. «Cheia de graça», ela é «o mais excelso fruto da Redenção» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 103: AAS 56 (1964) 125). Desde o primeiro instante da sua conceição, ela foi totalmente preservada imune da mancha do pecado original, e permaneceu pura de todo o pecado pessoal ao longo da vida.

509. Maria é verdadeiramente «Mãe de Deus», pois é a Mãe do Filho eterno de Deus feito homem que, Ele próprio, é Deus.

510. Maria permaneceu «Virgem ao conceber o seu Filho, Virgem ao dá-lo à luz, Virgem grávida, Virgem fecunda, Virgem perpétua» (Santo Agostinho, Sermão 186, 1: PL 38, 999); com todo o seu ser; ela é a «serva do Senhor» (Lc. 1, 38).

511. A Virgem Maria «cooperou livremente, pela sua fé e obediência, na salvação dos homens» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 56: AAS 57 (1965) 60). Pronunciou o seu «fiat» - faça-se - «loco totius humanae naturae - em vez de toda a humanidade» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3. q. 30, a. I. c: Ed. Leon. 11, 315): pela sua obediência, tornou-se a nova Eva, mãe dos vivos.

PARÁGRAFO 3

OS MISTÉRIOS DA VIDA DE CRISTO

512. Relativamente à vida de Cristo, o Símbolo da Fé apenas fala dos mistérios da Encarnação (conceição e nascimento) e da Páscoa (paixão, crucifixão, morte, sepultura, descida à mansão dos mortos, ressurreição, ascensão). Nada diz explicitamente dos mistérios da vida oculta e pública de Jesus. Mas os artigos que dizem respeito à Encarnação e à Páscoa de Jesus esclarecem toda a vida terrena de Cristo. «Tudo o que Jesus fez e ensinou desde o princípio até ao dia em que foi elevado ao céu» (At. 1, 1-2) deve ser visto a luz dos mistérios do Natal e da Páscoa.

513. A catequese, segundo as circunstâncias, explanará toda a riqueza dos mistérios de Jesus. Aqui, basta indicar alguns elementos comuns a todos os mistérios da vida de Cristo (I), para depois esboçar os principais mistérios da vida oculta (II) e pública (III) de Jesus.

I. Toda a vida de Cristo é mistério

514. Muitas coisas que interessam à curiosidade humana, a respeito de Jesus, não figuram nos evangelhos. Quase nada se diz da sua vida em Nazaré e mesmo grande parte da sua vida pública não é relatada (Cf. Jo. 20, 3). O que foi escrito nos evangelhos, foi-o «para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome» (Jo. 20, 31).

515. Os evangelhos foram escritos por homens que foram dos primeiros a receber a fé (Cf. Mc. 1, 1; Jo 21, 24) e que quiseram partilhá-la com outros. Tendo conhecido, pela fé, quem é Jesus, puderam ver e fazer ver os traços do seu mistério em toda a sua vida terrena. Desde os panos do nascimento (Cf. Lc. 2, 7) até ao vinagre da paixão (Cf. Mt. 27, 48) e ao sudário da ressurreição (Cf. Jo. 20, 7), tudo, na vida de Jesus, é sinal do seu mistério. Através dos seus gestos, milagres e palavras, foi revelado que «n'Ele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade» (Cl. 2, 9). A sua humanidade aparece, assim, como «sacramento», isto é, sinal e instrumento da sua divindade e da salvação que Ele veio trazer. O que havia de visível na sua vida terrena conduz ao mistério invisível da sua filiação divina e da sua missão redentora.

OS TRAÇOS COMUNS DOS MISTÉRIOS DE JESUS

516. Toda a vida de Cristo é revelação do Pai: as suas palavras e atos, os seus silêncios e sofrimentos, a maneira de ser e de falar. Jesus pode dizer: «quem Me vê, vê o Pai» (Jo. 14, 9); e o Pai: «este é o meu Filho predileto: escutai-O» (Lc. 9, 35). Tendo-se nosso Senhor feito homem para cumprir a vontade do Pai (Cf. Heb. 10, 5-7), os mais pequenos pormenores dos seus mistérios manifestam «o amor de Deus para conosco» (Cf. 1ª Jo. 4, 9).

517. Toda a vida de Cristo é mistério de redenção. A redenção vem-nos, antes de mais, pelo sangue da cruz (Cf. Ef. 1, 7: Cl. I. 13-14 (Vulgata); 1ª Pe. 1, 18-19). Mas este mistério está atuante em toda a vida de Cristo: já na sua Encarnação, pela qual, fazendo-se pobre, nos enriquece com a sua pobreza (Cf. 2ª Cor. 8, 9); na vida oculta que, pela sua obediência (Cf. Lc. 2, 51), repara a nossa insubmissão; na palavra que purifica os seus ouvintes (Cf. Jo. 15, 3): nas curas e expulsões dos demónios, pelas quais «toma sobre Si as nossas enfermidades e carrega com as nossas doenças» (Mt. 8, 17) (Cf. Is. 53, 4); na ressurreição, pela qual nos justifica (Cf. Rm. 4, 25).

518. Toda a vida de Cristo é mistério de recapitulação. Tudo o que Jesus fez, disse e sofreu tinha por fim restabelecer o homem decaído na sua vocação originária:

- «quando Ele encarnou e Se fez homem, recapitulou em Si a longa história dos homens e proporcionou-nos, em síntese, a salvação, de tal forma que aquilo que havíamos perdido em Adão - isto é, sermos imagem e semelhança de Deus - o recuperássemos em Cristo Jesus» (Santo Ireneo de Lião, Adversus haereses 3, 18, 1: SC 211, 342-344 (PG 7, 932)). «Aliás, foi por isso que Cristo passou por todas as idades da vida, restituindo assim a todos os homens a comunhão com Deus» (Ibidem, 18. 7: SC 211, 366 (PG 7, 937); cf. Ibid. 2, 22. 4: SC 294, 220-222 (PG 7, 784)).

A NOSSA COMUNHÃO NOS MISTÉRIOS DE JESUS

519. Toda a riqueza de Cristo «se destina a todos os homens e constitui o bem de cada um» (João Paulo II, Enc. Redemptor hominis, 11: AAS 71 (1979) 278). Cristo não viveu para Si mesmo, mas para nós, desde a Encarnação «por nós homens e para nossa salvação» (Cf. Símbolo Niceno-Contantinopolitano: DS 150) até a sua morte «por causa dos nossos pecados» (1ª Cor. 15, 3) e à sua ressurreição «para nossa justificação» (Rm. 4, 25). Ainda agora, Ele é «o nosso advogado junto do Pai» (1ª Jo. 2, 1), «sempre vivo para interceder por nós» (Heb. 7, 25). Com tudo o que viveu e sofreu por nós, uma vez por todas, Ele está para sempre presente «em nosso favor, na presença de Deus» (Heb. 9, 24).

520. Em toda a sua vida, Jesus mostra-se como nosso modelo (Cf. Rm. 15, 5; Fl 2, 5): é «o homem perfeito» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 38: AAS 58 (1966) 1055), que nos convida a tornarmo-nos seus discípulos e a segui-Lo; com a sua humilhação, deu-nos um exemplo a imitar (Cf. Jo. 13, 15); com a sua oração, convida-nos à oração (Cf. Lc. 11, 1); com a sua pobreza, incita--nos a aceitar livremente o despojamento e as perseguições (Cf. Mt. 5, 11-12).

521. Tudo o que Cristo viveu, Ele próprio faz com que o possamos viver n'Ele e Ele vivê-lo em nós. «Pela sua Encarnação, o Filho de Deus uniu-se, de certo modo, a cada homem» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042). Nós somos chamados a ser um só com Ele; Ele faz-nos comungar, enquanto membros do seu corpo, em tudo o que Ele próprio viveu na sua carne por nós, e como nosso modelo:

- «devemos continuar a completar em nós os estados e mistérios da vida de Jesus e pedir-Lhe continuamente que Se digne consumá-los perfeitamente em nós e em toda a sua Igreja [...]. Na verdade, o Filho de Deus deseja comunicar e prolongar, de certo modo, os seus mistérios em nós e em toda a sua Igreja, [...] quer pelas graças que decidiu conceder-nos, quer pelos efeitos que deseja produzir em nós, por meio destes mistérios. É neste sentido que Ele quer completá-los em nós» (São João Eudes: Le royaume de Jésus, 3, 4: Oeuvres complètes, v. 1 (Vannes 1905) p. 310-311 [2ª leitura do Ofício de Leituras de sexta-feira da 33ª  semana do Tempo Comum: Liturgia das Horas, v. 4 (Gráfica de Coimbra 1983), p. 539]).

II. Os mistérios da infância e da vida oculta de Jesus

OS PREPARATIVOS

522. A vinda do Filho de Deus à terra é um acontecimento tão grandioso, que Deus quis prepará-lo durante séculos. Ritos e sacrifícios, figuras e símbolos da «primeira Aliança» (Cf. Heb. 9, 15), tudo Deus faz convergir para Cristo. Anuncia-o pela boca dos profetas que se sucedem em Israel. E, por outro lado, desperta no coração dos pagãos a obscura expectativa desta vinda.

523. São João Batista é o precursor imediato do Senhor (Cf. At. 13, 24), enviado para lhe preparar o caminho (Cf. Mt. 3, 3). «Profeta do Altíssimo» (Lc. 1, 76), supera todos os profetas (Cf. Lc. 7 26), é o último deles (Cf. Mt. 11, 13) inaugura o Evangelho (Cf. At. 1, 22: Lc 16, 16); saúda a vinda de Cristo desde o seio da sua Mãe (Cf. Lc. 1, 41) e põe a sua alegria em ser «o amigo do esposo» (Jo. 3, 29) que ele designa como «Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (Jo. 1, 29). Precedendo Jesus «com o espírito e o poder de Elias» (Lc. 1, 17), dá testemunho d'Ele pela sua pregação, pelo seu batismo de conversão e, finalmente, pelo seu martírio (Cf. Mc. 6, 17-29).

524. Ao celebrar em cada ano a Liturgia do Advento, a Igreja atualiza esta expectativa do Messias. Comungando na longa preparação da primeira vinda do Salvador, os fiéis renovam o ardente desejo da sua segunda vinda (Cf. Ap. 22, 17). Pela celebração do nascimento e martírio do Precursor, a Igreja une-se ao seu desejo: «Ele deve crescer e eu diminuir» (Jo. 3, 30).

O MISTÉRIO DO NATAL

525. Jesus nasceu na humildade dum estábulo, no seio duma família pobre (219). As primeiras testemunhas deste acontecimento são simples pastores. E é nesta pobreza que se manifesta a glória do céu (Cf. Lc. 2, 8-20). A Igreja não se cansa de cantar a glória desta noite:

«Hoje a Virgem dá à luz o Eterno
e a terra oferece uma gruta ao Inacessível.
Cantam-no os anjos e os pastores,
e com a estrela os magos põem-se a caminho,
porque Tu nasceste para nós,
pequeno Infante. Deus eterno»!
(São Romano o Melódio, Kontakion, 10, In diem Nativitatis Christi, Prooemium: SC 110, 50)

526. «Tornar-se criança» diante de Deus é a condição para entrar no Reino (Cf. Mt. 18, 3-4), e para isso, é preciso abaixar-se (Cf. Mt. 23, 12) tornar-se pequeno. Mais ainda: é preciso «nascer do Alto» (Jo. 3, 7), «nascer de Deus» (Cf. Jo. 1, 13) para se «tornar filho de Deus» (Cf. Jo. 1, 12). O mistério do Natal cumpre-se em nós quando Cristo «se forma» em nós (Cf. Gl. 4, 19). O Natal é o mistério desta «admirável permuta»:

- «o admirabile commercium! Creator generis humani, animatum corpus sumens de Virgine nasci dignatus est; et, procedens homo sine semine, largitus est nobis suam deitatem». - «Oh admirável permuta! O Criador do género humano, tomando corpo e alma, dignou-Se nascer duma Virgem; e, feito homem sem progenitor humano, tornou-nos participantes da sua divindade»! (Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, 1ª Antífona das I e II Vésperas: Liturgia Horarum, editio typica, v. I (Typis Polyglottis Vaticanis 1973), p. 385 e 397 [a versão oficial portuguesa é menos exata: «Oh admirável mistério! O Criador do género humano, tomando corpo e alma, dignou-Se nascer duma Virgem; e, feito homem, tornou-nos participantes da sua divindade!»: Liturgia das Horas. v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983). p. 426 e 441]).

OS MISTÉRIOS DA INFÂNCIA DE JESUS

527. A circuncisão de Jesus, oito dias depois do seu nascimento (Cf. Lc. 2, 21), sinal da sua inserção na descendência de Abraão, no povo da Aliança, da sua submissão à Lei (Cf. Gl. 4, 4. -9) e da sua deputação para o culto de Israel, no qual participará durante toda a sua vida. Este sinal prefigura «a circuncisão de Cristo», que é o Batismo (Cf. Cl. 2, 11-13).

528. A Epifania é a manifestação de Jesus como Messias de Israel, Filho de Deus e salvador do mundo. Juntamente com o batismo de Jesus no Jordão e as bodas de Caná (Cf. Solenidade da Epifania do Senhor. Antífona do «Magnificat» das II Vésperas: Liturgia Horarum, editio typica, v. 1 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 465 [Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 528]), a Epifania celebra a adoração de Jesus pelos «magos» vindos do Oriente (Cf. Mt. 2, 1). Nestes «magos», representantes das religiões pagãs circunvizinhas, o Evangelho vê as primícias das nações, que acolhem a Boa-Nova da salvação pela Encarnação. A vinda dos magos a Jerusalém, para «adorar o rei dos judeus» (Cf. Mt. 2, 2), mostra que eles procuram em Israel, à luz messiânica da estrela de David (Cf. Nm. 24, 17; Ap. 22, 16). Aquele que será o rei das nações (Cf. Nm. 24, 17-19). A sua vinda significa que os pagãos não podem descobrir Jesus e adorá-lo como Filho de Deus e Salvador do mundo, senão voltando-se para os Judeus (Cf. Jo. 4, 22) e recebendo deles a sua promessa messiânica, tal como está contida no Antigo Testamento (Cf. Mt 2, 4-6). A Epifania manifesta que «todos os povos entram na família dos patriarcas» (São Leão Magno, Sermão 33, 3: CCL 138, 173 (PL 54. 242) [Solenidade da Epifania do Senhor, 2ª Leitura do Ofício de Leituras: Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 519]) e adquire a « israelitica dignitas» – a dignidade própria do povo eleito (Vigília Pascal, Oração depois da 3ª  leitura: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 277 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 305]).

529. A apresentação de Jesus no templo (Cf. Lc. 2, 22-39) mostra-o como Primogénito que pertence ao Senhor (Cf. Ex. 13, 2. 12-13). Com Simeão e Ana, é toda a expectativa de Israel que vem ao encontro do seu Salvador (a tradição bizantina designa por encontro este acontecimento). Jesus é reconhecido como o Messias tão longamente esperado, «luz das nações» e «glória de Israel», mas também como «sinal de contradição». A espada de dor, predita a Maria, anuncia essa outra oblação, perfeita e única, da cruz, que trará a salvação que Deus «preparou diante de todos os povos».

530. A fuga para o Egito e o massacre dos Inocentes (Cf. Mt. 2, 13-18) manifestam a oposição das trevas à luz: «Ele veio para o que era seu e os seus não O receberam» (Jo 1, 11). Toda a vida de Cristo decorrerá sob o signo da perseguição. Os seus partilham-na com Ele (Cf. Jo. 15, 20). O seu regresso do Egito (Cf. Mt. 2, 15) lembra o Êxodo (Cf. Os. 11, 1) e apresenta Jesus como o libertador definitivo.

OS MISTÉRIOS DA VIDA OCULTA DE JESUS

531. Durante a maior parte da sua vida, Jesus partilhou a condição da imensa maioria dos homens: uma vida quotidiana sem grandeza aparente, vida de trabalho manual, vida religiosa judaica sujeita à Lei de Deus (Cf. Gl. 4, 4), vida na comunidade. De todo este período, é-nos revelado que Jesus era «submisso» a seus pais (Cf. Lc. 2, 51) e que «ia crescendo em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens» (Lc. 2, 52).

532. A submissão de Jesus à sua Mãe e ao seu pai legal foi o cumprimento perfeito do quarto mandamento. É a imagem temporal da sua obediência filial ao Pai Celeste. A submissão diária de Jesus a José e a Maria anunciava e antecipava a submissão de Quinta-Feira Santa: «não se faça a minha vontade [...]» (Lc. 22, 42). A obediência de Cristo, no quotidiano da vida oculta, inaugurava já a recuperação daquilo que a desobediência de Adão tinha destruído (Cf. Rm. 5, 19).

533. A vida oculta de Nazaré permite a todos os homens entrar em comunhão com Jesus, pelos diversos caminhos da vida quotidiana:

- «Nazaré é a escola em que se começa a compreender a vida de Jesus, é a escola em que se inicia o conhecimento do Evangelho [...] Em primeiro lugar, uma lição de silêncio. Oh! se renascesse em nós o amor do silêncio, esse admirável e indispensável hábito do espírito [...]! Uma lição de vida familiar Que Nazaré nos ensine o que é a família, a sua comunhão de amor, a sua austera e simples beleza, o seu carácter sagrado e inviolável [...]. Uma lição de trabalho, Nazaré, a casa do "Filho do carpinteiro"! Aqui desejaríamos compreender e celebrar a lei, severa, mas redentora, do trabalho humano [...] Daqui, finalmente, queremos saudar os trabalhadores de todo o mundo e mostrar-lhes o seu grande modelo, o seu Irmão divino» (Paulo VI, Alocução na igreja da Anunciação à bem-aventurada Virgem Maria em Nazaré, 5 de Janeiro de 1964: AAS 56 (1964) 167-168 [Festa da Sagrada Família, 2ª  Leitura do Ofício de Leitura: Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 381-382])

534. O reencontro de Jesus no templo (Cf. Lc. 2, 41-52) é o único acontecimento que quebra o silêncio dos evangelhos sobre os anos ocultos de Jesus. Nele, Jesus deixa entrever o mistério da sua consagração total à missão decorrente da sua filiação divina: «não sabíeis que Eu tenho de estar na casa do meu Pai»? Maria e José «não compreenderam» esta palavra, mas acolheram-na na fé, e Maria «guardava no coração todas estas recordações», ao longo dos anos em que Jesus permaneceu oculto no silêncio duma vida normal.

III. Os mistérios da vida pública de Jesus

O BATISMO DE JESUS

535 O início (Cf. Lc. 3, 23) da vida pública de Jesus é o seu batismo por João, no rio Jordão (Cf. At. 1, 22). João pregava «um batismo de penitência, em ordem à remissão dos pecados» (Lc. 3, 3). Uma multidão de pecadores, publicanos e soldados (Cf. Lc. 3, 10-14), fariseus e saduceus (Cf. Mt. 3, 7) e prostitutas vinha ter com ele, para que os batizasse. «Então aparece Jesus». O Batista hesita, Jesus insiste: e recebe o batismo. Então o Espírito Santo, sob a forma de pomba, desce sobre Jesus e uma voz do céu proclama: «este é o meu Filho muito amado» (Mt. 3,13-17). Tal foi a manifestação («epifania») de Jesus como Messias de Israel e Filho de Deus (Cf. Mt. 3, 7).

536. Da parte de Jesus, o seu batismo é a aceitação e a inauguração da sua missão de Servo sofredor. Deixa-se contar entre o número dos pecadores (Cf. Is. 53, 12). É já «o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (Jo. 1, 29), e antecipa já o «batismo» da sua morte sangrenta (Cf. Mc. 10, 38; Lc. 12, 50). Vem, desde já, para «cumprir toda a justiça» (Mt. 3,15). Quer dizer que se submete inteiramente à vontade do Pai e aceita por amor o batismo da morte para a remissão dos nossos pecados (Cf. Mt. 26, 39). A esta aceitação responde a voz do Pai, que põe toda a sua complacência no Filho (Cf. Lc. 3. 22; Is. 42, 1). O Espírito que Jesus possui em plenitude, desde a sua conceição, vem «repousar» sobre Ele (Jo. 1, 32-33) (Cf. Jo. 1, 32-33; Is. 1 l, 2) e Jesus será a fonte do mesmo Espírito para toda a humanidade. No batismo de Cristo, «abriram-se os céus» (Mt. 3, 16) que o pecado de Adão tinha fechado, e as águas são santificadas pela descida de Jesus e do Espírito, prelúdio da nova criação.

537. Pelo Batismo, o cristão é sacramentalmente assimilado a Jesus que, no seu batismo, antecipa a sua morte e ressurreição. Deve entrar neste mistério de humilde abatimento e de penitência, descer à água com Jesus, para de lá subir com Ele, renascer da água e do Espírito para se tornar, no Filho, filho-amado do Pai e «viver numa vida nova» (Rm. 6, 4):

- «sepultemo-nos com Cristo pelo Batismo, para com Ele ressuscitarmos; desçamos com Ele, para com Ele sermos elevados; tornemos a subir com Ele, para n'Ele sermos glorificados» (São Gregório Nazianzeno, Oratio 40, 9: SC 358, 216 (PG 36. 369)).
«Tudo o que se passou com Cristo dá-nos a conhecer que, depois do banho de água, o Espírito Santo desce sobre nós do alto dos céus e, adotados pela voz do Pai, tornamo-nos filhos de Deus»
(Santo Hilário de Poitiers, In evangelium Matthaei 2, 6: SC 254. 110 (PL 9, 927)).

A TENTAÇÃO DE JESUS

538. Os evangelhos falam dum tempo de solidão que Jesus passou no deserto, imediatamente depois de ter sido batizado por João: «impelido» pelo Espírito para o deserto, Jesus ali permanece sem comer durante quarenta dias. Vive com os animais selvagens e os anjos servem-no
(Cf. Mc. 1, 13).

No fim desse tempo, Satanás tenta-o por três vezes, procurando pôr em causa a sua atitude filial para com Deus; Jesus repele esses ataques, que recapitulam as tentações de Adão no paraíso e de Israel no deserto; e o Diabo afasta-se d'Ele «até determinada altura» (Lc. 4, 13).

539. Os evangelistas indicam o sentido salvífico deste acontecimento misterioso, Jesus é o Novo Adão, que Se mantém fiel naquilo em que o primeiro sucumbiu à tentação. Jesus cumpre perfeitamente a vocação de Israel: contrariamente aos que outrora, durante quarenta anos, provocaram a Deus no deserto (Cf. SI. 95, 10), Cristo revela-se o Servo de Deus totalmente obediente à vontade divina. Nisto, Jesus vence o Diabo: «amarrou o homem forte», para lhe tirar os despojos (Cf. Mc. 3, 27). A vitória de Jesus sobre o tentador, no deserto, antecipa a vitória da paixão, suprema obediência do seu amor filial ao Pai.

540. A tentação de Jesus manifesta a maneira própria de o Filho de Deus ser Messias, ao contrário da que Lhe propõe Satanás e que os homens (Cf. Mt. 16, 21-23) desejam atribuir-Lhe. Foi por isso que Cristo venceu o Tentador, por nós: «nós não temos um sumo-sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas; temos um, que possui a experiência de todas as provações, tal como nós, com excepção do pecado» (Heb. 4, 15). Todos os anos, pelos quarenta dias da Grande Quaresma, a Igreja une-se ao mistério de Jesus no deserto.

«O REINO DE DEUS ESTÁ PRÓXIMO»

541. «Depois de João ter sido preso, Jesus partiu para a Galileia. Aí proclamava a Boa-Nova da vinda de Deus, nestes termos: "completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: convertei-vos e acreditai na Boa-Nova"»! (Mc. 1, 14-15). «Por isso, Cristo, a fim de cumprir a vontade do Pai, deu começo na terra ao Reino dos céus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 3: AAS 57 (1965) 6). Ora a vontade do Pai é «elevar os homens à participação da vida divina» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 2: AAS 57 (1965) 5-6). E fá-lo reunindo os homens em torno do seu Filho, Jesus Cristo. Esta reunião é a Igreja, a qual é na terra «o germe e o princípio» do Reino de Deus (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 5: AAS 57 (1965) 8).

542. Cristo está no centro desta reunião dos homens na «família de Deus». Reúne-os à sua volta pela sua palavra, pelos seus sinais que manifestam o Reino de Deus, pelo envio dos discípulos. E realizará a vinda do seu Reino sobretudo pelo grande mistério da sua Páscoa: a sua morte de cruz e a sua ressurreição. «e Eu, uma vez elevado da Terra, atrairei todos a Mim» (Jo. 12, 32). Todos os homens são chamados a esta união com Cristo (Cf.  II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 3: AAS 57 (1965) 6).

O ANÚNCIO DO REINO DE DEUS

543. Todos os homens são chamados a entrar no Reino. Anunciado primeiro aos filhos de Israel (Cf. Mt. 10, 5-7), este Reino messiânico é destinado a acolher os homens de todas as nações (Cf. Mt. 8, 11; 28, 19). Para ter acesso a ele, é preciso acolher a Palavra de Jesus:

- «a Palavra do Senhor compara-se à semente lançada ao campo: aqueles que a ouvem com fé e entram a fazer parte do pequeno rebanho de Cristo, já receberam o Reino; depois, por força própria, a semente germina e cresce até ao tempo da messe» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 5: AAS 57 (1965) 7).

544. O Reino é dos pobres e pequenos, quer dizer, dos que o acolheram com um coração humilde. Jesus foi enviado para «trazer a Boa-Nova aos pobres» (Lc. 4, 18) (Cf. Lc. 7, 22). Declara-os bem-aventurados, porque «é deles o Reino dos céus» (Mt. 5, 3). Foi aos «pequenos» que o Pai se dignou revelar o que continua oculto aos sábios e inteligentes (Cf. Mt. 11, 25). Jesus partilha a vida dos pobres, desde o presépio até à cruz: sabe o que é sofrer a fome (Cf. Mc. 2, 23-26: Mt. 21, 18), a sede (Cf. Jo. 4, 6-7: 19, 28) e a indigência (Cf. Lc. 9, 58). Mais ainda: identifica-se com os pobres de toda a espécie, e faz do amor ativo para com eles a condição da entrada no seu Reino (Cf. Mt. 25, 31-46).

545. Jesus convida os pecadores para a mesa do Reino: «Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores» (Mc. 2, 17) (Cf. 1ª Tm. 1, 15). Convida-os à conversão sem a qual não se pode entrar no Reino, mas por palavras e atos, mostra-lhes a misericórdia sem limites do Seu Pai para com eles e a imensa «alegria que haverá no céu, por um só pecador que se arrependa» (Lc. 15, 7) (Cf. Lc. 15, 11-32). A prova suprema deste amor será o sacrifício da sua própria vida, «pela remissão dos pecados» (Mt. 26, 28).

546. Jesus chama para entrar no Reino, por meio de parábolas, traço característico do seu ensino (Cf. Mc. 4, 33-34). Por meio delas, convida para o banquete do Reino (Cf. Mt. 22, 1-14), mas exige também uma opção radical: para adquirir o Reino é preciso dar tudo (Cf. Mt. 13, 44-45). As palavras não bastam, exigem-se atos (Cf. Mt. 21, 28-32). As parábolas são, para o homem, uma espécie de espelho: como é que ele recebe a Palavra? Como chão duro, ou como terra boa? (Cf. Mt. 13, 3-9) Que faz ele dos talentos recebidos? (Cf. Mt. 25, 14-30) Jesus e a presença do Reino neste mundo estão secretamente no coração das parábolas. É preciso entrar no Reino, quer dizer, tornar-se discípulo de Cristo, para «conhecer os mistérios do Reino dos céus» (Mt. 13, 11). Para os que ficam «fora» (Mc. 4, 11), tudo permanece enigmático (Cf. Mt. 13, 10-15).

OS SINAIS DO REINO DE DEUS

547. Jesus acompanha as suas palavras com numerosos «milagres, prodígios e sinais» (At. 2,22), os quais manifestam que o Reino está presente n'Ele. Comprovam que Ele é o Messias anunciado (Cf. Lc. 7. 18-23).

548. Os sinais realizados por Jesus testemunham que o Pai O enviou (Cf. Jo. 5, 36; 10, 25). Convidam a crer n'Ele (Cf. Jo. 10, 38.. Aos que se lhe dirigem com fé, concede-lhes o que pedem (Cf. Mc. 5, 25-34; 10, 52: etc.). Assim, os milagres fortificam a fé n'Aquele que faz as obras do seu Pai: testemunham que Ele é o Filho de Deus (Cf. Jo. 10, 31-38). Mas também podem ser «ocasião de queda» (Cf. Mt 11, 6). Eles não pretendem satisfazer a curiosidade nem desejos mágicos. Apesar de os seus milagres serem tão evidentes, Jesus é rejeitado por alguns (Cf. Jo. 11, 47-48); chega mesmo a ser acusado de agir pelo poder dos demónios (Cf. Mc. 3, 22).

549. Ao libertar certos homens dos males terrenos da fome (Cf. Jo. 6, 5-15), da injustiça (Cf. Lc. 19, 8) da doença e da morte (Cf. Mt. 11, 5) - Jesus realizou sinais messiânicos; no entanto, Ele não veio para abolir todos os males deste mundo (Cf. Lc. 12, 13-14; Jo 18, 36), mas para libertar os homens da mais grave das escravidões, a do pecado (Cf. Jo 8, 34-36), que os impede de realizar a sua vocação de filhos de Deus e é causa de todas as servidões humanas.

550. A vinda do Reino de Deus é a derrota do reino de Satanás (Cf. Mt. 12, 26): «se é pelo Espírito de Deus que Eu expulso os demónios, então é porque o Reino de Deus chegou até vós» (Mt. 12, 28). Os exorcismos de Jesus libertam os homens do poder dos demónios (Cf. Lc 8, 26-39). E antecipam a grande vitória de Jesus sobre «o príncipe deste mundo» (Cf. Jo. 12, 31). É pela cruz de Cristo que o Reino de Deus vai ser definitivamente estabelecido: «regnavit a ligno Deus - Deus reinou desde o madeiro» (Venâncio Fortunato, Hino «Vexilla Regis»: MGH 1/4/1, 34 (PL 88, 96)).

«AS CHAVES DO REINO»

551. Desde o princípio da sua vida pública, Jesus escolheu alguns homens, em número de doze, para andarem com Ele e participarem na sua missão (Cf. Mc. 3, 13-19). Deu-lhes parte na sua autoridade «e enviou-os a pregar o Reino de Deus e a fazer curas» (Lc. 9, 2). Estes homens ficam para sempre associados ao Reino de Cristo, porque, por meio deles, Jesus Cristo dirige a Igreja:

- «Eu disponho, a vosso favor, do Reino, como meu Pai dispõe dele a meu favor, a fim de que comais e bebais à minha mesa, no meu Reino. E sentar-vos-eis em tronos, a julgar as doze tribos de Israel» (Lc. 22, 29-30).

552. No colégio dos Doze, Simão Pedro ocupa o primeiro lugar (Cf. Mc. 3, 16; 9, 2; Lc. 24, 34: 1ª Cor. 15, 5). Jesus confiou-lhe uma missão única. Graças a uma revelação vinda do Pai, Pedro confessara: «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo» (Mt. 16, 16). E nosso Senhor declarou-lhe então: «tu és Pedro: sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela» (Mt. 16, 18). Cristo, «pedra viva» (Cf. 1ª Pe. 2. 4), garante à sua Igreja, edificada sobre Pedro, a vitória sobre os poderes da morte. Pedro, graças à fé que confessou, permanecerá o rochedo inabalável da Igreja. Terá a missão de defender está fé para que nunca desfaleça e de nela confirmar os seus irmãos (Cf. Lc. 22, 32).

553. Jesus confiou a Pedro uma autoridade específica: «dar-te-ei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que desligares na terra será desligado nos céus» (Mt. 16, 19) (Cf. Mt. 18, 18). O «poder das chaves» designa a autoridade para governar a Casa de Deus, que é a Igreja. Jesus, o «bom Pastor» (Jo. 10, 11), confirmou este cargo depois da sua ressurreição: «apascenta as minhas ovelhas» (Jo. 21, 15-17). O poder de «ligar e desligar» significa a autoridade para absolver os pecados, pronunciar juízos doutrinais e tomar decisões disciplinares na Igreja. Jesus confiou esta autoridade à Igreja pelo ministério dos Apóstolos e particularmente pelo de Pedro, o único a quem confiou explicitamente as chaves do Reino.

UM ANTEGOZO DO REINO: A TRANSFIGURAÇÃO

554. A partir do dia em que Pedro confessou que Jesus era o Cristo, Filho do Deus vivo (Cf. Mt. 16, 22-23), o Mestre «começou a explicar aos seus discípulos que tinha de ir a Jerusalém e lá sofrer [...], que tinha de ser morto e ressuscitar ao terceiro dia» (Mt. 16, 21). Pedro rejeita este anúncio e os outros também não o entendem (Cf. Mt. 17, 23; Lc. 9, 45). É neste contexto que se situa o episódio misterioso da transfiguração de Jesus (Cf. Mt. 17, 1-8 e par.: 2 Pe 1, 16-18), no cimo duma alta montanha, perante três testemunhas por Ele escolhidas: Pedro, Tiago e João. O rosto e as vestes de Jesus tornaram-se fulgurantes de luz, Moisés e Elias aparecem, «e falam da sua morte, que ia consumar-se em Jerusalém» (Lc. 9, 31). Uma nuvem envolve-os e uma voz do céu diz: «Este é o meu Filho predileto: escutai-o» (Lc. 9, 35).

555. Por um momento, Jesus mostra a sua glória divina, confirmando assim a confissão de Pedro. Mostra também que, para «entrar na sua glória» (Lc. 24, 26), tem de passar pela cruz em Jerusalém. Moisés e Elias tinham visto a glória de Deus sobre a montanha; a Lei e os Profetas tinham anunciado os sofrimentos do Messias (Cf. Lc. 24. 27). A paixão de Jesus é da vontade do Pai: o Filho age como Servo de Deus (Cf. Is. 42, 1). A nuvem indica a presença do Espírito Santo: «tota Trinitas apparuit: Pater in voce; Filius in homine; Spiritus in nube clara - Apareceu toda a Trindade: o Pai na voz; o Filho na humanidade; o Espírito Santo na nuvem luminosa» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3. q. 45, a. 4, ad 2: Ed. Leon. 11, 433):

- «transfiguraste-Te sobre a montanha e, na medida em que disso eram capazes, os teus discípulos contemplaram a tua glória, ó Cristo Deus; para que, quando Te vissem crucificado, compreendessem que a tua paixão era voluntária, e anunciassem ao mundo que Tu és verdadeiramente a irradiação do Pai» (Liturgia bizantina, Kontakion na Festa da Transfiguração: «Mênaîa toû bólou eniautoû», v. 6 (Romae 1901) p. 341).

556. No limiar da vida pública, o batismo; no limiar da Páscoa, a transfiguração. Pelo batismo de Jesus «declaratum fuit mysterium primae regenerationis - foi declarado o mistério da (nossa) primeira regeneração» - o nosso Batismo; e a transfiguração «est sacramentum secundae regenerationis - é o sacramento da (nossa) segunda regeneração» - a nossa própria ressurreição (Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3, q. 45. a. 4, ad 2: Ed. Leon. 11, 433). Desde agora, nós participamos na ressurreição do Senhor pelo Espírito Santo que atua nos sacramentos do Corpo de Cristo. A transfiguração dá-nos um antegozo da vinda gloriosa de Cristo, «que transfigurará o nosso corpo miserável para o conformar com o seu corpo glorioso» (Fl. 3, 21). Mas lembra-nos também que temos de passar por muitas tribulações para «entrar no Reino de Deus» (At. 14, 22):

- «era isso que Pedro ainda não tinha compreendido, quando manifestava o desejo de ficar com Cristo no cimo da montanha (Cf. Lc. 9. 33). - Isso, Ele te reservou, Pedro, para depois da morte. Mas agora, Ele próprio te diz: desce para sofrer na Terra, para servir na Terra, para ser desprezado e crucificado na Terra. A Vida desce para se fazer matar: o Pão desce para passar fome; o Caminho desce para se cansar de andar; a Fonte desce para ter sede; - e tu recusas-te a sofrer»? (Santo Agostinho, Sermão 78. 6: PL 38, 492-493).

A SUBIDA DE JESUS PARA JERUSALÉM

557. «Ora, como se aproximavam os dias de Jesus ser levado deste mundo, Ele tomou a firme resolução de Se dirigir a Jerusalém» (Lc. 9, 51) (Cf. Jo. 13, 1). Por esta decisão, indicava que subia para Jerusalém pronto para lá morrer. Já por três vezes tinha anunciado a sua paixão e a sua ressurreição (Cf.  Mc. 8, 31-33; 9, 31-32; 10, 32-34). E ao dirigir-Se para Jerusalém, declara: «não se admite que um profeta morra fora de Jerusalém» (Lc. 13, 33).

558. Jesus recorda o martírio dos profetas que tinham sido entregues à morte em Jerusalém (Cf. Mt. 23, 37a). No entanto, continua a convidar Jerusalém a reunir-se à sua volta: «quantas vezes Eu quis agrupar os teus filhos como a galinha junta os seus pintainhos sob as asas!... Mas vós não quisestes» (Mt. 23, 37b). Quando já avista Jerusalém, chora sobre ela (Cf. Lc. 19, 41) e exprime, uma vez mais, o desejo do seu coração: «se neste dia também tu tivesses conhecido o que te pode trazer a paz! Mas agora isto está oculto aos teus olhos» (Lc, 19, 42).

A ENTRADA MESSIÂNICA DE JESUS EM JERUSALÉM

559. Como vai Jerusalém acolher o seu Messias? Embora tenha sempre evitado as tentativas populares de O fazerem rei
(Cf. Jo, 6, 15), Jesus escolheu o momento e preparou os pormenores da sua entrada messiânica na cidade de «David, seu pai» (Lc. 1, 32) (Cf. Mt. 21, 1-11). E é aclamado como filho de David e como aquele que traz a salvação («Hosanna» quer dizer «então salva!», «dá a salvação»). Ora, o «rei da glória» (Sl. 24, 7-10) entra na «sua cidade», «montado num jumento» (Zc. 9, 9). Não conquista a filha de Sião, figura da sua Igreja, nem pela astúcia nem pela violência, mas pela humildade que dá testemunho da verdade (Cf. Jo. 18, 37). Por isso é que, naquele dia, os súbditos do seu Reino, são as crianças (Cf. Mt. 21, 15-16; Sl. 8, 3) e os «pobres de Deus», que O aclamam, tal como os anjos O tinham anunciado aos pastores (Cf. Lc. 19, 38: 2, 14). A aclamação deles: «bendito o que vem em nome do Senhor» (Sl. 118, 26) é retomada pela Igreja no «Sanctus» da Liturgia Eucarística, a abrir o memorial da Páscoa do Senhor.

560. A entrada de Jesus em Jerusalém manifesta a vinda do Reino que o Rei-Messias vai realizar pela Páscoa da sua morte e da sua ressurreição. É com a sua celebração, no Domingo de Ramos, que a Liturgia da Igreja começa a Semana Santa.

 Resumindo:

561. «Toda a vida de Cristo foi um contínuo ensinamento: os seus silêncios, os seus milagres, os seus gestos, a sua oração, o seu amor pelo homem, a sua predileção pelos pequenos e pelos pobres, a aceitação do sacrifício total na cruz pela redenção do mundo, a sua ressurreição tudo é atuação da sua palavra e cumprimento da Revelação» (João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae, 9: AAS 71 (1979) 1284).

562. Os discípulos de Cristo devem conformar-se com Ele até que Ele Se forme neles (Cf. Gl. 4, 19), «Por isso, somos assumidos nos mistérios da sua vida, configurados com Ele, com Ele mortos e ressuscitados, até que reinemos com Ele» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 7: AAS 57 (1965) 10).

563. Pastor ou mago, ninguém pode atingir a Deus neste mundo senão ajoelhando diante do presépio de Belém e adorando-o oculto na fraqueza duma criança.

564. Pela sua submissão a Maria e a José, assim como pelo seu trabalho humilde em Nazaré durante longos anos, Jesus dá-nos o exemplo da santidade na vida quotidiana da família e do trabalho.

565. Desde o princípio da sua vida pública, desde o seu batismo, Jesus é o «Servo» inteiramente consagrado à obra redentora, que consumará pelo «batismo» da sua paixão.

566. A tentação no deserto mostra Jesus como Messias humilde, que triunfa de Satanás pela total adesão ao desígnio de salvação querido pelo Pai.

567. O Reino dos céus foi inaugurado na terra por Cristo, e resplandece para os homens na palavra, nas obras e na presença de Cristo (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 5: AAS 57 (1965) 7). A Igreja é o gérmen e o princípio deste Reino. As suas chaves são confiadas a Pedro.

568.  A transfiguração de Cristo tem por fim fortalecer a fé dos Apóstolos em vista da paixão: a subida à «alta montanha» prepara a subida ao Calvário. Cristo, cabeça da Igreja, manifesta o que o seu Corpo contém e irradia nos sacramentos: «a esperança da Glória» (Cl .1, 27) (Cf. São Leão Magno, Sermão 51, 3: CCL 138A, 298-299 (PL 54. 310)).

569. Jesus subiu voluntariamente a Jerusalém, sabendo perfeitamente que ali ia morrer de morte violenta, por causa da oposição dos pecadores (Cf. Heb. 12, 3).

570. A entrada de Jesus em Jerusalém manifesta a vinda do Reino, que o Rei-Messias, acolhido na cidade pelas crianças e pelos humildes de corarão, vai realizar pela Páscoa da sua morte e ressurreição.

ARTIGO 4

«JESUS CRISTO PADECEU SOB PÔNCIO PILATOS
FOI CRUCIFICADO, MORTO E SEPULTADO»

571. O mistério pascal da cruz e ressurreição de Cristo está no centro da Boa-Nova que os Apóstolos, e depois deles a Igreja, devem anunciar ao mundo. O desígnio salvífico de Deus cumpriu-se de «una vez por todas» (Heb. 9, 26) pela morte redentora do seu Filho Jesus Cristo.

572. A Igreja permanece fiel à «interpretação de todas as Escrituras» dada pelo próprio Jesus, tanto antes como depois da sua Páscoa. (Cf. Lc. 24, 27, 44-45) «Não tinha o Messias de sofrer tudo isto, para entrar na sua glória»? (Lc. 24, 26). Os sofrimentos de Jesus tomaram a sua forma histórica concreta, pelo fato de Ele ter sido «rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas» (Mc. 8, 31), que «o entregaram aos pagãos para ser escarnecido, flagelado e crucificado» (Mt. 20, 19).

573. A fé pode, portanto, esforçar-se por investigar as circunstâncias da morte de Jesus, fielmente transmitidas pelos evangelhos (Cf. II Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Verbum, 19; AAS 58 (1966) 826-827) e esclarecidas por outras fontes históricas, para melhor compreender o sentido da redenção.

PARÁGRAFO 1

JESUS E ISRAEL

574. Desde o princípio do ministério público de Jesus, fariseus e partidários de Herodes, com sacerdotes e escribas, puseram-se de acordo para lhe dar a morte (Cf. Mc. 3, 6). Por alguns dos seus atos (expulsões de demónios (Cf. Mt. 12, 24); perdão dos pecados (Cf. Mc. 2, 7) curas em dia de sábado (Cf. Mc. 3, 1-6); interpretação original dos preceitos de pureza legal (Cf. Mc. 7, 14-23): trato familiar com publicanos e pecadores públicos (Cf. Mc. 2, 14-17), Jesus pareceu a alguns, mal intencionados, suspeito de possessão diabólica (Cf. Mc. 3, 22: Jo. 8, 48: 10, 20). Foi acusado de blasfémia (Cf. Mc. 2, 7; Jo. 5, 18; 10, 33) e de falso profetismo (Cf. Jo. 7, 12; 52), crimes religiosos que a Lei castigava com a pena de morte por apedrejamento (Cf. Jo. 8, 59; 10, 31).

575. Muitas atitudes e palavras de Jesus foram, portanto, «sinal de contradição» (Cf. Lc. 2, 34) para as autoridades religiosas de Jerusalém, a quem o Evangelho de São João muitas vezes chama simplesmente «os Judeus» (CL Jo. 1, 19; 2, 18; 5, 10; 7, 13; 9, 22 18, 12: 19, 38; 20, 19), mais ainda do que para o comum do Povo de Deus (Cf. Jo. 7, 48-49). Sem dúvida que as suas relações com os fariseus não foram unicamente polémicas: são fariseus que O previnem do perigo que corre (Cf. Lc. 13, 31). Jesus louva alguns de entre eles, como o escriba de Marcos 12, 34, e em várias ocasiões come em casa de fariseus (Cf. Lc. 7, 36; 14, 1). Jesus confirma doutrinas partilhadas por esta elite religiosa do povo de Deus: a ressurreição dos mortos (Cf. Mt. 22, 23-34; Lc 20, 39) formas de piedade (esmola, jejum e oração (Cf. Mt. 6, 2-18) e o hábito de se dirigir a Deus como Pai, o carácter central do mandamento do amor de Deus e do próximo (Cf. Mc. 12, 28-34).

576. Aos olhos de muitos em Israel, parece que Jesus procede contra as instituições essenciais do Povo eleito:

– a submissão à Lei, na totalidade dos seus preceitos escritos e, para os fariseus, na interpretação da tradição oral;

– a centralidade do templo de Jerusalém, como lugar santo em que Deus habita de maneira privilegiada;

– a fé no Deus único, cuja glória nenhum homem pode partilhar.

I. Jesus e a Lei

577. Jesus fez uma solene advertência no início do sermão da montanha, ao apresentar a Lei dada por Deus no Sinai, quando da primeira Aliança, à luz da graça da Nova Aliança:

- «não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição. Em verdade vos digo: Antes que passem o céu e a Terra, não passará da Lei a mais pequena letra ou o mais pequeno sinal, sem que tudo se cumpra. Portanto, se alguém transgredir um só destes mandamentos, por mais pequeno que seja, e ensinar assim aos homens, será o menor no Reino dos céus. Mas aquele que os praticar e ensinar, será grande no Reino dos céus» (Mt. 5, 17-19).

578. Jesus, o Messias de Israel e, portanto, o maior no Reino dos céus, fazia questão de cumprir a Lei, executando-a integralmente até nos mais pequenos preceitos, segundo as suas próprias palavras. Foi, mesmo, o único a poder fazê-lo perfeitamente (Cf. Jo. 8, 46). Os Judeus, segundo a sua própria confissão, não puderam nunca cumprir integralmente a Lei sem violação do mínimo preceito (Cf. Jo. 7, 19; At. 13, 38-41; 15, 10). Por isso é que, em cada festa anual da Expiação, os filhos de Israel pediam a Deus perdão pelas suas transgressões da Lei. Com efeito, a Lei constitui um todo e, como lembra São Tiago, «quem observa toda a Lei, mas falta num só mandamento, torna-se réu de todos os outros» (Tg. 2, 10) (Cf. Gl. 3, 10; 5, 3).

579. Este princípio da integralidade da observância da Lei, não só na letra, mas também no espírito, era caro aos fariseus. Tomando-o extensivo a Israel, conduziram muitos judeus do tempo de Jesus a um zelo religioso extremo (Cf. Rm. 10, 2). E um tal zelo, se não se ficasse por uma casuística «hipócrita» (Cf. Rm. 10, 2), com certeza que prepararia o povo para esta inaudita intervenção de Deus, que será o cumprimento perfeito da Lei pelo único justo representante de todos os pecadores (Cf. Is. 53, 11: Heb. 9, 15).

580. O cumprimento perfeito da Lei só podia ser obra do divino Legislador, nascido sujeito à Lei na pessoa do Filho (Cf. Gl. 4, 4). Em Jesus, a Lei já não aparece gravada em tábuas de pedra, mas «no íntimo do coração» (Jr. 31, 33) do Servo, o qual, proclamando «fielmente o direito» (Is. 42, 3), se tornou «a aliança do povo» (Is. 42, 6). Jesus cumpriu a Lei até ao ponto de tomar sobre Si «a maldição da Lei» (Cf. Gl. 3, 13) em que incorrem aqueles que não «praticam todos os preceitos da Lei» (Cf. Gl. 3, 10); porque «a morte de Cristo foi para remir as faltas cometidas durante a primeira Aliança» (Heb. 9, 15).

581. Jesus apareceu aos olhos dos Judeus e dos seus chefes espirituais como um «rabbi» (Cf. Jo. 3. 2; Mt. 22, 23-24. 34-36). Muitas vezes argumentou, no quadro da interpretação rabínica da Lei (Cf. Mt. 9, 12; 12, 5: Mc. 2, 23-27; Lc 6, 6-9; Jo 7, 22-23). Mas, ao mesmo tempo, Jesus tinha forçosamente de Se confrontar com os doutores da Lei porque não Se contentava com propor a sua interpretação a par das deles: «ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas» (Mt. 7, 28-29). N'Ele, era a própria Palavra de Deus, que Se fizera ouvir no Sinai, para dar a Moisés a Lei escrita, que de novo Se fazia ouvir sobre a montanha das bem-aventuranças (Cf. Mt. 5, 1). Esta Palavra de Deus não aboliu a Lei, mas cumpriu-a, ao fornecer, de modo divino, a sua interpretação última: «ouvistes que foi dito aos antigos [...] Eu, porém, digo-vos» (Mt. 5, 33-34). Com esta mesma autoridade divina, desaprova certas «tradições humanas» (Cf. Mc. 7, 8) dos fariseus, que «anulam a Palavra de Deus» (Cf. Mc. 7, 13).

582. Indo mais longe, Jesus cumpriu a lei sobre a pureza dos alimentos, tão importante na vida quotidiana judaica, explicando o seu sentido «pedagógico» (Cf. Gl. 3, 24) por uma interpretação divina: «não há nada fora do homem que, ao entrar nele, o possa tornar impuro [...] - e assim declarava puros todos os alimentos - [...]. O que sai do homem é que o toma impuro. Pois, do interior do coração dos homens é que saem os pensamentos perversos» (Mc. 7, 18-21). Proporcionando, com autoridade divina, a interpretação definitiva da Lei, Jesus colocou-se numa situação de confronto com certos doutores da Lei, que não aceitavam a sua interpretação, muito embora garantida pelos sinais divinos que a acompanhavam (Cf. Jo. 5, 36; 10 25. 37-38; 12, 37). Isto vale sobretudo para a questão do sábado: Jesus lembra, e muitas vezes com argumentos rabínicos (Cf. Mc 2, 25-27; Jo 7, 22-24), que o repouso sabático não é violado pelo serviço de Deus (Cf. Mt. 12, 5; Nm 28, 9) ou do próximo (Cf. Lc. 13, 15-16; 14, 3-4) que as suas curas realizam.

II. Jesus e o templo

583. Jesus, como antes d'Ele os profetas, professou pelo templo de Jerusalém o mais profundo respeito. Ali foi apresentado por José e Maria, quarenta dias depois do seu nascimento (Cf. Lc. 2, 22-39). Na idade de doze anos, decidiu ficar no templo para lembrar aos seus pais que tinha de se ocupar das coisas de seu Pai (Cf. Lc. 2, 46-49). Ao templo subiu todos os anos, ao menos pela Páscoa, durante a vida oculta (Cf. Lc. 2, 41). O seu próprio ministério público foi ritmado pelas peregrinações a Jerusalém nas grandes festas judaicas (Cf. Jo. 2, 13-14; 5, 1.14; 7, 1.10.14; 8, 2; 10, 22-23).

584. Jesus subiu ao templo como quem sobe ao lugar privilegiado de encontro com Deus. O templo é para Ele a casa do seu Pai, uma casa de oração, e indigna-ee com o fato de o átrio exterior se ter tornado lugar de negócio (Cf. Mt. 21, 13). Se expulsa os vendilhões do templo é pelo amor zeloso a seu Pai: «não façais da casa do meu Pai casa de comércio». «Os discípulos recordaram-se de que estava escrito: "o zelo pela tua casa devorar-me-á"» (Sl. 69, 10) (Jo. 2, 16-17). Depois da ressurreição, os Apóstolos guardaram para com o templo um respeito religioso (Cf. At. 2, 46; 3. 1; 5, 20-21; etc.).

585. No entanto, nas vésperas da sua paixão, Jesus anunciou a ruína deste esplêndido edifício, do qual não ficaria pedra sobre pedra (Cf. Mt. 24, 1-2). Há aqui o anúncio dum sinal dos últimos tempos, que vão iniciar-se com a sua própria Páscoa (Cf. Mt. 24, 3: Lc. 13, 35). Mas esta profecia pôde ser referida de modo deturpado por falsas testemunhas, quando do interrogatório a que Jesus foi sujeito em casa do sumo-sacerdote (Cf. Mc. 14, 57-58) e ser-Lhe lançada em rosto, como injúria, quando agonizava, pregado na cruz (Cf. Mt. 27, 39-40).

586. Longe de ter sido contra o templo (Cf. Mt. 8, 4; 23, 21; Lc. 17, 14; Jo. 4, 22) onde proclamou o essencial da sua doutrina (Cf. Jo. 18, 20), Jesus quis pagar o imposto do templo, associando a Si Pedro (Cf. Mt. 17, 24-27), que Ele acabara de estabelecer como pedra basilar da sua Igreja futura (Cf. Mt. 16, 18). Mais ainda: identificou-se com o templo, apresentando-se como a morada definitiva de Deus entre os homens (Cf. Jo. 2, 21; Mt. 12, 6). Por isso é que a sua entrega à morte corporal (Cf. Jo. 2, 18-22) prenuncia a destruição do templo, a qual vai assinalar a entrada numa nova idade da história da salvação: «vai chegar a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai» (Jo. 4, 21) (Cf. Jo. 4, 23-24; Mt 27, 51: Heb. 9, 11; Ap. 21, 22).

III. Jesus e a fé de Israel no Deus único e salvador

587. Se a Lei e o templo de Jerusalém puderam ser ocasião de «contradição» (Cf. Lc. 2, 34) entre Jesus e as autoridades religiosas de Israel, o seu papel na redenção dos pecados, obra divina por excelência, foi, para essas autoridades, a verdadeira pedra de escândalo (Cf. Lc. 20, 17-18; Sl. 118, 22).

588. Jesus escandalizou os fariseus por comer com os publicanos e os pecadores (Cf. Lc. 5. 30) tão familiarmente como com eles (Cf. Lc. 7, 36; 11, 37; 14, 1). Contra aqueles «que se consideravam justos e desprezavam os demais» (Lc. 18, 9) (Cf. Jo 7, 49; 9, 34) Jesus afirmou: «Eu não vim chamar os justos, vim chamar os pecadores, para que se arrependam» (Lc. 5, 32). E foi mais longe, afirmando, diante dos fariseus, que, sendo o pecado universal (Cf. Jo. 8, 33-36), cegam-se a si próprios (Cf. Jo. 9. 40-41) aqueles que pretendem não precisar de salvação.

589. Jesus escandalizou, sobretudo, por ter identificado a sua conduta misericordiosa para com os pecadores com a atitude do próprio Deus a respeito dos mesmos (Cf. Mt 9, 13; Os 6, 6). Chegou, até, a dar a entender que, sentando-se à mesa dos pecadores (Cf. Lc. 15, 1-2), os admitia no banquete messiânico (Cf. Lc. 15. 23-32). Mas foi muito particularmente ao perdoar os pecados que Jesus colocou as autoridades religiosas de Israel perante um dilema. É que, como essas autoridades justamente dizem, apavoradas, «só Deus pode perdoar os pecados» (Mc. 2, 7). Jesus ao perdoar os pecados, ou blasfema por ser um homem que se faz igual a Deus (Cf. Jo. 5, 18: 10, 33), ou diz a verdade e a Sua pessoa torna então presente e revela o nome de Deus (Cf. Jo. 17, 6. 26).

590. Só a identidade divina da pessoa de Jesus é que pode justificar uma exigência tão absoluta como esta: «quem não está comigo, está contra Mim» (Mt. 12, 30); o mesmo se diga de quando afirma ser «mais que Jonas... mais que Salomão» (Mt. 12, 41-42), «mais que o templo» (Cf. Mt. 12, 6); de quando lembra, a respeito de si próprio, que David chamou ao Messias o seu Senhor (Cf. Mc. 12, 36-37); de quando afirma: «antes de Abraão existir, "Eu sou"» (Jo. 8, 58); e ainda mais: «Eu e o Pai somos um» (Jo. 10, 30).

591. Jesus pediu às autoridades religiosas de Jerusalém que acreditassem n'Ele, por causa das obras do seu Pai que Ele fazia (Cf. Jo. 10, 36-38). Mas tal ato de fé tinha de passar por uma misteriosa morte para si mesmo, a qual desse lugar a um novo «nascimento do Alto» (Cf. Jo. 3, 7), por atracção da graça divina (Cf. Jo. 6, 44). Tal exigência de conversão, face a um tão surpreendente cumprimento das promessas (Cf. Is. 53, 1), permite compreender o trágico desdém do Sinédrio, ao sentenciar que Jesus merecia a morte como blasfemo (Cf. Mc. 3, 6; Mt. 26, 64-66). Os membros do Sinédrio agiam assim, ao mesmo tempo por «ignorância» (Cf. Lc. 23, 34; At. 3, 17-18) e pelo «endurecimento» (Cf. Mc. 3, 5; Rm. 11, 25) da sua «incredulidade» (Cf. Rm. 11, 20).

Resumindo:

592. Jesus não aboliu a Lei do Sinai, mas cumpriu-a (Cf. Mt. 5, 17-19) com tal perfeição (Cf. Jo. 8, 46) que revelou o sentido último dela (Cf. Mt. 5, 33) e resgatou as transgressões contra ela cometidas (Cf. Heb. 9, 15).

593. Jesus venerou o templo, subindo a ele nas festas judaicas de peregrinação e amou com amor zeloso esta morada de Deus entre os homens. O templo prefigura o seu mistério. Quando anuncia a sua destruição, fá-lo como revelação da sua própria morte e da entrada numa nova idade da história da salvação, em que o seu Corpo será o templo definitivo.

594. Jesus praticou atos, como o perdão dos pecados, que O manifestaram como sendo o próprio Deus salvador (Cf. Jo 5, 16-18). Alguns judeus, que, não reconhecendo o Deus feito homem (Cf. Jo. 1, 14) viam n'Ele «um homem que se faz Deus» (Cf. Jo. 10, 33), julgaram-no como blasfemo.

PARÁGRAFO 2

JESUS MORREU CRUCIFICADO

I. O processo de Jesus

DIVISÕES ENTRE AS AUTORIDADES JUDAICAS A RESPEITO DE JESUS

595. Entre as autoridades religiosas de Jerusalém, não somente se encontravam o fariseu Nicodemos (Cf. Jo. 7, 50) e o notável José de Arimateia, discípulos ocultos de Jesus (Cf. Jo. 19, 38-39), mas também, durante muito tempo, houve dissensões a respeito d'Ele (Cf. Jo. 9, 16-17; 10, 19-21) ao ponto de, na própria véspera da paixão. João poder dizer deles que «um bom número acreditou n' Ele», embora de modo assaz imperfeito (Jo. 12, 42); o que não é nada de admirar, tendo-se presente que, no dia seguinte ao de Pentecostes, «um grande número de sacerdotes se submetia à fé» (At. 6, 7) e «alguns homens do partido dos fariseus tinham abraçado a fé» (At. 15, 5), de tal modo que São Tiago podia dizer a São Paulo que «muitos milhares entre os judeus abraçaram a fé e todos têm zelo pela Lei» (At. 21, 20).

596. As autoridades religiosas de Jerusalém não foram unânimes na atitude a adoptar a respeito de Jesus (Cf. Jo. 9, 16; 10, 19). Os fariseus ameaçaram de excomunhão aqueles que O seguissem (Cf. Jo. 9, 22). Aos que temiam que «todos acreditassem n'Ele e os romanos viessem destruir o templo e a nação» (Jo. 11, 48), o sumo sacerdote Caifás propôs, profetizando: «e do vosso interesse que morra um só homem pelo povo e não pereça a nação inteira» (Jo. 11, 50). O Sinédrio, tendo declarado Jesus «réu de morte» (Cf. Mt. 26, 66) como blasfemo, mas tendo perdido o direito de condenar à morte fosse quem fosse (Cf. Jo. 18, 31), entregou Jesus aos romanos, acusando-O de revolta política (Cf. Lc. 23, 2) - o que O colocava em pé de igualdade com que Barrabás, acusado de «sedição» (Lc. 23, 19). São também de carácter político as ameaças que os sumos-sacerdotes fazem a Pilatos, pressionando-o a condenar Jesus à morte (Cf. Jo. 19, 12.15.21).

OS JUDEUS NÃO SÃO COLETIVAMENTE RESPONSÁVEIS PELA MORTE DE JESUS

597. Tendo em conta a complexidade histórica do processo de Jesus, manifestada nas narrativas evangélicas, e qualquer que tenha sido o pecado pessoal dos intervenientes no processo (Judas, o Sinédrio, Pilatos), que só Deus conhece, não se pode atribuir a responsabilidade do mesmo ao conjunto dos judeus de Jerusalém, apesar da gritaria duma multidão manipulada (Cf. Mc. 15, 11) e das censuras globais contidas nos apelos à conversão, depois do Pentecostes (Cf. At. 2, 23.36; 3, 13-14; 4, 10; 5, 30; 7, 52; 10, 39; 13, 27-28; 1ª Ts. 2, 14-15). O próprio Jesus, perdoando na cruz (Cf. Lc. 23, 34) e Pedro a seu exemplo, apelaram para «a ignorância» (Cf. At. 3, 17) dos judeus de Jerusalém e mesmo dos seus chefes. Menos ainda é possível estender a responsabilidade ao conjunto dos judeus no espaço e no tempo, a partir do grito do povo: «que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos» (Mt. 27, 25), que é uma fórmula de ratificação (Cf. At. 5, 28; 18, 6):

- por isso, a Igreja declarou no II Concílio do Vaticano: «não se pode, todavia, imputar indistintamente a todos os judeus que então viviam, nem aos judeus do nosso tempo, o que na sua paixão se perpetrou. [...] Nem por isso os judeus devem ser apresentados como reprovados por Deus e malditos, como se tal coisa se concluísse da Sagrada Escritura» (II Concílio do Vaticano, Decl. Nostra aetate, 4: AAS 58 (1966) 743).

TODOS OS PECADORES FORAM AUTORES DA PAIXÃO DE CRISTO

598. A Igreja, no magistério da sua fé e no testemunho dos seus santos, nunca esqueceu que «os pecadores é que foram os autores, e como que os instrumentos, de todos os sofrimentos que o divino Redentor suportou» (Cat Rom 1, 5, 11. p. 64: Cf. Heb 12, 3). Partindo do princípio de que os nossos pecados atingem Cristo em pessoa (Cf. Mt. 25, 45; At. 9, 4-5), a Igreja não hesita em imputar aos cristãos a mais grave responsabilidade no suplício de Jesus, responsabilidade que eles muitas vezes imputaram unicamente aos judeus:

- «devemos ter como culpados deste horrível crime os que continuam a recair nos seus pecados. Porque foram os nossos crimes que fizeram nosso Senhor Jesus Cristo suportar o suplício da cruz, é evidente que aqueles que mergulham na desordem e no mal crucificam de novo em seu coração, tanto quanto deles depende, o Filho de Deus, pelos seus pecados, expondo-o à ignomínia. E temos de reconhecer: o nosso crime, neste caso, é maior que o dos judeus. Porque eles, como afirma o Apóstolo, “se tivessem conhecido a Sabedoria de Deus, não leriam crucificado o Senhor da glória” (1ª Cor. 2, 8); ao passo que nós, pelo contrário, fazemos profissão de O conhecer: e, quando O renegamos pelos nossos atos, de certo modo levantamos contra Ele as nossas mãos assassinas» (Cat Rom 1, 5, 11, p. 64).

- «não foram os demónios que O pregaram na cruz, mas tu com eles O crucificaste, e ainda agora O crucificas quando te deleitas nos vícios e pecados» (São Francisco de Assis, Admonitia 5, 3: Opuscula Sancti Patris Francisci Assisiensis, ed. G. Esser (Grottaferrata 1978) p. 66. [Fontes Franciscanas I (Braga. Editorial Franciscana. 1994) p. 114]).

II. A morte redentora de Cristo no desígnio divino de salvação

«JESUS ENTREGUE, SEGUNDO O DESÍGNIO DETERMINADO DE DEUS»

599. A morte violenta de Jesus não foi fruto do acaso, nem coincidência infeliz de circunstâncias várias. Faz parte do mistério do desígnio de Deus, como Pedro explica aos judeus de Jerusalém, logo no seu primeiro discurso no dia de Pentecostes: «depois de entregue, segundo o desígnio determinado e a previsão de Deus» (At. 2, 23). Esta linguagem bíblica não significa que os que «entregaram Jesus» (Cf. At. 3, 13) foram simples atores passivos dum drama previamente escrito por Deus.

600. A Deus, todos os momentos do tempo estão presentes na sua atualidade. Por isso, Ele estabelece o seu desígnio eterno de «predestinação», incluindo nele a resposta livre de cada homem à sua graça: «na verdade, Herodes e Pôncio Pilatos uniram-se nesta cidade, com as nações pagãs e os povos de Israel, contra o vosso santo Servo Jesus, a quem ungistes (Cf. Sl. 2, 1-2). Cumpriram assim tudo o que o vosso poder e os vossos desígnios tinham de antemão decidido que se realizasse» (At. 4, 27-28). Deus permitiu os atos resultantes da sua cegueira (Cf. Mt. 26, 54; Jo. 18, 36: 19, 11), como fim de levar a cabo o seu plano de salvação (Cf. At. 3, 17-18).

«MORTO PELOS NOSSOS PECADOS, SEGUNDO AS ESCRITURAS»

601. Este plano divino de salvação, pela entrega à morte do «Servo, o Justo» (Cf. Is. 53, 11: At. 3, 14), tinha sido de antemão anunciado na Escritura como um mistério de redenção universal, quer dizer, de resgate que liberta os homens da escravidão do pecado (Cf. Is. 53, 11-12; Jo. 8. 34-3). São Paulo professa, numa confissão de fé que diz ter «recebido» (Cf. 1ª Cor. 15, 3), que «Cristo morreu pelos nossos pecados segundo as Escrituras» (1ª Cor. 15, 3) (Cf. também At. 3, 18; 7, 52; 13, 29; 26, 22-23). A morte redentora de Jesus deu cumprimento sobretudo à profecia do Servo sofredor (Cf. Is. 53. 7-8; At. 8, 32-35). O próprio Jesus apresentou o sentido da sua vida e da sua morte à luz do Servo sofredor (Cf. Mt. 20, 28). Após a sua ressurreição, deu esta interpretação das Escrituras aos discípulos de Emaús (Cf. Lc. 24, 25-27) e depois aos próprios Apóstolos (Cf. Lc. 24, 44-45).

«POR NÓS, DEUS FÊ-LO PECADO»

602. Consequentemente, Pedro pôde formular assim a fé apostólica no plano divino da salvação: «fostes resgatados da vã maneira de viver herdada dos vossos pais, pelo sangue precioso de Cristo, como de um cordeiro sem defeito nem mancha, predestinado antes da criação do mundo e manifestado nos últimos tempos por nossa causa» (1ª Pe. 1, 18-20). Os pecados dos homens, que se seguiram ao pecado original, foram castigados com a morte (Cf. Rm. 5, 12: 1ª Cor. 15, 56). Enviando o seu próprio Filho na condição de escravo (Cf. Fl. 2, 7), que era a de uma humanidade decaída e votada à morte por causa do pecado (Cf. Rm. 8, 3). «A Cristo, que não conhecera o pecado, Deus fê-lo pecado por amor de nós, para que, em Cristo, nos tornássemos justos aos olhos de Deus» (2ª Cor. 5, 21).

603. Jesus não conheceu a reprovação como se tivesse pecado pessoalmente (Cf. Jo. 8, 46). Mas, no amor redentor que constantemente O unia ao Pai (Cf. Jo. 8, 29), assumiu-nos no afastamento do nosso pecado em relação a Deus a ponto de, na cruz, poder dizer em nosso nome: «Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonaste»? (Mc. 15, 34) (Cf. Sl. 22, 1). Tendo-o feito solidário conosco, pecadores, «Deus não poupou o seu próprio Filho, mas entregou-o para morrer por nós todos» (Rm. 8, 32), para que fôssemos «reconciliados com Ele pela morte do seu Filho» (Rm. 5, 10).

DEUS TOMA A INICIATIVA DO AMOR REDENTOR UNIVERSAL

604. Entregando o seu Filho pelos nossos pecados, Deus manifesta que o seu plano sobre nós é um desígnio de amor benevolente, independente de qualquer mérito da nossa parte: «nisto consiste o amor: não fomos nós que amámos a Deus, foi Deus que nos amou a nós e enviou o seu Filho como vítima de propiciação pelos nossos pecados» (1ª Jo. 4, 10) (Cf. 1ª Jo. 4, 19). «Deus prova assim o seu amor para conosco: Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores» (Rm. 5, 8).

605. Este amor é sem exclusão. Jesus lembrou-o ao terminar a parábola da ovelha perdida: «assim, não é da vontade do meu Pai, que está nos céus, que se perca um só destes pequeninos» (Mt. 18, 14). E afirma «dar a Sua vida em resgate pela multidão» (Mt. 20, 28). Esta última expressão não é restritiva: simplesmente contrapõe o conjunto da humanidade à pessoa única do redentor, que se entrega para a salvar (Cf. Rm. 5, 18-19). No seguimento dos Apóstolos (Cf. 2ª Cor. 5, 15: 1ª Jo. 2, 2), a Igreja ensina que Cristo morreu por todos os homens, sem excepção: «não há, não houve, nem haverá nenhum homem pelo qual Cristo não tenha sofrido» (Concílio de Quiercy (ano 853). De libero arbitrio hominis et de praedestinatione, canon 4: DS 624).

 III. Cristo ofereceu-se a Si mesmo ao Pai pelos nossos pecados

TODA A VIDA DE CRISTO É OBLAÇÃO AO PAI

606. O Filho de Deus, «descido do céu, não para fazer a sua vontade, mas a do seu Pai, que O enviou»
(Cf. Jo. 6. 38), «diz, ao entrar no mundo: [...] Eis-me aqui, [...] ó Deus, para fazer a tua vontade. [...] E em virtude dessa mesma vontade, é que nós fomos santificados, pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, feita de uma vez para sempre» (Heb. 10, 5-10). Desde o primeiro instante da sua Encarnação, o Filho faz seu o plano divino de salvação, no desempenho da sua missão redentora: «o meu alimento é fazer a vontade d'Aquele que Me enviou e realizar a sua obra» (Jo. 4, 34). O sacrifício de Jesus «pelos pecados do mundo inteiro» (1ª Jo. 2, 2) é a expressão da sua comunhão amorosa com o Pai: «o Pai ama-Me, porque Eu dou a minha vida» (Jo. 10, 17). «O mundo tem de saber que amo o Pai e procedo como o Pai Me ordenou» (Jo. 14, 31).

607. Este desejo de fazer seu o plano do amor de redenção do seu Pai, anima toda a vida de Jesus (Cf. Lc. 12, 50; 22, 15: Mt. 16, 21-23). A sua paixão redentora é a razão de ser da Encarnação: «Pai, salva-Me desta hora! Mas por causa disto, é que Eu cheguei a esta hora» (Jo. 12, 27). «O cálice que o Pai Me deu, não havia de bebê-lo»? (Jo. 18, 11). E ainda na cruz, antes de «tudo estar consumado» (Jo. 19, 30), diz: «tenho sede» (Jo. 19, 28).

«O CORDEIRO QUE TIRA O PECADO DO MUNDO»

608. Depois de ter aceitado dar-lhe o batismo como aos pecadores (Cf. Lc 3, 21; Mt 3, 14-15), João Batista viu e mostrou em Jesus o «Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (Cf. Jo. 1, 29.36). Manifestou deste modo que Jesus é, ao mesmo tempo, o Servo sofredor, que Se deixa levar ao matadouro sem abrir a boca (Cf. Is. 53, 7: Jr.  11, 19), carregando os pecados das multidões (Cf. Is. 53, 12), e o cordeiro pascal, símbolo da redenção de Israel na primeira Páscoa (Cf. Ex. 12, 3-14; Jo. 19, 36; 1ª Cor. 5, 7), Toda a vida de Cristo manifesta a sua missão: «servir e dar a vida como resgate pela multidão» (Cf. Mc. 10, 45).

JESUS PARTILHA LIVREMENTE O AMOR REDENTOR DO PAI

609. Ao partilhar, no seu coração humano, o amor do Pai para com os homens, Jesus «amou-os até ao fim» (Jo. 13, 1), «pois não há maior amor do que dar a vida por aqueles que se ama» (Jo. 15, 13). Assim, no sofrimento e na morte, a sua humanidade tornou-se instrumento livre e perfeito do seu amor divino, que quer a salvação dos homens (Cf. Heb. 2, 10.17-18; 4, 15; 5, 7-9). Com efeito, Ele aceitou livremente a sua paixão e morte por amor do Pai e dos homens a quem o Pai quer salvar: «ninguém me tira a vida. Sou Eu que a dou espontaneamente» (Jo. 10, 18). Daí, a liberdade soberana do Filho de Deus, quando Ele próprio vai ao encontro da morte (Cf. Jo. 18, 4-6; Mt. 26, 53).

NA CEIA, JESUS ANTECIPOU A OBLAÇÃO LIVRE DA SUA VIDA

610. Jesus exprimiu de modo supremo a oblação livre de Si mesmo na refeição que tornou com os doze Apóstolos (Cf. Mt 26, 20), na «noite em que foi entregue» (1ª Cor. 11, 23). Na véspera da sua paixão, quando ainda era livre, Jesus fez desta última Ceia com os Apóstolos o memorial da sua oblação voluntária ao Pai (Cf. 1ª Cor. 5, 7) para a salvação dos homens: «isto é o meu Corpo, que vai ser entregue por vós» (Lc. 22, 19). «Isto é o meu "Sangue da Aliança", que vai ser derramado por uma multidão, para remissão dos pecados» (Mt. 26, 28).

611. A Eucaristia, que neste momento instituiu, será o «memorial» (Cf. 1ª Cor. 11, 25) do seu sacrifício. Jesus incluiu os Apóstolos na sua própria oferenda e pediu-lhes que a perpetuassem (Cf. Lc. 22, 19). Desse modo, instituiu os Apóstolos como sacerdotes da Nova Aliança: «Eu consagro-me por eles, para que também eles sejam consagrados na verdade» (Jo. 17, 19) (Cf. Concílio de Trento, Sess. 22ª, Doctrina de sanctissimo Missae Sacriftcio, canon 2: DS 1752: Sess. 23ª, Doctrina de sacramento Ordinis, c. 1: DS 1764).

A AGONIA NO GETSÉMANI

612. O cálice da Nova Aliança, que Jesus antecipou na Ceia, oferecendo-se a Si mesmo (Cf. Lc. 22, 20), é aceite seguidamente por Jesus das mãos do Pai, na agonia no Getsemani (Cf. M.t 26, 42), fazendo-se «obediente até á morte» (Fl. 2, 8) (Cf. Heb. 5, 7-8). Na sua oração, Jesus diz: «Meu Pai, se é possível, que se afaste de Mim este cálice» [...] (Mt. 26, 39). Exprime desse modo o horror que a morte representa para a sua natureza humana. Com efeito, esta, como a nossa, está destinada à vida eterna. Mas, diferentemente da nossa, é perfeitamente isenta do pecado (Cf. Heb. 4, 15) que causa a morte (Cf. Rm. 5, 12). E, sobretudo, é assumida pela pessoa divina do «Príncipe da Vida» (Cf. At. 3, 15), do «Vivente» (Cf. Ap. 1, 18; Jo. 1, 4; 5, 26). Aceitando, com a sua vontade humana, que se faça a vontade do Pai (Cf. Mt. 26, 42) aceita a sua morte enquanto redentora, para «suportar os nossos pecados no seu corpo, no madeiro da cruz» (1ª Pe. 2, 24).

A MORTE DE CRISTO É O SACRIFÍCIO ÚNICO E DEFINITIVO

613. A morte de Cristo é, ao mesmo tempo, o sacrifício pascal que realiza a redenção definitiva dos homens (Cf. 1ª Cor. 5, 7; Jo 8, 34-36) por meio do «Cordeiro que tira o pecado do mundo» (Cf. Jo. 1, 29: 1ª Pe. 1, 19), e o sacrifício da Nova Aliança (Cf. 1ª Cor. 11, 25) que restabelece a comunhão entre o homem e Deus (Cf. Ex. 24, 8), reconciliando-o com Ele pelo «sangue derramado pela multidão, para a remissão dos pecados» (Cf. Mt. 26, 28; Lv. 16, 15-16).

614. Este sacrifício de Cristo é único, leva à perfeição e ultrapassa todos os sacrifícios (Cf. Heb. 10, 10). Antes de mais, é um dom do próprio Deus Pai: é o Pai que entrega o seu Filho para nos reconciliar consigo (Cf. 1ª Jo. 4, 10). Ao mesmo tempo, é oblação do Filho de Deus feito homem, que livremente e por amor (Cf. Jo. 15, 13) oferece a sua vida (Cf. Jo. 10, 17-18) ao Pai pelo Espírito Santo (Cf. Heb 9, 14) para reparar a nossa desobediência.

JESUS SUBSTITUI A NOSSA DESOBEDIÊNCIA PELA SUA OBEDIÊNCIA

615. «Como pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, muitos se tornarão justos» (Rm. 5, 19). Pela sua obediência até à morte, Jesus realizou a ação substitutiva do Servo sofredor, que oferece a sua vida como sacrifício de expiação, ao carregar com o pecado das multidões, que justifica carregando Ele próprio com as suas faltas (Cf. Is. 53, 10-12). Jesus reparou as nossas faltas e satisfez ao Pai pelos nossos pecados (Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 7: DS 1529).

NA CRUZ, JESUS CONSUMA O SEU SACRIFÍCIO

616. É o «amor até ao fim» (Cf. Jo 13, 1) que confere ao sacrifício de Cristo o valor de redenção e reparação, de expiação e satisfação. Ele conheceu-nos e amou-nos a todos no oferecimento da sua vida (Cf. Gl. 2, 20; Ef. 5, 2. 25). «O amor de Cristo nos pressiona, ao pensarmos que um só morreu por todos e que todos, portanto, morreram» (2ª Cor. 5, 14). Nenhum homem, ainda que fosse o mais santo, estava em condições de tornar sobre si os pecados de todos os homens e de se oferecer em sacrifício por todos. A existência, em Cristo, da pessoa divina do Filho, que ultrapassa e ao mesmo tempo abrange todas as pessoas humanas e O constitui cabeça de toda a humanidade, é que torna possível o seu sacrifício redentor por todos.

617. «Sua sanctissima passione in ligno crucis nobis justificationem meruit - Pela sua santíssima Paixão no madeiro da cruz, Ele mereceu-nos a justificação» - ensina o Concílio de Trento (Concílio de Trento, Sess. 6ª. Decretum de iustificatione, c. 1: DS 1529), sublinhando o carácter único do sacrifício de Cristo como fonte de salvação eterna (Cf. Heb. 5, 9). E a Igreja venera a Cruz cantando: «o crux, ave, spes unica! - Avé, ó cruz, esperança única»! (Aditamento litúrgico ao Hino «Vexilla Regis»: Liturgia Horarum, editio typica. N. 2 (Typis Polyglottis Vaticanis 1974) p. 313: v. 4, p. 1129 [a versão litúrgica em português difere um pouco: «Cruz do Senhor, és única esperança!»: Liturgia das Horas. v. 2 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 366; v. 4. p. 1267]).

A NOSSA PARTICIPAÇÃO NO SACRIFÍCIO DE CRISTO

618. A cruz é o único sacrifício de Cristo, mediador único entre Deus e os homens (Cf. 1ª Tm. 2, 5). Mas porque, na sua pessoa divina encarnada. «Ele Se uniu, de certo modo, a cada homem» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042), «a todos dá a possibilidade de se associarem a este mistério pascal, por um modo só de Deus conhe­cido» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1043). Convida os discípulos a tomarem a sua cruz e a segui-lo (Cf. Mt. 16, 24) porque sofreu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigamos os seus passos (Cf. 1ª Pe. 2, 21). De fato, quer associar ao seu sacrifício redentor aqueles mesmos que são os primeiros beneficiários (Cf. Mc. 10, 39; Jo. 21, 18-19; Cl. 1, 24). Isto realiza-se, em sumo grau, em sua Mãe, associada, mais intimamente do que ninguém, ao mistério do seu sofrimento redentor (Cf. Mc. 10, 39; Jo. 21, 18-19; Cl. 1, 24):

- há uma só escada verdadeira fora do paraíso; fora da cruz, não há outra escada por onde se suba ao céu (Santa Rosa de Lima: P. Hansen. Vita mirabilis [...] venerabilis sororis Rosae de sancta Maria Limensis (Romae 1664), p. 137).

Resumindo:

619. «Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras» (1ª Cor. 15, 3).

620. A nossa salvação procede da iniciativa amorosa de Deus em nosso favor, pois «foi Ele que nos amou a nós e enviou o seu Filho como vítima de propiciação pelos nossos pecados» (1ª Jo. 4, 10). «Foi Deus que, em Cristo, reconciliou consigo o mundo» (2ª Cor. 5, 19).

621. Jesus ofereceu-se livremente para nossa salvação. Este dom, significa-o e realiza-o Ele, de antemão, durante a Ultimo Ceia: «isto é o meu Corpo, que vai ser entregue por vós» (Lc. 22, 19).

622. Nisto consiste a redenção de Cristo: Ele «veio dar a sua vida em resgate pela multidão» (Mt. 20, 28), quer dizer; veio «amuar os seus até ao fim» (Jo. 13, 1), para que fossem libertos da má conduta herdada dos seus pais (Cf. 1ª Pe. 1, 18).

623. Pela sua obediência amorosa ao Pai, «até d morte de cruz» (Fl. 2, 8), Jesus cumpriu a missão expiatória (Cf. Is. 53, 10) do Servo sofredor, que justifica as multidões, tomando sobre Si o peso das suas faltas (Is. 53, 11) (Cf. Is. 53, 11; Rm. 5, 19).

PARÁGRAFO 3

JESUS CRISTO FOI SEPULTADO

624. «Pela graça de Deus, ele experimentou a morte, para proveito de todos» (Heb. 2, 9). No seu plano de salvação, Deus dispôs que o seu Filho, não só «morresse pelos nossos pecados» (1ª Cor 15, 3), mas também «saboreasse a morte», isto é, conhecesse o estado de morte, o estado de separação entre a sua alma e o seu corpo, durante o tempo compreendido entre o momento em que expirou na cruz e o momento em que ressuscitou. Este estado de Cristo morto é o mistério do sepulcro e da descida à mansão dos mortos. É o mistério do Sábado Santo, em que Cristo, depositado no túmulo (Cf. Jo. 19, 42), manifesta o repouso sabático de Deus (Cf. Heb. 4, 4-9) depois da realização (Cf. Jo. 19, 30) da salvação dos homens, que pacifica todo o universo (Cf. Cl. 1, 18-20).

 O CORPO DE CRISTO NO SEPULCRO

625. A permanência do corpo de Cristo no túmulo constitui o laço real entre o estado passível de Cristo antes da Páscoa e o seu estado glorioso atual de ressuscitado. É a mesma pessoa do «Vivente» que pode dizer: «estive morto e eis-Me vivo pelos séculos dos séculos» (Ap. 1, 18):

- «é este o mistério do desígnio de Deus à cerca da morte e da ressurreição dos mortos: se Ele não impediu que a morte separasse a alma do corpo, segundo a ordem necessária da natureza: mas juntou-os de novo um ao outro pela ressurreição, a fim de ser Ele próprio na sua pessoa o ponto de encontro da morte e da vida, suspendendo em Si a decomposição da natureza produzida pela morte e tornando-Se, Ele próprio, princípio de reunião para as partes separadas» (São Gregório de Nissa, Oratio catechetica, 16, 9: TD 7, 90 (PG 45, 52)).

626. Uma vez que o «Príncipe da Vida», a quem deram a morte (Cf. At. 3, 15), é precisamente o mesmo «vivente que ressuscitou» (Cf. Lc. 24, 5-6), é forçoso que a pessoa divina do Filho de Deus tenha continuado a assumir a alma e o corpo, separados um do outro pela morte:

- «embora Cristo, enquanto homem tenha sofrido a morte e a sua santa alma tenha sido separada do seu corpo imaculado, nem por isso a divindade se separou, de nenhum modo, nem da alma nem do corpo: e nem por isso a Pessoa única foi dividida em duas. Tanto o corpo como a alma tiveram existência simultânea, desde o início, na Pessoa do Verbo; e, apesar de na morte terem sido separados, nenhum dos dois deixou de subsistir na Pessoa única do Verbo» (São João Damasceno, Expositio fidei, 71 [De Fide orthodoxa 3, 27]. PTS 12, 170 (PG 94, 1098)).

«NÃO DEIXAREIS O VOSSO SANTO SOFRER A CORRUPÇÃO»

627. A morte de Cristo foi uma verdadeira morte, na medida em que pôs fim à sua existência humana terrena. Mas por causa da união que a Pessoa do Filho manteve com o seu corpo, este não se tornou um despojo mortal como os outros, porque «não era possível que Ele ficasse sob o domínio» da morte (At. 2, 24) e, por isso, «o poder divino preservou o corpo de Cristo da corrupção» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3, 51, 3. ad 2: ED. Leon. 11, 490). De Cristo pode dizer-se ao mesmo tempo: «foi cortado da terra dos vivos» (Is. 53, 8) e: «a minha carne repousará na confiança, porque Tu não abandonarás a minha alma na mansão dos mortos, nem deixarás que o teu santo conheça a corrupção» (At. 2, 26-27) (Cf. Sl. 16, 9-10). A ressurreição de Jesus «ao terceiro dia» (1ª Cor. 15, 4; Lc. 24, 46) (Cf. Mt. 12, 40: Jo. 2, 1; Os. 6, 2) era disso sinal, até porque se julgava que a corrupção começava a manifestar-se a partir do quarto dia (Cf. Jo. 11, 39).

«SEPULTADOS COM CRISTO...»

628. O Batismo, cujo sinal original e pleno é a imersão, significa eficazmente a descida ao túmulo, por parte do cristão que morre para o pecado com Cristo, com vista a uma vida nova. «fomos sepultados com Ele, pelo Batismo, na sua morte, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova» (Rm. 6, 4) (Cf. Cl. 2, 12: Ef. 5, 26).

Resumindo:

629. Para benefício de todos os homens, Jesus experimentou a morte (Cf. Heb. 2, 9). Foi, de verdade, o Filho de Deus feito homem que morreu e foi sepultado.

630. Durante a permanência de Cristo no túmulo, a sua pessoa divina continuou a assumir tanto a alma como o corpo, apesar de sepa­rados entre si pela morte. Por isso, o corpo de Cristo morto «não sofreu a corrupção» (At. 13,37).

continua na parte 3

 O Terço (Rosário) dos Homens não exige nada e não cobra nada da vida pessoal dos seus participantes, o que faz com que seus membros se sintam livres, e a liberdade dá ao homem o poder de ser aquilo que ele deseja ser, daí as transformações se sucederem de modo espontâneo causado pelo contato que os mesmos passam a ter com Deus por intercessão de Maria.