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Criado em 30 de março de 2005 |
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Homens rezado nas suas origens pelo primeiro tesoureiro,
um dos fundadores do grupo.
Sr. Manoel Pedral, falecido à mais de 40 anos -
ouçam
86 ANOS DE GRAÇAS E
BÊNÇÃOS
no Brasil e no mundo
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Constituição Apostólica "Fidei Depositum" |
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PRIMEIRA PARTE - A PROFISSÃO DA FÉ
(§26-1065) |
PRÓLOGO
(§1-§25)
PRIMEIRA SECÇÃO
(§
26)
-
CAPÍTULO
PRIMEIRO (§
27-§ 49)
-
CAPÍTULO SEGUNDO (§
50-§ 141)
-
CAPÍTULO
TERCEIRO (§
142-§ 184)
-
CREDO
SEGUNDA SECÇÃO
(§
185-§ 197)
-
CAPÍTULO PRIMEIRO (§
198-§ 421)
-
CAPÍTULO SEGUNDO (§
422-§ 682)
- CAPÍTULO TERCEIRO
(§
683-§ 1065) |
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SEGUNDA PARTE - A CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO CRISTÃO
(§1066-1690) |
INTRODUÇÃO
(§
1066-§ 1075)
PRIMEIRA SECÇÃO
§
CAPÍTULO PRIMEIRO (§
1076-§ 1134)
§
CAPÍTULO SEGUNDO (§
1135-§ 1209)
SEGUNDA SECÇÃO
(§
1210-§ 1211)
-
CAPÍTULO
PRIMEIRO (§
1212-§ 1419)
-
CAPÍTULO SEGUNDO (§
1420-§ 1532)
-
CAPÍTULO TERCEIRO (§
1533-§ 1666)
- CAPÍTULO QUARTO (§
1667-§ 1690) |
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TERCEIRA PARTE - A VIDA EM CRISTO
(§1691-2557) |
INTRODUÇÃO
(§
1691-§ 1698)
PRIMEIRA SECÇÃO (§
1699)
-
CAPÍTULO PRIMEIRO (§
1700-§ 1876)
-
CAPÍTULO SEGUNDO (§
1877-§ 1948)
-
CAPÍTULO TERCEIRO (§
1949-§ 2051)
-
OS DEZ MANDAMENTOS
SEGUNDA SECÇÃO
(§
2052-§ 2082)
-
CAPÍTULO PRIMEIRO (§
2083-§ 2195)
- CAPÍTULO SEGUNDO (§
2196-§ 2557) |
|
QUARTA PARTE - A ORAÇÃO CRISTÃ
(§2558-2865) |
|
PRIMEIRA SECÇÃO
(§
2558-§ 2565)
-
CAPÍTULO PRIMEIRO (§
2566-§ 2649)
-
CAPÍTULO SEGUNDO (§
2650-§ 2696)
-
CAPÍTULO TERCEIRO (§
2697-§ 2758)
SEGUNDA SECÇÃO
(§
2759-§ 2865) |
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CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA
DO SUMO PONTÍFICE JOÃO PAULO II
FIDEI DEPOSITUM
PARA A PUBLICAÇÃO
DO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA
REDIGIDO DEPOIS DO CONCÍLIO VATICANO II
Aos veneráveis Irmãos Cardeais.
Arcebispos, Bispos, Presbíteros,
Diáconos e a todos os membros do Povo de Deus
I. INTRODUÇÃO
Guardar o Depósito da Fé é missão que o Senhor confiou à
sua Igreja e que ela cumpre em todos os tempos. O
Concílio Ecumênico Vaticano II, inaugurado há trinta
anos pelo meu predecessor João XXIII, de feliz memória,
tinha como intenção e como finalidade pôr em evidência a
missão apostólica e pastoral da Igreja, e, fazendo
resplandecer a verdade do Evangelho, levar todos os
homens a procurarem e acolherem o amor de Cristo que
excede toda a ciência (cf. Ef. 3, 19).
Ao Concílio, o Papa João XXIII tinha confiado como
tarefa principal guardar e apresentar melhor o precioso
depósito da doutrina cristã, para o tornar mais
acessível aos fiéis de Cristo e a todos os homens de boa
vontade. Portanto, o Concílio não devia, em primeiro
lugar, condenar os erros da época, mas sobretudo
empenhar-se por mostrar serenamente a força e a beleza
da doutrina da fé. "Iluminada pela luz deste Concílio
- dizia o Papa - a Igreja... crescerá em riquezas
espirituais... e, recebendo a força de novas energias,
olhará intrépida para o futuro... É nosso dever...
dedicar-nos, com vontade pronta e sem temor, àquele
trabalho que o nosso tempo exige, prosseguindo assim o
caminho que a Igreja percorre há vinte séculos"
[João
XXIII,
Discurso de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II,
11 de outubro de 1962: AAS 54 (1962), p. 788-791].
Com a ajuda de Deus, os Padres conciliares puderam
elaborar, em quatro anos de trabalho, um conjunto
considerável de exposições doutrinais e de diretrizes
pastorais oferecidas a toda a Igreja. Pastores e fiéis
encontram ali orientações para aquela "renovação de
pensamentos, de atividades, de costumes, e de força
moral, de alegria e de esperança, que foi o objetivo do
Concílio"
[Paulo
VI, Discurso de encerramento do Concílio Ecumênico
Vaticano II, 8 de dezembro de 1965: AAS 58 (1966),
p. 7-8.]
Depois da sua conclusão, o Concílio não cessou de
inspirar a vida da Igreja. Em 1985 pude afirmar:
"para mim - que tive a graça especial de nele participar
e colaborar no seu desenvolvimento - o Vaticano II foi
sempre, e é de modo particular nestes anos do meu
Pontificado, o constante ponto de referência de toda a
minha ação pastoral, no consciente empenho de traduzir
as suas diretrizes em aplicação concreta e fiel, a nível
de cada Igreja e da Igreja inteira. É preciso
incessantemente recomeçar daquela fonte".
[João
Paulo II, Alocução de 25 de janeiro de 1985:
L'Osservatore Romano, 27 de janeiro de 1985.]
Neste espírito, a 25 de janeiro de 1985, convoquei uma
Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, por
ocasião do vigésimo aniversário do encerramento do
Concilio. A finalidade desta Assembleia era celebrar as
graças e os frutos espirituais do Concílio Vaticano II,
aprofundar o seu ensinamento para aderir melhor a ele e
promover o conhecimento e a aplicação do mesmo.
Nessa ocasião, os Padres sinodais afirmaram:
"muitíssimos expressaram o desejo de que seja composto
um Catecismo ou compêndio de toda a doutrina católica,
tanto em matéria de fé como de moral, para que ele seja
como um ponto de referência para os catecismos ou
compêndios que venham a ser preparados nas diversas
regiões. A apresentação da doutrina deve ser bíblica e
litúrgica, oferecendo ao mesmo tempo uma doutrina sã e
adaptada à vida atual dos cristãos"
[Relação
Final do Sínodo Extraordinário, 7 de dezembro de 1985,
II, B, a, n. 4: Enchiridion Vaticanum, vol. 9, p.
1758, n. 1797].
Depois do encerramento do Sínodo, fiz meu este desejo,
considerando que ele "corresponde à verdadeira
necessidade da Igreja universal e das Igrejas
particulares"
[Discurso
de encerramento do Sínodo Extraordinário,
7 de dezembro de 1985, n.6: AAS 78 (1986), p.
435.
Como não havemos de agradecer de todo o coração ao
Senhor, neste dia em que podemos oferecer a toda a
Igreja, com o título de "Catecismo da Igreja
Católica", este "texto de referência" para
uma catequese renovada nas fontes vivas da fé!
Depois da renovação da Liturgia e da nova codificação do
Direito Canônico da Igreja Latina e dos cânones das
Igrejas Orientais Católicas, este Catecismo trará um
contributo muito importante àquela obra de renovação da
vida eclesial inteira, querida e iniciada pelo Concílio
Vaticano II. |
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II. ITINERÁRIO E ESPÍRITO DA REDAÇÃO DO TEXTO
O "Catecismo da Igreja Católica" é fruto de uma
vastíssima colaboração: foi elaborado em seis anos de
intenso trabalho, conduzido num espírito de atenta
abertura e com apaixonado ardor.
Em 1986, confiei a uma Comissão de doze Cardeais e
Bispos, presidida pelo senhor Cardeal Joseph Ratzinger,
o encargo de preparar um projeto para o Catecismo
requerido pelos Padres do Sínodo. Uma Comissão de
redação, composta por sete Bispos diocesanos, peritos em
teologia e em catequese, coadjuvou a Comissão no seu
trabalho.
A Comissão, encarregada de dar as diretrizes e de vigiar
sobre o desenvolvimento dos trabalhos, seguiu
atentamente todas as etapas da redação das nove
sucessivas composições. A Comissão de redação, por seu
lado, assumiu a responsabilidade de escrever o texto e
lhe inserir as modificações pedidas pela Comissão e de
examinar as observações de numerosos teólogos, exegetas
e catequistas, e sobretudo dos Bispos do mundo inteiro,
a fim de melhorar o texto. A Comissão foi sede de
intercâmbios frutuosos e enriquecedores, para assegurar
a unidade e a homogeneidade do texto.
O projeto tornou-se objeto de vasta consultação de todos
os Bispos católicos, das suas Conferências Episcopais ou
dos seus Sínodos, dos Institutos de teologia e de
catequética. No seu conjunto, ele teve um acolhimento
amplamente favorável da parte do Episcopado. É justo
afirmar que este Catecismo é o fruto de uma colaboração
de todo o Episcopado da Igreja Católica, o qual acolheu
com generosidade o meu convite a assumir a própria parte
de responsabilidade numa iniciativa que diz respeito,
intimamente, à vida eclesial. Tal resposta suscita em
mim um profundo sentimento de alegria, porque o concurso
de tantas vozes exprime verdadeiramente aquela a que se
pode chamar a "sinfonia" da fé. A realização
deste Catecismo reflete, deste modo, a natureza colegial
do Episcopado: testemunha a catolicidade da Igreja. |
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III. DISTRIBUIÇÃO DA MATÉRIA
Um catecismo deve apresentar, com fidelidade e de modo
orgânico, o ensinamento da Sagrada Escritura, da
Tradição viva na Igreja e do Magistério autêntico, bem
como a herança espiritual dos Padres, dos Santos e das
Santas da Igreja, para permitir conhecer melhor o
mistério cristão e reavivar a fé do povo de Deus. Deve
ter em conta as explicitações da doutrina que, no
decurso dos tempos, o Espírito Santo sugeriu à Igreja.
É também necessário que ajude a iluminar, com a luz da
fé, as novas situações e os problemas que ainda não
tinham surgido no passado.
O Catecismo incluirá, portanto, coisas novas e velhas
(cf. Mt. 13,52), porque a fé é sempre a mesma e
simultaneamente é fonte de luzes sempre novas.
Para responder a esta dupla exigência, o "Catecismo
da Igreja Católica" por um lado retoma a "antiga"
ordem, a tradicional, já seguida pelo Catecismo de São
Pio V, articulando o conteúdo em quatro partes: o Credo;
a sagrada Liturgia, com os sacramentos em primeiro
plano; o agir cristão, exposto a partir dos mandamentos;
e pôr fim a oração cristã. Mas, ao mesmo tempo, o
conteúdo é com frequência expresso de um modo "novo",
para responder às interrogações da nossa época.
As quatro partes estão ligadas entre si: o mistério
cristão é o objeto da fé (primeira parte); é celebrado e
comunicado nos atos litúrgicos (segunda parte); está
presente para iluminar e amparar os filhos de Deus no
seu agir (terceira parte); funda a nossa oração, cuja
expressão privilegiada é o "Pai-Nosso", e
constitui o objeto da nossa súplica, do nosso louvor e
da nossa intercessão (quarta parte).
A Liturgia é ela própria oração; a confissão da fé
encontra o seu justo lugar na celebração do culto. A
graça, fruto dos sacramentos, é a condição
insubstituível do agir cristão, tal como a participação
na liturgia da Igreja requer a fé. Se a fé não se
desenvolve nas obras, essa está morta (cf. Tg. 2, 14-16)
e não pode dar frutos de vida eterna.
Lendo o "Catecismo da Igreja Católica", pode-se
captar a maravilhosa unidade do mistério de Deus, do seu
desígnio de salvação, bem como a centralidade de Jesus
Cristo, o Filho Unigênito de Deus, enviado pelo Pai,
feito homem no seio da Santíssima Virgem Maria por obra
do Espírito Santo, para ser o nosso Salvador. Morto e
ressuscitado, ele está sempre presente na sua Igreja,
particularmente nos sacramentos; ele é a fonte da fé, o
modelo do agir cristão e o Mestre da nossa oração. |
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IV. VALOR DOUTRINAL DO TEXTO
O "Catecismo da Igreja Católica", que aprovei no
passado dia 25 de junho e cuja publicação hoje ordeno em
virtude da autoridade apostólica, é uma exposição da fé
da Igreja e da doutrina católica, testemunhadas ou
iluminadas pela Sagrada Escritura, pela Tradição
apostólica e pelo Magistério da Igreja. Vejo-o como um
instrumento válido e legítimo a serviço da comunhão
eclesial e como uma norma segura para o ensino da fé.
Sirva ele para a renovação, à qual o Espírito Santo
chama incessantemente a Igreja de Deus, Corpo de Cristo,
peregrina rumo à luz sem sombras do Reino!
A aprovação e a publicação do "Catecismo da Igreja
Católica" constituem um serviço que o Sucessor de
Pedro quer prestar à Santa Igreja Católica, a todas as
Igrejas particulares em paz e em comunhão com a Sé
Apostólica de Roma: o serviço de sustentar e confirmar a
fé de todos os discípulos do Senhor Jesus (cf. Lc.
22,32), como também de reforçar os laços da unidade na
mesma fé apostólica.
Peço, portanto, aos Pastores da Igreja e aos fiéis que
acolham este Catecismo em espírito de comunhão, e que o
usem assiduamente ao cumprirem a sua missão de anunciar
a fé e de apelar para a vida evangélica. Este Catecismo
lhes é dado a fim de que sirva como texto de referência,
seguro e autêntico, para o ensino da doutrina católica,
e de modo muito particular para a elaboração dos
catecismos locais. É também oferecido a todos os fiéis
que desejam aprofundar o conhecimento das riquezas
inexauríveis da salvação (cf. Jo. 8,32). Pretende dar um
apoio aos esforços ecumênicos animados pelo santo desejo
da unidade de todos os cristãos, mostrando com exatidão
o conteúdo e a harmoniosa coerência da fé católica. O
"Catecismo da Igreja Católica", por fim, é oferecido
a todo o homem que nos pergunte a razão da nossa
confiança (cf. la Pd. 3, 15) e queira
conhecer aquilo em que a Igreja Católica crê.
Este Catecismo não se destina a substituir os Catecismos
locais devidamente aprovados pelas autoridades
eclesiásticas, os Bispos diocesanos e as Conferências
Episcopais, sobretudo se receberam a aprovação da Sé
Apostólica. Destina-se a encorajar e ajudar a redação de
novos catecismos locais, que tenham em conta as diversas
situações e culturas, mas que conservam cuidadosamente a
unidade da fé e a fidelidade à doutrina católica. |
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V. CONCLUSÃO
No final deste documento que apresenta o "Catecismo
da Igreja Católica", peço a Santíssima Virgem Maria,
Mãe do Verbo Encarnado e Mãe da Igreja, que ampare com a
sua poderosa intercessão o empenho catequético da Igreja
inteira a todos os níveis, nestes tempos em que ela é
chamada a um novo esforço de evangelização. Possa a luz
da verdadeira fé libertar a humanidade da ignorância e
da escravidão do pecado, para a conduzir à única
liberdade digna deste nome (cf. Jo. 8,32): a da vida em
Jesus Cristo sob a guia do Espírito Santo, na terra e no
Reino dos Céus na plenitude da bem-aventurança da visão
de Deus face à face (cf. 1ª Cor. 13, 12; 2ª Cor. 5,
6-8)!
Dado no dia 11 de outubro de 1992, trigésimo aniversário
da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, décimo
quarto ano do meu pontificado.
JOÃO PAULO II |
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PRÓLOGO
«PAI, [...] é esta a vida eterna: que Te conheçam a
Ti, único Deus verdadeiro, e Aquele que enviaste, Jesus
Cristo» (Jo. 17, 3). «Deus, nosso
Salvador [...], quer que todos os homens se salvem e
cheguem ao conhecimento da verdade» (1ª Tm.
2, 3-4). «Não existe debaixo do céu outro nome, dado
aos homens, pelo qual possamos ser salvos» (At.
4, 12), senão o nome de JESUS.
I. A vida do homem – conhecer e amar a Deus
1. Deus, infinitamente perfeito e bem-aventurado em si
mesmo, num desígnio de pura bondade, criou livremente o
homem para o tornar participante da sua vida
bem-aventurada. Por isso, sempre e em toda a parte, Ele
está próximo do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-Lo, a
conhecê-Lo e a amá-Lo com todas as suas forças. Convoca
todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade
da sua família que é a Igreja. Para tal, enviou o seu
Filho como Redentor e Salvador na plenitude dos tempos.
n'Ele e por Ele, chama os homens a tornarem-se, no
Espírito Santo, seus filhos adotivos e, portanto,
herdeiros da sua vida bem-aventurada.
2. Para que este convite se fizesse ouvir por toda a
Terra, Cristo enviou os Apóstolos que escolhera,
dando-lhes o mandato de anunciar o Evangelho: «ide,
pois, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os
em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo,
ensinando-os a cumprirem tudo quanto vos prescrevi. E
eis que Eu estou convosco todos os dias até ao fim do
mundo» (Mt. 28, 19-20). Fortalecidos por esta
missão, os Apóstolos «partiram a pregar por toda a
parte e o Senhor cooperava com eles confirmando a
Palavra com os sinais que a acompanhavam» (Mc. 16,
20).
3. Aqueles que, com a ajuda de Deus, aceitaram o convite
de Cristo e livremente Lhe responderam, foram por sua
vez impelidos, pelo amor do mesmo Cristo, a anunciar por
toda a parte a Boa-Nova. Este tesouro, recebido dos
Apóstolos, foi fielmente guardado pelos seus sucessores.
Todos os fiéis de Cristo são chamados a transmiti-lo de
geração em geração, anunciando a fé, vivendo-a em
partilha fraterna e celebrando-a na liturgia e na
oração.
[Cf. At. 2, 42. 2].
II. Transmitir a fé – a catequese
4. Bem cedo se chamou catequese ao conjunto de
esforços empreendidos na Igreja para fazer discípulos,
para ajudar os homens a acreditar que Jesus é o Filho de
Deus, a fim de, pela fé, terem a vida em seu nome, e
para os educar e instruir nessa vida, construindo assim
o Corpo de Cristo.
[Cf. João Paulo II, Ex. ap. Catechesi tradendae,
1: AAS 71 (1979) 1277-1278]
5. «A catequese é uma educação da fé das crianças,
dos jovens e dos adultos, que compreende especialmente o
ensino da doutrina cristã, ministrado em geral dum modo
orgânico e sistemático, em ordem à iniciação na
plenitude da vida cristã».
[Cf. João Paulo II, Ex. ap. Catechesi tradendae,
18: AAS 71 (1979) 1292].
6. Sem se confundir com eles, a catequese articula-se
com um certo número de elementos da missão pastoral da
Igreja que têm um aspecto catequético, preparam para a
catequese ou dela derivam: o primeiro anúncio do
Evangelho ou pregação missionária, para suscitar a fé; a
busca das razões de acreditar; a experiência da vida
cristã; a celebração dos sacramentos; a integração na
comunidade eclesial; o testemunho apostólico e
missionário.
[Cf. João Paulo II, Ex. ap. Catechesi tradendae,
18: AAS 71 (1979) 1292 (4)]
7. «A catequese está intimamente ligada a toda a vida
da Igreja. Dependem essencialmente dela não só a
expansão geográfica e o crescimento numérico, mas
também, e muito mais ainda, o crescimento interior da
Igreja e a sua conformidade com o desígnio de Deus».
[Cf. João Paulo II, Ex. ap. Catechesi tradendae, 13: AAS
71 (1979) 1288.]
8. Os períodos de renovação da Igreja são também tempos
fortes de catequese. Assim, na grande época dos Padres
da Igreja, vemos santos Bispos consagrarem parte
importante do seu ministério à catequese, como por
exemplo São Cirilo de Jerusalém, São João Crisóstomo,
Santo Ambrósio, Santo Agostinho e tantos outros Padres,
cujas obras catequéticas continuam a ser modelo.
9. O ministério da catequese vai buscar energias sempre
novas aos concílios. O Concílio de Trento constitui, a
este respeito, um exemplo a sublinhar: nas suas
constituições e decretos, deu prioridade à catequese;
está na origem do Catecismo Romano que tem o seu nome e
que constitui um trabalho de primeira ordem como
compêndio da doutrina cristã; fez nascer na Igreja uma
organização notável da catequese; e, graças a santos
Bispos e teólogos, como São Pedro Canísio, São Carlos
Borromeo, São Toríbio de Mogrovejo e São Roberto
Belarmino, levou à publicação de numerosos catecismos.
10. Não admira, pois, que, na sequência do II Concílio
do Vaticano (que o Papa Paulo VI considerava como o
grande catecismo dos tempos modernos), a catequese da
Igreja tenha de novo chamado a atenção. O Directório
catequético geral, de 1971; as sessões do Sínodo dos
Bispos consagradas à evangelização (1974) e à catequese
(1977): e as exortações apostólicas correspondentes -
Evangelii nuntiandi (1975) e Catechesi tradendae
(1979) - são disso bom testemunho. A assembleia
extraordinária do Sínodo dos Bispos de 1985 pediu:
«que seja redigido um catecismo ou compêndio de toda a
doutrina católica, tanto no tocante à fé como no que
respeita à moral».
[Sínodo dos Bispos, Assembleia extraordinária,
Ecclesia sub Verbo Dei mysteria Christi celebrans pro
salute mundi. Relatório final II B A 4
(Cidade do Vaticano 1985), p. 11.]
O Santo Padre João Paulo II fez seu este voto do Sínodo
dos Bispos. Reconheceu que «tal desejo corresponde
inteiramente a uma verdadeira necessidade da Igreja
universal e das Igrejas particulares».
[João Paulo II, Discurso de encerramento da
Assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos (7 de
dezembro de 1985), 6: AAS 58 (1986) 435.].
E pôs todo o seu empenho cm que se concretizasse este
desejo dos Padres sinodais.
III. Finalidade e destinatários deste catecismo
11. A finalidade deste Catecismo é apresentar uma
exposição orgânica e sintética dos conteúdos essenciais
e fundamentais da doutrina católica, tanto sobre a fé
como sobre a moral, à luz do II Concilio do Vaticano e
do conjunto da Tradição da Igreja. As suas fontes
principais são a Sagrada Escritura, os santos Padres, a
liturgia e o Magistério da Igreja. E destina-se a servir
«como ponto de referência aos catecismos ou
compêndios a publicar nos diversos países».
[Sínodo dos Bispos, Ecclesia sub Verbo Dei mysteria
Christi celebrans pro salute mundi. Relatório
final II B A 4 (Cidade do Vaticano 1985), p. 11].
12. Este Catecismo destina-se principalmente aos
responsáveis pela catequese, que são em primeiro lugar
os Bispos, enquanto doutores da fé e pastores da Igreja.
É-lhes oferecido como instrumento para o desempenho da
sua missão de ensinar o povo de Deus. E, através dos
bispos, dirige-se aos redatores de catecismos, aos
Sacerdotes e aos catequistas. Será também uma leitura
útil para todos os outros fiéis cristãos.
IV. Estrutura deste catecismo
13. O plano deste Catecismo inspira-se na grande
tradição dos catecismos que articulam a catequese cm
torno de quatro «pilares»: a profissão da fé
batismal (Símbolo), os sacramentos da fé, a vida da fé
(Mandamentos) e a oração do crente (o Pai Nosso). |
|
PRIMEIRA PARTE: A PROFISSÃO DA FÉ
14. Aqueles que, pela fé e pelo Batismo, pertencem a
Cristo, devem confessar a sua fé batismal diante dos
homens.
(Cf. Mt. 10, 23; Rm 10, 9).
Por isso, o Catecismo começa por expor em que consiste a
Revelação, pela qual Deus Se dirige e se dá ao homem, e
a fé pela qual o homem responde a Deus (Primeira
Secção). O Símbolo da fé resume os dons que Deus faz
ao homem, como Autor de todo o bem, Redentor e
Santificador, e articula-os em volta dos «três
capítulos» do nosso Batismo - a fé num só Deus: o
Pai Todo-poderoso, Criador; e o seu Filho Jesus Cristo,
nosso Senhor e Salvador: e o Espírito Santo, na Santa
Igreja (Segunda Secção). |
|
SEGUNDA PARTE: OS SACRAMENTOS DA FÉ
15. A segunda parte do Catecismo expõe como a salvação
de Deus, realizada uma vez por todas por Jesus Cristo e
pelo Espírito Santo, se toma presente nas ações sagradas
da liturgia da Igreja (Primeira Secção), e em
especial nos sete sacramentos (Segunda Secção). |
|
TERCEIRA PARTE: A VIDA DA FÉ
16. A terceira parte do Catecismo apresenta o fim último
do homem, criado à imagem de Deus - a bem - aventurança
e os caminhos para a ela chegar: um comportamento reto e
livre, com a ajuda da lei de Deus e da sua graça
(Primeira Secção); um comportamento que realize o
duplo mandamento da caridade, explicitado nos dez
Mandamentos de Deus (Segunda Secção). |
|
QUARTA PARTE: A ORAÇÃO NA VIDA DA FÉ
17. A última parte do Catecismo trata do sentido e da
importância da oração na vida dos crentes (Primeira
Secção), terminando com um breve comentário aos sete
pedidos da Oração do Senhor (Segunda Secção).
De fato, nesses sete pedidos encontramos a suma dos bens
que devemos esperar e que o nosso Pai dos Céus nos quer
dar.
V. Indicações práticas para o uso deste catecismo
18. Este Catecismo foi concebido como uma exposição
orgânica de toda a fé católica. Deve, portanto, ser
lido como um todo. Numerosas notas remissivas à margem
do texto (números impressos em tipos menores remetendo
para outros parágrafos que tratam do mesmo assunto) e o
índice analítico no fim do volume, permitem encarar cada
tema na sua ligação com o conjunto da fé.
19. Muitas vezes, os textos da Sagrada Escritura não são
citados literalmente, mas com a simples indicação da
referência (por meio dum cf.) feita em nota. Para
uma inteligência aprofundada desses passos, convém
recorrer aos próprios textos. Tais referências bíblicas
são um instrumento de trabalho para a catequese.
20. Quando, cm certas passagens, se emprega a letra
miúda, isso quer dizer que se trata de anotações de
tipo histórico ou apologético, ou de exposições
doutrinais complementares.
21. As citações, em letra miúda, de fontes
patrísticas, litúrgicas, do Magistério ou da
hagiografia, destinam-se a enriquecer a exposição
doutrinal. Frequentemente, esses textos foram escolhidos
a pensar num emprego diretamente catequético.
22. No fim de cada unidade temática, uma série de
textos breves resume, em fórmulas escolhidas, o
essencial do ensinamento. Estes «RESUMINDO» têm por fim
dar à catequese local sugestões de fórmulas sintéticas e
fáceis de decorar.
VI. Adaptações necessárias
23. A tónica deste Catecismo incide sobre a exposição
doutrinal. Com efeito, a sua intenção é ajudar a
aprofundar o conhecimento da fé. Todo ele se orienta no
sentido do amadurecimento da mesma fé, do seu
enraizamento na vida e da sua irradiação no testemunho.
[10. Cf. João Paulo II, Ex.
ap. Catechesi tradendae, 20-22: AAS 71 (1979)
1293-1296; Ibid., 25: AAS 71 (1979) 1207-1298.]
24. Pela sua própria finalidade, este Catecismo não se
propõe realizar as adaptações da exposição e dos métodos
catequéticos, exigidas pelas diferenças de culturas,
idades, maturidade espiritual, situações sociais e
eclesiais daqueles a quem a catequese se dirige. Essas
indispensáveis adaptações pertencem aos catecismos
apropriados e, sobretudo, àqueles que ministram o ensino
aos fiéis:
- «aquele que ensina deve "fazer-se tudo para todos"
(1ª Cor. 9, 22) para a todos atrair a Jesus Cristo.
[...] Sobretudo, não julgue que lhe está confiada apenas
uma categoria de almas e que, portanto, lhe incumbe o
trabalho de ensinar e formar de modo idêntico, na
verdadeira piedade, todos os fiéis, usando sempre um só
e mesmo método! Atendendo a que, em Cristo Jesus, uns
são como crianças recém-nascidas, outros como
adolescentes e outro, finalmente, já são efetivamente
adultos, é necessário que pondere com toda a diligência
quais são os que precisam de leite e quais os que
carecem de um alimento mais sólido. [...] Isto mesmo
testemunhava de si próprio o Apóstolo. [...] Os que são
chamados ao ministério da pregação devem, ao transmitir
o ensino dos mistérios da fé e das normas dos costumes,
adaptar as suas palavras à mentalidade e à inteligência
dos seus ouvintes».
[11.
Catechismus Romanus seu Catechismus ex decreto
Concilii Tridentini ad parochos, Pii V Pontificis
Maximi iussu editus, Praefatio, 11: ed P. Rodríguez
(Città del Vaticano – Pamplona 1989) p. 11.
ACIMA DE TUDO - A CARIDADE
25. A concluir esta apresentação, é oportuno lembrar
este princípio pastoral enunciado pelo Catecismo
Romano:
Este é sem dúvida o caminho melhor, que o mesmo apóstolo
seguia quando fundamentava a sua doutrina e ensino na
caridade que não acaba nunca. A finalidade da doutrina e
do ensino deve fixar-se toda no amor, que não acaba.
Podemos expor muito bem o que se deve crer, esperar ou
fazer; mas, sobretudo, devemos pôr sempre em evidência o
amor de nosso Senhor, de modo que cada qual compreenda
que qualquer ato de virtude perfeitamente cristão, não
tem outra origem nem outro fim senão o amor.
[12. Catechismus Romanus, Praefatio 10: ed. P.
Rodriguez (Città del Vaticano – Pamplona 1989) p. 10]. |
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PRIMEIRA PARTE - A PROFISSÃO DA FÉ
PRIMEIRA SECÇÃO - «EU CREIO» «NÓS CREMOS»
CAPÍTULO PRIMEIRO - O HOMEM É «CAPAZ» DE DEUS
(§ 27-§ 49)
PRIMEIRA PARTE
A PROFISSÃO DA FÉ
PRIMEIRA SECÇÃO
«EU CREIO» - «NÓS CREMOS»
26. Quando professamos a nossa fé, começamos por dizer:
«Creio», ou «Cremos». Portanto, antes de
expor a fé da Igreja, tal como é confessada no Credo,
celebrada na liturgia, vivida na prática dos mandamentos
e na oração, perguntemos a nós mesmos o que significa
«crer». A fé é a resposta do homem a Deus, que a ele
se revela e se oferece, resposta que, ao mesmo tempo,
traz uma luz superabundante ao homem que busca o sentido
último da sua vida. Comecemos, pois, por considerar esta
busca do homem (capítulo primeiro): depois, a
Revelação divina pela qual Deus vem ao encontro do homem
(capítulo segundo); finalmente, a resposta da fé
(capítulo terceiro). |
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CAPÍTULO PRIMEIRO
O HOMEM É «CAPAZ» DE DEUS
I. O desejo de Deus
7. O desejo de Deus é um sentimento inscrito no
coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e
para Deus. Deus não cessa de atrair o homem para si e só
em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade
que procura sem descanso:
- «a razão mais sublime da dignidade humana consiste na
sua vocação à comunhão com Deus. Desde o começo da sua
existência, o homem é convidado a dialogar com Deus:
pois se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é
por Ele, e por amor, constantemente conservado: nem pode
viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer
livremente esse amor e não se entregar ao seu Criador».
[II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
Spes, 19: AAS 58 (1966) 1038-1039].
28. De muitos modos, na sua história e até hoje, os
homens exprimiram a sua busca de Deus em crenças e
comportamentos religiosos (orações, sacrifícios, cultos,
meditações, etc.). Apesar das ambiguidades de que podem
enfermar, estas formas de expressão são tão universais
que bem podemos chamar ao homem um ser religioso:
- Deus «criou de um só homem todo o género humano,
para habitar sobre a superfície da terra, e fixou
períodos determinados e os limites da sua habitação,
para que os homens procurassem a Deus e se esforçassem
realmente por O atingir e encontrar. Na verdade, Ele não
está longe de cada um de nós. É n'Ele que vivemos, nos
movemos e existimos» (At. 17, 26-28).
29. Mas esta «relação íntima e vital que une o homem
a Deus»
[II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
Spes, 19: AAS 58 (1966) 1039]
pode ser esquecida, desconhecida e até explicitamente
rejeitada pelo homem. Tais atitudes podem ter origens
diversas
[II Concílio do Vaticano,
Const. past. Gaudium et Spes, 19-21: AAS 58
(1966) 1038-1042]
a revolta contra o mal existente no mundo, a ignorância
ou a indiferença religiosa, as preocupações do mundo e
das riquezas
[Cf.
Mt. 13, 22],
o mau exemplo dos crentes, as correntes de pensamento
hostis à religião e, finalmente, a atitude do homem
pecador que, por medo, se esconde de
Deus
[Cf. Gn. 3, 8-10. (1)]
e foge quando Ele o chama.
[Cf. Jn. 1, 3]
30. «Exulte o coração dos que procuram o Senhor»
(Sl. 105, 3). Se o homem pode esquecer ou rejeitar Deus,
Deus é que nunca deixa de chamar todo o homem a que O
procure, para que encontre a vida e a felicidade. Mas
esta busca exige do homem todo o esforço da sua
inteligência, a retidão da sua vontade, «um coração
reto», e também o testemunho de outros que o ensinam
a procurar Deus.
És grande, Senhor, e altamente louvável; grande é o teu
poder e a tua sabedoria é sem medida. E o homem, pequena
parcela da tua criação, pretende louvar-Te -
precisamente ele que, revestido da sua condição mortal,
traz em si o testemunho do seu pecado, o testemunho de
que Tu resistes aos soberbos. Apesar de tudo, o homem,
pequena parcela da tua criação, quer louvar-Te. Tu
próprio a isso o incitas, fazendo com que ele encontre
as suas delícias no teu louvor, porque nos fizeste para
ti e o nosso coração não descansa enquanto não repousar
em Ti
[Santo Agostinho, Confissões, I,1, 1: CCL 27. 1
(PL 32, 659-661)].
II. Os caminhos de acesso ao conhecimento de Deus
31. Criado à imagem de Deus, chamado a conhecer e a amar
a Deus, o homem que procura Deus descobre certos
«caminhos» de acesso ao conhecimento de Deus. Também
se lhes chama «provas da existência de Deus» -
não no sentido das provas que as ciências naturais
indagam, mas no de «argumentos convergentes e
convincentes» que permitem chegar a verdadeiras
certezas.
Estes «caminhos» para atingir Deus têm como ponto
de partida criação: o mundo material e a pessoa humana.
32. O mundo: a partir do movimento e do
devir, da contingência, da ordem e da beleza do mundo,
pode chegar-se ao conhecimento de Deus: como origem e
fim do universo.
São Paulo afirma a respeito dos pagãos: «o que se
pode conhecer de Deus manifesto para eles, porque Deus
lhe manifestou. Desde a criação do mundo, a perfeições
invisíveis de Deus, o seu poder eterno e a sua divindade
tornam-se pelas suas obras, visíveis à inteligência»
(Rm, 1, 19-20)
[Cf. At. 14, 15, 17; 17. 27-28; Sb. 13, 1-9. (8)].
E Santo Agostinho: «interroga a beleza da terra,
interroga a beleza do mar interroga a beleza do ar que
se dilata e difunde, interroga a beleza do céu [...]
interroga todas estas realidades. Todas te respondem:
estás a ver como somos belas. A beleza delas é o seu
testemunho de louvor [«confessio»]. Essas belezas
sujeitas à mudança, quem as fez senão o Belo [«Ptdcher»],
que não está sujeite à mudança»?
[Santo Agostinho, Sermão 241. 2: PL 38,
1134].
33. O homem: Com a sua abertura à verdade
e à beleza, com o seu sentido do bem moral, com a sua
liberdade e a voz da sua consciência, com a sua ânsia de
infinito e de felicidade, o homem interroga-se sobre a
existência de Deus. Nestas aberturas, ele detecta sinais
da sua alma espiritual. «Gérmen de eternidade que
traz em si mesmo, irredutível à simples matéria»
[II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
Spes,18: AAS 58 (1966) 1038: cf. ibid., 14:
AAS 58 (1966) 1036. (6)],
a sua alma só em Deus pode ter origem.
34. O mundo e o homem atestam que não têm em si mesmos,
nem o seu primeiro princípio, nem o seu fim último, mas
que participam do ser em si, sem princípio nem fim.
Assim, por estes diversos «caminhos», o homem
pode ter acesso ao conhecimento da existência duma
realidade que é a causa primeira e o fim último de tudo,
«e a que todos chamam Deus».
[São Tomás de Aquino, Summa theologiae I. q. 2,
a. 3, e: Ed. Leon. 4, 31].
35. As faculdades do homem tornam-no capaz de conhecer a
existência de um Deus pessoal. Mas, para que o homem
possa entrar na sua intimidade, Deus quis revelar-se ao
homem e dar-lhe a graça de poder receber com fé esta
revelação. Todavia, as provas da existência de Deus
podem dispor para a fé e ajudar a perceber que a fé não
se opõe à razão humana.
III. O conhecimento de Deus segundo a Igreja
36. «A Santa Igreja, nossa Mãe, atesta e ensina que
Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser
conhecido, com certeza, pela luz natural da razão
humana, a partir das coisas criadas».
[I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 2: DS
3004: cf. Ibid., De Revelatione, canon 2: DS 3026; II
Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum. 6: AAS 58
(1966) 819].
Sem esta capacidade, o homem não poderia acolher a
revelação de Deus. O homem tem esta capacidade porque
foi criado «à imagem de Deus» (Gn. 1, 27).
37. Nas condições históricas em que se encontra, o homem
experimenta, no entanto, muitas dificuldades para chegar
ao conhecimento de Deus só com as luzes da razão:
- «com efeito, para falar com simplicidade, apesar de a
razão humana poder verdadeiramente, pelas suas forças e
luz naturais, chegar a um conhecimento verdadeiro e
certo de um Deus pessoal, que protege e governa o mundo
pela sua providência, bem como de uma lei natural
inscrita pelo Criador nas nossas almas, há, contudo,
bastantes obstáculos que impedem esta mesma razão de
usar eficazmente e com fruto o seu poder natural, porque
as verdades que dizem respeito a Deus e aos homens
ultrapassam absolutamente a ordem das coisas sensíveis;
e quando devem traduzir-se em atos e informar a vida,
exigem que nos dêmos e renunciemos a nós próprios. O
espírito humano, para adquirir semelhantes verdades,
sofre dificuldade da parte dos sentidos e da imaginação,
bem como dos maus desejos nascidos do pecado original.
Daí deriva que, em tais matérias, os homens se persuadem
facilmente da falsidade ou, pelo menos, da incerteza das
coisas que não desejariam fossem verdadeiras».
[Pio XII. Enc. Humani Generis: DS 3875. (13)].
38. É por isso que o homem tem necessidade de ser
esclarecido pela Revelação de Deus, não somente no que
diz respeito ao que excede o seu entendimento, mas
também sobre «as verdades religiosas e morais que, de
si, não são inacessíveis à razão, para que possam ser,
no estado atual do gênero humano, conhecidas por todos
sem dificuldade, com uma certeza firme e sem mistura de
erro».
[Ibid.,
DS 3876. Cf. I Concílio do Vaticano, Const.
dogm. Dei Filius. c. 2: DS 3005; II Concílio
do Vaticano. Const. dogm. Dei Verbum. 6: AAS 58
(1966) 819-820; São Tomás de Aquino, Summa
theologiae, I, q. 1, a. 1, c.: Ed. Leon. 4. 6.
IV. Como falar de Deus?
39. Ao defender a capacidade da razão humana para
conhecer Deus, a Igreja exprime a sua confiança na
possibilidade de falar de Deus a todos os homens e com
todos os homens. Esta convicção está na base do seu
diálogo com as outras religiões, com a filosofia e as
ciências, e também com os descrentes e os ateus.
40. Mas dado que o nosso conhecimento de Deus é
limitado, a nossa linguagem, ao falar de Deus, também o
é. Não podemos falar de Deus senão a partir das
criaturas e segundo o nosso modo humano limitado de
conhecer e de pensar.
41. Todas as criaturas são portadoras duma certa
semelhança de Deus, muito especialmente o homem, criado
à imagem e semelhança de Deus. As múltiplas perfeições
das criaturas (a sua verdade, a sua bondade, a sua
beleza) refletem, pois, a perfeição infinita de Deus.
Daí que possamos falar de Deus a partir das perfeições
das suas criaturas: «porque a grandeza e a beleza das
criaturas conduzem, por analogia, à contemplação do seu
Autor» (Sb. 13, 5).
42. Deus transcende toda a criatura. Devemos, portanto,
purificar incessantemente a nossa linguagem no que ela
tem de limitado, de ilusório, de imperfeito, para não
confundir o Deus «inefável, incompreensível,
invisível, impalpável»
[Liturgia
Bizantina. Anáfora de São João Crisóstomo: Liturgies
Eastern and Western,
ed. F. E. Brightman, Oxford 1896. p. 384 (PG 63, 915)]
com as nossas representações humanas. As nossas palavras
humanas ficam sempre aquém do mistério de Deus.
43. Ao falar assim de Deus, a nossa linguagem
exprime-se, evidentemente, de modo humano. Mas atinge
realmente o próprio Deus, sem, todavia, poder exprimi-Lo
na sua infinita simplicidade. Devemos lembrar-nos de
que, «entre o Criador e a criatura, não é possível
notar uma semelhança sem que a dissemelhança seja ainda
maior».
[IV
Concílio de Latrão, Cap. 2. De errore abbatis
Ioachim: DS 806.], e
de que «não nos é possível apreender de Deus o que
Ele é, senão apenas o que Ele não é, e como se situam os
outros seres em relação a Ele».
[São Tomás de Aquino, Summa contra gentiles I 30:
Ed. Leon. 13, 92].
Resumindo:
44. O homem é, por natureza e vocação, um ser
religioso. Vindo de Deus e caminhando para Deus, o homem
não vive uma vida plenamente humana senão na medida em
que livremente viver a sua relação com Deus.
45. O homem foi feito para viver em comunhão com
Deus, em quem encontra a sua felicidade: «quando eu
estiver todo em Ti, não mais haverá tristeza nem
angústia; inteiramente repleta de Ti, a minha vida será
vida plena».
[Santo
Agostinho, Confissões X, 28, 39: CCL 27, 175
(PL 32. 795)].
46. Quando escuta a mensagem das criaturas e a voz da
sua consciência, o homem pode alcançar a certeza da
existência de Deus, causa e fim de tudo.
47. A Igreja ensina que o Deus único e verdadeiro,
nosso Criador e Senhor; pode ser conhecido com certeza
pelas suas obras, graças à luz natural da razão humana.
[I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, De
revelatione, canon 2: DS 3026].
48. Nós podemos realmente falar de Deus partindo das
múltiplas perfeições das criaturas, semelhanças de Deus
infinitamente perfeito, ainda que a nossa linguagem
limitada não consiga esgotar o mistério.
49. «A criatura sem o Criador esvai-se»
[II Concílio do Vaticano II, Const. past. Gaudium et
Spes, 36: AAS 58 (1966) 1054].
Por isso, os crentes sentem-se pressionados pelo amor de
Cristo a levar a luz do Deus vivo aos que O ignoram ou
rejeitam. |
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CAPÍTULO SEGUNDO - DEUS AO ENCONTRO DO HOMEM
(§ 50-§ 141)
CAPÍTULO SEGUNDO
DEUS AO ENCONTRO DO HOMEM
50. Pela razão natural, o homem pode conhecer Deus com
certeza, a partir das suas obras. Mas existe outra ordem
de conhecimento, que o homem de modo nenhum pode atingir
por suas próprias forças: a da Revelação divina
[Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius,
c. 4: DS 3015].
7. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
3: AAS 58 (1966) 818.
8. Oração eucarística IV: Missal Romano, editio
typica. Typis Polyglottis Vaticanis. 1970 p. 467.
[Gráfica de Coimbra 1992, p. 538].
9. Cf. Gn. 9, 9.
10. Cf. Gn. 10, 20-31. (1). Por uma
vontade absolutamente livre, Deus revela-se e dá-se ao
homem. E o faz revelando o seu mistério, o desígnio
benevolente que, desde toda a eternidade, estabeleceu em
Cristo, em favor de todos os homens. Revela plenamente o
seu desígnio, enviando o seu Filho bem-amado, nosso
Senhor Jesus Cristo, e o Espírito Santo. |
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ARTIGO 1
A REVELAÇÃO DE DEUS
I. Deus revela o seu «desígnio benevolente»
51. «Aprouve a Deus, na sua sabedoria e bondade,
revelar-se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua
vontade, segundo o qual os homens, por meio de Cristo,
Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e
se tomam participantes da natureza divina»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
2: AAS 58 (1966) 818].
52. Deus, que «habita numa luz inacessível» (1ª
Tm. 6, 16), quer comunicar a sua própria vida
divina aos homens que livremente criou, para fazer
deles, no seu Filho único, filhos adotivos
[Cf. Ef. 1, 4-5].
Revelando-se a Si mesmo, Deus quer tornar os homens
capazes de Lhe responderem, de o conhecerem e de o
amarem, muito para além de tudo o que seriam capazes por
si próprios.
53. O desígnio divino da Revelação realiza-se, ao mesmo
tempo, «por meio de ações e palavras, intrinsecamente
relacionadas entre si»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
2: AAS 58 (1966)]
e esclarecendo-se mutuamente. Comporta um particular
«pedagogia divina»: Deus comunica-se gradualmente ao
homem e prepara-o, por etapas, para receber a Revelação
sobrenatural que faz de Si próprio e que vai culminar na
Pessoa e missão do Verbo encarnado, Jesus Cristo.
Santo Ireneu de Lião fala várias vezes desta pedagogia
divina, sob a imagem da familiaridade mútua entre Deus e
o homem: «o Verbo de Deus [...] habitou no homem e
fez-Se Filho do Homem, para acostumar o homem a
apreender Deus e Deus a habitar no homem, segundo o
beneplácito do Pai».
[Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses III,
20, 2: SC 211, 392 (Pg. 7, 944); cf. por exemplo,
Ibid. III 17, I: SC 211. 330 (PG 7, 929);
Ibid. IV, 12. 4: SC 100, 518 (PG 7, 1006); Ibid.
IV 21, 3: SC 100, 684 (PG 7, 1046)]
II. As etapas da Revelação
DESDE A ORIGEM, DEUS DÁ-SE A CONHECER
54. «Deus, criando e conservando todas as coisas pelo
Verbo, oferece aos homens um testemunho perene de Si
mesmo nas coisas criadas, e, além disso, decidindo abrir
o caminho da salvação sobrenatural, manifestou-se a Si
mesmo, desde o princípio, aos nossos primeiros pais»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
3: AAS 58 (1966) 818. (6)].
Convidou-os a uma comunhão íntima consigo, revestindo-os
de uma graça e justiça resplandecentes.
55. Esta Revelação não foi interrompida pelo pecado dos
nossos primeiros pais. Com efeito, Deus, «depois da
sua queda, com a promessa de redenção, deu-lhes a
esperança da salvação, e cuidou continuamente do género
humano, para dar a vida eterna a todos aqueles que,
perseverando na prática das boas obras, procuram a
salvação»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
3: AAS 58 (1966) 818.].
«E quando, por desobediência, perdeu a vossa amizade,
não o abandonastes ao poder da morte [...] Repetidas
vezes fizestes aliança com os homens»
[Oração
eucarística IV: Missal Romano,
editio typica. Typis Polyglottis Vaticanis. 1970 p. 467.
[Gráfica de Coimbra 1992, p. 538].
A ALIANÇA COM NOÉ
56. Desfeita a unidade do género humano pelo pecado,
Deus procurou imediatamente, salvar a humanidade
intervindo com cada uma das suas partes. A aliança com
Noé, a seguir ao dilúvio
[Cf. Gn. 9, 9},
exprime o princípio da economia divina em relação às
«nações», quer dizer, em relação aos homens
reagrupados «por países e línguas, por famílias e
nações» (Gn. 10, 5)
[Cf. Gn. 10, 20-31]
57. Esta ordem, ao mesmo tempo cósmica, social e
religiosa da pluralidade das nações
[Cf. At. 17, 26-27],
destinava-se a limitar o orgulho duma humanidade
decaída, que, unânime na sua perversidade
[Cf. Sb. 10, 5],
pretendia refazer por si mesma a própria unidade, à
maneira de Babel
[Cf.
Gn. 11, 4-6].
Mas, por causa do pecado
[Cf.
Rm. 1, 18-25],
quer o politeísmo quer a idolatria da nação e do seu
chefe são uma contínua ameaça de perversão pagã a esta
economia provisória.
58. A aliança com Noé permanece em vigor enquanto durar
o tempo das nações
[Cf. Lc. 21, 24],
até à proclamação universal do Evangelho. A Bíblia
venera algumas grandes figuras das «nações», como
«o justo Abel», o rei e sacerdote Melquisedec
[Cf. Gn. 14, 18],
figura de Cristo
[Cf. Heb. 7, 3],
ou os justos «Noé, Daniel e Job» (Ez. 14,
14). Deste modo, a Escritura exprime o alto grau de
santidade que podem atingir os que vivem segundo a
aliança de Noé, na expectativa de que Cristo «reúna,
na unidade, todos os filhos de Deus dispersos» (Jo.
11, 52).
DEUS ELEGE ABRAÃO
59. Para reunir a humanidade dispersa, Deus escolhe
Abrão, chamando-o para «deixar a sua terra, a sua
família e a casa de seu pai» (Gn. 12, 1),
para o fazer Abraão, quer dizer, «pai de um grande
número de nações» (Gn. 17, 5): «em ti serão
abençoadas todas as nações da Terra» (Gn. 12,
3)
[Cf. Gl. 3, 8].
60. O povo descendente de Abraão será o depositário da
promessa feita aos patriarcas, o povo eleito
[Cf. Rm. 11, 28],
chamado a preparar a reunião, um dia, de todos os filhos
de Deus na unidade da Igreja
[Cf. Jo. 11, 52; 10, 16].
Será o tronco em que serão enxertados os pagãos tornados
crentes
[Cf. Rm. 11, 17-18. 24].
61. Os patriarcas, os profetas e outras personagens do
Antigo Testamento foram, e serão sempre, venerados como
santos em todas as tradições litúrgicas da Igreja.
DEUS FORMA O SEU POVO ISRAEL
62. Depois dos patriarcas, Deus formou Israel como seu
povo, salvando-o da escravidão do Egito. Concluiu com
ele a aliança do Sinai e deu-lhe, por Moisés, a sua Lei,
para que Israel o reconhecesse e o servisse como único
Deus vivo e verdadeiro, Pai providente e justo Juiz, e
vivesse na expectativa do Salvador prometido
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 3:
AAS 58 (1966) 818].
63. Israel é o povo sacerdotal de Deus
[Cf. Ex. 19, 6],
sobre o qual «foi invocado o Nome do Senhor» (Dt.
28, 10). É o povo daqueles «a quem Deus falou
em primeiro lugar»
[Sexta-Feira
da Paixão do Senhor. Oração universal VI: Missale
Romanum.
editio typica. Typis Polyglottis Vaticanis 1975,
p. 254 [a tradução oficial portuguesa omite este
particular: Missal Romano. Gráfica de Coimbra
1992. p. 259.267],
o povo dos «irmãos mais velhos» na fé de Abraão
[João Paulo II, Discurso na sinagoga durante o
encontro com a comunidade hebraica da cidade de Roma
(13 de abril de 1986), 4: Insegnamenti di
Giovanni Paolo II, IX/1, 1027].
64. Pelos profetas, Deus forma o seu povo na esperança
da salvação, na expectativa duma aliança nova e eterna,
destinada a todos os homens
[Cf. Is. 2, 2-4],
e que será gravada nos corações
[Cf. Jr. 31, 31-34: Heb. 10, 16].
Os profetas anunciam uma redenção radical do povo de
Deus, a purificação de todas as suas infidelidades
[Cf. Ez. 36],
uma salvação que abrangerá todas as nações
[Cf. Is. 49, 5-6: 53, 11].
Serão sobretudo os pobres e os humildes do Senhor
30.
[Cf. Sf. 2, 3]
os portadores desta esperança. As mulheres santas como
Sara, Rebeca, Raquel, Míriam, Débora, Ana, Judite e
Ester conservaram viva a esperança da salvação de
Israel. Maria é a imagem puríssima desta esperança
[Cf. Lc. 1, 38].
III. Jesus Cristo - «Mediador e plenitude de toda a
Revelação»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 2:
AAS 58 (1966) 818].
NO SEU VERBO, DEUS DISSE TUDO
65. «Muitas vezes e de muitos modos falou Deus
antigamente aos nossos pais, pelos Profetas. Nestes
dias, que são os últimos, falou-nos pelo seu Filho»
(Heb. 1, 1-2). Cristo, Filho de Deus feito homem, é a
Palavra única, perfeita e insuperável do Pai.
N'Ele, o Pai disse tudo. Não haverá outra palavra além
dessa. São João da Cruz, após tantos outros, exprime-o
de modo luminoso, ao comentar Hebreus. 1, 1-2:
«Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua
Palavra - e não tem outra - (Deus) disse-nos tudo ao
mesmo tempo e de uma só vez nesta Palavra única e já
nada mais tem para dizer. [...] Porque o que antes disse
parcialmente pelos profetas, revelou-o totalmente,
dando-nos o Todo que é o seu Filho. E por isso, quem
agora quisesse consultar a Deus ou pedir-Lhe alguma
visão ou revelação, não só cometeria um disparate, mas
faria agravo a Deus, por não pôr os olhos totalmente em
Cristo e buscar fora d'Ele outra realidade ou novidade»
[São João da Cruz, Subida del monte Carmelo 2, 22,
3-5: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 11, Burgos
1929. p. 184. [ID. Obras Completas (Paço de
Arcos, Edições Carmelo 1986) p. 196 = Segunda leitura do
Ofício de Leituras da Segunda-Feira da II Semana do
Advento].
JÁ NÃO HAVERÁ OUTRA REVELAÇÃO
66. «Portanto, a economia cristã, como nova e
definitiva aliança, jamais passará, e já não se há de
esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa
manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
4: AAS 58 (1966) 819].
No entanto, apesar de a Revelação já estar completa,
ainda não está plenamente explicitada. E está reservado
à fé cristã apreender gradualmente todo o seu alcance,
no decorrer dos séculos.
67. No decurso dos séculos tem havido revelações ditas
«privadas», algumas das quais foram reconhecidas
pela autoridade da Igreja. Todavia, não pertencem ao
depósito da fé. O seu papel não é «aperfeiçoar»
ou «completar» a Revelação definitiva de Cristo,
mas ajudar a vivê-la mais plenamente, numa determinada
época da história. Guiado pelo Magistério da Igreja, o
sentir dos fiéis sabe discernir e guardar o que nestas
revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou dos
seus santos à Igreja.
A fé cristã não pode aceitar «revelações» que
pretendam ultrapassar ou corrigir a Revelação de que
Cristo é a plenitude. É o caso de certas religiões
não-cristãs, e também de certas seitas recentes.
fundadas sobre tais «revelações».
Resumindo:
68. Por amor, Deus revelou-se e deu-se ao homem. Dá
assim uma resposta definitiva e superabundante às
questões que o homem se põe a Si próprio sobre o sentido
e o fim da sua vida.
69. Deus revelou-se ao homem, comunicando-lhe
gradualmente o seu próprio mistério, por ações e por
palavras.
70. Além do testemunho que dá de Si mesmo através das
coisas criadas, Deus manifestou-se a Si próprio aos
nossos primeiros pais. Falou-lhes e, depois da queda,
prometeu-lhes a salvação
[Cf. Gn. 3, 15]
e ofereceu-lhes a sua aliança.
71. Deus concluiu com Noé uma aliança eterna entre Si
e todos os seres vivos
[Cf. Gn 9, 16].
Essa aliança durará enquanto durar o mundo.
72. Deus escolheu Abraão e concluiu uma aliança com
ele e os seus descendentes. Fez deles o seu povo, ao
qual revelou a sua Lei por meio de Moisés. E
preparou-o, pelos profetas, a acolher a salvação
destinada a toda a humanidade.
73. Deus revelou-se plenamente enviando o seu próprio
Filho, no qual estabeleceu a sua aliança para sempre. O
Filho é a Palavra definitiva do Pai, de modo que, depois
d'Ele, não haverá outra Revelação. |
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ARTIGO 2
A TRANSMISSÃO DA REVELAÇÃO DIVINA
74. Deus «quer que todos os homens se salvem e
cheguem ao conhecimento da verdade» (1ª Tm.
2, 4), quer dizer, de Cristo Jesus
[Cf. Jo. 14, 6].
Por isso, é preciso que Cristo seja anunciado a todos os
povos e a todos os homens, e que, assim a Revelação
chegue aos confins do mundo:
- Deus dispôs amorosamente que permanecesse íntegro e
fosse transmitido a todas as gerações tudo quanto tinha
revelado para salvação de todos os povos
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
7: AAS 58 (1966) 820].
I. A Tradição apostólica
75. «Cristo Senhor, em quem toda a revelação do Deus
altíssimo se consuma, tendo cumprido e promulgado
pessoalmente o Evangelho antes prometido pelos profetas,
mandou aos Apóstolos que o pregassem a todos, como fonte
de toda a verdade salutar e de toda a disciplina de
costumes, comunicando-lhes assim os dons divinos»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
7: AAS 58 (1966) 820].
A PREGAÇÃO APOSTÓLICA ...
76. A transmissão do Evangelho, segundo a ordem do
Senhor, fez-se de duas maneiras:
– Oralmente, «pelos Apóstolos, que, na sua pregação
oral, exemplos e instituições, transmitiram aquilo que
tinham recebido dos lábios, trato e obras de Cristo, e o
que tinham aprendido por inspiração do Espírito Santo»;
– por escrito, «por aqueles apóstolos e varões
apostólicos que, sob a inspiração do mesmo Espírito
Santo, escreveram a mensagem da salvação»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
7: AAS 58 (1966) 820].
... CONTINUADA NA SUCESSÃO APOSTÓLICA
77. «Para que o Evangelho fosse perenemente
conservado íntegro e vivo na Igreja, os Apóstolos
deixaram os Bispos como seus sucessores,
"entregando-lhes o seu próprio ofício de magistério"»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
7: AAS 58 (1966) 820].
Com efeito, «a pregação apostólica, que se exprime de
modo especial nos livros inspirados, devia conservar-se,
por uma sucessão ininterrupta, até à consumação dos
tempos»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
8: AAS 58 (1966) 821].
78. Esta transmissão viva, realizada no Espírito Santo,
denomina-se Tradição, enquanto distinta da Sagrada
Escritura, embora estreitamente a ela ligada. Pela
Tradição, «a Igreja, na sua doutrina, vida e culto,
perpetua e transmite a todas as gerações tudo aquilo que
ela é e tudo em que acredita»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
8: AAS 58 (1966) 821].
«Afirmações dos santos Padres testemunham a presença
vivificadora desta Tradição, cujas riquezas entram na
prática e na vida da Igreja crente e orante»
[II Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Verbum,
8: AAS 58 (1966) 821].
79. Assim, a comunicação que o Pai fez de Si próprio,
pelo seu Verbo, no Espírito Santo, continua presente e
ativa na Igreja: «Deus, que outrora falou, dialoga
sem interrupção com a esposa do seu amado Filho; e o
Espírito Santo - por quem ressoa a voz do Evangelho na
Igreja, e, pela Igreja, no mundo - introduz os crentes
na verdade plena e faz com que a palavra de Cristo neles
habite em toda a sua riqueza»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
8: AAS 58 (1966) 821].
II. A relação entre a Tradição e a Sagrada Escritura
UMA FONTE COMUM...
80. «A Tradição sagrada e a Sagrada Escritura estão
intimamente unidas e compenetradas entre si. Com efeito,
derivando ambas da mesma fonte divina, fazem como que
uma coisa só e tendem ao mesmo fim»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
9: AAS 58 (1966) 821].
Uma e outra tornam presente e fecundo na Igreja o
mistério de Cristo, que prometeu estar com os seus,
«sempre, até ao fim do mundo» (Mt. 28, 20).
... DUAS FORMAS DE TRANSMISSÃO DISTINTAS
81. «A Sagrada Escritura é a Palavra de Deus enquanto
foi escrita por inspiração do Espírito divino».
«A sagrada Tradição, por sua vez, conserva a Palavra de
Deus, confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo
aos Apóstolos, e transmite-a integralmente aos seus
sucessores, para que eles, com a luz do Espírito da
verdade, fielmente a conservem, exponham e difundam na
sua pregação»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
9: AAS 58 (1966) 821].
82. Daí resulta que a Igreja, a quem está confiada a
transmissão e interpretação da Revelação, «não tira
só da Sagrada Escritura a sua certeza a respeito de
todas as coisas reveladas. Por isso, ambas devem ser
recebidas e veneradas com igual espírito de piedade e
reverência»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
9: AAS 58 (1966) 821].
TRADIÇÃO APOSTÓLICA E TRADIÇÕES ECLESIAIS
83. A Tradição de que falamos aqui é a que vem dos
Apóstolos. Ela transmite o que estes receberam do ensino
e do exemplo de Jesus e aprenderam pelo Espírito Santo.
De fato, a primeira geração de cristãos não tinha ainda
um Novo Testamento escrito, e o próprio Novo Testamento
testemunha o processo da Tradição viva.
É preciso distinguir, desta Tradição, as «tradições»
teológicas, disciplinares, litúrgicas ou devocionais,
nascidas no decorrer do tempo nas Igrejas locais. Elas
constituem formas particulares, sob as quais a grande
Tradição recebe expressões adaptadas aos diversos
lugares e às diferentes épocas. É à sua luz que estas
podem ser mantidas, modificadas e até abandonadas, sob a
direção do Magistério da Igreja.
III. A interpretação da herança da fé
A HERANÇA DA FÉ CONFIADA À TOTALIDADE DA IGREJA
84. O depósito da fé
[Cf. 1ª Tm. 6, 20; 2ª Tm. 1, 12-14]
(«depositum fidei»), contido na Tradição sagrada e na
Sagrada Escritura, foi confiado pelos Apóstolos ao
conjunto da Igreja. «Apoiando-se nele, todo o povo
santo persevera unido aos seus pastores na doutrina dos
Apóstolos e na comunhão, na fracção do pão e na oração,
de tal modo que, na conservação, atuação e profissão da
fé transmitida, haja uma especial concordância dos
pastores e dos fiéis»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
10: AAS 58 (1966) 822].
O MAGISTÉRIO DA IGREJA
85. «O encargo de interpretar autenticamente a
Palavra de Deus, escrita ou contida na Tradição, foi
confiado só ao Magistério vivo da Igreja, cuja
autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
10: AAS 58 (1966) 822],
isto é, aos Bispos em comunhão com o sucessor de Pedro,
o Bispo de Roma».
86. «Todavia, este Magistério não está acima da
Palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando
apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato
divino e com a assistência do Espírito Santo, a ouve
piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente,
haurindo deste depósito único da fé tudo quanto propõe à
fé como divinamente revelado»
[II Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Verbum,
10: AAS 58 (1966) 822].
87. Os fiéis, lembrando-se da palavra de Cristo aos
Apóstolos: «quem vos escuta escuta-me a Mim» (Lc.
10, 16)
[Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen
Gentium, 20: AAS 57 (1965) 24].,
recebem com docilidade os ensinamentos e as diretrizes
que os seus pastores lhes dão, sob diferentes formas.
OS DOGMAS DA FÉ
88. O Magistério da Igreja faz pleno uso da autoridade
que recebeu de Cristo quando define dogmas, isto é,
quando propõe, dum modo que obriga o povo cristão a uma
adesão irrevogável de fé, verdades contidas na Revelação
divina ou quando propõe, de modo definitivo, verdades
que tenham com elas um nexo necessário.
89. Existe uma ligação orgânica entre a nossa vida
espiritual e os dogmas. Os dogmas são luzes no caminho
da nossa fé: iluminam-no e tornam-no seguro. Por outro
lado, se a nossa vida for reta, a nossa inteligência e
nosso coração estarão abertos para acolher a luz dos
dogmas da fé
[Cf. Jo. 8, 31-32].
90. A interligação e a coerência dos dogmas podem
encontrar-se no conjunto da revelação do mistério de
Cristo
[Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius,
c. 4: DS 3016 «mysteriorum nexus». Cf. II Concílio
do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 25: AAS
57 (1965) 29].
Convém lembrar que «existe uma ordem ou "hierarquia"
das verdades da doutrina católica, já que o nexo delas
com o fundamento da fé cristã é diferente»
[II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis
redintegratio, 11: AAS 57 (1965) 99].
O SENTIDO SOBRENATURAL DA FÉ
91. Todos os fiéis participam na compreensão e na
transmissão da verdade revelada. Todos receberam a unção
do Espírito Santo que os instrui
[Cf. 1ª Jo. 2, 20. 27]
e os conduz «à verdade total» (Jo. 16, 13).
92. «A totalidade dos fiéis [...] não pode enganar-se
na fé e manifesta esta sua propriedade peculiar por meio
do sentir sobrenatural da fé do povo todo, quando,
"desde os Bispos até ao último dos fiéis leigos",
exprime consenso universal em matéria de fé e costumes»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,
12: AAS 57 (1965) 16].
93. «Com este sentido da fé, que se desperta e
sustenta pela ação do Espírito de verdade, o povo de
Deus, sob a direção do sagrado Magistério [...] adere
indefectivelmente à fé, uma vez por todas confiada aos
santos; penetra-a mais profundamente com juízo acertado
e aplica-a mais totalmente na vida»
[II Concílio do Vaticano. Const. dogm. Lumen
Gentium, 12: AAS 57 (1965) 16].
O CRESCIMENTO NA INTELIGÊNCIA DA FÉ
94. Graças à assistência do Espírito Santo, a
inteligência das realidades e das palavras do depósito
da fé pode crescer na vida da Igreja:
– «pela contemplação e pelo estudo dos crentes, que
as meditam no seu coração»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
8: AAS 58 (1966) 821];
e particularmente pela «investigação teológica, que
aprofunda o conhecimento da verdade revelada»
[II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes, 62: AAS 58 (1966) 1084: cf. Ibid. 44:
AAS 58 (1966) 1065; Const. dogm. Dei Verbum, 23:
AAS 58 (1966) 828; Ibid. 24: AAS 58
(1966) 828-829: Decr. Unitatis redintegratio, 4:
AAS 57 (1965) 94].
– «pela inteligência interior das coisas espirituais
que os crentes experimentam»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
8: AAS 58 (1966) 821];
«divina eloquia cum legente crescunt» - «as
palavras divinas crescem com quem as lê»
[São Gregório Magno, Homilia in Ezechielem 1. 7,
8: CCL 142. 87 (PL 76, 843 D)].
– «pela pregação daqueles que receberam, com a
sucessão episcopal, um carisma certo da verdade»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
8: AAS 58 (1966) 821].
95. «É claro, portanto, que a sagrada Tradição, a
Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, segundo um
sapientíssimo desígnio de Deus, estão de tal maneira
ligados e conjuntos, que nenhum pode subsistir sem os
outros e, todos juntos, cada um a seu modo, sob a ação
do mesmo Espírito Santo, contribuem eficazmente para a
salvação das almas»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
10: AAS 58 (1966) 822].
Resumindo:
96. O que Cristo confiou aos Apóstolos, estes o
transmitiram, pela sua pregação e por escrito, sob a
inspiração do Espírito Santo, a todas as gerações, até à
vinda gloriosa de Cristo.
97. «A sagrada Tradição e a Sagrada Escritura
constituem um único depósito sagrado da Palavra de Deus»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
10: AAS 58 (1966) 822],
no qual, como num espelho, a Igreja peregrina contempla
Deus, fonte de todas as suas riquezas.
98. «Na sua doutrina, vida e culto, a Igreja perpetua
e transmite a todas as gerações tudo aquilo que ela é,
tudo aquilo em que acredita»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
8: AAS 58 (1966) 821].
99. Graças ao sentido sobrenatural da fé, o povo de
Deus, no seu todo, não cessa de acolher o dom da
Revelação divina, de nele penetrar mais profundamente e
de viver dele mais plenamente.
100. O encargo de interpretar autenticamente a
Palavra de Deus foi confiado unicamente ao Magistério da
Igreja, ao Papa e aos bispos em comunhão com ele. |
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ARTIGO 3
A SAGRADA ESCRITURA
I. Cristo – Palavra única da Escritura santa
101. Na sua bondade condescendente, para se revelar aos
homens. Deus fala-lhes em palavras humanas: «as
palavras de Deus, com efeito, expressas por línguas
humanas, tornaram-se semelhantes à linguagem humana, tal
como outrora o Verbo do eterno Pai se assemelhou aos
homens assumindo a carne da debilidade humana»
[II Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Verbum,
13: AAS 58 (1966) 824].
102. Através de todas as palavras da Sagrada Escritura.
Deus não diz mais que uma só Palavra, o seu Verbo único,
em quem totalmente Se diz
[Cf. Heb. 1, 1-3]:
- «lembrai-vos de que o discurso de Deus que se
desenvolve em todas as Escrituras é um só e um só é o
Verbo que Se faz ouvir na boca de todos os escritores
sagrados, o qual, sendo no princípio Deus junto de Deus,
não tem necessidade de sílabas, pois não está sujeito ao
tempo»
[Santo Agostinho, Enarratio in Psalmum 103, 4, 1:
CCL 40, 1521 (PL 37, 1378)].
103. Por esta razão, a Igreja sempre venerou as divinas
Escrituras tal como venera o Corpo do Senhor. Nunca
cessa de distribuir aos fiéis o Pão da vida, tornado à
mesa quer da Palavra de Deus, quer do Corpo de Cristo
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
21: AAS 58 (1966) 827].
104. Na Sagrada Escritura, a Igreja encontra
continuamente o seu alimento e a sua força
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
24: AAS 58 (1966) 829],
porque nela não recebe apenas uma palavra humana, mas o
que ela é na realidade: a Palavra de Deus
[Cf. 1ª Ts. 2, 13].
«Nos livros sagrados, com efeito, o Pai que está nos
Céus vem amorosamente ao encontro dos seus filhos, a
conversar com eles»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
21: AAS 58 (1966) 827-828].
II. Inspiração e verdade da Sagrada Escritura
105. Deus é o autor da Sagrada Escritura. «A verdade
divinamente revelada, que os livros da Sagrada Escritura
contêm e apresentam, foi registrada neles sob a
inspiração do Espírito Santo».
«Com efeito, a santa Mãe Igreja, segundo a fé
apostólica, considera como sagrados e canónicos os
livros completos do Antigo e do Novo Testamento com
todas as suas partes, porque, escritos por inspiração do
Espírito Santo, têm Deus por autor, e como tais foram
confiados à própria Igreja»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
11: AAS 58 (1966) 822-823].
106. Deus inspirou os autores humanos dos livros
sagrados. «Para escrever os livros sagrados, Deus
escolheu e serviu-se de homens, na posse das suas
faculdades e capacidades, para que, agindo Ele neles e
por eles, pusessem por escrito, como verdadeiros
autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
11: AAS 58 (1966) 823].
107. Os livros inspirados ensinam a verdade. «E assim
como tudo o que os autores inspirados ou hagiógrafos
afirmam, deve ser tido como afirmado pelo Espírito
Santo, por isso mesmo se deve acreditar que os livros da
Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro, a
verdade que Deus quis que fosse consignada nas sagradas
Letras em ordem à nossa salvação»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
11: AAS 58 (1966) 823].
108. No entanto, a fé cristã não é uma «religião do
Livro». O Cristianismo é a religião da «Palavra»
de Deus, não duma palavra escrita e muda, mas do Verbo
encarnado e vivo»
[São Bernardo de Claraval, Homilia super "Missus
est", 4, 11: Opera, ed. J. Leclercq – H.
Rochais, V. 4, Roma 1966, p. 57].
Para que não sejam letra morta, é preciso que Cristo,
Palavra eterna do Deus vivo, pelo Espírito Santo, nos
abra o espírito à inteligência das Escrituras
[Cf. Lc. 24, 45].
III. O Espírito Santo, intérprete da Escritura
109. Na Sagrada Escritura, Deus fala ao homem à maneira
dos homens. Portanto, para bem interpretar a Escritura,
é necessário prestar atenção ao que os autores humanos
realmente quiseram dizer, e àquilo que aprouve a Deus
manifestar-nos pelas palavras deles
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei
Verbum 12: AAS 58 11966) 823. (71)].
110. Para descobrir a intenção dos autores sagrados,
é preciso ter em conta as condições do seu tempo e da
sua cultura, os «géneros literários» em uso na
respectiva época, os modos de sentir, falar e narrar
correntes naquele tempo. «Porque a verdade é proposta
e expressa de modos diversos, em textos históricos de
vária índole, ou proféticos, ou poéticos ou de outros
géneros de expressão»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
12: AAS 58 (1966) 823].
111. Mas, uma vez que a Sagrada Escritura é inspirada,
existe outro princípio de interpretação reta, não menos
importante que o anterior, e sem o qual a Escritura
seria letra morta: «a Sagrada Escritura deve ser lida
e interpretada com o mesmo espírito com que foi escrita»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
12: AAS 58 (1966) 824].
O II Concílio do Vaticano indica três critérios
para uma interpretação da Escritura conforme ao Espírito
que a inspirou
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
12: AAS 58 (1966) 824].
112. 1. Prestar grande atenção «ao conteúdo e à
unidade de toda a Escritura». Com efeito, por muito
diferentes que sejam os livros que a compõem, a
Escritura é una, em razão da unidade do desígnio de
Deus, de que Jesus Cristo é o centro e o coração, aberto
desde a sua Páscoa
[Cf. Lc. 24. 25-27. 44-46].
«Por coração
[85. Cf. Sl. 22, 15]
de Cristo entende-se a Sagrada Escritura que nos dá a
conhecer o coração de Cristo. Este coração estava
fechado antes da Paixão, porque a Escritura estava cheia
de obscuridades. Mas a Escritura ficou aberta depois da
Paixão e assim, aqueles que desde então a consideram com
inteligência, discernem o modo como as profecias devem
ser interpretadas»
[São Tomás de Aquino, Expositio in Psalmos, 21,
11: Opera omnia. v. 18. Paris 1876, p. 350].
113. 2. Ler a Escritura na «tradição viva de toda a
Igreja». Segundo uma sentença dos Padres, «Sacra
Scriptura principalius est in corde Ecclesiae quam in
materialibus instrumentis scripta» - «A Sagrada
Escritura está escrita no coração da Igreja, mais do que
em instrumentos materiais»
[Cf. Santo Hilário de Poitiers, Liber ad Constantium
Imperatorem 9: CSEL 65. 204 PL 10, 570); São
Jerónimo. Commentarius in epistulam ad Galatas I
1, 11-12: PL 26. 347].
Com efeito, a Igreja conserva na sua Tradição a memória
viva da Palavra de Deus, e é o Espírito Santo que lhe dá
a interpretação espiritual da Escritura («...
secundum spiritualem sensum quem Spiritus donat
Ecclesiae» «segundo o sentido espiritual que o Espírito
Santo dá à Igreja»)
[Orígenes, Homiliae in Leviticum 5, 5: SC 286,
228 (PG 12, 454)].
114. 3. Estar atento «à analogia da fé»
[Cf. Rm. 12, 6].
Por «analogia da fé» entendemos a coesão das
verdades da fé entre si e no projeto total da Revelação.
OS SENTIDOS DA ESCRITURA
115. Segundo uma antiga tradição, podemos distinguir
dois sentidos da Escritura: o sentido literal e o
sentido espiritual, subdividindo-se este último em
sentido alegórico, moral e anagógico. A concordância
profunda dos quatro sentidos assegura a sua riqueza à
leitura viva da Escritura na Igreja:
116. O sentido literal. É o expresso pelas
palavras da Escritura e descoberto pela exegese segundo
as regras da reta interpretação. «Omnes sensus (sc.
Sacrae Scripturae) fundentur super litteralem» -
«Todos os sentidos (da Sagrada Escritura) se fundamentam
no literal»
[São Tomás de Aquino, Summa theologiae I, q. 1,
a. 10, ad I: Ed. Leon. 4, 25. (81)].
117. O sentido espiritual. Graças à unidade do
desígnio de Deus, não só o texto da Escritura, mas
também as realidades e acontecimentos de que fala, podem
ser sinais.
1. O sentido alegórico. Podemos adquirir uma
compreensão mais profunda dos acontecimentos,
reconhecendo o seu significado em Cristo: por exemplo, a
travessia do Mar Vermelho é um sinal da vitória de
Cristo e, assim, do Batismo
[Cf. 1ª Cor. 10, 2]
2. O sentido moral. Os acontecimentos referidos
na Escritura podem conduzir-nos a um comportamento
justo. Foram escritos «para nossa instrução» (1ª
Cor. 10, 11)
[Cf. Heb. 3-4, 11].
3. O sentido anagógico. Podemos ver realidades e
acontecimentos no seu significado eterno, o qual nos
conduz (em grego: «anagoge») em direção à nossa
Pátria. Assim, a Igreja terrestre é sinal da Jerusalém
celeste
[Cf. Ap. 21, 1-22, 5].
118. Um dístico medieval resume a significação dos
quatro sentidos:
«Littera gesta docet, quid credas allegoria.
Moralis quid agas, quo tendas anagogia».
«A letra ensina-te os fatos (passados), a alegoria o que
deves crer, a moral o que deves fazer, a anagogia para
onde deves tender»
Agostinho de Dácia, Rotulus pugillaris, I: ed. A.
Waltz: Angelicum 6(1929) 256].
119. «Cabe aos exegetas trabalhar, de harmonia com
estas regras, por entender e expor mais profundamente o
sentido da Sagrada Escritura, para que, mercê deste
estudo, de algum modo preparatório, amadureça o juízo da
Igreja. Com efeito, tudo quanto diz respeito à
interpretação da Escritura, está sujeito ao juízo último
da Igreja, que tem o divino mandato e o ministério de
guardar e interpretar a Palavra de Deus»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
12: AAS 58 (1966) 824]:
«Ego vero Evangelio non crederem, nisi me catholicae
Ecclesiae commoveret auctoritas»
- «Quanto a mim, não acreditaria no Evangelho se não
me movesse a isso a autoridade da Igreja católica»
[Santo Agostinho, Contra Epistulam Manichaei quam
vocant fundamenti 5. 6: CSEL 25, 197 (PL 42,
176)].
IV. O Cânon das Escrituras
120. Foi a Tradição Apostólica que levou a Igreja a
discernir quais os escritos que deviam ser contados na
lista dos livros sagrados
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
8: AAS 58 (1966) 821].
Esta lista integral é chamada «Cânon» das
Escrituras. Comporta, para o Antigo Testamento, 46 (45,
se se contar Jeremias e as Lamentações como um só)
escritos, e, para o Novo, 27
[Cf. Decretum Damasi: DS 179-180: Concílio de
Florença, Decretum pro Iacobitis: DS 1334-1336;
Concílio de Trento. Sess. 4ª. Decretum de Libris
Sacris et de traditionibus recipiendis: DS
1501-1504].
Para o Antigo Testamento: Gêneses, Êxodo, Levítico,
Números, Deuteronómio, Josué, Juízes, Rute, os dois
livros de Samuel, os dois livros dos Reis, os dois
livros das Crónicas, Esdras e Neemias, Tobias, Judite,
Ester, os dois livros dos Macabeus, Job, os Salmos, os
Provérbios, o Eclesiastes (ou Coelet), o Cântico dos
Cânticos, a Sabedoria, o livro de Ben-Sirá (ou
Eclesiástico), Isaías, Jeremias, as Lamentações, Baruc,
Ezequiel, Daniel, Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas,
Miqueias, Nahum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e
Malaquias;
Para o Novo Testamento: os evangelhos de Mateus, Marcos,
Lucas e João; os Atos dos Apóstolos; as epístolas de São
Paulo: aos Romanos, primeira e segunda aos Coríntios,
aos Gálatas, aos Efésios, aos Filipenses, aos
Colossenses, primeira e segunda aos Tessalonicenses,
primeira e segunda a Timóteo, a Tito, a Filemon: a
Epístola aos Hebreus; a Epístola de Tiago, a primeira e
segunda de Pedro, as três epístolas de João, a Epístola
de Judas e o Apocalipse.
O ANTIGO TESTAMENTO
121. O Antigo Testamento é uma parte da Sagrada
Escritura de que não se pode prescindir. Os seus livros
são divinamente inspirados e conservam um valor
permanente
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
14: AAS 58 (1966) 825],
porque a Antiga Aliança nunca foi revogada.
122. Efetivamente, «a economia do Antigo Testamento
destinava-se, sobretudo, a preparar [...] o advento de
Cristo, redentor universal».
Os livros do Antigo Testamento, «apesar de conterem
também coisas imperfeitas e transitórias», dão
testemunho de toda a divina pedagogia do amor salvífico
de Deus: neles «encontram-se sublimes doutrinas a
respeito de Deus, uma sabedoria salutar a respeito da
vida humana, bem como admiráveis tesouros de preces»;
neles, em suma, está latente o mistério da nossa
salvação»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
15: AAS 58 (1966) 825. (91)].
123. Os cristãos veneram o Antigo Testamento como
verdadeira Palavra de Deus. A Igreja combateu sempre
vigorosamente a ideia de rejeitar o Antigo Testamento,
sob o pretexto de que o Novo o teria feito caducar
(Marcionismo).
O NOVO TESTAMENTO
124. «A Palavra de Deus, que é força de Deus para
salvação de quem acredita, apresenta-se e manifesta o
seu poder dum modo eminente nos escritos do Novo
Testamento»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
17: AAS 58 (1966) 826].
Estes escritos transmitem-nos a verdade definitiva da
Revelação divina. O seu objeto central é Jesus Cristo, o
Filho de Deus encarnado, os seus atos, os seus
ensinamentos, a sua Paixão e glorificação, bem como os
primórdios da sua Igreja sob a ação do Espírito Santo
[II
Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
20: AAS 58 (1966) 827].
125. Os evangelhos são o coração de todas as
Escrituras, «enquanto são o principal testemunho da
vida e da doutrina do Verbo encarnado, nosso Salvador»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
18: AAS 58 (1966) 826].
126. Na formação dos evangelhos podemos distinguir três
etapas:
1. A vida e os ensinamentos de Jesus. A
Igreja sustenta firmemente que os quatro evangelhos,
«cuja historicidade afirma sem hesitações, transmitem
fielmente as coisas que Jesus, Filho de Deus, realmente
operou e ensinou para salvação eterna dos homens,
durante a sua vida terrena, até ao dia em que subiu ao
Céu».
2. A tradição oral. «Na verdade, após a Ascensão do
Senhor, os Apóstolos transmitiram aos seus ouvintes (com
aquela compreensão mais plena de que gozavam, uma vez
instruídos pelos acontecimentos gloriosos de Cristo e
iluminados pelo Espírito de verdade) as coisas que Ele
tinha dito e feito».
3. Os evangelhos escritos. «Os autores sagrados,
porém, escreveram os quatro evangelhos, escolhendo
algumas coisas, entre as muitas transmitidas por palavra
ou por escrito, sintetizando umas, desenvolvendo outras,
segundo o estado das Igrejas, conservando, finalmente, o
caráter de pregação, mas sempre de maneira a
comunicar-nos coisas verdadeiras e sinceras acerca de
Jesus»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
19: AAS 58 (1966) 826-827].
127. O Evangelho quadriforme ocupa na Igreja um lugar
único, de que são testemunhas a veneração de que a
Liturgia o rodeia e o atrativo incomparável que em todos
os tempos exerceu sobre os santos:
«Não há doutrina melhor, mais preciosa e esplêndida do
que o texto do Evangelho. Vede e retende o que nosso
Senhor e Mestre, Cristo, ensinou pelas suas palavras e
realizou pelos seus atos»
[Santa Cesária, A Jovem, Epistula ad Richildam et
Radegundem: SC 345, 480].
«É sobretudo o Evangelho que me ocupa durante as minhas
orações. Nele encontro tudo o que é necessário à minha
pobre alma. Nele descubro sempre novas luzes, sentidos
escondidos e misteriosos»
[Santa Teresa do Menino Jesus, Manuscrit A, 83v:
Manuscrits autobiographiques, Paris 1929, p. 268.
[Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, Obras
Completas (Paço de Arcos. Edições do Carmelo 1996)
p. 213].
A UNIDADE DO ANTIGO E DO NOVO TESTAMENTO
128. A Igreja, já nos tempos apostólicos
[Cf. 1ª Cor. 10, 6: Heb. 10, 1; 1ª Pe. 3,
21],
e depois constantemente na sua Tradição, pôs em
evidência a unidade, do plano divino nos dois
Testamentos, graças à tipologia. Esta descobre
nas obras de Deus, na Antiga Aliança, prefigurações do
que o mesmo Deus realizou na plenitude dos tempos, na
pessoa do seu Filho encarnado.
129. Os cristãos leem, pois, o Antigo Testamento à luz
de Cristo morto e ressuscitado. Esta leitura tipológica
manifesta o conteúdo inesgotável do Antigo Testamento.
Mas não deve fazer-nos esquecer de que ele mantém o seu
valor próprio de Revelação, reafirmado pelo próprio
Jesus, nosso Senhor
[Cf. Mc. 12, 29-31].
Aliás, também o Novo Testamento requer ser lido à luz do
Antigo. A catequese cristã primitiva recorreu
constantemente a este método
[Cf. 1ª Cor. 5, 6-8: 10, 1-11].
Segundo um velho adágio, o Novo Testamento está oculto
no Antigo, enquanto o Antigo é desvendado no Novo: «
Novum in Vetere latet et in Novo Vetus patet» -
«O Novo está oculto no Antigo, e o Antigo está patente
no Novo»
[Santo Agostinho, Quaestiones in Heptateucumt
2, 73: CCL 33. 106 (PL 34, 623); cf. II Concílio do
Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 16: AAS 58
(1966) 825].
130. A tipologia significa o dinamismo em ordem ao
cumprimento do plano divino, quando «Deus for tudo em
todos» (1ª Cor. 15, 28). Assim, a vocação dos
patriarcas e o êxodo do Egito, por exemplo, não perdem o
seu valor próprio no plano de Deus pelo fato de, ao
mesmo tempo, serem etapas intermédias desse mesmo plano.
V. A Sagrada Escritura na vida da Igreja
131. «É tão grande a força e a virtude da Palavra de
Deus, que ela se torna para a Igreja apoio e vigor e,
para os filhos da Igreja, solidez da fé, alimento da
alma, fonte pura e perene de vida espiritual»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
21: A AS 58 (1966) 828].
É necessário que «os fiéis tenham largo acesso à
Sagrada Escritura»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
22: AAS 58 (1966) 828. (112)].
132. «O estudo das Páginas sagradas deve ser como que
a "alma" da sagrada teologia. Também o ministério da
Palavra, isto é, a pregação pastoral, a catequese, e
toda a espécie de instrução cristã, na qual a homilia
litúrgica deve ter um lugar principal, com proveito se
alimenta e santamente se revigora com a palavra da
Escritura»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
24: AAS 58 (1966) 829].
133. A Igreja «exorta com ardor e insistência todos
os fiéis [...] a que aprendam "a sublime ciência de
Jesus Cristo" (Fl. 3, 8) na leitura frequente da
Sagrada Escritura. Porque "a ignorância das
Escrituras é ignorância de Cristo"»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
25: AAS 58 (1966) 829: cf. São Jerónimo, Commentarii
in Isaiam, Prologus: CCL 73, 1 (PL 24, 17)].
Resumindo:
134. Omnis Scriptura divina unus liber est, et ille
unus liber Christus est, «quia omnis Scriptura divina de
Christo loquitur; et omnis Scriptura divina in Christo
impletur» – Toda a Escritura divina é um só livro, e
esse livro único é Cristo, «porque toda a Escritura
divina fala de Cristo e toda a Escritura divina se
cumpre em Cristo»
[Hugo de São Vítor, De arca Noe II, 8: PL 176,
642: cf. Ibid. 2. 9: PL 176, 642-643].
135. «As Sagradas Escrituras contêm a Palavra de
Deus; e, pelo facto de serem inspiradas, são
verdadeiramente a Palavra de Deus»
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum.
24: AAS 58 (1966) 829].
136. Deus é o autor da Sagrada Escritura, ao inspirar
os seus autores humanos: age neles e por eles. E assim
nos dá a garantia de que os seus escritos ensinam, sem
erro, a verdade da salvação
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
11: AAS 58 (1966) 822-823].
137. A interpretação das Escrituras inspiradas deve,
antes de mais nada, estar atenta ao que Deus quer
revelar, por meio dos autores sagrados, para nossa
salvação. O que vem do Espírito não é plenamente
entendido senão pela ação do Espírito
[Cf. Orígenes, Homiliae in Exodum 4, 5: SC 321,
128 (PG 12, 320)].
138. A Igreja recebe e venera, como inspirados, os
46 livros do Antigo e os 27 do Novo Testamento.
139. Os quatro evangelhos ocupam um lugar central,
dado que Jesus Cristo é o seu centro.
140. A unidade dos dois Testamentos deriva da unidade
do plano de Deus e da sua Revelação. O Antigo Testamento
prepara o Novo, ao passo que o Novo dá cumprimento ao
Antigo. Os dois esclarecem-se mutuamente; ambos são
verdadeira Palavra de Deus.
141. «A Igreja sempre venerou as Divinas Escrituras,
tal como o próprio Corpo do Senhor»;
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
21: AAS 58 (1966) 827]
ambos alimentam e regem toda a vida cristã. «A vossa
Palavra é farol para os meus passos e luz para os meus
caminhos» (Sl. 119, 105)
[Cf. Is. 50, 4]. |
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CAPÍTULO TERCEIRO - A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS
(§ 142-§ 184)
CAPÍTULO TERCEIRO
A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS
142. Pela sua revelação, «Deus invisível, na riqueza
do seu amor, fala aos homens como amigos e convive com
eles, para os convidar e admitir à comunhão com Ele»
[II Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
2: AAS 58 (1966) 818].
(1). A resposta adequada a este convite é a fé.
143. Pela fé, o homem submete completamente a
Deus a inteligência e a vontade; com todo o seu ser, o
homem dá assentimento a Deus revelador
[II Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
5: AAS 58 (1966) 819].
A Sagrada Escritura chama «obediência da fé» a
esta resposta do homem a Deus revelador
[Cf. Rm. 1, 5; 16, 26]. |
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ARTIGO 1
EU CREIO
I. A «obediência da fé»
144. Obedecer (ob-audire) na fé é submeter-se
livremente à palavra escutada, por a sua verdade ser
garantida por Deus, que é a própria verdade. Desta
obediência, o modelo que a Sagrada Escritura nos propõe
é Abraão. A sua realização mais perfeita é a da Virgem
Maria.
ABRAÃO – «O PAI DE TODOS OS CRENTES»
145. A Epístola aos Hebreus, no grande elogio que faz da
fé dos antepassados, insiste particularmente na fé de
Abraão: «pela fé, Abraão obedeceu ao chamamento de
Deus, e partiu para uma terra que viria a receber como
herança: partiu, sem saber para onde ia» (Heb. 11,
8)
[Cf. Gn. 12, 1-4].
Pela fé, viveu como estrangeiro e peregrino na terra
prometida
[Cf. Gn. 23, 4].
Pela fé, Sara recebeu a graça de conceber o filho da
promessa. Pela fé, finalmente, Abraão ofereceu em
sacrifício o seu filho único
[Cf. Heb. 11, 17].
146. Abraão realiza assim a definição da fé dada pela
Epístola aos Hebreus: «a fé constitui a garantia dos
bens que se esperam, e a prova de que existem as coisas
que não se veem» (Heb. 11, 1). «Abraão acreditou
em Deus, e isto foi-lhe atribuído como justiça» (Rm.
4, 3)
[Cf. Gn. 15, 6]
«Fortalecido» por esta fé (Rm. 4, 20), Abraão
tornou-se «o pai de todos os crentes» (Rm. 4, 11.
18)
[Cf. Gn. 15, 5].
147. O Antigo Testamento é rico em testemunhos desta fé.
A Epístola aos Hebreus faz o elogio da fé exemplar dos
antigos, «que lhes valeu um bom testemunho» (Heb.
11, 2. 39). No entanto, para nós, «Deus previra
destino melhor»: a graça de crer no seu Filho Jesus,
«guia da nossa fé, que Ele leva à perfeição» (Heb.
11, 40; 12, 2).
MARIA – «FELIZ AQUELA QUE ACREDITOU»
148. A Virgem Maria realiza, do modo mais perfeito, a
«obediência da fé». Na fé, Maria acolheu o anúncio e
a promessa trazidos pelo anjo Gabriel, acreditando que
«a Deus nada é impossível» (Lc. 1, 37)
[Cf. Gn. 18, 14]
e dando o seu assentimento: «eis a serva do Senhor,
faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc. 1,
38). Isabel saudou-a: «feliz aquela que acreditou no
cumprimento de quanto lhe foi dito da parte do Senhor»
(Lc. 1, 45). É em virtude desta fé que todas as gerações
a hão de proclamar bem-aventurada
[Cf. Lc. l, 48].
149. Durante toda a sua vida e até à última provação
[Cf. Lc. 2, 35],
quando Jesus, seu filho, morreu na cruz, a sua fé jamais
vacilou. Maria nunca deixou de crer «no cumprimento»
da Palavra de Deus. Por isso, a Igreja venera em Maria a
mais pura realização da fé.
II. «Eu sei em quem pus a minha fé» (2ª Tm.
1, 12)
CRER SÓ EM DEUS
150. Antes de mais, a fé é uma adesão pessoal do
homem a Deus. Ao mesmo tempo, e inseparavelmente,
é o assentimento livre a toda a verdade revelada por
Deus. Enquanto adesão pessoal a Deus e assentimento
à verdade por Ele revelada, a fé cristã difere da fé
numa pessoa humana. É justo e bom confiar totalmente em
Deus e crer absolutamente no que Ele diz. Seria vão e
falso ter semelhante fé numa criatura
[Cf. Jr. 17, 5-6; Sl 40, 5; 146, 3-4].
CRER EM JESUS CRISTO, FILHO DE DEUS
151. Para o cristão, crer em Deus é crer
inseparavelmente n'Aquele que Deus enviou - «no seu
Filho muito amado» em quem Ele pôs todas as suas
complacências
[Cf. Mc. 1, 11]:
Deus mandou-nos que O escutássemos
[Cf. Mc. 9, 7].
O próprio Senhor disse aos seus discípulos:
«acreditais em Deus, acreditai também em Mim» (Jo.
14, 1). Podemos crer em Jesus Cristo, porque Ele
próprio é Deus, o Verbo feito carne: «a Deus, nunca
ninguém O viu. O Filho Unigênito, que está no seio do
Pai, é que O deu a conhecer» (Jo. 1, 18).
Porque «viu o Pai» (Jo. 6, 46), Ele é o
único que O conhece e O pode revelar
[Cf. Mt. 11, 27].
CRER NO ESPÍRITO SANTO
152. Não é possível acreditar em Jesus Cristo sem ter
parte no seu Espírito. É o Espírito Santo que revela aos
homens quem é Jesus. Porque «ninguém é capaz de
dizer: "Jesus é Senhor", a não ser pela ação do Espírito
Santo» (1ª Cor. 12, 3). «O Espírito
penetra todas as coisas, até o que há de mais profundo
em Deus [...]. Ninguém conhece o que há em Deus senão o
Espírito de Deus» (1ª Cor. 2, 10-11).
Só Deus conhece inteiramente Deus. Nós cremos no
Espírito Santo, porque Ele é Deus.
A Igreja não cessa de confessar a sua fé num só Deus,
Pai, Filho
e Espírito Santo.
III. As características da fé
A FÉ É UMA GRAÇA
153. Quando Pedro confessa que Jesus é o Cristo, o Filho
do Deus vivo, Jesus declara-lhe que esta revelação não
lhe veio «da carne nem do sangue, mas do seu Pai que
está nos Céus» (Mt. 16, 17)
[Cf. Gl. 1, 15-16; Mt. 11, 25].
A fé é um dom de Deus, uma virtude sobrenatural
infundida por Ele. «Para prestar esta adesão da fé,
são necessários a prévia e concomitante ajuda da graça
divina e os interiores auxílios do Espírito Santo, o
qual move e converte o coração para Deus, abre os olhos
do entendimento, e dá "a todos a suavidade em aceitar e
crer a verdade"»
[II Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
5: AAS 58 (1966) 819 (17)].
A FÉ É UM ATO HUMANO
154. O ato de fé só é possível pela graça e pelos
auxílios interiores do Espírito Santo. Mas não é menos
verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não é
contrário nem à liberdade nem à inteligência do homem
confiar em Deus e aderir às verdades por Ele reveladas.
Mesmo nas relações humanas, não é contrário à nossa
própria dignidade acreditar no que outras pessoas nos
dizem acerca de si próprias e das suas intenções, e
confiar nas suas promessas (como, por exemplo, quando um
homem e uma mulher se casam), para assim entrarem em
mútua comunhão. Por isso, é ainda menos contrário à
nossa dignidade «prestar, pela fé, submissão plena da
nossa inteligência e da nossa vontade a Deus revelador»
[I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius,
c.3: DS 3008]
e entrar assim em comunhão intima com Ele.
155. Na fé, a inteligência e a vontade humanas cooperam
com a graça divina: «credere est actas intellectus
assentientis veritati divinae ex imperio voluntatis, a
Deo motae per gratiam» - «crer é o ato da inteligência
que presta o seu assentimento à verdade divina, por
determinação da vontade, movida pela graça de Deus»
[São Tomás de Aquino. Summa theologiae II-II. q.
2. a. 9. c: Ed. Leon. 8. 37: cf. I Concílio
Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 3: DS 3010].
A FÉ E A INTELIGÊNCIA
156. O motivo de crer não é o fato de as verdades
reveladas aparecerem como verdadeiras e inteligíveis à
luz da nossa razão natural. Nós cremos «por causa da
autoridade do próprio Deus revelador, que não pode
enganar-se nem nos enganar»
[I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius. c.
3: DS 3008].
«Contudo, para que a homenagem da nossa fé fosse
conforme à razão, Deus quis que os auxílios interiores
do Espírito Santo fossem acompanhados de provas
exteriores da sua Revelação»
[I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c.
3: DS 3009].
Assim, os milagres de Cristo e dos Santos
[Cf. Mc. 16, 20; Heb. 2, 4],
as profecias, a propagação e a santidade da Igreja, a
sua fecundidade e estabilidade «são sinais certos da
Revelação, adaptados à inteligência de todos»
[I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c.
3: DS 3009],
«motivos de credibilidade», mostrando que o
assentimento da fé não é, «de modo algum, um movimento
cego do espírito»
[I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c.
3: DS 3010].
157. A fé é certa, mais certa que qualquer
conhecimento humano, porque se funda na própria Palavra
de Deus, que não pode mentir. Sem dúvida, as verdades
reveladas podem parecer obscuras à razão e à experiência
humanas; mas «a certeza dada pela luz divina é maior
do que a dada pela luz da razão natural»
[São Tomás de Aquino, Summa theologiae II-II. q.
171, 5, 3um: Ed. Leon. 10, 373].
«Dez mil dificuldades não fazem uma só dúvida»
[J. H. Newman, Apologia pro vita sua, c. 5. ed.
M. J. Svaglic, Oxford 1967, p. 210].
158. «A fé procura compreender»
[Santo Anselmo da Cantuária, Proslogion.
Prooemium: Opera omnia, ed. F. S. Schmitt. v. 1,
Edimburgo 1946, p. 94]:
é inerente à fé o desejo do crente de conhecer melhor
Aquele em quem acreditou, e de compreender melhor o que
Ele revelou; um conhecimento mais profundo exigirá, por
sua vez, uma fé maior e cada vez mais abrasada em amor.
A graça da fé abre «os olhos do coração» (Ef.
1, 18) para uma inteligência viva dos conteúdos da
Revelação, isto é, do conjunto do desígnio de Deus e dos
mistérios da fé, da íntima conexão que os Liga entre si
e com Cristo, centro do mistério revelado. Ora, para
«que a compreensão da Revelação seja cada vez mais
profunda, o mesmo Espírito Santo aperfeiçoa sem cessar a
fé, mediante os seus dons»
[II Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,
5: AAS 58 (1966) 819].
Assim, conforme o dito de Santo Agostinho, «eu creio
para compreender e compreendo para crer melhor»
[Santo Agostinho, Sermão 43, 7, 9: CCL 41. 512
(PL 38. 258)].
159. Fé e ciência. «Muito embora a fé esteja acima da
razão, nunca pode haver verdadeiro desacordo entre
ambas: o mesmo Deus, que revela os mistérios e comunica
a fé, também acendeu no espírito humano a luz da razão.
E Deus não pode negar-se a Si próprio, nem a verdade
pode jamais contradizer a verdade»
[I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c.
4: DS 3017].
«É por isso que a busca metódica, em todos os
domínios do saber, se for conduzida de modo
verdadeiramente científico e segundo as normas da moral,
jamais estará em oposição à fé: as realidades profanas e
as da fé encontram a sua origem num só e mesmo Deus.
Mais ainda: aquele que se esforça, com perseverança e
humildade, por penetrar no segredo das coisas, é como
que conduzido pela mão de Deus, que sustenta todos os
seres e faz que eles sejam o que são, mesmo que não
tenha consciência disso»
[II Concílio Vaticano, Const. past. Gaudium et spes,
36: AAS 58 ((966) 1054].
A LIBERDADE DA FÉ
160. Para ser humana, «a resposta da fé, dada pelo
homem a Deus, deve ser voluntária. Por conseguinte,
ninguém deve ser constrangido a abraçar a fé contra
vontade. Efetivamente, o ato de fé é voluntário por sua
própria natureza»
[II Concílio Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 10: AAS
58 (1966) 936; cf. CIC cân. 748 § 2].
«É certo que Deus chama o homem a servi-Lo em
espírito e verdade; mas, se é verdade que este apelo
obriga o homem em consciência, isso não quer dizer que o
constranja [...]. Isto foi evidente, no mais alto grau,
em Jesus Cristo»
[II Concílio Vaticano, Decl. Dignitatis humanae,
11: AAS 58 (1966) 936].
De fato, Cristo convidou à fé e à conversão, mas de modo
nenhum constrangeu alguém. «Deu testemunho da
verdade, mas não a impôs pela força aos seus
contraditores. O seu Reino [...] dilata-se graças ao
amor, pelo qual, levantado na cruz, Cristo atrai a Si
todos os homens»
[II Concílio Vaticano, Decl. Dignitatis humanae,
11: AAS 58 (1966) 937].
A NECESSIDADE DA FÉ
161. Para obter a salvação é necessário acreditar em
Jesus Cristo e n'Aquele que O enviou para nos salvar
[Cf. Mc. 16, 16; Jo 3, 36: 6, 40: etc.].
«Porque "sem a fé não é possível agradar a Deus"
(Heb. 11, 6) e chegar a partilhar a condição de
filhos seus; ninguém jamais pode justificar-se sem ela e
ninguém que não "persevere nela até ao fim" (Mt. 10,
22; 24, 13) poderá alcançar a vida eterna»
[I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c
3: DS 3012; cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª,
Decretum de iustiftcatione, c. 8: DS 1532].
A PERSEVERANÇA NA FÉ
162. A fé é um dom gratuito de Deus ao homem. Mas nós
podemos perder este dom inestimável. Paulo adverte
Timóteo a respeito dessa possibilidade: «combate o
bom combate, guardando a fé e a boa consciência; por se
afastarem desse princípio é que muitos naufragaram na
fé» (1ª Tm. 1, 18-19). Para viver, crescer e
perseverar até ao fim na fé, temos de a alimentar com a
Palavra de Deus; temos de pedir ao Senhor que no-la
aumente
[Cf. Mc. 9, 24; Lc 17, 5: 22, 32];
ela deve «agir pela caridade» (Gl. 5, 6)
[Cf. Tg. 2, 14-26],
ser sustentada pela confiança
[Cf. Rm. 15, 13]
e permanecer enraizada na fé da Igreja.
A FÉ – VIDA ETERNA INICIADA
163. A fé faz que saboreemos, como que de antemão, a
alegria e a luz da visão beatificam, termo da nossa
caminhada nesta Terra. Então veremos Deus «face a
face» (1ª Cor. 13, 12), «tal como Ele é»
(1ª Jo. 3, 2). A fé, portanto, é já o
princípio da vida eterna:
- «enquanto, desde já, contemplamos os benefícios da fé,
como reflexo num espelho, é como se possuíssemos já as
maravilhas que a nossa fé nos garante havermos de gozar
um dia»
[São Basílio Magno, Liber de Spiritu Sancto, 15,
36: SC 17bis. 370 (PG 32, 132); cf. São Tomás de Aquino,
Summa Theologiae II-II, q. 4, a. I. c: Ed. Leon. 8.
44].
164. Por enquanto, porém, «caminhamos pela fé e não
vemos claramente» (2ª Cor. 5, 7), e
conhecemos Deus «como num espelho, de maneira
confusa, [...] imperfeita» (1ª Cor. 13, 12).
Luminosa por parte d'Aquele em quem ela crê, a fé é
muitas vezes vivida na obscuridade, e pode ser posta à
prova. O mundo em que vivemos parece muitas vezes bem
afastado daquilo que a fé nos diz: as experiências do
mal e do sofrimento, das injustiças e da morte parecem
contradizer a Boa-Nova, podem abalar a fé e tornarem-se,
em relação a ela, uma tentação.
165. É então que nós devemos voltar para as
testemunhas da fé: Abraão, que acreditou,
«esperando contra toda a esperança» (Rm. 4, 18); a
Virgem Maria que, na «peregrinação da fé»
[Cf. II Concílio Vaticano, Const. dogm. Lumen
Gentium, 58: AAS 57 (1965) 61],
foi até à «noite da fé»
[João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 17: AAS
79 (1987) 381],
comungando no sofrimento do seu Filho e na noite do seu
sepulcro
[João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 18: AAS
79 (1987) 382-383];
e tantas outras testemunhas da fé: «envoltos em
tamanha nuvem de testemunhas, devemos desembaraçar-nos
de todo o fardo e do pecado que nos cerca, e correr com
constância o risco que nos é proposto, fixando os olhos
no guia da nossa fé, o qual a leva à perfeição»
(Heb. 12, 1-2). |
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ARTIGO 2
NÓS CREMOS
166. A fé é um ato pessoal, uma resposta livre do homem
à proposta de Deus que se revela. Mas não é um ato
isolado. Ninguém pode acreditar sozinho, tal como
ninguém pode viver só. Ninguém se deu a fé a si mesmo,
como ninguém a si mesmo se deu a vida. Foi de outrem que
o crente recebeu a fé; a outrem a deve transmitir. O
nosso amor a Jesus e aos homens impele-nos a falar aos
outros da nossa fé. Cada crente é, assim, um elo na
grande cadeia dos crentes. Não posso crer sem ser
amparado pela fé dos outros, e pela minha fé contribuo
também para amparar os outros na fé.
167. «Eu creio»
[Símbolo dos Apóstolos: DS 30]:
é a fé da Igreja, professada pessoalmente por cada
crente, principalmente por ocasião do Batismo. «Nós
cremos»
[Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150 (no
original grego). (31)]:
é a fé da Igreja, confessada pelos Bispos reunidos em
Concílio ou, de modo mais geral, pela assembleia
litúrgica dos crentes. «Eu creio»: é também a
Igreja, nossa Mãe, que responde a Deus pela sua fé e nos
ensina a dizer: «eu creio», «nós cremos».
I. «Olhai, Senhor, para a fé da vossa Igreja»
168. É, antes de mais, a Igreja que crê, e que assim
suporta, nutre e sustenta a minha fé. É primeiro a
Igreja que, por toda a parte, confessa o Senhor («Te
per orbem terrarum sancta confitetur Ecclesia» - «A
Santa Igreja anuncia por toda a terra a glória do vosso
nome» - como cantamos no «Te Deum»). Com ela
e nela, também nós somos atraídos e levados a confessar:
«eu creio», «nós cremos». É da Igreja que
recebemos a fé e a vida nova em Cristo, pelo Batismo. No
Ritual Romano, o ministro do Batismo pergunta ao
catecúmeno: «que vens pedir à Igreja de Deus»? E
ele responde: - «a fé». - «Para que te serve a fé»? -
«Para alcançar a vida eterna»
[Iniciação cristã dos adultos, 75. 2ª edição,
Gráfica de Coimbra 1996. p. 48: Ibid., 247, p.
153].
169. A salvação vem só de Deus. Mas porque é através da
Igreja que recebemos a vida da fé, a Igreja é nossa Mãe.
«Cremos que a Igreja é como que a mãe do nosso novo
nascimento, mas não cremos na Igreja como se ela fosse a
autora da nossa salvação»
[Fausto de Riez, De Spiritu sancto 1, 2: CSEL 21,
104 (l, 1: PL 62.11)].
É porque é nossa Mãe, é também a educadora da nossa fé.
II. A linguagem da fé
170. Não acreditamos em fórmulas, mas sim nas realidades
que as fórmulas exprimem e que a fé nos permite
«tocar». «O ato [de fé] do crente não se detém no
enunciado, mas na realidade [enunciada»
[São Tomás de Aquino, Summa theologiae 11-II, q.
I. a. 2. ad 2: Ed Leon. 8. 11].
No entanto, é através das fórmulas da fé que nos
aproximamos dessas realidades. As fórmulas permitem-nos
exprimir e transmitir a fé, celebrá-la em comunidade,
assimilá-la e dela viver cada vez mais.
171. A Igreja, que é «coluna e apoio da verdade»
(1ª Tm. 3, 15), guarda fielmente a fé transmitida
aos santos de uma vez por todas
[Cf. Jd. 3].
É ela que guarda a memória das palavras de Cristo. É ela
que transmite, de geração em geração, a confissão de fé
dos Apóstolos. Tal como uma mãe ensina os seus filhos a
falar e, dessa forma, a compreender e a comunicar, a
Igreja, nossa Mãe, ensina-nos a linguagem da fé, para
nos introduzir na inteligência e na vida da fé.
III. Uma só fé
172. Desde há séculos, através de tantas línguas,
culturas, povos e nações, a Igreja não cessa de
confessar a sua fé única, recebida de um só Senhor,
transmitida por um só Batismo, enraizada na convicção de
que todos os homens têm apenas um só Deus e Pai
[50. Cf. Ef. 4, 4-6].
Santo Ireneu de Lião, testemunha desta fé, declara:
173. «A Igreja, embora dispersa por todo o mundo até
aos confins da Terra, tendo recebido dos Apóstolos e dos
seus discípulos a fé, [...] guarda [esta pregação e está
fé] com tanto cuidado como se habitasse numa só casa;
nela crê de modo idêntico, como tendo um só coração e
uma só alma; prega-a e ensina-a e transmite-a com voz
unânime, como se tivesse uma só boca»
[Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses I. 10,
1-2: SC 264, 154-158 (PG 7, 550-551)].
174. «Através do mundo, as línguas diferem: mas o
conteúdo da Tradição é um só e o mesmo. Nem as Igrejas
estabelecidas na Germania têm outra fé ou outra
tradição, nem as que se estabeleceram entre os Iberos ou
entre os Celtas, as do Oriente, do Egito ou da Líbia,
nem as que se fundaram no centro do mundo»
[Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses I. 10.
2: SC 264, 158-160 (PG 7, 531-534)].
«A mensagem da Igreja é verídica e sólida, porque
nela aparece um só e o mesmo caminho de salvação, em
todo o mundo»
[Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses V, 20.
1: SC 153, 254-256 (PG 7, 1177)].
175. Esta fé, «que recebemos da Igreja, guardamo-la
nós cuidadosamente, porque sem cessar, sob a ação do
Espírito de Deus, tal como um depósito de grande valor
encerrado num vaso excelente, ela rejuvenesce e faz
rejuvenescer o próprio vaso que a contém»
[Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses III. 24,
1: SC 211, 472 (PG 7, 966)].
Resumindo:
176. A fé é uma adesão pessoal, do homem todo, a Deus
que se revela. Comporta uma adesão da inteligência e da
vontade à Revelação que Deus fez de Si mesmo, pelas suas
ações e palavras.
177. «Crer» tem, pois, uma dupla referência: à pessoa
e à verdade; à verdade, pela confiança na pessoa que a
atesta.
178. Não devermos crer em mais ninguém senão em Deus,
Pai, Filho e Espírito Santo.
179. A fé é um dom sobrenatural de Deus. Para crer,
o homem tem necessidade dos auxílios interiores do
Espírito Santo.
180. «Crer» é um ato humano, consciente e livre, que
está de acordo com a dignidade da pessoa humana.
181. «Crer» é um ato eclesial. A fé da Igreja
precede, gera, suporta e nutre a nossa fé. A Igreja é a
Mãe de todos os crentes. «Ninguém pode ter a Deus por
Pai, se não tiver a Igreja por Mãe»
[São Cipriano de Cartago, Ecclesiae catholicae
unitate, 6: CCL 3. 253 (PL 4. 519)].
182. «Nós cremos em tudo quanto está contido na
Palavra de Deus, escrita ou transmitida, e que a Igreja
propõe à nossa fé como divinamente revelado»
[Paulo VI, Sollemnis Professio fidei [Credo do
Povo de Deus], 20: AAS 60 (1968) 441].
183. A fé é necessária para a salvação. O próprio
Senhor o afirma: «quem acreditar e for batizado
salvar-se-á, mas quem não acreditar será condenado» (Mc
16, 16).
184. «A fé é um antegozo do conhecimento que nos
tornará felizes na vida futura»
[São Tomás de Aquino, Compendium theologiae, 1,
2: Ed. Leon. 42. 83., 1, 2]. |
|
CREDO
SÍMBOLO DOS APÓSTOLOS
[DS 30] |
CREDO DE NICEIA–CONSTANTINOPLA
[DS 150. (46)] |
Creio em Deus, Pai todo-poderoso,
Criador do Céu e da Terra; |
Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso,
Criador do Céu e da Terra,
de todas as coisas visíveis e invisíveis. |
e em Jesus Cristo, seu único Filho,
nosso Senhor, |
Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho
Unigênito de Deus,
nascido do Pai antes de todos os séculos:
Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de
Deus verdadeiro; gerado, não criado,
consubstancial ao Pai. Por Ele todas as
coisas foram feitas.
E por nós, homens, e para nossa salvação
desceu dos Céus. |
que foi concebido pelo poder
do Espírito Santo;
nasceu da Virgem Maria; |
E encarnou pelo Espírito Santo,
no seio da Virgem Maria,
e se fez homem. |
padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado,
morto e sepultado; desceu à mansão dos
mortos; ressuscitou ao terceiro dia; subiu
aos Céus; está sentado à direita de Deus Pai
todo-poderoso, de onde há de vir a julgar
os vivos e os mortos. |
Também por nós foi crucificado sob Pôncio
Pilatos; padeceu e foi sepultado.
Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as
Escrituras; e subiu aos Céus, onde está
sentado à direita do Pai.
De novo há de vir em sua glória, para julgar
os vivos e os mortos; e o seu Reino não terá
fim. |
Creio no Espírito Santo; |
Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a
vida, e procede do Pai e do Filho; e com o
Pai e o Filho é adorado e glorificado:
Ele que falou pelos profetas.
|
na santa Igreja Católica;
na comunhão dos Santos; |
Creio na Igreja una, santa,
católica e apostólica. |
na remissão dos pecados;
na ressurreição da carne;
na vida eterna.
Amém |
Professo um só Batismo para remissão dos
pecados.
E espero a ressurreição dos mortos, e a vida
do mundo que há de vir.
Amém. |
|
|
OS
SÍMBOLOS DA FÉ
(§
185-§ 197)
185. Quem diz «creio» afirma: «dou a minha
adesão àquilo em que nós cremos». A comunhão na fé
tem necessidade duma linguagem comum da fé, normativa
para todos e a todos unindo na mesma confissão de fé.
186. Desde a origem, a Igreja apostólica exprimiu e
transmitiu a sua própria fé em fórmulas breves e
normativas para todos
[Cf. Rm. 10, 9; 1ª Cor. 15, 3-5; etc.].
Mas bem cedo a Igreja quis também recolher o essencial
da sua fé em resumos orgânicos e articulados, destinados
sobretudo aos candidatos ao Batismo.
«Esta síntese da fé não foi feita segundo as opiniões
humanas: mas recolheu-se de toda a Escritura o que nela
há de mais importante, para apresentar na integra aquilo
e só aquilo que a fé ensina. E, tal como a semente de
mostarda contém, num pequeno grão, numerosos ramos, do
mesmo modo este resumo da fé encerra em algumas palavras
todo o conhecimento da verdadeira piedade contido no
Antigo e no Novo Testamento»
[São Cirilo de Jerusalém, Catechese illuminandorum 5,
12: Opera, v. 1. ed. G. C. Reischl (Monaci 1848), p.
150 (PG 33. 521-524)].
187. A estas sínteses da fé chamamos-lhes «profissões
de fé», porque resumem a fé professada pelos
cristãos. Chamamos-lhes «Credo», pelo fato de
elas normalmente começarem pela palavra: «creio».
Igualmente lhes chamamos «símbolos da fé».
188. A palavra grega «symbolon» significava a
metade dum objeto partido (por exemplo, um selo), que se
apresentava como um sinal de identificação. As duas
partes eram justapostas para verificar a identidade do
portador. O «símbolo da fé» é, pois, um sinal de
identificação e de comunhão entre os crentes.
«Symbolon» também significa resumo, coletânea ou
sumário. O «símbolo da fé» é o sumário das
principais verdades da fé. Por isso, serve de ponto de
referência primário e fundamental da catequese.
189. A primeira «profissão de fé» faz-se por
ocasião do Batismo. O «símbolo da fé» é, antes de
mais nada, o símbolo batismal. E uma vez que o
Batismo é conferido «em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo» (Mt. 28, 19), as
verdades da fé professadas por ocasião do Batismo
articulam-se segundo a sua referência às três pessoas da
Santíssima Trindade.
190. O Símbolo divide-se, portanto, em três partes:
«na primeira, trata da Primeira Pessoa divina e da obra
admirável da criação: na segunda, da Segunda Pessoa
divina e do mistério da Redenção dos homens; na
terceira, da Terceira Pessoa divina, fonte e princípio
da nossa santificação»
[Cat. Rm. I, I, 4. p. 20].
São estes «os três capítulos do nosso selo
[batismal]»
[Santo Ireneo, Demonstratio apostolicae
praedicationis, 100: SC 62. 170].
191. O Símbolo «está estruturado em três partes [...]
subdivididas em fórmulas variadas e muito adequadas.
Segundo uma comparação frequentemente empregada pelos
Padres, chamamos-lhes artigos. De fato, assim como nos
nossos membros há certas articulações que os distinguem
e separam, do mesmo modo, nesta profissão de fé, foi com
razão e propriedade que se deu o nome de artigos às
verdades que devemos crer em particular e de modo
distinto»
[Cat. Rom I. 1, 4. p. 20].
Segundo uma antiga tradição, já atestada por Santo
Ambrósio, é costume enumerar doze artigos do
Credo, simbolizando, com o número dos doze Apóstolos, o
conjunto da fé apostólica
[Cf. Santo Ambrósio10, Explanatio Symboli, 8:
CSEL 73, 10-11 (PL 17. 1196)].
192. Foram numerosas, ao longo dos séculos, e
correspondendo sempre às necessidades das diferentes
épocas, as profissões ou símbolos da fé: os símbolos das
diferentes Igrejas apostólicas e antigas
[Cf. Symbola fidei ab Ecclesia antiqua recepta:
DS 1-64],
o símbolo «Quicumque», chamado de Santo Atanásio
[Cf. DS 75-76],
as profissões de fé de certos concílios Toledo
[XI Concílio de Toledo: DS 525-541];
Latrão
[IV Concílio de Latrão: DS 800-802]:
Lião
[II Concílio de Lião: DS 851-861];
Trento
[Professio ftdei Tridentina: DS 1862-1870]
ou de certos papas, como a «Fides Damasi»
[Cf. DS 71-72]
ou o «Credo do Povo de Deus», de Paulo VI (1968)
[Sollemnis Professio fidei: AAS 60 (1968)
433-445].
193. Nenhum dos símbolos dos diferentes períodos da vida
da Igreja pode ser considerado ultrapassado ou inútil.
Todos nos ajudam a abraçar e a aprofundar hoje a fé de
sempre, através dos diversos resumos que dela se
fizeram.
Entre todos os símbolos da fé, há dois que têm um lugar
muito especial na vida da Igreja:
194. O Símbolo dos Apóstolos, assim chamado
porque se considera, com justa razão, o resumo fiel da
fé dos Apóstolos. É o antigo símbolo batismal da Igreja
de Roma. A sua grande autoridade vem-lhe deste fato:
«é o símbolo adotado pela Igreja romana, aquela em que
Pedro, o primeiro dos Apóstolos, teve a sua cátedra, e
para a qual ele trouxe a expressão da fé comum»
[Santo Ambrósio, Explanatio Symboli, 7: CSEL 73.
10 (PL 17, 1196)].
195. O Símbolo dito de Niceia-Constantinopla deve
a sua grande autoridade ao fato de ser proveniente
desses dois primeiros concílios ecumênicos (dos anos de
325 e 381). Ainda hoje continua a ser comum a todas as
grandes Igrejas do Oriente e do Ocidente.
196. A exposição da fé, que vamos fazer, seguirá o
Símbolo dos Apóstolos, que constitui, por assim dizer,
«o mais antigo catecismo romano». Entretanto, a
nossa exposição será completada por constantes
referências ao Símbolo Niceno-Constantinopolitano,
muitas vezes mais explícito e pormenorizado.
197. Como no dia do nosso Batismo, quando toda a nossa
vida foi confiada «a esta regra de doutrina» (Rm.
6, 17), acolhemos o Símbolo da nossa fé que dá a
vida. Recitar com fé o Credo é entrar em comunhão com
Deus Pai, Filho e Espírito Santo. E é também entrar em
comunhão com toda a Igreja, que nos transmite a fé e em
cujo seio nós acreditamos:
- «este Símbolo é o selo espiritual [...], é a meditação
do nosso coração e a sentinela sempre presente; é, sem
dúvida, o tesouro da nossa alma»
[Santo Ambrósio, Explanatio Symboli, 7: CSEL 73.
3 (PL 17, 1193)]. |
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CAPÍTULO PRIMEIRO
CREIO EM DEUS PAI
198. A nossa profissão de fé começa por Deus, porque
Deus é «o Primeiro e o Último» (Is. 44, 6), o
Princípio e o Fim de tudo. O Credo começa por Deus Pai,
porque o Pai é a Primeira Pessoa divina da Santíssima
Trindade; o nosso Símbolo começa pela criação do céu e
da terra, porque a criação é o princípio e o fundamento
de todas as obras de Deus. |
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ARTIGO 1
«CREIO EM DEUS PAI TODO-PODEROSO CRIADOR DO CÉU E DA
TERRA»
PARÁGRAFO 1
CREIO EM DEUS
199. «Creio em Deus»: é esta a primeira afirmação
da profissão de fé e também a mais fundamental. Todo o
Símbolo fala de Deus; ao falar também do homem e do
mundo, fá-lo em relação a Deus. Os artigos do Credo
dependem todos do primeiro, do mesmo modo que todos os
mandamentos são uma explicitação do primeiro. Os outros
artigos fazem-nos conhecer melhor a Deus, tal como Ele
progressivamente Se revelou aos homens. «Os fiéis
professam, antes de mais nada, crer em Deus»
(Cat Rom I. 2, 6, p. 23].
I. «Creio em um só Deus»
200. É com estas palavras que começa o Símbolo
Niceno-Constantinopolitano. A confissão da unicidade de
Deus, que radica na Revelação divina da Antiga Aliança,
é inseparável da confissão da existência de Deus e tão
fundamental como ela. Deus é único; não há senão um só
Deus: «a fé cristã crê e professa que há um só Deus,
por natureza, por substância e por essência» (Cat
Rom I. 2, 8. P. 26)
201. A Israel, seu povo eleito, Deus revelou-se como
sendo único: «escuta, Israel! O Senhor, nosso Deus, é
o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o
teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas
forças» (Dt. 6, 4-5). Por meio dos profetas,
Deus faz apelo a Israel e a todas as nações para que se
voltem para Ele, o Único: «voltai-vos para Mim, e
sereis salvos, todos os confins da terra, porque Eu sou
Deus e não há outro [...] Diante de Mim se hão de dobrar
todos os joelhos, em Meu nome hão de jurar todas as
línguas. E dirão: "só no Senhor existem a justiça e o
poder"» (Is. 45, 22-24)
(Cf.
Fl 2, 10-11].
202. O próprio Jesus confirma que Deus é «o único
Senhor», e que é necessário amá-Lo «com todo o
coração, com toda a alma, com todo o entendimento e com
todas as forças»
(Cf. Mc 12, 29-30).
Ao mesmo tempo, dá a entender que Ele próprio é «o
Senhor»
(Cf. Mc 12, 35-37).
Confessar que «Jesus é o Senhor» é próprio da fé
cristã. Isso não vai contra a fé num Deus Único. Do
mesmo modo, crer no Espírito Santo, «que é Senhor e
dá a Vida», não introduz qualquer espécie de divisão
no Deus único:
- «nós acreditamos com firmeza e afirmamos simplesmente
que há um só Deus verdadeiro, imenso e imutável,
incompreensível, todo-poderoso e inefável. Pai e Filho e
Espírito Santo: três Pessoas, mas uma só essência, uma
só substância ou natureza absolutamente simples»
(IV Concílio de Latrão, Cap. 1. De fide catholica:
DS 800).
II. Deus revela o seu nome
203. Deus revelou-se ao seu povo Israel, dando-lhe a
conhecer o seu nome. O nome exprime a essência, a
identidade da pessoa e o sentido da sua vida. Deus tem
um nome. Não é uma força anónima. Dizer o seu nome é
dar-se a conhecer aos outros; é, de certo modo,
entregar-se a Si próprio, tornando-se acessível, capaz
de ser conhecido mais intimamente e de ser invocado
pessoalmente.
204. Deus revelou-Se progressivamente e sob diversos
nomes ao seu povo; mas foi a revelação do nome divino
feita a Moisés na teofania da sarça ardente, no limiar
do êxodo e da Aliança do Sinai, que se impôs como sendo
a revelação fundamental, tanto para a Antiga como para a
Nova Aliança.
O DEUS VIVO
205. Do meio duma sarça que arde sem se consumir, Deus
chama por Moisés. E diz-lhe: «Eu sou o Deus de teu
pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de
Jacob» (Ex. 3, 6). Deus é o Deus dos antepassados,
Aquele que tinha chamado e guiado os patriarcas nas suas
peregrinações. É o Deus fiel e compassivo, que se lembra
deles e das promessas que lhes fez. Ele vem para
libertar da escravidão os seus descendentes. É o Deus
que, para além do espaço e do tempo, pode e quer
fazê-lo, e empenhará a sua onipotência na concretização
deste desígnio.
«EU SOU AQUELE QUE SOU»
Moisés disse a Deus: «vou então procurar os filhos de
Israel e dizer-lhes: "o Deus de vossos pais enviou-me a
vós". Mas se me perguntarem qual é o seu nome, que hei
de responder-lhes? Deus disse a Moisés: «Eu sou Aquele
que sou». E prosseguiu: «assim falarás aos filhos
de Israel: Aquele que tem por nome "Eu sou" é que me
enviou a vós [...] ... Será este o meu nome para sempre,
nome que ficará de memória para todas as gerações»
(Ex. 3, 13-15).
206. Ao revelar o seu nome misterioso de YHWH, «Eu
sou Aquele que É», ou «Eu sou Aquele que Sou»,
ou ainda «Eu sou quem Eu sou», Deus diz quem é e
com que nome deve ser chamado. Este nome divino é
misterioso, tal como Deus é mistério. E, ao mesmo tempo,
um nome revelado e como que a recusa dum nome. É assim
que Deus exprime melhor o que Ele é, infinitamente acima
de tudo o que podemos compreender ou dizer: Ele é o
«Deus escondido» (Is. 45, 15), o seu nome é inefável
(Cf. Jz 13, 1),
e é o Deus que se faz próximo dos homens.
207. Ao revelar o seu nome, Deus revela ao mesmo tempo a
sua fidelidade, que é de sempre e para sempre, válida
tanto para o passado («Eu sou o Deus de teu pai»
- Ex. 3, 6), como para o futuro («Eu estarei contigo»
- Ex. 3, 12). Deus, que revela o seu nome como
sendo «Eu sou», revela-se como o Deus que está
sempre presente junto do seu povo para o salvar.
208. Perante a presença atraente e misteriosa de Deus, o
homem descobre a sua pequenez. Diante da sarça ardente,
Moisés descalça as sandálias e cobre o rosto face à
santidade divina
(Cf. Ex 3, 5-6).
Ante a glória do Deus três vezes santo, Isaías exclama:
«ai de mim, que estou perdido, pois sou um homem de
lábios impuros» (Is. 6, 5). Perante os sinais
divinos realizados por Jesus. Pedro exclama:
«afasta-Te de mim, Senhor, porque eu sou um pecador»
(Lc. 5, 8). Mas porque Deus é santo, pode perdoar ao
homem que se descobre pecador diante d'Ele: «não
deixarei arder a minha indignação [...]. É que Eu sou
Deus, e não homem, o Santo que está no meio de vós»
(Os. 11, 9). E o apóstolo João dirá também:
«tranquilizaremos diante d'Ele, o nosso coração, se o
nosso coração vier a acusar-nos. Pois Deus é maior do
que o nosso coração e conhece todas as coisas» (1ª
Jo. 3, 19-20).
209. Por respeito pela santidade de Deus, o povo de
Israel não pronuncia o seu nome. Na leitura da Sagrada
Escritura, o nome revelado é substituído pelo título
divino de «Senhor» («Adonai», em grego
«Kyrios»). É sob este título que será aclamada a
divindade de Jesus: «Jesus é o Senhor».
«DEUS DE TERNURA E DE PIEDADE»
210. Depois do pecado de Israel, que se afastou de Deus
para adorar o bezerro de ouro
(Cf. Ex 32),
Deus atende a intercessão de Moisés e aceita caminhar no
meio dum povo infiel, manifestando deste modo o seu amor
(Cf. Ex 33, 12-17).
A Moisés, que lhe pede a graça de ver a sua glória. Deus
responde: «farei passar diante de ti toda a minha
bondade (beleza) e proclamarei diante de ti o nome de
YHWH» (Ex. 33, 18-19). E o Senhor passa diante de
Moisés e proclama: «o Senhor, o Senhor [YHWH, YHWH] é
um Deus clemente e compassivo, sem pressa para se
indignar e cheio de misericórdia e fidelidade» (Ex.
34, 6). Moisés confessa, então, que o Senhor é «um
Deus de perdão»
(Cf. Ex 34, 9).
211. O nome divino «Eu sou» ou «Ele é»
exprime a fidelidade de Deus, que, apesar da
infidelidade do pecado dos homens e do castigo que
merece, «conserva a sua benevolência em favor de
milhares de pessoas» (Ex. 34, 7). Deus revela que é
«rico de misericórdia» (Ef. 2, 4), ao
ponto de entregar o seu próprio Filho. Dando a vida para
nos libertar do pecado, Jesus revelará que Ele mesmo é
portador do nome divino: «quando elevardes o Filho do
Homem, então sabereis que Eu sou» (Jo. 8,
28).
SÓ DEUS É
212. No decorrer dos séculos, a fé de Israel pôde
desenvolver e aprofundar as riquezas contidas na
revelação do nome divino. Deus é único, fora d'Ele não
há deuses
(Cf. Is 44, 6).
Ele transcende o mundo e a história. Foi Ele que fez o
céu e a terra; «eles hão de passar, mas Vós
permaneceis; tal como um vestido, eles se vão gastando
[...] Vós, porém, sois sempre o mesmo e os vossos anos
não têm fim» (Sl. 102, 27-28). N'Ele «não
há variação nem sombra de mudança» (Tg. 1, 17). Ele
é «Aquele que é», desde sempre e para sempre; e
assim, permanece sempre fiel a Si mesmo e às suas
promessas.
213. A revelação do nome inefável «Eu sou Aquele que
sou» encerra, portanto, a verdade que só Deus «É».
Foi nesse sentido que já a tradução dos Setenta e, na
sua sequência, a Tradição da Igreja. compreenderam o
nome divino: Deus é a plenitude do Ser e de toda a
perfeição, sem princípio nem fim. Enquanto todas as
criaturas d'Ele receberam todo o ser e o ter, só Ele é o
seu próprio Ser, e Ele é por Si mesmo tudo o que Ele é.
III. Deus, «Aquele que é», é verdade e amor
214. Deus, «Aquele que É», revelou-Se a Israel
como Aquele que é «cheio de misericórdia e
fidelidade» (Ex. 34, 6). Estas duas palavras
exprimem, de modo sintético, as riquezas do nome divino.
Em todas as suas obras, Deus mostra a sua benevolência,
a sua bondade, a sua graça, o seu amor; mas também a sua
credibilidade, a sua constância, a sua fidelidade, a sua
verdade. «Hei de louvar o vosso nome pela vossa
bondade e fidelidade» (Sl. 138, 2)
(Cf. Sl 85, 11).
Ele é a verdade, porque «Deus é luz, e n'Ele não há
trevas nenhumas» (1ª Jo. 1, 5); Ele é
«Amor», como ensina o apóstolo João (1ª Jo.
4, 8).
DEUS É A VERDADE
215. «A verdade é princípio da vossa palavra, é
eterna toda a sentença da vossa justiça» (Sl. 119,
160). «Decerto, Senhor Deus, Vós é que sois Deus e
dizeis palavras de verdade» (2º Sm. 7, 28); é
por isso que as promessas de Deus se cumprem sempre
(Cf. Dt 7, 9).
Deus é a própria verdade; as suas palavras não podem
enganar. É por isso que nos podemos entregar com toda a
confiança e em todas as coisas à verdade e à fidelidade
da sua palavra. O princípio do pecado e da queda do
homem foi uma mentira do tentador, que o levou a duvidar
da palavra de Deus, da sua benevolência e da sua
fidelidade.
216. A verdade de Deus é a sua sabedoria, que comanda
toda a ordem da criação e governo do mundo
(Cf. Sb 13, 1-9).
Só Deus que, sozinho, criou o céu e a terra
(Cf. Sl 115, 15)
pode dar o conhecimento verdadeiro de todas as coisas
criadas na sua relação com Ele
(Cf. Sb 7, 17-21).
217. Deus é igualmente verdadeiro quando Se revela: todo
o ensinamento que vem de Deus é «doutrina de verdade»
(Ml. 2, 6). Quando Ele enviar o seu Filho
ao mundo, será «para dar testemunho da verdade»
(Jo. 18, 37): «sabemos [...] que veio o Filho
de Deus e nos deu entendimento para conhecermos o
Verdadeiro» (1ª Jo. 5, 20)
(Cf. Jo 17, 3).
DEUS É AMOR
218. No decorrer da sua história, Israel pôde descobrir
que Deus só tinha uma razão para Se lhe ter revelado e o
ter escolhido, de entre todos os povos, para ser o seu
povo: o seu amor gratuito
(Cf. Dt 4, 37; 7, 8: 10, 15).
E Israel compreendeu, graças aos seus profetas, que foi
também por amor que Deus não deixou de o salvar
(Cf. Is 43, 1-7)
e de lhe perdoar a sua infidelidade e os seus pecados
(Cf. Os 2).
219. O amor de Deus para com Israel é comparado ao amor
dum pai para com o seu filho
(Cf. Os 11, 1).
Este amor é mais forte que o de uma mãe para com os seus
filhos
(Cf. Is 49, 14-15).
Deus ama o seu povo, mais que um esposo a sua bem-amada
(Cf. Is 62, 4-5);
este amor vencerá mesmo as piores infidelidades
(Cf. Ez 16; Os 11);
e chegará ao mais precioso de todos os dons: «Deus
amou de tal maneira o mundo, que lhe entregou o seu
Filho Único» (Jo. 3, 16).
220. O amor de Deus é «eterno» (Is. 54, 8):
«ainda que as montanhas se desloquem e vacilem as
colinas, o meu amor não te abandonará» (Is.
54, 10). «Amei-te com amor eterno: por isso, guardei
o meu favor para contigo» (Jr, 31, 3).
221. São João irá ainda mais longe, ao afirmar: «Deus
é Amor» (1ª Jo 4, 8, 16): a própria essência
de Deus é Amor. Ao enviar, na plenitude dos tempos, o
seu Filho único e o Espírito de Amor, Deus revela o seu
segredo mais íntimo: Ele próprio é eternamente permuta
de amor: Pai, Filho e Espírito Santo; e destinou-nos a
tomar parte nessa comunhão.
IV. Consequências da fé no Deus Único
222. Crer em Deus, o Único, e amá-Lo com todo o nosso
ser, tem consequências imensas para toda a nossa vida:
223. É conhecer a grandeza e a majestade de Deus:
«Deus é grande demais para que O possamos conhecer»
(Job. 36, 26)
(Cf. 1ª Cor. 2, 7-16: Ef. 3, 9-12).
É por isso que Deus deve ser «o primeiro a ser
servido»
(Santa Joana D'Arc, Dito: Procès de
condamnation, ed. P. Tisset–Y. Lanhers. v. I (Paris
1960) p. 280 e 288).
224. É viver em ação de graças: Se Deus é o
Único, tudo o que nós somos e tudo quanto possuímos vem
d'Ele: «que possuis que não tenhas recebido»? (1ª
Cor. 4, 7). «Como agradecerei ao Senhor tudo
quanto Ele me deu»? (Sl. 116, 12).
225. É conhecer a unidade e a verdadeira dignidade de
todos os homens: todos eles foram feitos «à
imagem e semelhança de Deus» (Gn. 1, 26).
226. É fazer bom uso das coisas criadas: a fé no
Deus único leva-nos a usar de tudo quanto não for Ele,
na medida em que nos aproximar d'Ele, e a desprender-nos
de tudo, na medida em que d'Ele nos afastar
(Cf. Mt 5, 29-30: 16. 24: 19. 23-24):
- «meu Senhor e meu Deus, tira-me tudo
o que me afasta de Ti.
Meu Senhor e meu Deus, dá-me tudo o que me
aproxima de Ti.
Meu Senhor e meu Deus, desapega-me de mim
mesmo, para que eu me dê todo a Ti» (S.
Nicolau de Flüe,
Bruder-Klausen-Gebet, apud R.
Amschwand, Bruder Klaus. Ergänzungsband zum
Quellenwerk von R. Durrer (Sarnen 1987). p. 215).
227. É ter confiança em Deus, em todas as
circunstâncias, mesmo na adversidade. Uma oração de
Santa Teresa de Jesus exprime admiravelmente tal
atitude:
«Nada te perturbe / Nada te espante
Tudo passa / Deus não muda
A paciência tudo alcança / Quem a Deus tem
nada lhe falta / Só Deus basta»
(Santa Teresa de Jesus. Poesía. 9: Biblioteca Mística
Carmelitana. v. 6 (Burgos 1919). p.
90.
[Santa Teresa de Jesus, Obras Completas (Paço de
Arcos. Edições Carmelo 1994) p. 1390).
Resumindo:
228. «Escuta, Israel! O Senhor; nosso Deus, é o único
Senhor...» (Dt. 6, 4; Mc. 12, 29). «O ser
supremo tem necessariamente de ser único, isto é, sem
igual. [...] Se Deus não for único, não é Deus»
(Tertuliano, Adversus Marcionem, I, 3, 5: CCL 1,
444 (PL 2. 274).
229. A fé em Deus leva-nos a voltarmo-nos só para
Ele, como a nossa primeira origem e o nosso último fim,
e a nada Lhe preferir ou por nada O substituir:
230. Deus, ao revelar-Se, continua mistério inefável:
«se O compreendesses, não seria Deus»
(Santo Agostinho, Sermo 52. 6. 16: ed. P.
Verbraken: Revue Bénédictine 74 (1964) 27 (PL 38.
360).
231. O Deus da nossa fé revelou-Se como Aquele
que é: deu-Se a conhecer como «cheio de misericórdia
e fidelidade» (Ex. 34, 6). O seu próprio Ser é
verdade e amor. |
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PARÁGRAFO 2
O PAI
I. «Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo»
232. Os cristãos são batizados «em nome do Pai e do
Filho e do Espírito Santo» (Mt. 28, 19).
Antes disso, eles respondem «Creio» à tríplice
pergunta com que são interpelados a confessar a sua fé
no Pai, no Filho e no Espírito Santo: «Fides omnium
christianorum in Trinitate consistit - A fé de todos os
cristãos assenta na Trindade»
(São
Cesário de Arles. Expositio vel traditio Symboli
(sermo 9): CCL 103. 47).
233. Os cristãos são batizados «em nome» do Pai e
do Filho e do Espírito Santo, e não «nos nomes»
deles porque não há senão um só Deus - o Pai
Omnipotente, o Seu Filho Unigênito e o Espírito Santo: a
Santíssima Trindade
(Cf. Vigílio, Professio fidei (522): DS 415).
234. O mistério da Santíssima Trindade é o
mistério central da fé e da vida cristã. É o mistério de
Deus em si mesmo. E, portanto, a fonte de todos os
outros mistérios da fé e a luz que os ilumina. É o
ensinamento mais fundamental e essencial na
«hierarquia das verdades da fé»
(Cf. Sagrada Congregação do Clero, Directorium
catechisticum generale, 43: AAS (1972)123).
«Toda a história da salvação não é senão a história
do caminho e dos meios pelos quais o Deus verdadeiro e
único, Pai, Filho e Espírito Santo, Se revela,
reconcilia consigo e Se une aos homens que se afastam do
pecado»
(Ibid., 47).
235. Neste parágrafo se exporá brevemente de que
maneira foi revelado o mistério da Santíssima Trindade
(I), como é que a Igreja formulou a doutrina da fé sobre
este mistério (II) e, por fim, como é que, pelas missões
divinas do Filho e do Espírito Santo, Deus Pai realiza o
seu «desígnio de benevolência» de criação,
redenção e santificação (III).
236. Os Padres da Igreja distinguem entre «Theologia»
e «Oikonomia», designando pelo primeiro termo o
mistério da vida íntima de Deus-Trindade e, pelo
segundo, todas as obras de Deus pelas quais Ele Se
revela e comunica a sua vida. É pela «Oikonomia»
que nos é revelada a «Theologia»; mas,
inversamente, é a «Theologia» que esclarece toda
a «Oikonomia». As obras de Deus revelam quem Ele
é em Si mesmo: e, inversamente, o mistério do seu Ser
íntimo ilumina o entendimento de todas as suas obras.
Analogicamente, é o que se passa com as pessoas humanas.
A pessoa revela-se no que faz, e, quanto mais conhecemos
uma pessoa, tanto melhor compreendemos o seu agir.
237. A Trindade é um mistério de fé em sentido estrito,
um dos «mistérios ocultos em Deus, que não podem ser
conhecidos se não forem revelados lá do alto»
(I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Filius, c.
4: DS 3015).
É verdade que Deus deixou traços do seu Ser trinitário
na obra da criação e na sua revelação ao longo do Antigo
Testamento. Mas a intimidade do seu Ser como Trindade
Santíssima constitui um mistério inacessível à razão
sozinha e, mesmo, à fé de Israel antes da Encarnação do
Filho de Deus e da missão do Espírito Santo.
II. A revelação de Deus como Trindade
O PAI REVELADO PELO FILHO
238. A invocação de Deus como «Pai» é conhecida
em muitas religiões. A divindade é muitas vezes
considerada como «pai dos deuses e dos homens».
Em Israel, Deus é chamado Pai enquanto criador do mundo
(Cf. Dt. 32. 6: Ml. 2. 10).
Mais ainda, Deus é Pai em razão da Aliança e do dom da
Lei a Israel, seu «Filho primogênito» (Ex. 4,
22). Também é chamado Pai do rei de Israel (Cf.
2º Sm. 7, 14).
E é muito especialmente «o Pai dos pobres», do
órfão e da viúva, entregues à sua proteção amorosa
(Cf. Sl 68, 6).
239. Ao designar Deus com o nome de «Pai», a
linguagem da fé indica principalmente dois aspectos: que
Deus é a origem primeira de tudo e a autoridade
transcendente, e, ao mesmo tempo, que é bondade e
solicitude amorosa para com todos os seus filhos. Esta
ternura paternal de Deus também pode ser expressa pela
imagem da maternidade
(Cf. Is 66, 13: Sl 131, 2),
que indica melhor a imanência de Deus, a intimidade
entre Deus e a sua criatura. A linguagem da fé vai,
assim, alimentar-se na experiência humana dos
progenitores, que são, de certo modo, os primeiros
representantes de Deus para o homem. Mas esta
experiência diz também que os progenitores humanos são
falíveis e podem desfigurar a face da paternidade e da
maternidade. Convém, então, lembrar que Deus transcende
a distinção humana dos sexos. Não é homem nem mulher: é
Deus. Transcende também a paternidade e a maternidade
humanas
(Cf. Sl. 27, 10),
sem deixar de ser de ambas a origem e a medida
(Cf. Ef. 3, 14-15: Is. 49, 15):
ninguém é pai como Deus.
240. Jesus revelou que Deus é «Pai» num sentido
inédito: não o é somente enquanto Criador: é Pai
eternamente em relação ao seu Filho único, o qual,
eternamente, só é Filho em relação ao Pai: «ninguém
conhece o Filho senão o Pai, nem ninguém conhece o Pai
senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar»
(Mt. 11, 27).
241. É por isso que os Apóstolos confessam que Jesus é
«o Verbo [que] estava [no princípio] junto de Deus»
e que é Deus (Jo. 1, 1), «a imagem do Deus
invisível» (Cl. 1, 15), «o resplendor da
sua glória e a imagem da sua substância» (Heb.
1, 3).
242. Na esteira deles, seguindo a tradição apostólica,
no primeiro concílio ecumênico de Niceia, em 325, a
Igreja confessou que o Filho é «consubstancial»
ao Pai
(Símbolo
de Nicéia:
DS 125),
quer dizer, um só Deus com Ele. O segundo concilio
ecumênico, reunido em Constantinopla em 381, guardou
esta expressão na sua formulação do Credo de Niceia e
confessou «o Filho unigênito de Deus, nascido do Pai
antes de todos os séculos, luz da luz. Deus verdadeiro
de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial
ao Pai»
(Símbolo
Niceno-Constantinopolitano:
DS 150).
O PAI E O FILHO REVELADOS PELO ESPÍRITO
243. Antes da sua Páscoa, Jesus anuncia o envio de um
«outro Paráclito» (Defensor), o Espírito Santo.
Agindo desde a criação
(Cf. Gn. 1. 2)
e tendo outrora «falado pelos profetas»
(Símbolo
Niceno-Constantinopolitano:
DS 150),
o Espírito Santo estará agora junto dos discípulos, e
neles
(Cf. Jo. 14, 17),
para os ensinar
(Cf. Jo 14, 26)
e os guiar «para a verdade total» (Jo. 16,
13). E, assim, o Espírito Santo é revelado como uma
outra pessoa divina, em relação a Jesus e ao Pai.
244. A origem eterna do Espírito revela-se na sua missão
temporal. O Espírito Santo é enviado aos Apóstolos e à
Igreja, tanto pelo Pai, em nome do Filho, como
pessoalmente pelo Filho, depois do seu regresso ao Pai
(Cf. Jo. 14, 26: 15. 26; 16, 14).
O envio da pessoa do Espírito, após a glorificação de
Jesus
(Cf. Jo. 7, 39)
revela em plenitude o mistério da Santíssima Trindade.
245. A fé apostólica relativamente ao Espírito foi
confessada pelo segundo concilio ecumênico, reunido em
Constantinopla em 381:«nós acreditamos no Espírito
Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai»
(Símbolo
Niceno-Constantinopolitano:
DS 150).
A Igreja reconhece assim o Pai como «a fonte e a
origem de toda a Divindade»
(VI Concílio de Toledo (em 638), De Trinitate et de
Filio Dei Redemptore incarnato: DS 490).
Mas a origem eterna do Espírito Santo não está desligada
da do Filho: «o Espírito Santo, que é a terceira
pessoa da Trindade, é Deus, uno e igual ao Pai e ao
Filho, da mesma substância e também da mesma natureza...
Contudo, não dizemos que Ele é somente o Espírito do
Pai, mas, ao mesmo tempo, o Espírito do Pai e do Filho»
(XI Concílio de Toledo (ano 675), Symbolum: DS
527).
O Credo do Concílio de Constantinopla da Igreja confessa
que Ele, «com o Pai e o Filho, é adorado e
glorificado»
(Símbolo
Niceno Constantinopolitano:
DS 150).
246. A tradição latina do Credo confessa que o
Espírito «procede do Pai e do Filho (Filioque)».
O Concílio de Florença, em 1438, explicita: «o
Espírito Santo [...] recebe a sua essência e o seu ser
ao mesmo tempo do Pai e do Filho, e procede eternamente
de um e do outro como dum só Princípio e por uma só
espiração [...] E porque tudo o que é do Pai, o próprio
Pai o deu ao seu Filho Unigênito, gerando-O, com exceção
do seu ser Pai, esta mesma procedência do Espírito
Santo, a partir do Filho, Ele a tem eternamente do seu
Pai, que eternamente O gerou»
(Concílium de Florença. Decretum pro Graecis: DS
1300-1301).
247. A afirmação do Filioque não figurava no
Símbolo de Constantinopla de 381. Mas, com base numa
antiga tradição latina e alexandrina, o Papa São Leão já
a tinha confessado dogmaticamente em 447
(Cf. São Leão Magno, Ep. Quam laudabiliter: DS
284),
mesmo antes de Roma ter conhecido e recebido o Símbolo
de 381 no Concílio de Calcedónia, em 451. O uso desta
fórmula no Credo foi sendo, pouco a pouco, admitido na
liturgia latina (entre os séculos VIII e XI). A
introdução do Filioque no Símbolo
Niceno-Constantinopolitano pela liturgia latina
constitui, ainda hoje, no entanto, um diferendo com as
igrejas ortodoxas.
248. A tradição oriental exprime, antes de mais, o
caráter de origem primeira do Pai em relação ao
Espírito. Ao confessar o Espírito como «saído do Pai»
(Jo. 15, 26), afirma que Ele procede do
Pai pelo Filho
(II Concílio Vaticano, Decr. Ad gentes: AAS 58
(1966) 948).
A tradição ocidental exprime, sobretudo, a comunhão
consubstancial entre o Pai e o Filho, ao dizer que o
Espírito Santo procede do Pai e do Filho (Filioque).
E o diz «de maneira legítima e razoável»
(Concílio de Florença, Decretum pro Graecis (ano
1439): DS 1302),
«porque a ordem eterna das pessoas divinas na sua
comunhão consubstancial implica que o Pai seja a origem
primeira do Espírito, enquanto princípio sem princípio»
(Concílio de Florença, Decretum pro Iacobitis (ano
1442): DS 1331),
mas também que, enquanto Pai do Filho Único, seja
com Ele «o princípio único de que procede o Espírito
Santo»
(II Concílio de Lião, Constitutio de Summa Trinitate
et fide catholica (ano 1274): DS 850).
Esta legítima complementaridade, se não for exagerada,
não afeta a identidade da fé na realidade do mesmo
mistério confessado.
III. A Santíssima Trindade na doutrina da fé
A FORMAÇÃO DO DOGMA TRINITÁRIO
249. A verdade revelada da Santíssima Trindade esteve,
desde a origem, na raiz da fé viva da Igreja.
principalmente por meio do Batismo. Encontra a sua
expressão na regra da fé batismal, formulada na
pregação, na catequese e na oração da Igreja. Tais
formulações encontram-se já nos escritos apostólicos,
como o comprova esta saudação retomada na liturgia
eucarística: «a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor
de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todas
vós» (2ª Cor. 13, 13)
(Cf. 1ª Cor. 12, 4-6; Ef. 4, 4-6).
250. No decurso dos primeiros séculos, a Igreja
preocupou-se com formular mais explicitamente a sua fé
trinitária, tanto para aprofundar a sua própria
inteligência da fé, como para a defender contra os erros
que a deformavam. Foi esse o trabalho dos primeiros
concílios, ajudados pelo trabalho teológico dos Padres
da Igreja e sustentados pelo sentido da fé do povo
cristão.
251. Para a formulação do dogma da Trindade, a Igreja
teve de elaborar uma terminologia própria, com a ajuda
de noções de origem filosófica: «substância»,
«pessoa» ou «hipóstase», «relação»,
etc. Ao fazer isto, a Igreja não sujeitou a fé a uma
sabedoria humana, mas deu um sentido novo, inédito, a
estes termos, chamados a exprimir também, desde então,
um mistério inefável, «transcendendo infinitamente
tudo quanto podemos conceber a nível humano»
(Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 9: AAS 60
(1968) 437).
252. A Igreja utiliza o termo «substância» (às
vezes também traduzido por «essência» ou
«natureza») para designar o ser divino na sua
unidade; o termo «pessoa» ou «hipóstase»
para designar o Pai, o Filho e o Espírito Santo na
distinção real entre Si; e o termo «relação» para
designar o fato de que a sua distinção reside na
referência recíproca de uns aos outros.
O DOGMA DA SANTÍSSIMA TRINDADE
253. A Trindade é una. Nós não confessamos três
deuses, mas um só Deus em três pessoas: «a Trindade
consubstancial»
(II Concílio de Constantinopla (ano 553),
Anathematismi de tribus Capitulis. 1: DS 421).
As pessoas divinas não dividem entre Si a divindade
única: cada uma delas é Deus por inteiro: «o Pai é
aquilo mesmo que o Filho, o Filho aquilo mesmo que o
Pai, o Pai e o Filho aquilo mesmo que o Espírito Santo,
ou seja, um único Deus por natureza»
(XI Concílio de Toledo (ano 675). Symbolum: DS
530).
«Cada uma das três pessoas é esta realidade, quer
dizer, a substância, a essência ou a natureza divina»
(IV Concílio de Latrão (ano 1215), Cap. 2. De errore
abbatis Ioachim: DS 804).
254. As pessoas divinas são realmente distintas entre
Si. «Deus é um só, mas não solitário»
(Fides
Damasi:
DS 71).
«Pai», «Filho», «Espírito Santo»
não são meros nomes que designam modalidades do ser
divino, porque são realmente distintos entre Si.
«Aquele que é o Filho não é o Pai e Aquele que é o Pai
não é o Filho, nem o Espírito Santo é Aquele que é o Pai
ou o Filho»
(XI Concílio de Toledo (ano 675). Symbolum: DS
530).
São distintos entre Si pelas suas relações de origem:
«o Pai gera, o Filho é gerado, o Espírito Santo procede»
(IV Concílio de Latrão (ano 1215). Cap. 2, De errore
abbatis Ioachim: DS 804).
A unidade divina é trina.
255. As pessoas divinas são relativas umas às outras.
Uma vez que não divide a unidade divina, a distinção
real das pessoas entre Si reside unicamente nas relações
que as referenciam umas às outras: «nos nomes
relativos das pessoas, o Pai é referido ao Filho, o
Filho ao Pai, o Espírito Santo a ambos. Quando falamos
destas três pessoas, considerando as relações
respectivas, cremos, todavia, numa só natureza ou
substância»
(XI Concílio de Toledo (ano 675). Symbolum: DS
528).
Com efeito, «n'Eles tudo é um, onde não há a oposição
da relação»
(Concílio de Florença, Decretum pro Iacobitis
(ano 1442): DS 1330).
«Por causa desta unidade, o Pai está todo no Filho e
todo no Espírito Santo: o Filho está todo no Pai e todo
no Espírito Santo: o Espírito Santo está todo no Pai e
todo no Filho»
(Concílio de Florença, Decretum pro Iacobitis
(ano 1442): DS 1331).
256. São Gregório de Nazianzo, também chamado «o
Teólogo», confia aos catecúmenos de Constantinopla o
seguinte resumo da fé trinitária:
- «antes de mais nada, guardai-me este bom depósito,
pelo qual vivo e combato, com o qual quero morrer, que
me dá coragem para suportar todos os males e desprezar
todos os prazeres: refiro-me à profissão de fé no Pai e
no Filho e no Espírito Santo. Eu vo-la confio hoje. É
por ela que, daqui a instantes, eu vou mergulhar-vos na
água e dela fazer-vos sair. Eu vo-la dou por companheira
e protetora de toda a vossa vida. Dou-vos uma só
Divindade e Potência, uma nos Três e abrangendo os Três
de maneira distinta. Divindade sem diferença de
substância ou natureza, sem grau superior que eleve nem
grau inferior que abaixe [...] É de três infinitos a
infinita conaturalidade. Deus integralmente, cada um
considerado em Si mesmo [...] Deus, os Três considerados
juntamente [...] Assim que comecei a pensar na Unidade
logo me encontrei envolvido no esplendor da Trindade.
Mal começo a pensar na Trindade, logo à Unidade sou
reconduzido»
(São Gregório de Nazianzo, Oratio 40. 41: SC 358,
292-294 (PG 36, 417)).
IV. As obras divinas e as missões trinitárias
257. «O lux beata Trinitas et principalis Unitas! - Ó
Trindade. Luz ditosa, ó primordial Unidade»!
(Hino
das II Vésperas
de Domingo, nas semanas 2 e 4: Liturgia
Horarum, editio typica, 3 (Typis Poliglottis
Vaticanis Poliglottis Vaticanis 1974) p. 632 e 879 [Este
hino está traduzido na ed. portuguesa:
Liturgia das Horas (Gráfica de Coimbra 1983), v. 3,
p. 86 e N. 4, p. 86]).
Deus é eterna bem-aventurança, vida imortal, luz sem
ocaso. Deus é amor: Pai, Filho e Espírito Santo.
Livremente. Deus quer comunicar a glória da sua vida
bem-aventurada. Tal é o «mistério da sua vontade»
(Ef. 1, 9) que Ele concebeu antes da
criação do mundo em seu Filho muito-amado, uma vez que
nos «destinou de antemão a que nos tornássemos seus
filhos adotivos por Jesus Cristo» (Ef. 1, 5),
quer dizer, a sermos «conformes à imagem do seu
Filho» (Rm. 8, 29), graças ao «Espírito
que faz de vós filhos adotivos» (Rm. 8,
15). Este desígnio é uma «graça que nos foi dada
[...] desde toda a eternidade» (2ª Tm. 1, 9),
a qual procede imediatamente do amor trinitário. E este
amor manifesta-se na obra da criação, em toda a história
da salvação depois da queda, e nas missões do Filho e do
Espírito, continuadas pela missão da Igreja
(I Concílio de Vaticano, Decr. Ad gentes, 2-9:
AAS 58 (1966) 948-958).
258. Toda a economia divina é obra comum das três
pessoas divinas. Assim como não tem senão uma e a mesma
natureza, a Trindade não tem senão uma e a mesma
operação
(II Concílio de Constantinopla (ano 553),
Anathematismi de tribus Capitulis, 1: DS 421).
«O Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três
princípios das criaturas, mas um só princípio»
(Concílio de Florença, Decretum pro Incobitis
(ano 1442): DS 1331).
No entanto, cada pessoa divina realiza a obra comum
segundo a sua propriedade pessoal. É assim que a Igreja
confessa, na sequência do Novo Testamento
(Cf. 1ª Cor. 8, 6),
«um só Deus e Pai, de Quem são todas as coisas; um só
Senhor Jesus Cristo, para Quem são todas as coisas; e um
só Espírito Santo, em Quem são todas as coisas»
(II Concílio de Constantinopla (ano 553).
Anathematismi de tribus Capitulis, 1: DS 421).
São sobretudo as missões divinas da Encarnação do Filho
e do dom do Espírito Santo que manifestam as
propriedades das pessoas divinas.
259. Obra ao mesmo tempo comum e pessoal, toda a
economia divina faz conhecer não só a propriedade das
pessoas divinas, mas também a sua única natureza. Por
isso, toda a vida cristã é comunhão com cada uma das
pessoas divinas, sem de modo algum as separar. Todo
aquele que dá glória ao Pai, o faz pelo Filho no
Espírito Santo: todo aquele que segue Cristo, o faz
porque o Pai o atrai
(Cf. Jo. 6. 44)
e o Espírito o move
(Cf. Rm 8, 14).
260. O fim último de toda a economia divina é o acesso
das criaturas à unidade perfeita da bem-aventurada
Trindade
(Cf. Jo 17, 21-23).
Mas já desde agora nós somos chamados a ser habitados
pela Santíssima Trindade: «quem me tem amor, diz o
Senhor, porá em prática as minhas palavras. Meu Pai,
amá-lo-á; nós viremos a ele e faremos nele a nossa
morada» (Jo. 14, 23):
- «ó meu Deus, Trindade que eu adoro, ajudai-me a
esquecer-me inteiramente de mim, para me estabelecer em
Vós, imóvel e pacifica como se já a minha alma estivesse
na eternidade. Que nada possa perturbar a minha paz, nem
me fazer sair de Vós, ó meu Imutável, mas que cada
minuto me leve mais longe na profundeza do vosso
mistério! Pacificai a minha alma, fazei dela o vosso
céu, vossa morada querida e o lugar do vosso repouso.
Que nunca aí eu Vos deixe só, mas que esteja lá
inteiramente, toda desperta na minha fé, toda em
adoração, toda entregue à vossa ação criadora»
(Beata Isabel da Trindade, Élévation à la Trinité:
Écrits spirituels. 50. ed. M. M. Philipon (Paris
1949), p. 80. [Escritos espirituais (Oeiras,
Edições Carmelo 1989) p. 327]).
Resumindo:
261. O mistério da Santíssima Trindade é o mistério
central da fé e da vida cristã. Só Deus pode dar-nos o
seu conhecimento, revelando-Se como Pai, Filho e
Espírito Santo.
262. A Encarnação do Filho de Deus revela que Deus é
o Pai eterno, e que o Filho é consubstancial ao Pai,
quer dizer que n'Ele e com Ele é o mesmo e único Deus.
263. A missão do Espírito Santo, enviado pelo Pai em
nome do Filho
(Cf.
Jo. 14, 26)
e pelo Filho «de junto do Pai»
(Jo. 15, 26), revela que Ele é, com Eles, o
mesmo e único Deus. «Com o Pai e o Filho é adorado e
glorificado»
(Símbolo Niceno-Constantinopolitano:
DS 150).
264. «O Espírito Santo procede do Pai enquanto fonte
primeira; e, pelo dom eterno do Pai ao Filho, procede do
Pai e do Filho em comunhão»
(Santo Agostinho, De Trinitate 15, 26, 47: CCL
50A, 529 (PL 42. 1095).
265. Pela graça do Batismo «em nome do Pai e do Filho
e do Espírito Santo», (Mt 28, 19), somos chamados a
participar na vida da Trindade bem-aventurada; para já,
na obscuridade da fé, e depois da morte na luz eterna
(Paulo VI, Sollemnis Processio fidei, 9: AAS 60
(1968) 436).
266. «Fides autem catholica haec est, ut unum Deum in
Trinitate, et Trinitatem in unitate veneremur, neque
confundentes personas, neque substantiam sepa-raptes;
alia enim est persona Patris, alia Filii, alia Spiritus
Sancti: sed Patris et Filii et Spiritus Sancti una est
divinitas, aequalis gloria, coaeterna majestas
(Símbolo
Quicumque:
DS 75)
- A fé católica é esta: venerarmos um só Deus na
Trindade e a Trindade na unidade, sem confundir as
Pessoas nem dividir a substância: porque uma é a Pessoa
do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo; mas
do Pai e do Filho e do Espírito Santo é só uma a
divindade, igual a glória e coaeterna a majestade».
267. Inseparáveis no que são, as pessoas divinas são
também inseparáveis no que fazem. Mas, na operação
divina única, cada uma manifestação que lhe é próprio na
Trindade, sobretudo nas missões divinas da Encarnação do
Filho e do dom do Espírito Santo. |
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PARÁGRAFO 3
O TODO-PODEROSO
268. De todos os atributos divinos, só a omnipotência é
nomeada no Símbolo: confessá-la é de grande alcance para
a nossa vida. Nós acreditamos que ela é universal,
porque Deus, que tudo criou
(Cf. Gn. 1, 1; Jo. 1, 3),
tudo governa e tudo pode; amorosa, porque Deus é
nosso Pai
(Cf. Mt. 6, 9);
misteriosa, porque só a fé a pode descobrir,
quando «ela atua plenamente na fraqueza» (2ª Cor.
12, 9)
(Cf. 1ª Cor. 1, 18)
«FAZ TUDO QUANTO LHE APRAZ»
(Sl. 115, 3)
269. As Sagradas Escrituras confessam, a cada passo, o
poder universal de Deus. Ele é chamado «o
Poderoso de Jacob» (Gn. 49, 24; Is 1,
24: etc.) «o Senhor dos Exércitos», «o Forte,
o Poderoso» (SI. 24, 8-10). Se Deus é
onipotente «no céu e na terra» (Sl. 135,
6), é porque foi Ele quem os fez. Portanto, nada lhe é
impossível
(Cf. Jr. 32, 17; Lc. 1, 37)
e Ele dispõe à vontade da sua obra
(Cf. Jr. 27, 5);
Ele é o Senhor do Universo, cuja ordem foi por Ele
estabelecida e Lhe permanece inteiramente submissa e
disponível; Ele é o Senhor da história; governa os
corações e os acontecimentos segundo a sua vontade
(Cf. Est 4c. 17: Pr 21, 1;Tb 13, 2):
«o vosso poder imenso sempre vos assiste - e quem
poderá resistir à força do Vosso braço»? (Sb.
11, 21).
«PORQUE PODEIS TUDO, DE TODOS VOS COMPADECEIS»
(Sb. 11, 23)
270. Deus é o Pai todo-poderoso. A sua
paternidade e o seu poder esclarecem-se mutuamente. Com
efeito, Ele mostra a sua onipotência paterna pelo modo
como cuida das nossas necessidades
(Cf. Mt. 6, 32)
pela adoção filial que nos concede («serei para vós
um Pai e vós sereis para Mim filhos e filhas, diz o
Senhor todo poderoso»: 2ª Cor. 6, 18); enfim,
pela sua infinita misericórdia, pois mostra o seu poder
no mais alto grau, perdoando livremente os pecados.
271. A onipotência divina não é, de modo algum,
arbitrária: «em Deus, o poder e a essência, a vontade
e a inteligência, a sabedoria e a justiça, são uma só e
a mesma coisa, de modo que nada pode estar no poder
divino que não possa estar na justa vontade de Deus ou
na sua sábia inteligência»
(São Tomás De Aquino, Summa theologiae 1, q. 25,
a. 5, ad 1: Ed Leon. 4).
O MISTÉRIO DA APARENTE IMPOTÊNCIA DE DEUS
272. A fé em Deus Pai todo-poderoso pode ser posta à
prova pela experiência do mal e do sofrimento. Por
vezes, Deus pode parecer ausente e incapaz de impedir o
mal. Ora, Deus Pai revelou a sua onipotência do modo
mais misterioso, na humilhação voluntária e na
ressurreição de seu Filho, pelas quais venceu o mal. Por
isso, Cristo crucificado é «força de Deus e sabedoria
de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do
que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte
do que os homens» (1ª Cor. 1, 25). Foi na
ressurreição e na exaltação de Cristo que o Pai
«exerceu a eficácia da [sua] poderosa força» e mostrou a
«incomensurável grandeza que representa o seu poder para
nós, os crentes» (Ef. 1, 19-22).
273. Só a fé pode aderir aos caminhos misteriosos da
onipotência de Deus. Esta fé gloria-se nas suas
fraquezas, para atrair a si o poder de Cristo
(Cf. 2ª Cor. 12, 9: Fl. 4. 13).
Desta fé é modelo supremo a Virgem Maria, pois acreditou
que «a Deus nada é impossível» (Lc. 1, 37)
e pôde proclamar a grandeza do Senhor: «o
Todo-Poderoso fez em mim maravilhas; 'Santo' – é o seu
nome» (Lc. 1, 49).
274. «Portanto, nada é mais próprio para firmar a
nossa fé e a nossa confiança do que a convicção,
profundamente arraigada nas nossas almas, de que nada é
impossível a Deus. Tudo o que [o Credo] seguidamente nos
propõe para crer, as coisas maiores, as mais
incompreensíveis, bem como as mais sublimes e mais acima
das leis ordinárias da Natureza, basta que a nossa razão
tenha a ideia da onipotência divina para as admitir
facilmente e sem hesitação alguma»
(Cat. Rom. I, 2, 13, p. 31).
Resumindo:
275. Confessamos com o justo Job: «eu sei que podeis
tudo e que, para Vós, nenhum projeto é impossível»
(Job. 42, 2).
276. Fiel ao testemunho da Escritura, a Igreja dirige
muitas vezes a sua oração ao «Deus todo-poderoso e
eterno» (omnipotens sempiterne Deus), crendo
firmemente que «a Deus nada é impossível»
(Lc. 1, 37) (Cf. Gn 18. 14: Mt 19,
26).
277. Deus manifesta a sua onipotência convertendo-nos
dos nossos pecados e restabelecendo-nos na sua amizade
pela graça («Deus qui omnipotentiam tuam parcendo maxime
et miserando manifestas» – «Senhor; que dais a maior
prova do vosso poder quando perdoais e Vos compadeceis»)
(Domingo
XXVI do Tempo Comum, Colecta: Missale Romanum.
editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p.
365 [Trad. oficial portuguesa: Missal Romano,
Gráfica de Coimbra 1992. p. 420]).
278. Se não crermos que o amor de Deus é onipotente,
como poderemos crer que o Pai pôde criar-nos, o Filho
remir-nos e o Espírito Santo santificar-nos? |
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PARÁGRAFO 4
O CRIADOR
279. «No princípio, Deus criou o céu e a terra»
(Gn. 1, 1). É com estas palavras solenes que
começa a Sagrada Escritura. E o Símbolo da fé retoma-as,
confessando a Deus, Pai todo-poderoso, como «Criador
do céu e da terra»
(Símbolo
dos Apóstolos:
DS 30),
«de todas as coisas, visíveis e invisíveis»
(Símbolo
Niceno-Constantinopolitano:
DS 150).
Vamos, portanto, falar primeiro do Criador, depois da
sua criação, e, finalmente, da queda do pecado, de que
Jesus, Filho de Deus, nos veio Libertar.
280. A criação é o fundamento de «todos os
desígnios salvíficos de Deus», «o princípio da
história da salvação»
(Cf.
Sagrada Congregação do Clero, Directorium
catechisticum generale, 51: AAS 64 (1972) 128),
que culmina em Cristo. Por seu lado, o mistério de
Cristo derrama sobre o mistério da criação a luz
decisiva; revela o fim, em vista do qual «no
princípio Deus criou o céu e a terra» (Gn. 1,
1): desde o princípio, Deus tinha em vista a glória da
nova criação em Cristo
(Cf.
Rm. 8, 18-23).
281. É por isso que as leituras da Vigília Pascal,
celebração da nova criação em Cristo, começam pela
narrativa da criação. Do mesmo modo, na liturgia
bizantina, a narrativa da criação constitui sempre a
primeira leitura das vigílias das grandes festas do
Senhor. Segundo o testemunho dos antigos, a instrução
dos catecúmenos para o Batismo segue o mesmo caminho
(Cf. Egria, Itinerarium seu Peregrinatio ad loca
sancta 46, 2: SC 296, 308: PLS 1, 1089-1090:
Santo Agostinho. De catechizandis rudibus 3, 5:
CCL 46. 124 (PL 40, 313).
I. A catequese sobre a criação
282. A catequese sobre a criação reveste-se duma
importância capital. Diz respeito aos próprios
fundamentos da vida humana e cristã, porque torna
explícita a resposta da fé cristã à questão elementar
que os homens de todos os tempos têm vindo a pôr-se:
«de onde vimos»? «Para onde vamos»? «Qual a nossa
origem»? «Qual o nosso fim»? «Donde vem e
para onde vai tudo quanto existe»? As duas questões,
da origem e, do fim, são inseparáveis. E são decisivas
para o sentido e para a orientação da nossa vida e do
nosso proceder.
283. A questão das origens do mundo e do homem tem sido
objeto de numerosas investigações científicas, que
enriqueceram magnificamente os nossos conhecimentos
sobre a idade e a dimensão do cosmos, a evolução dos
seres vivos, o aparecimento do homem. Tais descobertas
convidam-nos, cada vez mais, a admirar a grandeza do
Criador e a dar-Lhe graças por todas as suas obras, e
pela inteligência e saber que dá aos sábios e
investigadores. Estes podem dizer com Salomão: «foi
Ele quem me deu a verdadeira ciência de todas as coisas,
a fim de conhecer a constituição do Universo e a força
dos elementos [...], porque a Sabedoria, que tudo criou,
me ensinou» (Sb. 7, 17-21).
284. O grande interesse atribuído a estas pesquisas é
fortemente estimulado por uma questão de outra ordem,
que ultrapassa o domínio próprio das ciências naturais.
Porque não se trata apenas de saber quando e como surgiu
materialmente o cosmos, nem quando é que apareceu o
homem; mas, sobretudo, de descobrir qual o sentido de
tal origem: se foi determinada pelo acaso, por um
destino cego ou uma fatalidade anônima, ou, antes, por
um Ser transcendente, inteligente e bom, chamado Deus. E
se o mundo provém da sabedoria e da bondade de Deus,
qual a razão do mal? De onde vem ele? Quem é por ele
responsável? E será que existe uma libertação do mesmo?
285. Desde os princípios que a fé cristã teve de
defrontar-se com respostas, diferentes da sua, sobre a
questão das origens. De fato, nas religiões e nas
culturas antigas encontram-se muitos mitos relativos às
origens. Certos filósofos disseram que tudo é Deus, que
o mundo é Deus, ou que a evolução do mundo é a evolução
de Deus (panteísmo): outros disseram que o mundo é uma
emanação necessária de Deus, brotando de Deus como duma
fonte e a Ele voltando; outros, ainda, afirmaram a
existência de dois princípios eternos, o bem e o mal, a
luz e as trevas, em luta permanente (dualismo,
maniqueísmo). Segundo algumas destas concepções, o mundo
(pelo menos o mundo material) seria mau, produto duma
decadência e, portanto, objeto de repúdio ou de
superação (gnose); outras admitem que o mundo tenha sido
feito por Deus, mas à maneira dum relojoeiro que, depois
de o ter feito, o abandonou a si mesmo (deísmo); outras,
finalmente, rejeitam qualquer origem transcendente do
mundo e veem nele o puro jogo duma matéria que teria
existido sempre (materialismo). Todas estas tentativas
dão testemunho da permanência e universalidade do
problema das origens. É uma busca própria do homem.
286. Não há dúvida de que a inteligência humana é capaz
de encontrar uma resposta para a questão das origens.
Com efeito, a existência de Deus Criador pode ser
conhecida com certeza pelas suas obras, graças à luz da
razão humana
(Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei
Fillius, De Revelatione. canon I: DS 3026),
mesmo que tal conhecimento muitas vezes seja obscurecido
e desfigurado pelo erro. E é por isso que a fé vem
confirmar e esclarecer a razão na compreensão exata
desta verdade: «pela fé, sabemos que o mundo foi
organizado pela palavra de Deus, de modo que o que se vê
provém de coisas invisíveis» (Heb. 11, 3).
287. A verdade da criação é tão importante para toda a
vida humana que Deus, na sua bondade, quis revelar ao
seu povo tudo quanto é salutar conhecer-se a esse
propósito. Para além do conhecimento natural, que todo o
homem pode ter do Criador
(Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei
Fillius, De Revelatione. canon I: DS 3026),
Deus revelou progressivamente a Israel o mistério da
criação. Deus, que escolheu os patriarcas, que fez sair
Israel do Egito e que, escolhendo Israel, o criou e
formou
(Cf. Is 43, 1)
revela-Se como Aquele a quem pertencem todos os povos da
terra e toda a terra, como sendo o único que «fez o
céu e a terra» (Sl. 115, 15; 124, 8; 134, 3).
288. Assim, a revelação da criação é inseparável da
revelação e da realização da Aliança de Deus, o Deus
Único, com o seu povo. A criação é revelada como o
primeiro passo para esta Aliança, como o primeiro e
universal testemunho do amor onipotente de Deus
(Cf. Gn. 15, 5; Jr. 33, 19-26).
Por isso, a verdade da criação é expressa com vigor
crescente na mensagem dos profetas
(Cf. Is. 44, 24),
na oração dos salmos
(Cf. Sl. 104)
e da liturgia, na reflexão da sabedoria
(Cf. Pr 8. 22-31)
do Povo eleito.
289. Entre tudo quanto a Sagrada Escritura nos diz sobre
a criação, os três primeiros capítulos do Gênesis ocupam
um lugar único. Do ponto de vista literário, estes
textos podem ter diversas fontes. Os autores inspirados
puseram-nos no princípio da Escritura, de maneira a
exprimirem, na sua linguagem solene, as verdades da
criação, da sua origem e do seu fim em Deus, da sua
ordem e da sua bondade, da vocação do homem, e enfim, do
drama do pecado e da esperança da salvação. Lidas à luz
de Cristo, na unidade da Sagrada Escritura e na Tradição
viva da Igreja, estas palavras continuam a ser a fonte
principal para a catequese dos mistérios do
«princípio»: criação, queda, promessa da salvação.
II. A criação – obra da Santíssima Trindade
290. «No princípio, Deus criou o céu e a terra».
Três coisas são afirmadas nestas primeiras palavras da
Escritura: Deus eterno deu um princípio a tudo quanto
existe fora d'Ele. Só Ele é criador (o verbo «criar»
- em hebraico «bara» - tem sempre Deus por
sujeito). E tudo quanto existe (expresso pela fórmula
«o céu e a terra») depende d' Aquele que lhe deu o
ser.
291. «No princípio era o Verbo [...] e o Verbo era
Deus [...] Tudo se fez por meio d'Ele e, sem Ele, nada
se fez» (Jo. 1, 1-3). O Novo Testamento
revela que Deus tudo criou por meio do Verbo eterno, seu
Filho muito-amado. Foi n'Ele «que foram criados todos
os seres que há nos céus e na terra [...]. Tudo foi
criado por seu intermédio e para Ele. Ele é anterior a
todas as coisas, e todas se mantêm por Ele» (Cl. 1,
16-17). A fé da Igreja afirma igualmente a ação criadora
do Espírito Santo: Ele é Aquele «que dá a vida»
(Símbolo
Niceno-Constantinopolitano:
DS 150),
«o Espírito Criador» (Veni, Creator Spiritus),
a «fonte de todo o bem»
(Liturgia
Bizantina.
Tropário das Vésperas de Pentecostes: Pentêkostáriom
(Rome 1883). 408).
292. Insinuada no Antigo Testamento
(Cf. Sl 33, 6; 104. 30; Gn 1, 2-3)
revelada na Nova Aliança, a ação criadora do Filho e do
Espírito Santo, inseparavelmente unida à do Pai, é
claramente afirmada pela regra de fé da Igreja:
«existe um só Deus. Ele é o Pai, é Deus, é o Criador, o
Autor, o Ordenador. Fez todas as coisas por Si mesmo,
quer dizer, pelo Seu Verbo e pela sua Sabedoria»
(Santo Irineu de Lião, Adversus haereses, 2, 30,
9: SC 294, 318-320 (PG 7, 822)
«pelo Filho e pelo Espírito» que são como «as
suas mãos»
(Ibidem,
4, 20, 1: SC 100, 626 (PG 7, 1032).
A criação é obra comum da Santíssima Trindade.
III. «O mundo foi criado para glória de Deus»
293. É uma verdade fundamental, que a Escritura e a
Tradição não cessam de ensinar e de celebrar: «o mundo
foi criado para glória de Deus»
(I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius. De
Deo rerum omnium Creatore, canon 5: DS 3025).
Deus criou todas as coisas, explica São Boaventura, «non
propter gloriam augendam, sed propter gloriam
manifestandam et propter gloriam suam communicandam -
Não para aumentar a Sua glória, mas para a manifestar e
para a comunicar»
(São Boaventura, In secundum librum Sententiarum,
dist. 1. p. 2. a. 2, q. 1. concl..: Opera
omnia, v. 2 (Ad Claras Aquas 1885), p. 44).
Para criar, Deus não tem outra razão senão o seu amor e
a sua bondade: «aperta manu clave amoris creaturae
prodierunt - As criaturas saíram da mão (de Deus) aberta
pela chave do amor»
(São Tomás de Aquino, Commentum in secundum librum
Sententiarum, Prologus: Opera omnia, v. 8
(Parisiis 1873), p. 2).
E o I Concílio do Vaticano explica:
- «na sua bondade e pela sua força onipotente, não para
aumentar a sua felicidade nem para adquirir a sua
perfeição, mas para a manifestar pelos bens que concede
às suas criaturas, Deus, no seu libérrimo desígnio,
criou do nada simultaneamente e desde o princípio do
tempo uma e outra criatura - a espiritual e a corporal»
(I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius,
c. 1: DS 3002).
294. A glória de Deus está em que se realize esta
manifestação e está comunicação da sua bondade, em ordem
às quais o mundo foi criado. Fazer de nós «filhos
adotivos por Jesus Cristo. Assim aprouve à sua vontade,
para que fosse enaltecida a glória da sua graça»
(Ef. 1, 5-6): «porque a glória de Deus é o homem
vivo, e a vida do homem é a visão de Deus: se a
revelação de Deus pela criação já proporcionou a vida a
todos os seres que vivem na terra, quanto mais a
manifestação do Pai pelo Verbo proporciona a vida aos
que veem a Deus»!
(Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses 4, 20,
7: SC 100, 648 (PG 7, 1037).
O fim último da criação é que Deus Pai, «criador de
todos os seres, venha finalmente a ser 'tudo em todos'
(1ª Cor. 15, 28), provendo, ao mesmo tempo, à sua
glória e à nossa felicidade»
(II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes. 2: AAS
58 (1966) 948).
IV. O mistério da criação
DEUS CRIA COM SABEDORIA E POR AMOR
295 Acreditamos que Deus criou o mundo segundo a sua
sabedoria
(Cf.
Sb 9, 9).
O mundo não é fruto duma qualquer necessidade, dum
destino cego ou do acaso. Acreditamos que ele procede da
vontade livre de Deus, que quis fazer as criaturas
participantes do seu Ser, da sua sabedoria e da sua
bondade: «porque Vós criastes todas as coisas e, pela
vossa vontade, elas receberam a existência e foram
criadas» (Ap. 4, 11). «Como são grandes, Senhor,
as vossas obras! Tudo fizestes com sabedoria» (Sl.
104, 24). «O Senhor é bom para com todos e a sua
misericórdia estende-se a todas as criaturas» (Sl.
145, 9).
DEUS CRIA «DO NADA»
296. Acreditamos que Deus não precisa de nada
preexistente, nem de qualquer ajuda, para criar
(I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Filius, c.
1: DS 3002).
A criação tão pouco é uma emanação necessária da
substância divina
(I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Filius,
De Deo rerum omnium Creatore, canones 1-4: DS 3023-3024).
Deus cria livremente «do nada»
(IV Concílio de Latrão, Cap. 2. De fide catholica:
DS 800; I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei
Filius,. Const. dogm. Dei Filiu.s, De Deo
rerum omnium Creatore, canon 5: DS 3025):
- «que haveria de extraordinário, se Deus tivesse tirado
o mundo duma matéria preexistente? Um artista humano,
quando se lhe dá um material, faz dele o que quer. O
poder de Deus, porém, mostra-se precisamente quando
parte do nada para fazer tudo o que quer»
(São Teófilo de Antioquia, Ad Autolycum, 2. 4; SC
20. 102 (PG 6. 1052).
297. A fé na criação a partir «do nada» é
testemunhada na Escritura como uma verdade cheia de
promessa e de esperança. É assim que a mãe dos sete
filhos os anima ao martírio:
- «não sei como aparecestes no meu seio; não fui eu que
vos dei a respiração e a vida, nem fui eu que dispus os
membros que compõem cada um de vós. Por isso, o Criador
do mundo, que formou o homem à nascença e concebeu todas
as coisas na sua origem, vos dará novamente, na sua
misericórdia, a respiração e a vida, uma vez que vos
desprezais agora a vós próprios, por amor às suas leis
[...] Peço-te, meu filho, que olhes para o céu e para a
terra. Vê todas as coisas que neles se encontram, para
saberes que Deus não as fez do que já existia, e que o
mesmo sucede com o género humano»
(2ª Mac. 7, 22-23. 28).
298. Uma vez que Deus pode criar «do nada»,
também pode, pelo Espírito Santo, dar a vida da alma aos
pecadores, criando neles um coração puro e a vida do
corpo aos defuntos, pela ressurreição. Ele que «dá a
vida aos mortos e chama o que não existe como se já
existisse» (Rm. 4, 17)
(Cf. Sl 51, 12).
E como, pela sua palavra, pôde fazer que das trevas
brilhasse a luz
(Cf. Gn. 1, 3),
pode também dar à luz da fé aos que a ignoram
(Cf. 2ª Cor. 4, 6).
DEUS CRIA UM MUNDO ORDENADO E BOM
299. Uma vez que Deus cria com sabedoria, a criação
possui ordem. «Dispusestes tudo com medida, número e
peso» (Sb. 11, 20). Criada no Verbo e pelo Verbo
eterno, «que é a imagem do Deus invisível» (Cl.
1, 15), a criação destina-se e orienta-se para o
homem, imagem de Deus
(Cf. Cf. Gn 1, 26),
chamado ele próprio a uma relação pessoal com Deus. A
nossa inteligência, participante da luz do intelecto
divino, pode entender o que Deus nos diz pela sua
criação
(Cf. Sl 19, 2-5),
sem dúvida com grande esforço e num espírito de
humildade e de respeito perante o Criador e a sua obra
(Cf. Job 42, 3).
Saída da bondade divina, a criação partilha dessa
bondade («E Deus viu que isto era bom [...] muito
bom»: Gn 1, 4. 10. 12. 18. 21. 31). Porque a
criação é querida por Deus como um dom orientado para o
homem, como herança que lhe é destinada e confiada. A
Igreja, em diversas ocasiões, viu-se na necessidade de
defender a bondade da criação, mesmo a do mundo material
(Cf. São Leão Magno, Ep Quam laudabiliter: DS
286: I Concílio de Braga, Anathematismi praesertim
contra Priscillianistas, 5-13: DS 455-463: IV
Concílio de Latrão, Cap. 2, De fide catholica: DS
800; Concílio de Florença, Decretam pro Iacobitis:
DS 1333. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei
Filius, c. 1: DS 3002.).
DEUS TRANSCENDE A CRIAÇÃO E ESTÁ PRESENTE NELA
300. Deus é infinitamente maior do que todas as suas
obras
(Cf. Sir 43, 30):
«a vossa majestade está acima dos céus» (Sl. 8,
2), «insondável é a sua grandeza» (Sl. 145, 3).
Mas, porque Ele é o Criador soberano e livre, causa
primeira de tudo quanto existe, está presente no mais
íntimo das suas criaturas: «é n'Ele que vivemos, nos
movemos e existimos» (At. 17, 28). Segundo as
palavras de Santo Agostinho, Ele é «superior summo
meo et interior íntimo meo - Deus está acima do que em
mim há de mais elevado e é mais interior do que aquilo
que eu tenho de mais íntimo»
(Santo Agostinho, Confissões, 3, 6, 11: CCL 27,
33 (PL 32, 688).
DEUS SUSTENTA E CONDUZ A CRIAÇÃO
301. Depois da criação, Deus não abandona a criatura a
si mesma. Não só lhe dá o ser e o existir, mas a cada
instante a mantém no ser, lhe dá o agir e a conduz ao
seu termo. Reconhecer esta dependência total do Criador
é fonte de sabedoria e de liberdade, de alegria e de
confiança:
- «Vós amais tudo quanto existe e não tendes aversão a
coisa alguma que fizestes: se tivésseis detestado alguma
criatura, não a teríeis formado. Como poderia manter-se
qualquer coisa, se Vós não quisésseis? Como é que ela
poderia durar, se não a tivésseis chamado à existência?
Poupais tudo, porque tudo é vosso, ó Senhor, que amais a
vida»
(Sb. 11, 24-26).
V. Deus realiza o seu desígnio: a divina Providência
302. A criação tem a sua bondade e a sua perfeição
própria, mas não saiu totalmente acabada das mãos do
Criador. Foi criada «em estado de caminho»
(«in statu viae») para uma perfeição última ainda a
atingir e a que Deus a destinou. Chamamos divina
Providência às disposições pelas quais Deus conduz a sua
criação em ordem a essa perfeição:
- «Deus guarda e governa, pela sua Providência, tudo
quanto criou, "atingindo com força dum extremo ao outro
e dispondo tudo suavemente" (Sb. 8, 1). Porque "tudo
está nu e patente a seus olhos" (Heb. 4, 13), mesmo
aquilo que depende da futura ação livre das criaturas»
(I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c.
1: DS 3003).
303. É unânime, a este respeito, o testemunho da
Escritura: a solicitude da divina Providência é
concreta e imediata, cuida de tudo, desde os mais
insignificantes pormenores até aos grandes
acontecimentos do mundo e da história. Os livros santos
afirmam, com veemência, a soberania absoluta de Deus no
decurso dos acontecimentos: «tudo quanto Lhe aprouve,
o nosso Deus o fez, no céu e na terra» (Sl. 115, 3);
e de Cristo se diz: «que abre e ninguém fecha, e
fecha e ninguém abre» (Ap. 3, 7); «há muitos
projetos no coração do homem, mas é a vontade do Senhor
que prevalece» (Pr. 19, 21).
304. É assim que, muitas vezes, vemos o Espírito Santo,
autor principal da Sagrada Escritura, atribuir a Deus
certas ações, sem mencionar causas-segundas. Isso não é
«uma maneira de dizer» primitiva, mas sim um modo
profundo de afirmar o primado de Deus e o seu senhorio
absoluto sobre a história e sobre o mundo
(Cf. Is 10, 5-15: 45, 5-7: Dt 32, 39:
Sir 11, 14)
e de ensinar a ter confiança n'Ele. A oração dos Salmos
é, aliás, a grande escola desta confiança
(Cf. Sl 22; 32; 35; 103; 138; etc.).
305. Jesus reclama um abandono filial à Providência do
Pai Celeste, que cuida das mais pequenas necessidades
dos seus filhos: «não vos inquieteis, dizendo: que
havemos de comer? Que havemos de beber? [...] Bem sabe o
vosso Pai celeste que precisais de tudo isso. Procurai
primeiro o Reino de Deus e a sua justiça e tudo o mais
vos será dado por acréscimo» (Mt. 6, 31-33)
(Cf. Mt. 10, 29-31).
A PROVIDÊNCIA E AS CAUSAS SEGUNDAS
306. Deus é o Senhor soberano dos seus planos. Mas, para
a realização dos mesmos, serve-Se também do concurso das
criaturas. Isto não é um sinal de fraqueza, mas da
grandeza e bondade de Deus omnipotente. É que Ele não só
permite às suas criaturas que existam, mas confere-lhes
a dignidade de agirem por si mesmas, de serem causa e
princípio umas das outras e de cooperarem, assim, na
realização do seu desígnio.
307. Aos homens, Deus concede mesmo poderem participar
livremente na sua Providência, confiando-lhes a
responsabilidade de «submeter» a terra e
dominá-la
(Cf. Gn. 1, 26-28).
Assim lhes concede que sejam causas inteligentes e
livres, para completar a obra da criação, aperfeiçoar a
sua harmonia, para o seu bem e o dos seus semelhantes.
Cooperadores muitas vezes inconscientes da vontade
divina, os homens podem entrar deliberadamente no plano
divino, pelos seus atos e as suas orações, como também
pelos seus sofrimentos
(Cf. Cl. 1, 24).
Tornam-se, então, plenamente «colaboradores de Deus»
(1ª Cor. 3, 9)
(Cf. 1 Ts 3, 2)
e do seu Reino
(Cf. Cl. 4, 11).
308. Esta é uma verdade inseparável da fé em Deus
Criador: Deus age em toda a ação das suas criaturas. É
Ele a causa-primeira, que opera nas e pelas
causas-segundas: «é Deus que produz em nós o querer e
o operar, segundo o seu beneplácito» (Fl. 2, 13)
(Cf. 1ª Cor. 12, 6).
Longe de diminuir a dignidade da criatura, esta verdade
realça-a. Tirada «do nada» pelo poder, sabedoria
e bondade de Deus, a criatura separada da sua origem,
nada pode, porque «a criatura sem o Criador esvai-se»
(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et
spes. 36: AAS 58 (1966) 1054).
Muito menos pode atingir o seu fim último, sem a ajuda
da graça
(Cf. Mt 19, 26: Jo 15, 5; Fl 4, 13).
A PROVIDÊNCIA E O ESCÂNDALO DO MAL
309. Se Deus Pai todo-poderoso, Criador do mundo
ordenado e bom, tem cuidado com todas as suas criaturas,
porque é que o mal existe? A esta questão, tão premente
como inevitável, tão dolorosa como misteriosa, não é
possível dar uma resposta rápida e satisfatória. É o
conjunto da fé cristã que constitui a resposta a esta
questão: a bondade da criação, o drama do pecado, o amor
paciente de Deus que vem ao encontro do homem pelas suas
alianças, pela Encarnação redentora de seu Filho, pelo
dom do Espírito, pela agregação à Igreja, pela força dos
sacramentos, pelo chamamento à vida bem-aventurada, à
qual as criaturas livres são de antemão convidadas a
consentir, mas à qual podem, também de antemão,
negar-se, por um mistério terrível. Não há nenhum
pormenor da mensagem cristã que não seja, em parte,
resposta ao problema do mal.
310. Mas, porque é que Deus não criou um mundo tão
perfeito que nenhum mal pudesse existir nele? No seu
poder infinito, Deus podia sempre ter criado um mundo
melhor
(Cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1, q.
25, a. 6: Ed. Leon. 4, 298-299).
No entanto, na sua sabedoria e bondade infinitas, Deus
quis livremente criar um mundo «em estado de caminho»
para a perfeição última. Este devir implica, no desígnio
de Deus, juntamente com o aparecimento de certos seres,
o desaparecimento de outros; o mais perfeito, com o
menos perfeito; as construções da natureza, com as suas
destruições. Com o bem físico também existe, pois, o
mal físico, enquanto a criação não tiver atingido a
perfeição
(São Tomás de Aquino, Summa contra gentiles, 3,
71: Ed. Leon. 14. 209-211).
311. Os anjos e os homens, criaturas inteligentes e
livres, devem caminhar para o seu último destino por
livre escolha e amor preferencial. Podem, por
conseguinte, desviar-se. De fato, pecaram. Foi assim que
entrou no mundo o mal moral, incomensuravelmente
mais grave que o mal físico. Deus não é, de modo algum,
nem direta nem indiretamente, causa do mal moral
(Cf. Santo Agostinho, De libero arbitrio, 1, 1,
1: CCL 29, 211 (PL 32. 1221-1223): Santo Tomás de
Aquino, Summa theologiae, 1-2, q. 79, a. l: Ed.
Leon. 7, 76-77).
No entanto, permite-o por respeito pela liberdade da sua
criatura e misteriosamente sabe tirar dele o bem:
- «Deus todo-poderoso [...] sendo soberanamente bom,
nunca permitiria que qualquer mal existisse nas suas
obras se não fosse suficientemente poderoso e bom para
do próprio mal, fazer surgir o bem»
(Santo Agostinho, Enchiridion de fide, spe et
caritate. 3. 11: CCL 46, 53 (PL 40, 236)).
312. Assim, com o tempo, é possível descobrir que Deus,
na sua onipotente Providência, pode tirar um bem das
consequências dum mal (mesmo moral), causado pelas
criaturas: «não, não fostes vós - diz José a seus
irmãos - que me fizestes vir para aqui. Foi Deus. [...]
Premeditastes contra mim o mal: o desígnio de Deus
aproveitou-o para o bem [...] e um povo numeroso foi
salvo» (Gn. 45, 8; 50, 20)
(Cf. Tb 2. 12-18 vulg).
Do maior mal moral jamais praticado, como foi o repúdio
e a morte do Filho de Deus, causado pelos pecados de
todos os homens, Deus, pela superabundância da sua graça
(Cf. Rm 5, 20),
tirou o maior dos bens: a glorificação de Cristo e a
nossa redenção. Mas nem por isso o mal se transforma em
bem.
313. «Tudo concorre para o bem daqueles que amam a
Deus» (Rm. 8, 28). O testemunho dos santos não cessa
de confirmar esta verdade:
- assim, Santa Catarina de Sena diz aos «que se
escandalizam e se revoltam contra o que lhes acontece»:
«Tudo procede do amor, tudo está ordenado para a
salvação do homem, e não com nenhum outro fim»
(Santa Catarina de Sena, ll dialogo della Divina provvidenza,
138: ed. G. Cavallini (Roma 1995) p. 441).
- e São Tomás Moro, pouco antes do seu martírio, consola
a filha com estas palavras: «nada pode acontecer-me
que Deus não queira. E tudo o que Ele quer, por muito
mal que nos pareça, é, na verdade, muito bom»
(Margarita Roper. Epistola ad Aliciam Alington
(agosto 1534): The Correspondence of Sir Thomas
More, ed. E. F. Rogers (Princeton 1947), p. 531-532.
[Texto no Ofício de Leituras da memória de São Tomás
Moro a 22 de junho]).
- e Juliana de Norwich: «compreendi, pois, pela graça
de Deus, que era necessário ater-me firmemente à fé
[...] e crer, com não menos firmeza, que todas as coisas
serão para bem [...]». «Thou shalt see thyself
that all manner of thing shall be well»
(Juliana de Norwich, Revelatio 13, 32: A Book
of Showings to the Anchoress Julian of Norwich. ed.
E. Colledge — J. Walsh, vol. 2 (Toronto 1978), p. 426 e
422).
314. Nós cremos firmemente que Deus é o Senhor do mundo
e da história. Muitas vezes, porém, os caminhos da sua
Providência são-nos desconhecidos. Só no fim, quando
acabar o nosso conhecimento parcial e virmos Deus
«face a face» (1ª Cor. 13, 12), é que
nos serão plenamente conhecidos os caminhos pelos quais,
mesmo através do mal e do pecado, Deus terá conduzido a
criação ao repouso desse Sábado
(Cf. Gn. 2. 2)
definitivo, em vista do qual criou o céu e a terra.
Resumindo:
315. Na criação do mundo e do homem, Deus deu o
primeiro e universal testemunho do seu amor onipotente e
da sua sabedoria e fez o primeiro anúncio do seu
«desígnio amoroso», o qual tem como finalidade a nova
criação em Cristo.
316. Embora a obra da criação seja particularmente
atribuída ao Pai, é igualmente verdade de fé que o Pai,
o Filho e o Espírito Santo são o único e indivisível
princípio da criação.
317. Só Deus criou o Universo, livremente,
diretamente, sem qualquer ajuda.
318. Nenhuma criatura possui o poder infinito
necessário para «criar», no sentido próprio da palavra:
quer dizer; para produzir e dar o ser ao que de modo
algum o possuía (chamar à existência «ex nihilo» a
partir do nada)
(Cf. Sagrada Congregação de Estudos, Decreto (27
Julho 1914): DS 3624).
319. Deus criou o mundo para manifestar e comunicar a
sua glória. Que as criaturas partilhem da sua verdade,
da sua bondade e da sua beleza - eis a glória, para a
qual Deus as criou.
320. Deus, que criou o universo, mantém-no na
existência pelo seu Verbo; «o Filho tudo sustenta com a
sua palavra poderosa» (He. 1, 3) e pelo seu
Espírito criador que dá a vida.
321. A divina Providência consiste nas disposições
pelas quais Deus conduz, com sabedoria e amor; todas as
criaturas, para o seu último fim.
322. Cristo convida-nos a abandonarmo-nos filialmente
à Providência do Pai dos céus
(Cf. Mt. 6, 26-34);
o apóstolo São Pedro retoma o seu pensamento ao dizer:
«lançai sobre Deus toda a vossa inquietação porque Ele
vela por vós»
(1ª Pe. 5, 7)
(Cf. Sl. 55, 23).
323. A Providência divina também age pela ação das
criaturas. Aos seres humanos, Deus permite-lhes cooperar
livremente com os seus desígnios.
324. A permissão divina do mal físico e do mal moral
é um mistério, que Deus esclarece por seu Filho Jesus
Cristo, morto e ressuscitado para vencer o mal. A fé
dá-nos a certeza de que Deus não permitiria o mal, se do
próprio mal não fizesse sair o bem, por caminhos que só
na vida eterna conheceremos plenamente. |
continua na
parte 2 |
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O Terço
(Rosário) dos Homens não exige
nada e não cobra nada da vida pessoal dos seus
participantes, o que faz
com que seus membros se sintam livres, e a liberdade dá ao
homem o poder de ser aquilo que ele deseja ser, daí as
transformações se sucederem de modo espontâneo
causado pelo contato que os mesmos passam a ter
com
Deus por intercessão
de Maria. |
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