A Intermediação de Maria Mãe dos Homens
para nos levar ao Cordeiro de Deus

'O ROSÁRIO É A VIDA DE CRISTO CONTEMPLADA COM O OLHAR DE MARIA'
"
Maria é aquela que nos acompanha na escuridão da noite até o clarear do novo dia”

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                                                   Criado em 30 de março de 2005

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86 ANOS DE GRAÇAS E BÊNÇÃOS no Brasil e no mundo

Catecismo da Igreja - Parte 1

PÁGINA INICIAL

Constituição Apostólica "Fidei Depositum"

PRIMEIRA PARTE - A PROFISSÃO DA FÉ
(§26-1065)

     PRÓLOGO (§1-§25)

PRIMEIRA SECÇÃO (§ 26)

-  CAPÍTULO PRIMEIRO (§ 27-§ 49)
-
  CAPÍTULO SEGUNDO (§ 50-§ 141)
-  CAPÍTULO TERCEIRO (§ 142-§ 184)
-
 CREDO

SEGUNDA SECÇÃO (§ 185-§ 197)

-
  CAPÍTULO PRIMEIRO  (§ 198-§ 421)
-
  CAPÍTULO SEGUNDO (§ 422-§ 682)
- CAPÍTULO TERCEIRO
(§ 683-§ 1065)

SEGUNDA PARTE - A CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO CRISTÃO
(§1066-1690)

 INTRODUÇÃO (§ 1066-§ 1075)

PRIMEIRA SECÇÃO 
§ 
CAPÍTULO PRIMEIRO (§ 1076-§ 1134)
§ 
CAPÍTULO SEGUNDO  (§ 1135-§ 1209)

SEGUNDA SECÇÃO  (§ 1210-§ 1211)
-
 CAPÍTULO PRIMEIRO  (§ 1212-§ 1419)
-
CAPÍTULO SEGUNDO  (§ 1420-§ 1532)
- CAPÍTULO TERCEIRO  (§ 1533-§ 1666)
- CAPÍTULO QUARTO  (
§ 1667-§ 1690)

TERCEIRA PARTE - A VIDA EM CRISTO
(§1691-2557)

     INTRODUÇÃO (§ 1691-§ 1698)

PRIMEIRA SECÇÃO  (§ 1699)

-
CAPÍTULO PRIMEIRO (§ 1700-§ 1876)
-
CAPÍTULO SEGUNDO (§ 1877-§ 1948)
-
CAPÍTULO TERCEIRO (§ 1949-§ 2051)
-
OS DEZ MANDAMENTOS

SEGUNDA SECÇÃO (§ 2052-§ 2082)

-
CAPÍTULO PRIMEIRO (§ 2083-§ 2195)
- CAPÍTULO SEGUNDO  (
§ 2196-§ 2557)

QUARTA PARTE - A ORAÇÃO CRISTÃ
(§2558-2865)

PRIMEIRA SECÇÃO (§ 2558-§ 2565)

-
CAPÍTULO PRIMEIRO (§ 2566-§ 2649)
-
CAPÍTULO SEGUNDO  (§ 2650-§ 2696)
-
CAPÍTULO TERCEIRO  (§ 2697-§ 2758)

SEGUNDA SECÇÃO  (§ 2759-§ 2865)

CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA
DO SUMO PONTÍFICE JOÃO PAULO II

FIDEI DEPOSITUM
PARA A PUBLICAÇÃO
DO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA
REDIGIDO DEPOIS DO CONCÍLIO VATICANO II

Aos veneráveis Irmãos Cardeais.
Arcebispos, Bispos, Presbíteros,
Diáconos e a todos os membros do Povo de Deus

 I. INTRODUÇÃO

Guardar o Depósito da Fé é missão que o Senhor confiou à sua Igreja e que ela cumpre em todos os tempos. O Concílio Ecumênico Vaticano II, inaugurado há trinta anos pelo meu predecessor João XXIII, de feliz memória, tinha como intenção e como finalidade pôr em evidência a missão apostólica e pastoral da Igreja, e, fazendo resplandecer a verdade do Evangelho, levar todos os homens a procurarem e acolherem o amor de Cristo que excede toda a ciência (cf. Ef. 3, 19).

Ao Concílio, o Papa João XXIII tinha confiado como tarefa principal guardar e apresentar melhor o precioso depósito da doutrina cristã, para o tornar mais acessível aos fiéis de Cristo e a todos os homens de boa vontade. Portanto, o Concílio não devia, em primeiro lugar, condenar os erros da época, mas sobretudo empenhar-se por mostrar serenamente a força e a beleza da doutrina da fé. "Iluminada pela luz deste Concílio - dizia o Papa - a Igreja... crescerá em riquezas espirituais... e, recebendo a força de novas energias, olhará intrépida para o futuro... É nosso dever... dedicar-nos, com vontade pronta e sem temor, àquele trabalho que o nosso tempo exige, prosseguindo assim o caminho que a Igreja percorre há vinte séculos" [João XXIII, Discurso de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, 11 de outubro de 1962: AAS 54 (1962), p. 788-791].

Com a ajuda de Deus, os Padres conciliares puderam elaborar, em quatro anos de trabalho, um conjunto considerável de exposições doutrinais e de diretrizes pastorais oferecidas a toda a Igreja. Pastores e fiéis encontram ali orientações para aquela "renovação de pensamentos, de atividades, de costumes, e de força moral, de alegria e de esperança, que foi o objetivo do Concílio" [Paulo VI, Discurso de encerramento do Concílio Ecumênico Vaticano II, 8 de dezembro de 1965: AAS 58 (1966), p. 7-8.]

Depois da sua conclusão, o Concílio não cessou de inspirar a vida da Igreja. Em 1985 pude afirmar: "para mim - que tive a graça especial de nele participar e colaborar no seu desenvolvimento - o Vaticano II foi sempre, e é de modo particular nestes anos do meu Pontificado, o constante ponto de referência de toda a minha ação pastoral, no consciente empenho de traduzir as suas diretrizes em aplicação concreta e fiel, a nível de cada Igreja e da Igreja inteira. É preciso incessantemente recomeçar daquela fonte". [João Paulo II, Alocução de 25 de janeiro de 1985: L'Osservatore Romano, 27 de janeiro de 1985.]

Neste espírito, a 25 de janeiro de 1985, convoquei uma Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, por ocasião do vigésimo aniversário do encerramento do Concilio. A finalidade desta Assembleia era celebrar as graças e os frutos espirituais do Concílio Vaticano II, aprofundar o seu ensinamento para aderir melhor a ele e promover o conhecimento e a aplicação do mesmo.

Nessa ocasião, os Padres sinodais afirmaram: "muitíssimos expressaram o desejo de que seja composto um Catecismo ou compêndio de toda a doutrina católica, tanto em matéria de fé como de moral, para que ele seja como um ponto de referência para os catecismos ou compêndios que venham a ser preparados nas diversas regiões. A apresentação da doutrina deve ser bíblica e litúrgica, oferecendo ao mesmo tempo uma doutrina sã e adaptada à vida atual dos cristãos" [Relação Final do Sínodo Extraordinário, 7 de dezembro de 1985, II, B, a, n. 4: Enchiridion Vaticanum, vol. 9, p. 1758, n. 1797]. Depois do encerramento do Sínodo, fiz meu este desejo, considerando que ele "corresponde à verdadeira necessidade da Igreja universal e das Igrejas particulares" [Discurso de encerramento do Sínodo Extraordinário, 7 de dezembro de 1985, n.6: AAS 78 (1986), p. 435.

Como não havemos de agradecer de todo o coração ao Senhor, neste dia em que podemos oferecer a toda a Igreja, com o título de "Catecismo da Igreja Católica", este "texto de referência" para uma catequese renovada nas fontes vivas da fé!

Depois da renovação da Liturgia e da nova codificação do Direito Canônico da Igreja Latina e dos cânones das Igrejas Orientais Católicas, este Catecismo trará um contributo muito importante àquela obra de renovação da vida eclesial inteira, querida e iniciada pelo Concílio Vaticano II.

II. ITINERÁRIO E ESPÍRITO DA REDAÇÃO DO TEXTO

O "Catecismo da Igreja Católica" é fruto de uma vastíssima colaboração: foi elaborado em seis anos de intenso trabalho, conduzido num espírito de atenta abertura e com apaixonado ardor.

Em 1986, confiei a uma Comissão de doze Cardeais e Bispos, presidida pelo senhor Cardeal Joseph Ratzinger, o encargo de preparar um projeto para o Catecismo requerido pelos Padres do Sínodo. Uma Comissão de redação, composta por sete Bispos diocesanos, peritos em teologia e em catequese, coadjuvou a Comissão no seu trabalho.

A Comissão, encarregada de dar as diretrizes e de vigiar sobre o desenvolvimento dos trabalhos, seguiu atentamente todas as etapas da redação das nove sucessivas composições. A Comissão de redação, por seu lado, assumiu a responsabilidade de escrever o texto e lhe inserir as modificações pedidas pela Comissão e de examinar as observações de numerosos teólogos, exegetas e catequistas, e sobretudo dos Bispos do mundo inteiro, a fim de melhorar o texto. A Comissão foi sede de intercâmbios frutuosos e enriquecedores, para assegurar a unidade e a homogeneidade do texto.

O projeto tornou-se objeto de vasta consultação de todos os Bispos católicos, das suas Conferências Episcopais ou dos seus Sínodos, dos Institutos de teologia e de catequética. No seu conjunto, ele teve um acolhimento amplamente favorável da parte do Episcopado. É justo afirmar que este Catecismo é o fruto de uma colaboração de todo o Episcopado da Igreja Católica, o qual acolheu com generosidade o meu convite a assumir a própria parte de responsabilidade numa iniciativa que diz respeito, intimamente, à vida eclesial. Tal resposta suscita em mim um profundo sentimento de alegria, porque o concurso de tantas vozes exprime verdadeiramente aquela a que se pode chamar a "sinfonia" da fé. A realização deste Catecismo reflete, deste modo, a natureza colegial do Episcopado: testemunha a catolicidade da Igreja.

III. DISTRIBUIÇÃO DA MATÉRIA

Um catecismo deve apresentar, com fidelidade e de modo orgânico, o ensinamento da Sagrada Escritura, da Tradição viva na Igreja e do Magistério autêntico, bem como a herança espiritual dos Padres, dos Santos e das Santas da Igreja, para permitir conhecer melhor o mistério cristão e reavivar a fé do povo de Deus. Deve ter em conta as explicitações da doutrina que, no decurso dos tempos, o Espírito Santo sugeriu à Igreja.

É também necessário que ajude a iluminar, com a luz da fé, as novas situações e os problemas que ainda não tinham surgido no passado.

O Catecismo incluirá, portanto, coisas novas e velhas (cf. Mt. 13,52), porque a fé é sempre a mesma e simultaneamente é fonte de luzes sempre novas.

Para responder a esta dupla exigência, o "Catecismo da Igreja Católica" por um lado retoma a "antiga" ordem, a tradicional, já seguida pelo Catecismo de São Pio V, articulando o conteúdo em quatro partes: o Credo; a sagrada Liturgia, com os sacramentos em primeiro plano; o agir cristão, exposto a partir dos mandamentos; e pôr fim a oração cristã. Mas, ao mesmo tempo, o conteúdo é com frequência expresso de um modo "novo", para responder às interrogações da nossa época.

As quatro partes estão ligadas entre si: o mistério cristão é o objeto da fé (primeira parte); é celebrado e comunicado nos atos litúrgicos (segunda parte); está presente para iluminar e amparar os filhos de Deus no seu agir (terceira parte); funda a nossa oração, cuja expressão privilegiada é o "Pai-Nosso", e constitui o objeto da nossa súplica, do nosso louvor e da nossa intercessão (quarta parte).

A Liturgia é ela própria oração; a confissão da fé encontra o seu justo lugar na celebração do culto. A graça, fruto dos sacramentos, é a condição insubstituível do agir cristão, tal como a participação na liturgia da Igreja requer a fé. Se a fé não se desenvolve nas obras, essa está morta (cf. Tg. 2, 14-16) e não pode dar frutos de vida eterna.

Lendo o "Catecismo da Igreja Católica", pode-se captar a maravilhosa unidade do mistério de Deus, do seu desígnio de salvação, bem como a centralidade de Jesus Cristo, o Filho Unigênito de Deus, enviado pelo Pai, feito homem no seio da Santíssima Virgem Maria por obra do Espírito Santo, para ser o nosso Salvador. Morto e ressuscitado, ele está sempre presente na sua Igreja, particularmente nos sacramentos; ele é a fonte da fé, o modelo do agir cristão e o Mestre da nossa oração.

IV. VALOR DOUTRINAL DO TEXTO

O "Catecismo da Igreja Católica", que aprovei no passado dia 25 de junho e cuja publicação hoje ordeno em virtude da autoridade apostólica, é uma exposição da fé da Igreja e da doutrina católica, testemunhadas ou iluminadas pela Sagrada Escritura, pela Tradição apostólica e pelo Magistério da Igreja. Vejo-o como um instrumento válido e legítimo a serviço da comunhão eclesial e como uma norma segura para o ensino da fé. Sirva ele para a renovação, à qual o Espírito Santo chama incessantemente a Igreja de Deus, Corpo de Cristo, peregrina rumo à luz sem sombras do Reino!

A aprovação e a publicação do "Catecismo da Igreja Católica" constituem um serviço que o Sucessor de Pedro quer prestar à Santa Igreja Católica, a todas as Igrejas particulares em paz e em comunhão com a Sé Apostólica de Roma: o serviço de sustentar e confirmar a fé de todos os discípulos do Senhor Jesus (cf. Lc. 22,32), como também de reforçar os laços da unidade na mesma fé apostólica.

Peço, portanto, aos Pastores da Igreja e aos fiéis que acolham este Catecismo em espírito de comunhão, e que o usem assiduamente ao cumprirem a sua missão de anunciar a fé e de apelar para a vida evangélica. Este Catecismo lhes é dado a fim de que sirva como texto de referência, seguro e autêntico, para o ensino da doutrina católica, e de modo muito particular para a elaboração dos catecismos locais. É também oferecido a todos os fiéis que desejam aprofundar o conhecimento das riquezas inexauríveis da salvação (cf. Jo. 8,32). Pretende dar um apoio aos esforços ecumênicos animados pelo santo desejo da unidade de todos os cristãos, mostrando com exatidão o conteúdo e a harmoniosa coerência da fé católica. O "Catecismo da Igreja Católica", por fim, é oferecido a todo o homem que nos pergunte a razão da nossa confiança (cf. la Pd. 3, 15) e queira conhecer aquilo em que a Igreja Católica crê.

Este Catecismo não se destina a substituir os Catecismos locais devidamente aprovados pelas autoridades eclesiásticas, os Bispos diocesanos e as Conferências Episcopais, sobretudo se receberam a aprovação da Sé Apostólica. Destina-se a encorajar e ajudar a redação de novos catecismos locais, que tenham em conta as diversas situações e culturas, mas que conservam cuidadosamente a unidade da fé e a fidelidade à doutrina católica.

                                                                          V. CONCLUSÃO

No final deste documento que apresenta o "Catecismo da Igreja Católica", peço a Santíssima Virgem Maria, Mãe do Verbo Encarnado e Mãe da Igreja, que ampare com a sua poderosa intercessão o empenho catequético da Igreja inteira a todos os níveis, nestes tempos em que ela é chamada a um novo esforço de evangelização. Possa a luz da verdadeira fé libertar a humanidade da ignorância e da escravidão do pecado, para a conduzir à única liberdade digna deste nome (cf. Jo. 8,32): a da vida em Jesus Cristo sob a guia do Espírito Santo, na terra e no Reino dos Céus na plenitude da bem-aventurança da visão de Deus face à face (cf. 1ª Cor. 13, 12; 2ª Cor. 5, 6-8)!

Dado no dia 11 de outubro de 1992, trigésimo aniversário da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, décimo quarto ano do meu pontificado.

JOÃO PAULO II

PRÓLOGO

 «PAI, [...] é esta a vida eterna: que Te conheçam a Ti, único Deus verdadeiro, e Aquele que enviaste, Jesus Cristo» (Jo. 17, 3). «Deus, nosso Salvador [...], quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade» (1ª Tm. 2, 3-4). «Não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos» (At. 4, 12), senão o nome de JESUS.

I. A vida do homem – conhecer e amar a Deus

1. Deus, infinitamente perfeito e bem-aventurado em si mesmo, num desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para o tornar participante da sua vida bem-aventurada. Por isso, sempre e em toda a parte, Ele está próximo do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-Lo, a conhecê-Lo e a amá-Lo com todas as suas forças. Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade da sua família que é a Igreja. Para tal, enviou o seu Filho como Redentor e Salvador na plenitude dos tempos. n'Ele e por Ele, chama os homens a tornarem-se, no Espírito Santo, seus filhos adotivos e, portanto, herdeiros da sua vida bem-aventurada.

2. Para que este convite se fizesse ouvir por toda a Terra, Cristo enviou os Apóstolos que escolhera, dando-lhes o mandato de anunciar o Evangelho: «ide, pois, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprirem tudo quanto vos prescrevi. E eis que Eu estou convosco todos os dias até ao fim do mundo» (Mt. 28, 19-20). Fortalecidos por esta missão, os Apóstolos «partiram a pregar por toda a parte e o Senhor cooperava com eles confirmando a Palavra com os sinais que a acom­panhavam» (Mc. 16, 20).

3. Aqueles que, com a ajuda de Deus, aceitaram o convite de Cristo e livremente Lhe responderam, foram por sua vez impelidos, pelo amor do mesmo Cristo, a anunciar por toda a parte a Boa-Nova. Este tesouro, recebido dos Apóstolos, foi fielmente guardado pelos seus sucessores. Todos os fiéis de Cristo são chamados a transmiti-lo de geração em geração, anunciando a fé, vivendo-a em partilha fraterna e celebrando-a na liturgia e na oração. [Cf. At. 2, 42. 2].

II. Transmitir a fé – a catequese

4. Bem cedo se chamou catequese ao conjunto de esforços empreendidos na Igreja para fazer discípulos, para ajudar os homens a acreditar que Jesus é o Filho de Deus, a fim de, pela fé, terem a vida em seu nome, e para os educar e instruir nessa vida, construindo assim o Corpo de Cristo. [Cf. João Paulo II, Ex. ap. Catechesi tradendae, 1: AAS 71 (1979) 1277-1278]

5. «A catequese é uma educação da fé das crianças, dos jovens e dos adultos, que compreende especialmente o ensino da doutrina cristã, ministrado em geral dum modo orgânico e sistemático, em ordem à iniciação na plenitude da vida cristã». [Cf. João Paulo II, Ex. ap. Catechesi tradendae, 18: AAS 71 (1979) 1292].

6. Sem se confundir com eles, a catequese articula-se com um certo número de elementos da missão pastoral da Igreja que têm um aspecto catequético, preparam para a catequese ou dela derivam: o primeiro anúncio do Evangelho ou pregação missionária, para suscitar a fé; a busca das razões de acreditar; a experiência da vida cristã; a celebração dos sacramentos; a integração na comunidade eclesial; o testemunho apostólico e missionário. [Cf. João Paulo II, Ex. ap. Catechesi tradendae, 18: AAS 71 (1979) 1292 (4)]

7. «A catequese está intimamente ligada a toda a vida da Igreja. Dependem essencialmente dela não só a expansão geográfica e o crescimento numérico, mas também, e muito mais ainda, o crescimento interior da Igreja e a sua conformidade com o desígnio de Deus». [Cf. João Paulo II, Ex. ap. Catechesi tradendae, 13: AAS 71 (1979) 1288.]

8. Os períodos de renovação da Igreja são também tempos fortes de catequese. Assim, na grande época dos Padres da Igreja, vemos santos Bispos consagrarem parte importante do seu ministério à catequese, como por exemplo São Cirilo de Jerusalém, São João Crisóstomo, Santo Ambrósio, Santo Agostinho e tantos outros Padres, cujas obras catequéticas continuam a ser modelo.

9. O ministério da catequese vai buscar energias sempre novas aos concílios. O Concílio de Trento constitui, a este respeito, um exemplo a sublinhar: nas suas constituições e decretos, deu prioridade à catequese; está na origem do Catecismo Romano que tem o seu nome e que constitui um trabalho de primeira ordem como compêndio da doutrina cristã; fez nascer na Igreja uma organização notável da catequese; e, graças a santos Bispos e teólogos, como São Pedro Canísio, São Carlos Borromeo, São Toríbio de Mogrovejo e São Roberto Belarmino, levou à publicação de numerosos catecismos.

10. Não admira, pois, que, na sequência do II Concílio do Vaticano (que o Papa Paulo VI considerava como o grande catecismo dos tempos modernos), a catequese da Igreja tenha de novo chamado a atenção. O Directório catequético geral, de 1971; as sessões do Sínodo dos Bispos consagradas à evangelização (1974) e à catequese (1977): e as exortações apostólicas correspondentes - Evangelii nuntiandi (1975) e Catechesi tradendae (1979) - são disso bom testemunho. A assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos de 1985 pediu: «que seja redigido um catecismo ou compêndio de toda a doutrina católica, tanto no tocante à fé como no que respeita à moral». [Sínodo dos Bispos, Assembleia extraordinária, Ecclesia sub Verbo Dei mysteria Christi celebrans pro salute mundi. Relatório final II B A 4 (Cidade do Vaticano 1985), p. 11.]

O Santo Padre João Paulo II fez seu este voto do Sínodo dos Bispos. Reconheceu que «tal desejo corresponde inteiramente a uma verdadeira necessidade da Igreja universal e das Igrejas particulares». [João Paulo II, Discurso de encerramento da Assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos (7 de dezembro de 1985), 6: AAS 58 (1986) 435.]. E pôs todo o seu empenho cm que se concretizasse este desejo dos Padres sinodais.

III. Finalidade e destinatários deste catecismo

11. A finalidade deste Catecismo é apresentar uma exposição orgânica e sintética dos conteúdos essenciais e fundamentais da doutrina católica, tanto sobre a fé como sobre a moral, à luz do II Concilio do Vaticano e do conjunto da Tradição da Igreja. As suas fontes principais são a Sagrada Escritura, os santos Padres, a liturgia e o Magistério da Igreja. E destina-se a servir «como ponto de referência aos catecismos ou compêndios a publicar nos diversos países». [Sínodo dos Bispos, Ecclesia sub Verbo Dei mysteria Christi celebrans pro salute mundi. Relatório final II B A 4 (Cidade do Vaticano 1985), p. 11].

12. Este Catecismo destina-se principalmente aos responsáveis pela catequese, que são em primeiro lugar os Bispos, enquanto doutores da fé e pastores da Igreja. É-lhes oferecido como instrumento para o desempenho da sua missão de ensinar o povo de Deus. E, através dos bispos, dirige-se aos redatores de catecismos, aos Sacerdotes e aos catequistas. Será também uma leitura útil para todos os outros fiéis cristãos.

IV. Estrutura deste catecismo

13. O plano deste Catecismo inspira-se na grande tradição dos catecismos que articulam a catequese cm torno de quatro «pilares»: a profissão da fé batismal (Símbolo), os sacramentos da fé, a vida da fé (Mandamentos) e a oração do crente (o Pai Nosso).
                                                                        PRIMEIRA PARTE: A PROFISSÃO DA FÉ

14. Aqueles que, pela fé e pelo Batismo, pertencem a Cristo, devem confessar a sua fé batismal diante dos homens.
(Cf. Mt. 10, 23; Rm 10, 9). Por isso, o Catecismo começa por expor em que consiste a Revelação, pela qual Deus Se dirige e se dá ao homem, e a fé pela qual o homem responde a Deus (Primeira Secção). O Símbolo da fé resume os dons que Deus faz ao homem, como Autor de todo o bem, Redentor e Santificador, e articula-os em volta dos «três capítulos» do nosso Batismo - a fé num só Deus: o Pai Todo-poderoso, Criador; e o seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador: e o Espírito Santo, na Santa Igreja (Segunda Secção).

SEGUNDA PARTE: OS SACRAMENTOS DA FÉ

15. A segunda parte do Catecismo expõe como a salvação de Deus, realizada uma vez por todas por Jesus Cristo e pelo Espírito Santo, se toma presente nas ações sagradas da liturgia da Igreja (Primeira Secção), e em especial nos sete sacramentos (Segunda Secção).

TERCEIRA PARTE: A VIDA DA FÉ

16. A terceira parte do Catecismo apresenta o fim último do homem, criado à imagem de Deus - a bem - aventurança e os caminhos para a ela chegar: um comportamento reto e livre, com a ajuda da lei de Deus e da sua graça (Primeira Secção); um comportamento que realize o duplo mandamento da caridade, explicitado nos dez Mandamentos de Deus (Segunda Secção).

QUARTA PARTE: A ORAÇÃO NA VIDA DA FÉ

17. A última parte do Catecismo trata do sentido e da importância da oração na vida dos crentes (Primeira Secção), terminando com um breve comentário aos sete pedidos da Oração do Senhor (Segunda Secção). De fato, nesses sete pedidos encontramos a suma dos bens que devemos esperar e que o nosso Pai dos Céus nos quer dar.

V. Indicações práticas para o uso deste catecismo

18. Este Catecismo foi concebido como uma exposição orgânica de toda a fé católica. Deve, portanto, ser lido como um todo. Numerosas notas remissivas à margem do texto (números impressos em tipos menores remetendo para outros parágrafos que tratam do mesmo assunto) e o índice analítico no fim do volume, permitem encarar cada tema na sua ligação com o conjunto da fé.

19. Muitas vezes, os textos da Sagrada Escritura não são citados literalmente, mas com a simples indicação da referência (por meio dum cf.) feita em nota. Para uma inteligência aprofundada desses passos, convém recorrer aos próprios textos. Tais referências bíblicas são um instrumento de trabalho para a catequese.

20. Quando, cm certas passagens, se emprega a letra miúda, isso quer dizer que se trata de anotações de tipo histórico ou apologético, ou de exposições doutrinais complementares.

21. As citações, em letra miúda, de fontes patrísticas, litúrgicas, do Magistério ou da hagiografia, destinam-se a enriquecer a exposição doutrinal. Frequentemente, esses textos foram escolhidos a pensar num emprego diretamente catequético.

22. No fim de cada unidade temática, uma série de textos breves resume, em fórmulas escolhidas, o essencial do ensinamento. Estes «RESUMINDO» têm por fim dar à catequese local sugestões de fórmulas sintéticas e fáceis de decorar.

VI. Adaptações necessárias

23. A tónica deste Catecismo incide sobre a exposição doutrinal. Com efeito, a sua intenção é ajudar a aprofundar o conhecimento da fé. Todo ele se orienta no sentido do amadurecimento da mesma fé, do seu enraizamento na vida e da sua irradiação no testemunho. [10. Cf. João Paulo II, Ex. ap. Catechesi tradendae, 20-22: AAS 71 (1979) 1293-1296; Ibid., 25: AAS 71 (1979) 1207-1298.]

24. Pela sua própria finalidade, este Catecismo não se propõe realizar as adaptações da exposição e dos métodos catequéticos, exigidas pelas diferenças de culturas, idades, maturidade espiritual, situações sociais e eclesiais daqueles a quem a catequese se dirige. Essas indispensáveis adaptações pertencem aos catecismos apropriados e, sobretudo, àqueles que ministram o ensino aos fiéis:

- «aquele que ensina deve "fazer-se tudo para todos" (1ª Cor. 9, 22) para a todos atrair a Jesus Cristo. [...] Sobretudo, não julgue que lhe está confiada apenas uma categoria de almas e que, portanto, lhe incumbe o trabalho de ensinar e formar de modo idêntico, na verdadeira piedade, todos os fiéis, usando sempre um só e mesmo método! Atendendo a que, em Cristo Jesus, uns são como crianças recém-nascidas, outros como adolescentes e outro, finalmente, já são efetivamente adultos, é necessário que pondere com toda a diligência quais são os que precisam de leite e quais os que carecem de um alimento mais sólido. [...] Isto mesmo testemunhava de si próprio o Apóstolo. [...] Os que são chamados ao ministério da pregação devem, ao transmitir o ensino dos mistérios da fé e das normas dos costumes, adaptar as suas palavras à mentalidade e à inteligência dos seus ouvintes». [11. Catechismus Romanus seu Catechismus ex decreto Concilii Tridentini ad parochos, Pii V Pontificis Maximi iussu editus, Praefatio, 11: ed P. Rodríguez (Città del Vaticano – Pamplona 1989) p. 11.

ACIMA DE TUDO - A CARIDADE

25. A concluir esta apresentação, é oportuno lembrar este princípio pastoral enunciado pelo Catecismo Romano:

Este é sem dúvida o caminho melhor, que o mesmo apóstolo seguia quando fundamentava a sua doutrina e ensino na caridade que não acaba nunca. A finalidade da doutrina e do ensino deve fixar-se toda no amor, que não acaba. Podemos expor muito bem o que se deve crer, esperar ou fazer; mas, sobretudo, devemos pôr sempre em evidência o amor de nosso Senhor, de modo que cada qual compreenda que qualquer ato de virtude perfeitamente cristão, não tem outra origem nem outro fim senão o amor. [12. Catechismus Romanus, Praefatio 10: ed. P. Rodriguez (Città del Vaticano – Pamplona 1989) p. 10].

PRIMEIRA PARTE - A PROFISSÃO DA FÉ

PRIMEIRA SECÇÃO - «EU CREIO» «NÓS CREMOS»

CAPÍTULO PRIMEIRO - O HOMEM É «CAPAZ» DE DEUS (§ 27-§ 49)

PRIMEIRA PARTE

A PROFISSÃO DA FÉ

PRIMEIRA SECÇÃO

«EU CREIO» - «NÓS CREMOS»

26. Quando professamos a nossa fé, começamos por dizer: «Creio», ou «Cremos». Portanto, antes de expor a fé da Igreja, tal como é confessada no Credo, celebrada na liturgia, vivida na prática dos mandamentos e na oração, perguntemos a nós mesmos o que significa «crer». A fé é a resposta do homem a Deus, que a ele se revela e se oferece, resposta que, ao mesmo tempo, traz uma luz superabundante ao homem que busca o sentido último da sua vida. Comecemos, pois, por considerar esta busca do homem (capítulo primeiro): depois, a Revelação divina pela qual Deus vem ao encontro do homem (capítulo segundo); finalmente, a resposta da fé (capítulo terceiro).

CAPÍTULO PRIMEIRO

O HOMEM É «CAPAZ» DE DEUS

I. O desejo de Deus

7. O desejo de Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem para si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que procura sem descanso:

- «a razão mais sublime da dignidade humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus. Desde o começo da sua existência, o homem é convidado a dialogar com Deus: pois se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele, e por amor, constantemente conservado: nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e não se entregar ao seu Criador». [II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, 19: AAS 58 (1966) 1038-1039].

28. De muitos modos, na sua história e até hoje, os homens exprimiram a sua busca de Deus em crenças e comportamentos religiosos (orações, sacrifícios, cultos, meditações, etc.). Apesar das ambiguidades de que podem enfermar, estas formas de expressão são tão universais que bem podemos chamar ao homem um ser religioso:

- Deus «criou de um só homem todo o género humano, para habitar sobre a superfície da terra, e fixou períodos determinados e os limites da sua habitação, para que os homens procurassem a Deus e se esforçassem realmente por O atingir e encontrar. Na verdade, Ele não está longe de cada um de nós. É n'Ele que vivemos, nos movemos e existimos» (At. 17, 26-28).

29. Mas esta «relação íntima e vital que une o homem a Deus» [II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, 19: AAS 58 (1966) 1039] pode ser esquecida, desconhecida e até explicitamente rejeitada pelo homem. Tais atitudes podem ter origens diversas [II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, 19-21: AAS 58 (1966) 1038-1042] a revolta contra o mal existente no mundo, a ignorância ou a indiferença religiosa, as preocupações do mundo e das riquezas [Cf. Mt. 13, 22], o mau exemplo dos crentes, as correntes de pensamento hostis à religião e, finalmente, a atitude do homem pecador que, por medo, se esconde de Deus [Cf. Gn. 3, 8-10. (1)] e foge quando Ele o chama. [Cf. Jn. 1, 3]

30. «Exulte o coração dos que procuram o Senhor» (Sl. 105, 3). Se o homem pode esquecer ou rejeitar Deus, Deus é que nunca deixa de chamar todo o homem a que O procure, para que encontre a vida e a felicidade. Mas esta busca exige do homem todo o esforço da sua inteligência, a retidão da sua vontade, «um coração reto», e também o testemunho de outros que o ensinam a procurar Deus.

És grande, Senhor, e altamente louvável; grande é o teu poder e a tua sabedoria é sem medida. E o homem, pequena parcela da tua criação, pretende louvar-Te - precisamente ele que, revestido da sua condição mortal, traz em si o testemunho do seu pecado, o testemunho de que Tu resistes aos soberbos. Apesar de tudo, o homem, pequena parcela da tua criação, quer louvar-Te. Tu próprio a isso o incitas, fazendo com que ele encontre as suas delícias no teu louvor, porque nos fizeste para ti e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Ti [Santo Agostinho, Confissões, I,1, 1: CCL 27. 1 (PL 32, 659-661)].

II. Os caminhos de acesso ao conhecimento de Deus

31. Criado à imagem de Deus, chamado a conhecer e a amar a Deus, o homem que procura Deus descobre certos «caminhos» de acesso ao conhecimento de Deus. Também se lhes chama «provas da existência de Deus» - não no sentido das provas que as ciências naturais indagam, mas no de «argumentos convergentes e convincentes» que permitem chegar a verdadeiras certezas.

Estes «caminhos» para atingir Deus têm como ponto de partida criação: o mundo material e a pessoa humana.

32. O mundo: a partir do movimento e do devir, da contingência, da ordem e da beleza do mundo, pode chegar-se ao conhecimento de Deus: como origem e fim do universo.

São Paulo afirma a respeito dos pagãos: «o que se pode conhecer de Deus manifesto para eles, porque Deus lhe manifestou. Desde a criação do mundo, a perfeições invisíveis de Deus, o seu poder eterno e a sua divindade tornam-se pelas suas obras, visíveis à inteligência» (Rm, 1, 19-20) [Cf. At. 14, 15, 17; 17. 27-28; Sb. 13, 1-9. (8)].

E Santo Agostinho: «interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar interroga a beleza do ar que se dilata e difunde, interroga a beleza do céu [...] interroga todas estas realidades. Todas te respondem: estás a ver como somos belas. A beleza delas é o seu testemunho de louvor [«confessio»]. Essas belezas sujeitas à mudança, quem as fez senão o Belo [«Ptdcher»], que não está sujeite à mudança»? [Santo Agostinho, Sermão 241. 2: PL 38, 1134].

33. O homem: Com a sua abertura à verdade e à beleza, com o seu sentido do bem moral, com a sua liberdade e a voz da sua consciência, com a sua ânsia de infinito e de felicidade, o homem interroga-se sobre a existência de Deus. Nestas aberturas, ele detecta sinais da sua alma espiritual. «Gérmen de eternidade que traz em si mesmo, irredutível à simples matéria» [II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes,18: AAS 58 (1966) 1038: cf. ibid., 14: AAS 58 (1966) 1036. (6)], a sua alma só em Deus pode ter origem.

34. O mundo e o homem atestam que não têm em si mesmos, nem o seu primeiro princípio, nem o seu fim último, mas que participam do ser em si, sem princípio nem fim. Assim, por estes diversos «caminhos», o homem pode ter acesso ao conhecimento da existência duma realidade que é a causa primeira e o fim último de tudo, «e a que todos chamam Deus». [São Tomás de Aquino, Summa theologiae I. q. 2, a. 3, e: Ed. Leon. 4, 31].

35. As faculdades do homem tornam-no capaz de conhecer a existência de um Deus pessoal. Mas, para que o homem possa entrar na sua intimidade, Deus quis revelar-se ao homem e dar-lhe a graça de poder receber com fé esta revelação. Todavia, as provas da existência de Deus podem dispor para a fé e ajudar a perceber que a fé não se opõe à razão humana.

III. O conhecimento de Deus segundo a Igreja

36. «A Santa Igreja, nossa Mãe, atesta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido, com certeza, pela luz natural da razão humana, a partir das coisas criadas». [I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 2: DS 3004: cf. Ibid., De Revelatione, canon 2: DS 3026; II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum. 6: AAS 58 (1966) 819]. Sem esta capacidade, o homem não poderia acolher a revelação de Deus. O homem tem esta capacidade porque foi criado «à imagem de Deus» (Gn. 1, 27).

37. Nas condições históricas em que se encontra, o homem experimenta, no entanto, muitas dificuldades para chegar ao conhecimento de Deus só com as luzes da razão:

- «com efeito, para falar com simplicidade, apesar de a razão humana poder verdadeiramente, pelas suas forças e luz naturais, chegar a um conhecimento verdadeiro e certo de um Deus pessoal, que protege e governa o mundo pela sua providência, bem como de uma lei natural inscrita pelo Criador nas nossas almas, há, contudo, bastantes obstáculos que impedem esta mesma razão de usar eficazmente e com fruto o seu poder natural, porque as verdades que dizem respeito a Deus e aos homens ultrapassam absolutamente a ordem das coisas sensíveis; e quando devem traduzir-se em atos e informar a vida, exigem que nos dêmos e renunciemos a nós próprios. O espírito humano, para adquirir semelhantes verdades, sofre dificuldade da parte dos sentidos e da imaginação, bem como dos maus desejos nascidos do pecado original. Daí deriva que, em tais matérias, os homens se persuadem facilmente da falsidade ou, pelo menos, da incerteza das coisas que não desejariam fossem verdadeiras». [Pio XII. Enc. Humani Generis: DS 3875. (13)].

38. É por isso que o homem tem necessidade de ser esclarecido pela Revelação de Deus, não somente no que diz respeito ao que excede o seu entendimento, mas também sobre «as verdades religiosas e morais que, de si, não são inacessíveis à razão, para que possam ser, no estado atual do gênero humano, conhecidas por todos sem dificuldade, com uma certeza firme e sem mistura de erro». [Ibid., DS 3876. Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius. c. 2: DS 3005; II Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Verbum. 6: AAS 58 (1966) 819-820; São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I, q. 1, a. 1, c.: Ed. Leon. 4. 6.

IV. Como falar de Deus?

39. Ao defender a capacidade da razão humana para conhecer Deus, a Igreja exprime a sua confiança na possibilidade de falar de Deus a todos os homens e com todos os homens. Esta convicção está na base do seu diálogo com as outras religiões, com a filosofia e as ciências, e também com os descrentes e os ateus.

40. Mas dado que o nosso conhecimento de Deus é limitado, a nossa linguagem, ao falar de Deus, também o é. Não podemos falar de Deus senão a partir das criaturas e segundo o nosso modo humano limitado de conhecer e de pensar.

41. Todas as criaturas são portadoras duma certa semelhança de Deus, muito especialmente o homem, criado à imagem e semelhança de Deus. As múltiplas perfeições das criaturas (a sua verdade, a sua bondade, a sua beleza) refletem, pois, a perfeição infinita de Deus. Daí que possamos falar de Deus a partir das perfeições das suas criaturas: «porque a grandeza e a beleza das criaturas conduzem, por analogia, à contemplação do seu Autor» (Sb. 13, 5).

42. Deus transcende toda a criatura. Devemos, portanto, purificar incessantemente a nossa linguagem no que ela tem de limitado, de ilusório, de imperfeito, para não confundir o Deus «inefável, incompreensível, invisível, impalpável» [Liturgia Bizantina. Anáfora de São João Crisóstomo: Liturgies Eastern and Western, ed. F. E. Brightman, Oxford 1896. p. 384 (PG 63, 915)] com as nossas representações humanas. As nossas palavras humanas ficam sempre aquém do mistério de Deus.

43. Ao falar assim de Deus, a nossa linguagem exprime-se, evidentemente, de modo humano. Mas atinge realmente o próprio Deus, sem, todavia, poder exprimi-Lo na sua infinita simplicidade. Devemos lembrar-nos de que, «entre o Criador e a criatura, não é possível notar uma semelhança sem que a dissemelhança seja ainda maior». [IV Concílio de Latrão, Cap. 2. De errore abbatis Ioachim: DS 806.], e de que «não nos é possível apreender de Deus o que Ele é, senão apenas o que Ele não é, e como se situam os outros seres em relação a Ele». [São Tomás de Aquino, Summa contra gentiles I 30: Ed. Leon. 13, 92].

Resumindo:

44. O homem é, por natureza e vocação, um ser religioso. Vindo de Deus e caminhando para Deus, o homem não vive uma vida plenamente humana senão na medida em que livremente viver a sua relação com Deus.

45. O homem foi feito para viver em comunhão com Deus, em quem encontra a sua felicidade: «quando eu estiver todo em Ti, não mais haverá tristeza nem angústia; inteiramente repleta de Ti, a minha vida será vida plena».
[Santo Agostinho, Confissões X, 28, 39: CCL 27, 175 (PL 32. 795)].

46. Quando escuta a mensagem das criaturas e a voz da sua consciência, o homem pode alcançar a certeza da existência de Deus, causa e fim de tudo.

47. A Igreja ensina que o Deus único e verdadeiro, nosso Criador e Senhor; pode ser conhecido com certeza pelas suas obras, graças à luz natural da razão humana. [I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, De revelatione, canon 2: DS 3026].

48. Nós podemos realmente falar de Deus partindo das múltiplas perfeições das criaturas, semelhanças de Deus infinitamente perfeito, ainda que a nossa linguagem limitada não consiga esgotar o mistério.

49. «A criatura sem o Criador esvai-se» [II Concílio do Vaticano II, Const. past. Gaudium et Spes, 36: AAS 58 (1966) 1054]. Por isso, os crentes sentem-se pressionados pelo amor de Cristo a levar a luz do Deus vivo aos que O ignoram ou rejeitam.

CAPÍTULO SEGUNDO - DEUS AO ENCONTRO DO HOMEM (§ 50-§ 141)

CAPÍTULO SEGUNDO

DEUS AO ENCONTRO DO HOMEM 

50. Pela razão natural, o homem pode conhecer Deus com certeza, a partir das suas obras. Mas existe outra ordem de conhecimento, que o homem de modo nenhum pode atingir por suas próprias forças: a da Revelação divina [Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 4: DS 3015].

7. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 3: AAS 58 (1966) 818.

8. Oração eucarística IV: Missal Romano, editio typica. Typis Polyglottis Vaticanis. 1970 p. 467. [Gráfica de Coimbra 1992, p. 538].

9. Cf. Gn. 9, 9.

10. Cf. Gn. 10, 20-31. (1). Por uma vontade absolutamente livre, Deus revela-se e dá-se ao homem. E o faz revelando o seu mistério, o desígnio benevolente que, desde toda a eternidade, estabeleceu em Cristo, em favor de todos os homens. Revela plenamente o seu desígnio, enviando o seu Filho bem-amado, nosso Senhor Jesus Cristo, e o Espírito Santo.

ARTIGO 1

A REVELAÇÃO DE DEUS

I. Deus revela o seu «desígnio benevolente»

51. «Aprouve a Deus, na sua sabedoria e bondade, revelar-se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade, segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tomam participantes da natureza divina» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 2: AAS 58 (1966) 818].

52. Deus, que «habita numa luz inacessível» (1ª Tm. 6, 16), quer comunicar a sua própria vida divina aos homens que livremente criou, para fazer deles, no seu Filho único, filhos adotivos [Cf. Ef. 1, 4-5]. Revelando-se a Si mesmo, Deus quer tornar os homens capazes de Lhe responderem, de o conhecerem e de o amarem, muito para além de tudo o que seriam capazes por si próprios.

53. O desígnio divino da Revelação realiza-se, ao mesmo tempo, «por meio de ações e palavras, intrinsecamente relacionadas entre si» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 2: AAS 58 (1966)] e esclarecendo-se mutuamente. Comporta um particular «pedagogia divina»: Deus comunica-se gradualmente ao homem e prepara-o, por etapas, para receber a Revelação sobrenatural que faz de Si próprio e que vai culminar na Pessoa e missão do Verbo encarnado, Jesus Cristo.

Santo Ireneu de Lião fala várias vezes desta pedagogia divina, sob a imagem da familiaridade mútua entre Deus e o homem: «o Verbo de Deus [...] habitou no homem e fez-Se Filho do Homem, para acostumar o homem a apreender Deus e Deus a habitar no homem, segundo o beneplácito do Pai». [Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses III, 20, 2: SC 211, 392 (Pg. 7, 944); cf. por exemplo, Ibid. III 17, I: SC 211. 330 (PG 7, 929); Ibid. IV, 12. 4: SC 100, 518 (PG 7, 1006); Ibid. IV 21, 3: SC 100, 684 (PG 7, 1046)]

II. As etapas da Revelação

DESDE A ORIGEM, DEUS DÁ-SE A CONHECER

54. «Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo, oferece aos homens um testemunho perene de Si mesmo nas coisas criadas, e, além disso, decidindo abrir o caminho da salvação sobrenatural, manifestou-se a Si mesmo, desde o princípio, aos nossos primeiros pais» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 3: AAS 58 (1966) 818. (6)]. Convidou-os a uma comunhão íntima consigo, revestindo-os de uma graça e justiça resplandecentes.

55. Esta Revelação não foi interrompida pelo pecado dos nossos primeiros pais. Com efeito, Deus, «depois da sua queda, com a promessa de redenção, deu-lhes a esperança da salvação, e cuidou continuamente do género humano, para dar a vida eterna a todos aqueles que, perseverando na prática das boas obras, procuram a salvação» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 3: AAS 58 (1966) 818.].

«E quando, por desobediência, perdeu a vossa amizade, não o abandonastes ao poder da morte [...] Repetidas vezes fizestes aliança com os homens» [Oração eucarística IV: Missal Romano, editio typica. Typis Polyglottis Vaticanis. 1970 p. 467. [Gráfica de Coimbra 1992, p. 538].

A ALIANÇA COM NOÉ

56. Desfeita a unidade do género humano pelo pecado, Deus procurou imediatamente, salvar a humanidade intervindo com cada uma das suas partes. A aliança com Noé, a seguir ao dilúvio [Cf. Gn. 9, 9}, exprime o princípio da economia divina em relação às «nações», quer dizer, em relação aos homens reagrupados «por países e línguas, por famílias e nações» (Gn. 10, 5) [Cf. Gn. 10, 20-31]

57. Esta ordem, ao mesmo tempo cósmica, social e religiosa da pluralidade das nações [Cf. At. 17, 26-27], destinava-se a limitar o orgulho duma humanidade decaída, que, unânime na sua perversidade [Cf. Sb. 10, 5], pretendia refazer por si mesma a própria unidade, à maneira de Babel [Cf. Gn. 11, 4-6].  Mas, por causa do pecado [Cf. Rm. 1, 18-25], quer o politeísmo quer a idolatria da nação e do seu chefe são uma contínua ameaça de perversão pagã a esta economia provisória.

58. A aliança com Noé permanece em vigor enquanto durar o tempo das nações [Cf. Lc. 21, 24], até à proclamação universal do Evangelho. A Bíblia venera algumas grandes figuras das «nações», como «o justo Abel», o rei e sacerdote Melquisedec [Cf. Gn. 14, 18], figura de Cristo [Cf. Heb. 7, 3], ou os justos «Noé, Daniel e Job» (Ez. 14, 14). Deste modo, a Escritura exprime o alto grau de santidade que podem atingir os que vivem segundo a aliança de Noé, na expectativa de que Cristo «reúna, na unidade, todos os filhos de Deus dispersos» (Jo. 11, 52).

DEUS ELEGE ABRAÃO

59. Para reunir a humanidade dispersa, Deus escolhe Abrão, chamando-o para «deixar a sua terra, a sua família e a casa de seu pai» (Gn. 12, 1), para o fazer Abraão, quer dizer, «pai de um grande número de nações» (Gn. 17, 5): «em ti serão abençoadas todas as nações da Terra» (Gn. 12, 3) [Cf. Gl. 3, 8].

60. O povo descendente de Abraão será o depositário da promessa feita aos patriarcas, o povo eleito [Cf. Rm. 11, 28], chamado a preparar a reunião, um dia, de todos os filhos de Deus na unidade da Igreja [Cf. Jo. 11, 52; 10, 16]. Será o tronco em que serão enxertados os pagãos tornados crentes [Cf. Rm. 11, 17-18. 24].

61. Os patriarcas, os profetas e outras personagens do Antigo Testamento foram, e serão sempre, venerados como santos em todas as tradições litúrgicas da Igreja.

DEUS FORMA O SEU POVO ISRAEL

62. Depois dos patriarcas, Deus formou Israel como seu povo, salvando-o da escravidão do Egito. Concluiu com ele a aliança do Sinai e deu-lhe, por Moisés, a sua Lei, para que Israel o reconhecesse e o servisse como único Deus vivo e verdadeiro, Pai providente e justo Juiz, e vivesse na expectativa do Salvador prometido [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 3: AAS 58 (1966) 818].

63. Israel é o povo sacerdotal de Deus [Cf. Ex. 19, 6], sobre o qual «foi invocado o Nome do Senhor» (Dt. 28, 10). É o povo daqueles «a quem Deus falou em primeiro lugar» [Sexta-Feira da Paixão do Senhor. Oração universal VI: Missale Romanum. editio typica. Typis Polyglottis Vaticanis 1975, p. 254 [a tradução oficial portuguesa omite este particular: Missal Romano. Gráfica de Coimbra 1992. p. 259.267], o povo dos «irmãos mais velhos» na fé de Abraão [João Paulo II, Discurso na sinagoga durante o encontro com a comunidade hebraica da cidade de Roma (13 de abril de 1986), 4: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, IX/1, 1027].

64. Pelos profetas, Deus forma o seu povo na esperança da salvação, na expectativa duma aliança nova e eterna, destinada a todos os homens [Cf. Is. 2, 2-4], e que será gravada nos corações [Cf. Jr. 31, 31-34: Heb. 10, 16]. Os profetas anunciam uma redenção radical do povo de Deus, a purificação de todas as suas infidelidades [Cf. Ez. 36], uma salvação que abrangerá todas as nações [Cf. Is. 49, 5-6: 53, 11]. Serão sobretudo os pobres e os humildes do Senhor 30. [Cf. Sf.  2, 3] os portadores desta esperança. As mulheres santas como Sara, Rebeca, Raquel, Míriam, Débora, Ana, Judite e Ester conservaram viva a esperança da salvação de Israel. Maria é a imagem puríssima desta esperança [Cf. Lc. 1, 38].

III. Jesus Cristo - «Mediador e plenitude de toda a Revelação» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 2: AAS 58 (1966) 818].

NO SEU VERBO, DEUS DISSE TUDO

65. «Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos pelo seu Filho» (Heb. 1, 1-2). Cristo, Filho de Deus feito homem, é a Palavra única, perfeita e insuperável do Pai.

N'Ele, o Pai disse tudo. Não haverá outra palavra além dessa. São João da Cruz, após tantos outros, exprime-o de modo luminoso, ao comentar Hebreus. 1, 1-2:

«Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua Palavra - e não tem outra - (Deus) disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez nesta Palavra única e já nada mais tem para dizer. [...] Porque o que antes disse parcialmente pelos profetas, revelou-o totalmente, dando-nos o Todo que é o seu Filho. E por isso, quem agora quisesse consultar a Deus ou pedir-Lhe alguma visão ou revelação, não só cometeria um disparate, mas faria agravo a Deus, por não pôr os olhos totalmente em Cristo e buscar fora d'Ele outra realidade ou novidade» [São João da Cruz, Subida del monte Carmelo 2, 22, 3-5: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 11, Burgos 1929. p. 184. [ID. Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1986) p. 196 = Segunda leitura do Ofício de Leituras da Segunda-Feira da II Semana do Advento].

JÁ NÃO HAVERÁ OUTRA REVELAÇÃO

66. «Portanto, a economia cristã, como nova e definitiva aliança, jamais passará, e já não se há de esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 4: AAS 58 (1966) 819]. No entanto, apesar de a Revelação já estar completa, ainda não está plenamente explicitada. E está reservado à fé cristã apreender gradualmente todo o seu alcance, no decorrer dos séculos.

67. No decurso dos séculos tem havido revelações ditas «privadas», algumas das quais foram reconhecidas pela autoridade da Igreja. Todavia, não pertencem ao depósito da fé. O seu papel não é «aperfeiçoar» ou «completar» a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la mais plenamente, numa determinada época da história. Guiado pelo Magistério da Igreja, o sentir dos fiéis sabe discernir e guardar o que nestas revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou dos seus santos à Igreja.

A fé cristã não pode aceitar «revelações» que pretendam ultrapassar ou corrigir a Revelação de que Cristo é a plenitude. É o caso de certas religiões não-cristãs, e também de certas seitas recentes. fundadas sobre tais «revelações».

Resumindo:

68. Por amor, Deus revelou-se e deu-se ao homem. Dá assim uma resposta definitiva e superabundante às questões que o homem se põe a Si próprio sobre o sentido e o fim da sua vida.

69. Deus revelou-se ao homem, comunicando-lhe gradualmente o seu próprio mistério, por ações e por palavras.

70. Além do testemunho que dá de Si mesmo através das coisas criadas, Deus manifestou-se a Si próprio aos nossos primeiros pais. Falou-lhes e, depois da queda, prometeu-lhes a salvação [Cf. Gn. 3, 15] e ofereceu-lhes a sua aliança.

71. Deus concluiu com Noé uma aliança eterna entre Si e todos os seres vivos [Cf. Gn 9, 16]. Essa aliança durará enquanto durar o mundo.

72. Deus escolheu Abraão e concluiu uma aliança com ele e os seus descendentes. Fez deles o seu povo, ao qual revelou a sua Lei por meio de Moisés. E preparou-o, pelos profetas, a acolher a salvação destinada a toda a humanidade.

73. Deus revelou-se plenamente enviando o seu próprio Filho, no qual estabeleceu a sua aliança para sempre. O Filho é a Palavra definitiva do Pai, de modo que, depois d'Ele, não haverá outra Revelação.

ARTIGO 2

A TRANSMISSÃO DA REVELAÇÃO DIVINA

74. Deus «quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade» (1ª Tm. 2, 4), quer dizer, de Cristo Jesus [Cf. Jo. 14, 6]. Por isso, é preciso que Cristo seja anunciado a todos os povos e a todos os homens, e que, assim a Revelação chegue aos confins do mundo:

- Deus dispôs amorosamente que permanecesse íntegro e fosse transmitido a todas as gerações tudo quanto tinha revelado para salvação de todos os povos [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 7: AAS 58 (1966) 820].

I. A Tradição apostólica

75. «Cristo Senhor, em quem toda a revelação do Deus altíssimo se consuma, tendo cumprido e promulgado pessoalmente o Evangelho antes prometido pelos profetas, mandou aos Apóstolos que o pregassem a todos, como fonte de toda a verdade salutar e de toda a disciplina de costumes, comunicando-lhes assim os dons divinos» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 7: AAS 58 (1966) 820].

A PREGAÇÃO APOSTÓLICA ...

76. A transmissão do Evangelho, segundo a ordem do Senhor, fez-se de duas maneiras:

Oralmente, «pelos Apóstolos, que, na sua pregação oral, exemplos e instituições, transmitiram aquilo que tinham recebido dos lábios, trato e obras de Cristo, e o que tinham aprendido por inspiração do Espírito Santo»;

– por escrito, «por aqueles apóstolos e varões apostólicos que, sob a inspiração do mesmo Espírito Santo, escreveram a mensagem da salvação» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 7: AAS 58 (1966) 820].

... CONTINUADA NA SUCESSÃO APOSTÓLICA

77. «Para que o Evangelho fosse perenemente conservado íntegro e vivo na Igreja, os Apóstolos deixaram os Bispos como seus sucessores, "entregando-lhes o seu próprio ofício de magistério"» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 7: AAS 58 (1966) 820]. Com efeito, «a pregação apostólica, que se exprime de modo especial nos livros inspirados, devia conservar-se, por uma sucessão ininterrupta, até à consumação dos tempos» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821].

78. Esta transmissão viva, realizada no Espírito Santo, denomina-se Tradição, enquanto distinta da Sagrada Escritura, embora estreitamente a ela ligada. Pela Tradição, «a Igreja, na sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo aquilo que ela é e tudo em que acredita» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821]. «Afirmações dos santos Padres testemunham a presença vivificadora desta Tradição, cujas riquezas entram na prática e na vida da Igreja crente e orante» [II Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821].

79. Assim, a comunicação que o Pai fez de Si próprio, pelo seu Verbo, no Espírito Santo, continua presente e ativa na Igreja: «Deus, que outrora falou, dialoga sem interrupção com a esposa do seu amado Filho; e o Espírito Santo - por quem ressoa a voz do Evangelho na Igreja, e, pela Igreja, no mundo - introduz os crentes na verdade plena e faz com que a palavra de Cristo neles habite em toda a sua riqueza» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821].

II. A relação entre a Tradição e a Sagrada Escritura

UMA FONTE COMUM...

80. «A Tradição sagrada e a Sagrada Escritura estão intimamente unidas e compenetradas entre si. Com efeito, derivando ambas da mesma fonte divina, fazem como que uma coisa só e tendem ao mesmo fim» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 9: AAS 58 (1966) 821]. Uma e outra tornam presente e fecundo na Igreja o mistério de Cristo, que prometeu estar com os seus, «sempre, até ao fim do mundo» (Mt. 28, 20).

... DUAS FORMAS DE TRANSMISSÃO DISTINTAS

81. «A Sagrada Escritura é a Palavra de Deus enquanto foi escrita por inspiração do Espírito divino».

«A sagrada Tradição, por sua vez, conserva a Palavra de Deus, confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos, e transmite-a integralmente aos seus sucessores, para que eles, com a luz do Espírito da verdade, fielmente a conservem, exponham e difundam na sua pregação» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 9: AAS 58 (1966) 821].

82. Daí resulta que a Igreja, a quem está confiada a transmissão e interpretação da Revelação, «não tira só da Sagrada Escritura a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas. Por isso, ambas devem ser recebidas e veneradas com igual espírito de piedade e reverência» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 9: AAS 58 (1966) 821].

TRADIÇÃO APOSTÓLICA E TRADIÇÕES ECLESIAIS

83. A Tradição de que falamos aqui é a que vem dos Apóstolos. Ela transmite o que estes receberam do ensino e do exemplo de Jesus e aprenderam pelo Espírito Santo. De fato, a primeira geração de cristãos não tinha ainda um Novo Testamento escrito, e o próprio Novo Testamento testemunha o processo da Tradição viva.

É preciso distinguir, desta Tradição, as «tradições» teológicas, disciplinares, litúrgicas ou devocionais, nascidas no decorrer do tempo nas Igrejas locais. Elas constituem formas particulares, sob as quais a grande Tradição recebe expressões adaptadas aos diversos lugares e às diferentes épocas. É à sua luz que estas podem ser mantidas, modificadas e até abandonadas, sob a direção do Magistério da Igreja.

III. A interpretação da herança da fé

A HERANÇA DA FÉ CONFIADA À TOTALIDADE DA IGREJA

84. O depósito da fé [Cf. 1ª Tm. 6, 20; 2ª Tm. 1, 12-14] («depositum fidei»), contido na Tradição sagrada e na Sagrada Escritura, foi confiado pelos Apóstolos ao conjunto da Igreja. «Apoiando-se nele, todo o povo santo persevera unido aos seus pastores na doutrina dos Apóstolos e na comunhão, na fracção do pão e na oração, de tal modo que, na conservação, atuação e profissão da fé transmitida, haja uma especial concordância dos pastores e dos fiéis» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 10: AAS 58 (1966) 822].

O MAGISTÉRIO DA IGREJA

85. «O encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus, escrita ou contida na Tradição, foi confiado só ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 10: AAS 58 (1966) 822], isto é, aos Bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o Bispo de Roma».

86. «Todavia, este Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente, haurindo deste depósito único da fé tudo quanto propõe à fé como divinamente revelado» [II Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Verbum, 10: AAS 58 (1966) 822].

87. Os fiéis, lembrando-se da palavra de Cristo aos Apóstolos: «quem vos escuta escuta-me a Mim» (Lc. 10, 16) [Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 20: AAS 57 (1965) 24]., recebem com docilidade os ensinamentos e as diretrizes que os seus pastores lhes dão, sob diferentes formas.

OS DOGMAS DA FÉ

88. O Magistério da Igreja faz pleno uso da autoridade que recebeu de Cristo quando define dogmas, isto é, quando propõe, dum modo que obriga o povo cristão a uma adesão irrevogável de fé, verdades contidas na Revelação divina ou quando propõe, de modo definitivo, verdades que tenham com elas um nexo necessário.

89. Existe uma ligação orgânica entre a nossa vida espiritual e os dogmas. Os dogmas são luzes no caminho da nossa fé: iluminam-no e tornam-no seguro. Por outro lado, se a nossa vida for reta, a nossa inteligência e nosso coração estarão abertos para acolher a luz dos dogmas da fé [Cf. Jo. 8, 31-32].

90. A interligação e a coerência dos dogmas podem encontrar-se no conjunto da revelação do mistério de Cristo [Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 4: DS 3016 «mysteriorum nexus». Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 25: AAS 57 (1965) 29]. Convém lembrar que «existe uma ordem ou "hierarquia" das verdades da doutrina católica, já que o nexo delas com o fundamento da fé cristã é diferente» [II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 11: AAS 57 (1965) 99].

O SENTIDO SOBRENATURAL DA FÉ

91. Todos os fiéis participam na compreensão e na transmissão da verdade revelada. Todos receberam a unção do Espírito Santo que os instrui [Cf. 1ª Jo. 2, 20. 27] e os conduz «à verdade total» (Jo. 16, 13).

92. «A totalidade dos fiéis [...] não pode enganar-se na fé e manifesta esta sua propriedade peculiar por meio do sentir sobrenatural da fé do povo todo, quando, "desde os Bispos até ao último dos fiéis leigos", exprime consenso universal em matéria de fé e costumes» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 12: AAS 57 (1965) 16].

93. «Com este sentido da fé, que se desperta e sustenta pela ação do Espírito de verdade, o povo de Deus, sob a direção do sagrado Magistério [...] adere indefectivelmente à fé, uma vez por todas confiada aos santos; penetra-a mais profundamente com juízo acertado e aplica-a mais totalmente na vida» [II Concílio do Vaticano. Const. dogm. Lumen Gentium, 12: AAS 57 (1965) 16].

O CRESCIMENTO NA INTELIGÊNCIA DA FÉ

94. Graças à assistência do Espírito Santo, a inteligência das realidades e das palavras do depósito da fé pode crescer na vida da Igreja:

«pela contemplação e pelo estudo dos crentes, que as meditam no seu coração» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821]; e particularmente pela «investigação teológica, que aprofunda o conhecimento da verdade revelada» [II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 62: AAS 58 (1966) 1084: cf. Ibid. 44: AAS 58 (1966) 1065; Const. dogm. Dei Verbum, 23: AAS 58 (1966) 828; Ibid. 24: AAS 58 (1966) 828-829: Decr. Unitatis redintegratio, 4: AAS 57 (1965) 94].

«pela inteligência interior das coisas espirituais que os crentes experimentam» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821]; «divina eloquia cum legente crescunt» - «as palavras divinas crescem com quem as lê» [São Gregório Magno, Homilia in Ezechielem 1. 7, 8: CCL 142. 87 (PL 76, 843 D)].

«pela pregação daqueles que receberam, com a sucessão episcopal, um carisma certo da verdade» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821].

95. «É claro, portanto, que a sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, segundo um sapientíssimo desígnio de Deus, estão de tal maneira ligados e conjuntos, que nenhum pode subsistir sem os outros e, todos juntos, cada um a seu modo, sob a ação do mesmo Espírito Santo, contribuem eficazmente para a salvação das almas» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 10: AAS 58 (1966) 822].

Resumindo:

96. O que Cristo confiou aos Apóstolos, estes o transmitiram, pela sua pregação e por escrito, sob a inspiração do Espírito Santo, a todas as gerações, até à vinda gloriosa de Cristo.

97. «A sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um único depósito sagrado da Palavra de Deus» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 10: AAS 58 (1966) 822], no qual, como num espelho, a Igreja peregrina contempla Deus, fonte de todas as suas riquezas.

98. «Na sua doutrina, vida e culto, a Igreja perpetua e transmite a todas as gerações tudo aquilo que ela é, tudo aquilo em que acredita» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821].

99. Graças ao sentido sobrenatural da fé, o povo de Deus, no seu todo, não cessa de acolher o dom da Revelação divina, de nele penetrar mais profundamente e de viver dele mais plenamente.

100. O encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus foi confiado unicamente ao Magistério da Igreja, ao Papa e aos bispos em comunhão com ele.

ARTIGO 3

A SAGRADA ESCRITURA

I. Cristo – Palavra única da Escritura santa

101. Na sua bondade condescendente, para se revelar aos homens. Deus fala-lhes em palavras humanas: «as palavras de Deus, com efeito, expressas por línguas humanas, tornaram-se semelhantes à linguagem humana, tal como outrora o Verbo do eterno Pai se assemelhou aos homens assumindo a carne da debilidade humana» [II Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Verbum, 13: AAS 58 (1966) 824].

102. Através de todas as palavras da Sagrada Escritura. Deus não diz mais que uma só Palavra, o seu Verbo único, em quem totalmente Se diz [Cf. Heb. 1, 1-3]:

- «lembrai-vos de que o discurso de Deus que se desenvolve em todas as Escrituras é um só e um só é o Verbo que Se faz ouvir na boca de todos os escritores sagrados, o qual, sendo no princípio Deus junto de Deus, não tem necessidade de sílabas, pois não está sujeito ao tempo» [Santo Agostinho, Enarratio in Psalmum 103, 4, 1: CCL 40, 1521 (PL 37, 1378)].

103. Por esta razão, a Igreja sempre venerou as divinas Escrituras tal como venera o Corpo do Senhor. Nunca cessa de distribuir aos fiéis o Pão da vida, tornado à mesa quer da Palavra de Deus, quer do Corpo de Cristo [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 21: AAS 58 (1966) 827].

104. Na Sagrada Escritura, a Igreja encontra continuamente o seu alimento e a sua força [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 24: AAS 58 (1966) 829], porque nela não recebe apenas uma palavra humana, mas o que ela é na realidade: a Palavra de Deus [Cf. 1ª Ts. 2, 13]. «Nos livros sagrados, com efeito, o Pai que está nos Céus vem amorosamente ao encontro dos seus filhos, a conversar com eles» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 21: AAS 58 (1966) 827-828].

II. Inspiração e verdade da Sagrada Escritura

105. Deus é o autor da Sagrada Escritura. «A verdade divinamente revelada, que os livros da Sagrada Escritura contêm e apresentam, foi registrada neles sob a inspiração do Espírito Santo».

«Com efeito, a santa Mãe Igreja, segundo a fé apostólica, considera como sagrados e canónicos os livros completos do Antigo e do Novo Testamento com todas as suas partes, porque, escritos por inspiração do Espírito Santo, têm Deus por autor, e como tais foram confiados à própria Igreja» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 11: AAS 58 (1966) 822-823].

106. Deus inspirou os autores humanos dos livros sagrados. «Para escrever os livros sagrados, Deus escolheu e serviu-se de homens, na posse das suas faculdades e capacidades, para que, agindo Ele neles e por eles, pusessem por escrito, como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 11: AAS 58 (1966) 823].

107. Os livros inspirados ensinam a verdade. «E assim como tudo o que os autores inspirados ou hagiógrafos afirmam, deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, por isso mesmo se deve acreditar que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro, a verdade que Deus quis que fosse consignada nas sagradas Letras em ordem à nossa salvação» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 11: AAS 58 (1966) 823].

108. No entanto, a fé cristã não é uma «religião do Livro». O Cristianismo é a religião da «Palavra» de Deus, não duma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo» [São Bernardo de Claraval, Homilia super "Missus est", 4, 11: Opera, ed. J. Leclercq – H. Rochais, V. 4, Roma 1966, p. 57]. Para que não sejam letra morta, é preciso que Cristo, Palavra eterna do Deus vivo, pelo Espírito Santo, nos abra o espírito à inteligência das Escrituras [Cf. Lc. 24, 45].

III. O Espírito Santo, intérprete da Escritura

109. Na Sagrada Escritura, Deus fala ao homem à maneira dos homens. Portanto, para bem interpretar a Escritura, é necessário prestar atenção ao que os autores humanos realmente quiseram dizer, e àquilo que aprouve a Deus manifestar-nos pelas palavras deles [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum 12: AAS 58 11966) 823. (71)].

110. Para descobrir a intenção dos autores sagrados, é preciso ter em conta as condições do seu tempo e da sua cultura, os «géneros literários» em uso na respectiva época, os modos de sentir, falar e narrar correntes naquele tempo. «Porque a verdade é proposta e expressa de modos diversos, em textos históricos de vária índole, ou proféticos, ou poéticos ou de outros géneros de expressão» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 12: AAS 58 (1966) 823].

111. Mas, uma vez que a Sagrada Escritura é inspirada, existe outro princípio de interpretação reta, não menos importante que o anterior, e sem o qual a Escritura seria letra morta: «a Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada com o mesmo espírito com que foi escrita» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 12: AAS 58 (1966) 824].

O II Concílio do Vaticano indica três critérios para uma interpretação da Escritura conforme ao Espírito que a inspirou
[II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 12: AAS 58 (1966) 824].

112. 1. Prestar grande atenção «ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura». Com efeito, por muito diferentes que sejam os livros que a compõem, a Escritura é una, em razão da unidade do desígnio de Deus, de que Jesus Cristo é o centro e o coração, aberto desde a sua Páscoa [Cf. Lc. 24. 25-27. 44-46].

«Por coração [85. Cf. Sl. 22, 15] de Cristo entende-se a Sagrada Escritura que nos dá a conhecer o coração de Cristo. Este coração estava fechado antes da Paixão, porque a Escritura estava cheia de obscuridades. Mas a Escritura ficou aberta depois da Paixão e assim, aqueles que desde então a consideram com inteligência, discernem o modo como as profecias devem ser interpretadas» [São Tomás de Aquino, Expositio in Psalmos, 21, 11: Opera omnia. v. 18. Paris 1876, p. 350].

113. 2. Ler a Escritura na «tradição viva de toda a Igreja». Segundo uma sentença dos Padres, «Sacra Scriptura principalius est in corde Ecclesiae quam in materialibus instrumentis scripta» - «A Sagrada Escritura está escrita no coração da Igreja, mais do que em instrumentos materiais» [Cf. Santo Hilário de Poitiers, Liber ad Constantium Imperatorem 9: CSEL 65. 204 PL 10, 570); São Jerónimo. Commentarius in epistulam ad Galatas I 1, 11-12: PL 26. 347]. Com efeito, a Igreja conserva na sua Tradição a memória viva da Palavra de Deus, e é o Espírito Santo que lhe dá a interpretação espiritual da Escritura («... secundum spiritualem sensum quem Spiritus donat Ecclesiae» «segundo o sentido espiritual que o Espírito Santo dá à Igreja») [Orígenes, Homiliae in Leviticum 5, 5: SC 286, 228 (PG 12, 454)].

114. 3. Estar atento «à analogia da fé» [Cf. Rm. 12, 6]. Por «analogia da fé» entendemos a coesão das verdades da fé entre si e no projeto total da Revelação.

OS SENTIDOS DA ESCRITURA

115. Segundo uma antiga tradição, podemos distinguir dois sentidos da Escritura: o sentido literal e o sentido espiritual, subdividindo-se este último em sentido alegórico, moral e anagógico. A concordância profunda dos quatro sentidos assegura a sua riqueza à leitura viva da Escritura na Igreja:

116. O sentido literal. É o expresso pelas palavras da Escritura e descoberto pela exegese segundo as regras da reta interpretação. «Omnes sensus (sc. Sacrae Scripturae) fundentur super litteralem» - «Todos os sentidos (da Sagrada Escritura) se fundamentam no literal» [São Tomás de Aquino, Summa theologiae I, q. 1, a. 10, ad I: Ed. Leon. 4, 25. (81)].

117. O sentido espiritual. Graças à unidade do desígnio de Deus, não só o texto da Escritura, mas também as realidades e acontecimentos de que fala, podem ser sinais.

1. O sentido alegórico. Podemos adquirir uma compreensão mais profunda dos acontecimentos, reconhecendo o seu significado em Cristo: por exemplo, a travessia do Mar Vermelho é um sinal da vitória de Cristo e, assim, do Batismo [Cf. 1ª Cor. 10, 2]

2. O sentido moral. Os acontecimentos referidos na Escritura podem conduzir-nos a um comportamento justo. Foram escritos «para nossa instrução» (1ª Cor. 10, 11) [Cf. Heb. 3-4, 11].

3. O sentido anagógico. Podemos ver realidades e acontecimentos no seu significado eterno, o qual nos conduz (em grego: «anagoge») em direção à nossa Pátria. Assim, a Igreja terrestre é sinal da Jerusalém celeste [Cf. Ap. 21, 1-22, 5].

118. Um dístico medieval resume a significação dos quatro sentidos:

«Littera gesta docet, quid credas allegoria.
Moralis quid agas, quo tendas anagogia».
«A letra ensina-te os fatos (passados), a alegoria o que deves crer, a moral o que deves fazer, a anagogia para onde deves tender»
Agostinho de Dácia, Rotulus pugillaris, I: ed. A. Waltz: Angelicum 6(1929) 256].

119. «Cabe aos exegetas trabalhar, de harmonia com estas regras, por entender e expor mais profundamente o sentido da Sagrada Escritura, para que, mercê deste estudo, de algum modo preparatório, amadureça o juízo da Igreja. Com efeito, tudo quanto diz respeito à interpretação da Escritura, está sujeito ao juízo último da Igreja, que tem o divino mandato e o ministério de guardar e interpretar a Palavra de Deus» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 12: AAS 58 (1966) 824]:

«Ego vero Evangelio non crederem, nisi me catholicae Ecclesiae commoveret auctoritas» - «Quanto a mim, não acreditaria no Evangelho se não me movesse a isso a autoridade da Igreja católica» [Santo Agostinho, Contra Epistulam Manichaei quam vocant fundamenti 5. 6: CSEL 25, 197 (PL 42, 176)].

IV. O Cânon das Escrituras

120. Foi a Tradição Apostólica que levou a Igreja a discernir quais os escritos que deviam ser contados na lista dos livros sagrados [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821]. Esta lista integral é chamada «Cânon» das Escrituras. Comporta, para o Antigo Testamento, 46 (45, se se contar Jeremias e as Lamentações como um só) escritos, e, para o Novo, 27 [Cf. Decretum Damasi: DS 179-180: Concílio de Florença, Decretum pro Iacobitis: DS 1334-1336; Concílio de Trento. Sess. 4ª. Decretum de Libris Sacris et de traditionibus recipiendis: DS 1501-1504].

Para o Antigo Testamento: Gêneses, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronómio, Josué, Juízes, Rute, os dois livros de Samuel, os dois livros dos Reis, os dois livros das Crónicas, Esdras e Neemias, Tobias, Judite, Ester, os dois livros dos Macabeus, Job, os Salmos, os Provérbios, o Eclesiastes (ou Coelet), o Cântico dos Cânticos, a Sabedoria, o livro de Ben-Sirá (ou Eclesiástico), Isaías, Jeremias, as Lamentações, Baruc, Ezequiel, Daniel, Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Nahum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias;

Para o Novo Testamento: os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João; os Atos dos Apóstolos; as epístolas de São Paulo: aos Romanos, primeira e segunda aos Coríntios, aos Gálatas, aos Efésios, aos Filipenses, aos Colossenses, primeira e segunda aos Tessalonicenses, primeira e segunda a Timóteo, a Tito, a Filemon: a Epístola aos Hebreus; a Epístola de Tiago, a primeira e segunda de Pedro, as três epístolas de João, a Epístola de Judas e o Apocalipse.

O ANTIGO TESTAMENTO

121. O Antigo Testamento é uma parte da Sagrada Escritura de que não se pode prescindir. Os seus livros são divinamente inspirados e conservam um valor permanente [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 14: AAS 58 (1966) 825], porque a Antiga Aliança nunca foi revogada.

122. Efetivamente, «a economia do Antigo Testamento destinava-se, sobretudo, a preparar [...] o advento de Cristo, redentor universal».

Os livros do Antigo Testamento, «apesar de conterem também coisas imperfeitas e transitórias», dão testemunho de toda a divina pedagogia do amor salvífico de Deus: neles «encontram-se sublimes doutrinas a respeito de Deus, uma sabedoria salutar a respeito da vida humana, bem como admiráveis tesouros de preces»; neles, em suma, está latente o mistério da nossa salvação» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 15: AAS 58 (1966) 825. (91)].

123. Os cristãos veneram o Antigo Testamento como verdadeira Palavra de Deus. A Igreja combateu sempre vigorosamente a ideia de rejeitar o Antigo Testamento, sob o pretexto de que o Novo o teria feito caducar (Marcionismo).

O NOVO TESTAMENTO

124. «A Palavra de Deus, que é força de Deus para salvação de quem acredita, apresenta-se e manifesta o seu poder dum modo eminente nos escritos do Novo Testamento» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 17: AAS 58 (1966) 826]. Estes escritos transmitem-nos a verdade definitiva da Revelação divina. O seu objeto central é Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, os seus atos, os seus ensinamentos, a sua Paixão e glorificação, bem como os primórdios da sua Igreja sob a ação do Espírito Santo [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 20: AAS 58 (1966) 827].

125. Os evangelhos são o coração de todas as Escrituras, «enquanto são o principal testemunho da vida e da doutrina do Verbo encarnado, nosso Salvador» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 18: AAS 58 (1966) 826].

126. Na formação dos evangelhos podemos distinguir três etapas:

1. A vida e os ensinamentos de Jesus. A Igreja sustenta firmemente que os quatro evangelhos, «cuja historicidade afirma sem hesitações, transmitem fielmente as coisas que Jesus, Filho de Deus, realmente operou e ensinou para salvação eterna dos homens, durante a sua vida terrena, até ao dia em que subiu ao Céu».

2. A tradição oral. «Na verdade, após a Ascensão do Senhor, os Apóstolos transmitiram aos seus ouvintes (com aquela compreensão mais plena de que gozavam, uma vez instruídos pelos acontecimentos gloriosos de Cristo e iluminados pelo Espírito de verdade) as coisas que Ele tinha dito e feito».

3. Os evangelhos escritos. «Os autores sagrados, porém, escreveram os quatro evangelhos, escolhendo algumas coisas, entre as muitas transmitidas por palavra ou por escrito, sintetizando umas, desenvolvendo outras, segundo o estado das Igrejas, conservando, finalmente, o caráter de pregação, mas sempre de maneira a comunicar-nos coisas verdadeiras e sinceras acerca de Jesus» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 19: AAS 58 (1966) 826-827].

127. O Evangelho quadriforme ocupa na Igreja um lugar único, de que são testemunhas a veneração de que a Liturgia o rodeia e o atrativo incomparável que em todos os tempos exerceu sobre os santos:

«Não há doutrina melhor, mais preciosa e esplêndida do que o texto do Evangelho. Vede e retende o que nosso Senhor e Mestre, Cristo, ensinou pelas suas palavras e realizou pelos seus atos» [Santa Cesária, A Jovem, Epistula ad Richildam et Radegundem: SC 345, 480].

«É sobretudo o Evangelho que me ocupa durante as minhas orações. Nele encontro tudo o que é necessário à minha pobre alma. Nele descubro sempre novas luzes, sentidos escondidos e misteriosos» [Santa Teresa do Menino Jesus, Manuscrit A, 83v: Manuscrits autobiographiques, Paris 1929, p. 268. [Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, Obras Completas (Paço de Arcos. Edições do Carmelo 1996) p. 213].

A UNIDADE DO ANTIGO E DO NOVO TESTAMENTO

128. A Igreja, já nos tempos apostólicos [Cf. 1ª Cor. 10, 6: Heb. 10, 1; 1ª Pe. 3, 21], e depois constantemente na sua Tradição, pôs em evidência a unidade, do plano divino nos dois Testamentos, graças à tipologia. Esta descobre nas obras de Deus, na Antiga Aliança, prefigurações do que o mesmo Deus realizou na plenitude dos tempos, na pessoa do seu Filho encarnado.

129. Os cristãos leem, pois, o Antigo Testamento à luz de Cristo morto e ressuscitado. Esta leitura tipológica manifesta o conteúdo inesgotável do Antigo Testamento. Mas não deve fazer-nos esquecer de que ele mantém o seu valor próprio de Revelação, reafirmado pelo próprio Jesus, nosso Senhor [Cf. Mc. 12, 29-31]. Aliás, também o Novo Testamento requer ser lido à luz do Antigo. A catequese cristã primitiva recorreu constantemente a este método [Cf. 1ª Cor. 5, 6-8: 10, 1-11]. Segundo um velho adágio, o Novo Testamento está oculto no Antigo, enquanto o Antigo é desvendado no Novo: « Novum in Vetere latet et in Novo Vetus patet» - «O Novo está oculto no Antigo, e o Antigo está patente no Novo» [Santo Agostinho, Quaestiones in Heptateucumt 2, 73: CCL 33. 106 (PL 34, 623); cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 16: AAS 58 (1966) 825].

130. A tipologia significa o dinamismo em ordem ao cumprimento do plano divino, quando «Deus for tudo em todos» (1ª Cor. 15, 28). Assim, a vocação dos patriarcas e o êxodo do Egito, por exemplo, não perdem o seu valor próprio no plano de Deus pelo fato de, ao mesmo tempo, serem etapas intermédias desse mesmo plano.

V. A Sagrada Escritura na vida da Igreja

131. «É tão grande a força e a virtude da Palavra de Deus, que ela se torna para a Igreja apoio e vigor e, para os filhos da Igreja, solidez da fé, alimento da alma, fonte pura e perene de vida espiritual» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 21: A AS 58 (1966) 828].

É necessário que «os fiéis tenham largo acesso à Sagrada Escritura» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 22: AAS 58 (1966) 828. (112)].

132. «O estudo das Páginas sagradas deve ser como que a "alma" da sagrada teologia. Também o ministério da Palavra, isto é, a pregação pastoral, a catequese, e toda a espécie de instrução cristã, na qual a homilia litúrgica deve ter um lugar principal, com proveito se alimenta e santamente se revigora com a palavra da Escritura» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 24: AAS 58 (1966) 829].

133. A Igreja «exorta com ardor e insistência todos os fiéis [...] a que aprendam "a sublime ciência de Jesus Cristo" (Fl. 3, 8) na leitura frequente da Sagrada Escritura. Porque "a ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo"» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 25: AAS 58 (1966) 829: cf. São Jerónimo, Commentarii in Isaiam, Prologus: CCL 73, 1 (PL 24, 17)].

Resumindo:

134. Omnis Scriptura divina unus liber est, et ille unus liber Christus est, «quia omnis Scriptura divina de Christo loquitur; et omnis Scriptura divina in Christo impletur» – Toda a Escritura divina é um só livro, e esse livro único é Cristo, «porque toda a Escritura divina fala de Cristo e toda a Escritura divina se cumpre em Cristo» [Hugo de São Vítor, De arca Noe II, 8: PL 176, 642: cf. Ibid. 2. 9: PL 176, 642-643].

135. «As Sagradas Escrituras contêm a Palavra de Deus; e, pelo facto de serem inspiradas, são verdadeiramente a Palavra de Deus» [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum. 24: AAS 58 (1966) 829].

136. Deus é o autor da Sagrada Escritura, ao inspirar os seus autores humanos: age neles e por eles. E assim nos dá a garantia de que os seus escritos ensinam, sem erro, a verdade da salvação [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 11: AAS 58 (1966) 822-823].

137. A interpretação das Escrituras inspiradas deve, antes de mais nada, estar atenta ao que Deus quer revelar, por meio dos autores sagrados, para nossa salvação. O que vem do Espírito não é plenamente entendido senão pela ação do Espírito [Cf. Orígenes, Homiliae in Exodum 4, 5: SC 321, 128 (PG 12, 320)].

138.  A Igreja recebe e venera, como inspirados, os 46 livros do Antigo e os 27 do Novo Testamento.

139. Os quatro evangelhos ocupam um lugar central, dado que Jesus Cristo é o seu centro.

140. A unidade dos dois Testamentos deriva da unidade do plano de Deus e da sua Revelação. O Antigo Testamento prepara o Novo, ao passo que o Novo dá cumprimento ao Antigo. Os dois esclarecem-se mutuamente; ambos são verdadeira Palavra de Deus.

141. «A Igreja sempre venerou as Divinas Escrituras, tal como o próprio Corpo do Senhor»; [II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 21: AAS 58 (1966) 827] ambos alimentam e regem toda a vida cristã. «A vossa Palavra é farol para os meus passos e luz para os meus caminhos» (Sl. 119, 105) [Cf. Is. 50, 4].

CAPÍTULO TERCEIRO - A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS (§ 142-§ 184)

CAPÍTULO TERCEIRO

A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS

142. Pela sua revelação, «Deus invisível, na riqueza do seu amor, fala aos homens como amigos e convive com eles, para os convidar e admitir à comunhão com Ele» [II Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 2: AAS 58 (1966) 818].

(1). A resposta adequada a este convite é a fé.

143. Pela fé, o homem submete completamente a Deus a inteligência e a vontade; com todo o seu ser, o homem dá assentimento a Deus revelador [II Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 5: AAS 58 (1966) 819]. A Sagrada Escritura chama «obediência da fé» a esta resposta do homem a Deus revelador [Cf. Rm. 1, 5; 16, 26].

ARTIGO 1

EU CREIO

I. A «obediência da fé»

144. Obedecer (ob-audire) na fé é submeter-se livremente à palavra escutada, por a sua verdade ser garantida por Deus, que é a própria verdade. Desta obediência, o modelo que a Sagrada Escritura nos propõe é Abraão. A sua realização mais perfeita é a da Virgem Maria.

ABRAÃO – «O PAI DE TODOS OS CRENTES»

145. A Epístola aos Hebreus, no grande elogio que faz da fé dos antepassados, insiste particularmente na fé de Abraão: «pela fé, Abraão obedeceu ao chamamento de Deus, e partiu para uma terra que viria a receber como herança: partiu, sem saber para onde ia» (Heb. 11, 8) [Cf. Gn. 12, 1-4]. Pela fé, viveu como estrangeiro e peregrino na terra prometida [Cf. Gn. 23, 4]. Pela fé, Sara recebeu a graça de conceber o filho da promessa. Pela fé, finalmente, Abraão ofereceu em sacrifício o seu filho único [Cf. Heb. 11, 17].

146. Abraão realiza assim a definição da fé dada pela Epístola aos Hebreus: «a fé constitui a garantia dos bens que se esperam, e a prova de que existem as coisas que não se veem» (Heb. 11, 1). «Abraão acreditou em Deus, e isto foi-lhe atribuído como justiça» (Rm. 4, 3) [Cf. Gn. 15, 6] «Fortalecido» por esta fé (Rm. 4, 20), Abraão tornou-se «o pai de todos os crentes» (Rm. 4, 11. 18) [Cf. Gn. 15, 5].

147. O Antigo Testamento é rico em testemunhos desta fé. A Epístola aos Hebreus faz o elogio da fé exemplar dos antigos, «que lhes valeu um bom testemunho» (Heb. 11, 2. 39). No entanto, para nós, «Deus previra destino melhor»: a graça de crer no seu Filho Jesus, «guia da nossa fé, que Ele leva à perfeição» (Heb. 11, 40; 12, 2).

MARIA – «FELIZ AQUELA QUE ACREDITOU»

148. A Virgem Maria realiza, do modo mais perfeito, a «obediência da fé». Na fé, Maria acolheu o anúncio e a promessa trazidos pelo anjo Gabriel, acreditando que «a Deus nada é impossível» (Lc. 1, 37) [Cf. Gn. 18, 14] e dando o seu assentimento: «eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc. 1, 38). Isabel saudou-a: «feliz aquela que acreditou no cumprimento de quanto lhe foi dito da parte do Senhor» (Lc. 1, 45). É em virtude desta fé que todas as gerações a hão de proclamar bem-aventurada [Cf. Lc. l, 48].

149. Durante toda a sua vida e até à última provação [Cf. Lc. 2, 35], quando Jesus, seu filho, morreu na cruz, a sua fé jamais vacilou. Maria nunca deixou de crer «no cumprimento» da Palavra de Deus. Por isso, a Igreja venera em Maria a mais pura realização da fé.

II. «Eu sei em quem pus a minha fé» (2ª Tm. 1, 12)

CRER SÓ EM DEUS

150. Antes de mais, a fé é uma adesão pessoal do homem a Deus. Ao mesmo tempo, e inseparavelmente, é o assentimento livre a toda a verdade revelada por Deus. Enquanto adesão pessoal a Deus e assentimento à verdade por Ele revelada, a fé cristã difere da fé numa pessoa humana. É justo e bom confiar totalmente em Deus e crer absolutamente no que Ele diz. Seria vão e falso ter semelhante fé numa criatura [Cf. Jr. 17, 5-6; Sl 40, 5; 146, 3-4].

CRER EM JESUS CRISTO, FILHO DE DEUS

151. Para o cristão, crer em Deus é crer inseparavelmente n'Aquele que Deus enviou - «no seu Filho muito amado» em quem Ele pôs todas as suas complacências [Cf. Mc. 1, 11]: Deus mandou-nos que O escutássemos [Cf. Mc. 9, 7]. O próprio Senhor disse aos seus discípulos: «acreditais em Deus, acreditai também em Mim» (Jo. 14, 1). Podemos crer em Jesus Cristo, porque Ele próprio é Deus, o Verbo feito carne: «a Deus, nunca ninguém O viu. O Filho Unigênito, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer» (Jo. 1, 18). Porque «viu o Pai» (Jo. 6, 46), Ele é o único que O conhece e O pode revelar [Cf. Mt. 11, 27].

CRER NO ESPÍRITO SANTO

152. Não é possível acreditar em Jesus Cristo sem ter parte no seu Espírito. É o Espírito Santo que revela aos homens quem é Jesus. Porque «ninguém é capaz de dizer: "Jesus é Senhor", a não ser pela ação do Espírito Santo» (1ª Cor. 12, 3). «O Espírito penetra todas as coisas, até o que há de mais profundo em Deus [...]. Ninguém conhece o que há em Deus senão o Espírito de Deus» (1ª Cor. 2, 10-11). Só Deus conhece inteiramente Deus. Nós cremos no Espírito Santo, porque Ele é Deus.

A Igreja não cessa de confessar a sua fé num só Deus, Pai, Filho e Espírito Santo.

III. As características da fé

A FÉ É UMA GRAÇA

153. Quando Pedro confessa que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo, Jesus declara-lhe que esta revelação não lhe veio «da carne nem do sangue, mas do seu Pai que está nos Céus» (Mt. 16, 17) [Cf. Gl. 1, 15-16; Mt. 11, 25].

A fé é um dom de Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele. «Para prestar esta adesão da fé, são necessários a prévia e concomitante ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo, o qual move e converte o coração para Deus, abre os olhos do entendimento, e dá "a todos a suavidade em aceitar e crer a verdade"» [II Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 5: AAS 58 (1966) 819 (17)].

A FÉ É UM ATO HUMANO

154. O ato de fé só é possível pela graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo. Mas não é menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade nem à inteligência do homem confiar em Deus e aderir às verdades por Ele reveladas. Mesmo nas relações humanas, não é contrário à nossa própria dignidade acreditar no que outras pessoas nos dizem acerca de si próprias e das suas intenções, e confiar nas suas promessas (como, por exemplo, quando um homem e uma mulher se casam), para assim entrarem em mútua comunhão. Por isso, é ainda menos contrário à nossa dignidade «prestar, pela fé, submissão plena da nossa inteligência e da nossa vontade a Deus revelador» [I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c.3: DS 3008] e entrar assim em comunhão intima com Ele.

155. Na fé, a inteligência e a vontade humanas cooperam com a graça divina: «credere est actas intellectus assentientis veritati divinae ex imperio voluntatis, a Deo motae per gratiam» - «crer é o ato da inteligência que presta o seu assentimento à verdade divina, por determinação da vontade, movida pela graça de Deus» [São Tomás de Aquino. Summa theologiae II-II. q. 2. a. 9. c: Ed. Leon. 8. 37: cf. I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 3: DS 3010].

A FÉ E A INTELIGÊNCIA

156. O motivo de crer não é o fato de as verdades reveladas aparecerem como verdadeiras e inteligíveis à luz da nossa razão natural. Nós cremos «por causa da autoridade do próprio Deus revelador, que não pode enganar-se nem nos enganar» [I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius. c. 3: DS 3008]. «Contudo, para que a homenagem da nossa fé fosse conforme à razão, Deus quis que os auxílios interiores do Espírito Santo fossem acompanhados de provas exteriores da sua Revelação» [I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 3: DS 3009]. Assim, os milagres de Cristo e dos Santos [Cf. Mc. 16, 20; Heb. 2, 4], as profecias, a propagação e a santidade da Igreja, a sua fecundidade e estabilidade «são sinais certos da Revelação, adaptados à inteligência de todos» [I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 3: DS 3009], «motivos de credibilidade», mostrando que o assentimento da fé não é, «de modo algum, um movimento cego do espírito» [I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 3: DS 3010].

157. A fé é certa, mais certa que qualquer conhecimento humano, porque se funda na própria Palavra de Deus, que não pode mentir. Sem dúvida, as verdades reveladas podem parecer obscuras à razão e à experiência humanas; mas «a certeza dada pela luz divina é maior do que a dada pela luz da razão natural» [São Tomás de Aquino, Summa theologiae II-II. q. 171, 5, 3um: Ed. Leon. 10, 373]. «Dez mil dificuldades não fazem uma só dúvida» [J. H. Newman, Apologia pro vita sua, c. 5. ed. M. J. Svaglic, Oxford 1967, p. 210].

158. «A fé procura compreender» [Santo Anselmo da Cantuária, Proslogion. Prooemium: Opera omnia, ed. F. S. Schmitt. v. 1, Edimburgo 1946, p. 94]: é inerente à fé o desejo do crente de conhecer melhor Aquele em quem acreditou, e de compreender melhor o que Ele revelou; um conhecimento mais profundo exigirá, por sua vez, uma fé maior e cada vez mais abrasada em amor. A graça da fé abre «os olhos do coração» (Ef. 1, 18) para uma inteligência viva dos conteúdos da Revelação, isto é, do conjunto do desígnio de Deus e dos mistérios da fé, da íntima conexão que os Liga entre si e com Cristo, centro do mistério revelado. Ora, para «que a compreensão da Revelação seja cada vez mais profunda, o mesmo Espírito Santo aperfeiçoa sem cessar a fé, mediante os seus dons» [II Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 5: AAS 58 (1966) 819]. Assim, conforme o dito de Santo Agostinho, «eu creio para compreender e compreendo para crer melhor» [Santo Agostinho, Sermão 43, 7, 9: CCL 41. 512 (PL 38. 258)].

159. Fé e ciência. «Muito embora a fé esteja acima da razão, nunca pode haver verdadeiro desacordo entre ambas: o mesmo Deus, que revela os mistérios e comunica a fé, também acendeu no espírito humano a luz da razão. E Deus não pode negar-se a Si próprio, nem a verdade pode jamais contradizer a verdade» [I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 4: DS 3017]. «É por isso que a busca metódica, em todos os domínios do saber, se for conduzida de modo verdadeiramente científico e segundo as normas da moral, jamais estará em oposição à fé: as realidades profanas e as da fé encontram a sua origem num só e mesmo Deus. Mais ainda: aquele que se esforça, com perseverança e humildade, por penetrar no segredo das coisas, é como que conduzido pela mão de Deus, que sustenta todos os seres e faz que eles sejam o que são, mesmo que não tenha consciência disso» [II Concílio Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 36: AAS 58 ((966) 1054].

A LIBERDADE DA FÉ

160. Para ser humana, «a resposta da fé, dada pelo homem a Deus, deve ser voluntária. Por conseguinte, ninguém deve ser constrangido a abraçar a fé contra vontade. Efetivamente, o ato de fé é voluntário por sua própria natureza» [II Concílio Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 10: AAS 58 (1966) 936; cf. CIC cân. 748 § 2]. «É certo que Deus chama o homem a servi-Lo em espírito e verdade; mas, se é verdade que este apelo obriga o homem em consciência, isso não quer dizer que o constranja [...]. Isto foi evidente, no mais alto grau, em Jesus Cristo» [II Concílio Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 11: AAS 58 (1966) 936]. De fato, Cristo convidou à fé e à conversão, mas de modo nenhum constrangeu alguém. «Deu testemunho da verdade, mas não a impôs pela força aos seus contraditores. O seu Reino [...] dilata-se graças ao amor, pelo qual, levantado na cruz, Cristo atrai a Si todos os homens» [II Concílio Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 11: AAS 58 (1966) 937].

A NECESSIDADE DA FÉ

161. Para obter a salvação é necessário acreditar em Jesus Cristo e n'Aquele que O enviou para nos salvar [Cf. Mc. 16, 16; Jo 3, 36: 6, 40: etc.]. «Porque "sem a fé não é possível agradar a Deus" (Heb. 11, 6) e chegar a partilhar a condição de filhos seus; ninguém jamais pode justificar-se sem ela e ninguém que não "persevere nela até ao fim" (Mt. 10, 22; 24, 13) poderá alcançar a vida eterna» [I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c 3: DS 3012; cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustiftcatione, c. 8: DS 1532].

A PERSEVERANÇA NA FÉ

162. A fé é um dom gratuito de Deus ao homem. Mas nós podemos perder este dom inestimável. Paulo adverte Timóteo a respeito dessa possibilidade: «combate o bom combate, guardando a fé e a boa consciência; por se afastarem desse princípio é que muitos naufragaram na fé» (1ª Tm. 1, 18-19). Para viver, crescer e perseverar até ao fim na fé, temos de a alimentar com a Palavra de Deus; temos de pedir ao Senhor que no-la aumente [Cf. Mc. 9, 24; Lc 17, 5: 22, 32]; ela deve «agir pela caridade» (Gl. 5, 6) [Cf. Tg. 2, 14-26], ser sustentada pela confiança [Cf. Rm. 15, 13] e permanecer enraizada na fé da Igreja.

A FÉ – VIDA ETERNA INICIADA

163. A fé faz que saboreemos, como que de antemão, a alegria e a luz da visão beatificam, termo da nossa caminhada nesta Terra. Então veremos Deus «face a face» (1ª Cor. 13, 12), «tal como Ele é» (1ª Jo. 3, 2). A fé, portanto, é já o princípio da vida eterna:

- «enquanto, desde já, contemplamos os benefícios da fé, como reflexo num espelho, é como se possuíssemos já as maravilhas que a nossa fé nos garante havermos de gozar um dia» [São Basílio Magno, Liber de Spiritu Sancto, 15, 36: SC 17bis. 370 (PG 32, 132); cf. São Tomás de Aquino, Summa Theologiae II-II, q. 4, a. I. c: Ed. Leon. 8. 44].

164. Por enquanto, porém, «caminhamos pela fé e não vemos claramente» (2ª Cor. 5, 7), e conhecemos Deus «como num espelho, de maneira confusa, [...] imperfeita» (1ª Cor. 13, 12). Luminosa por parte d'Aquele em quem ela crê, a fé é muitas vezes vivida na obscuridade, e pode ser posta à prova. O mundo em que vivemos parece muitas vezes bem afastado daquilo que a fé nos diz: as experiências do mal e do sofrimento, das injustiças e da morte parecem contradizer a Boa-Nova, podem abalar a fé e tornarem-se, em relação a ela, uma tentação.

165. É então que nós devemos voltar para as testemunhas da fé: Abraão, que acreditou, «esperando contra toda a esperança» (Rm. 4, 18); a Virgem Maria que, na «peregrinação da fé» [Cf. II Concílio Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 58: AAS 57 (1965) 61], foi até à «noite da fé» [João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 17: AAS 79 (1987) 381], comungando no sofrimento do seu Filho e na noite do seu sepulcro [João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 18: AAS 79 (1987) 382-383]; e tantas outras testemunhas da fé: «envoltos em tamanha nuvem de testemunhas, devemos desembaraçar-nos de todo o fardo e do pecado que nos cerca, e correr com constância o risco que nos é proposto, fixando os olhos no guia da nossa fé, o qual a leva à perfeição» (Heb. 12, 1-2).

ARTIGO 2

NÓS CREMOS

166. A fé é um ato pessoal, uma resposta livre do homem à proposta de Deus que se revela. Mas não é um ato isolado. Ninguém pode acreditar sozinho, tal como ninguém pode viver só. Ninguém se deu a fé a si mesmo, como ninguém a si mesmo se deu a vida. Foi de outrem que o crente recebeu a fé; a outrem a deve transmitir. O nosso amor a Jesus e aos homens impele-nos a falar aos outros da nossa fé. Cada crente é, assim, um elo na grande cadeia dos crentes. Não posso crer sem ser amparado pela fé dos outros, e pela minha fé contribuo também para amparar os outros na fé.

167. «Eu creio» [Símbolo dos Apóstolos: DS 30]: é a fé da Igreja, professada pessoalmente por cada crente, principalmente por ocasião do Batismo. «Nós cremos» [Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150 (no original grego). (31)]: é a fé da Igreja, confessada pelos Bispos reunidos em Concílio ou, de modo mais geral, pela assembleia litúrgica dos crentes. «Eu creio»: é também a Igreja, nossa Mãe, que responde a Deus pela sua fé e nos ensina a dizer: «eu creio», «nós cremos».

I. «Olhai, Senhor, para a fé da vossa Igreja»

168. É, antes de mais, a Igreja que crê, e que assim suporta, nutre e sustenta a minha fé. É primeiro a Igreja que, por toda a parte, confessa o Senhor («Te per orbem terrarum sancta confitetur Ecclesia» - «A Santa Igreja anuncia por toda a terra a glória do vosso nome» - como cantamos no «Te Deum»). Com ela e nela, também nós somos atraídos e levados a confessar: «eu creio», «nós cremos». É da Igreja que recebemos a fé e a vida nova em Cristo, pelo Batismo. No Ritual Romano, o ministro do Batismo pergunta ao catecúmeno: «que vens pedir à Igreja de Deus»? E ele responde: - «a fé». - «Para que te serve a fé»? - «Para alcançar a vida eterna» [Iniciação cristã dos adultos, 75. 2ª edição, Gráfica de Coimbra 1996. p. 48: Ibid., 247, p. 153].

169. A salvação vem só de Deus. Mas porque é através da Igreja que recebemos a vida da fé, a Igreja é nossa Mãe. «Cremos que a Igreja é como que a mãe do nosso novo nascimento, mas não cremos na Igreja como se ela fosse a autora da nossa salvação» [Fausto de Riez, De Spiritu sancto 1, 2: CSEL 21, 104 (l, 1: PL 62.11)]. É porque é nossa Mãe, é também a educadora da nossa fé.

II. A linguagem da fé

170. Não acreditamos em fórmulas, mas sim nas realidades que as fórmulas exprimem e que a fé nos permite «tocar». «O ato [de fé] do crente não se detém no enunciado, mas na realidade [enunciada» [São Tomás de Aquino, Summa theologiae 11-II, q. I. a. 2. ad 2: Ed Leon. 8. 11]. No entanto, é através das fórmulas da fé que nos aproximamos dessas realidades. As fórmulas permitem-nos exprimir e transmitir a fé, celebrá-la em comunidade, assimilá-la e dela viver cada vez mais.

171. A Igreja, que é «coluna e apoio da verdade» (1ª Tm. 3, 15), guarda fielmente a fé transmitida aos santos de uma vez por todas [Cf. Jd. 3]. É ela que guarda a memória das palavras de Cristo. É ela que transmite, de geração em geração, a confissão de fé dos Apóstolos. Tal como uma mãe ensina os seus filhos a falar e, dessa forma, a compreender e a comunicar, a Igreja, nossa Mãe, ensina-nos a linguagem da fé, para nos introduzir na inteligência e na vida da fé.

III. Uma só fé

172. Desde há séculos, através de tantas línguas, culturas, povos e nações, a Igreja não cessa de confessar a sua fé única, recebida de um só Senhor, transmitida por um só Batismo, enraizada na convicção de que todos os homens têm apenas um só Deus e Pai [50. Cf. Ef. 4, 4-6]. Santo Ireneu de Lião, testemunha desta fé, declara:

173. «A Igreja, embora dispersa por todo o mundo até aos confins da Terra, tendo recebido dos Apóstolos e dos seus discípulos a fé, [...] guarda [esta pregação e está fé] com tanto cuidado como se habitasse numa só casa; nela crê de modo idêntico, como tendo um só coração e uma só alma; prega-a e ensina-a e transmite-a com voz unânime, como se tivesse uma só boca» [Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses I. 10, 1-2: SC 264, 154-158 (PG 7, 550-551)].

174. «Através do mundo, as línguas diferem: mas o conteúdo da Tradição é um só e o mesmo. Nem as Igrejas estabelecidas na Germania têm outra fé ou outra tradição, nem as que se estabeleceram entre os Iberos ou entre os Celtas, as do Oriente, do Egito ou da Líbia, nem as que se fundaram no centro do mundo» [Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses I. 10. 2: SC 264, 158-160 (PG 7, 531-534)]. «A mensagem da Igreja é verídica e sólida, porque nela aparece um só e o mesmo caminho de salvação, em todo o mundo» [Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses V, 20. 1: SC 153, 254-256 (PG 7, 1177)].

175. Esta fé, «que recebemos da Igreja, guardamo-la nós cuidadosamente, porque sem cessar, sob a ação do Espírito de Deus, tal como um depósito de grande valor encerrado num vaso excelente, ela rejuvenesce e faz rejuvenescer o próprio vaso que a contém» [Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses III. 24, 1: SC 211, 472 (PG 7, 966)].

Resumindo:

176. A fé é uma adesão pessoal, do homem todo, a Deus que se revela. Comporta uma adesão da inteligência e da vontade à Revelação que Deus fez de Si mesmo, pelas suas ações e palavras.

177. «Crer» tem, pois, uma dupla referência: à pessoa e à verdade; à verdade, pela confiança na pessoa que a atesta.

178. Não devermos crer em mais ninguém senão em Deus, Pai, Filho e Espírito Santo.

179.  A fé é um dom sobrenatural de Deus. Para crer, o homem tem necessidade dos auxílios interiores do Espírito Santo.

180. «Crer» é um ato humano, consciente e livre, que está de acordo com a dignidade da pessoa humana.

181. «Crer» é um ato eclesial. A fé da Igreja precede, gera, suporta e nutre a nossa fé. A Igreja é a Mãe de todos os crentes. «Ninguém pode ter a Deus por Pai, se não tiver a Igreja por Mãe» [São Cipriano de Cartago, Ecclesiae catholicae unitate, 6: CCL 3. 253 (PL 4. 519)].

182. «Nós cremos em tudo quanto está contido na Palavra de Deus, escrita ou transmitida, e que a Igreja propõe à nossa fé como divinamente revelado» [Paulo VI, Sollemnis Professio fidei [Credo do Povo de Deus], 20: AAS 60 (1968) 441].

183. A fé é necessária para a salvação. O próprio Senhor o afirma: «quem acreditar e for batizado salvar-se-á, mas quem não acreditar será condenado» (Mc 16, 16).

184. «A fé é um antegozo do conhecimento que nos tornará felizes na vida futura» [São Tomás de Aquino, Compendium theologiae, 1, 2: Ed. Leon. 42. 83., 1, 2].

CREDO

 SÍMBOLO DOS APÓSTOLOS [DS 30]

CREDO DE NICEIA–CONSTANTINOPLA [DS 150. (46)]

Creio em Deus, Pai todo-poderoso,
Criador do Céu e da Terra;

Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso,
Criador do Céu e da Terra,
de todas as coisas visíveis e invisíveis.

e em Jesus Cristo, seu único Filho,
nosso Senhor,

Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus,
nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas.
E por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos Céus.

que foi concebido pelo poder
do Espírito Santo;
nasceu da Virgem Maria;

E encarnou pelo Espírito Santo,
 no seio da Virgem Maria,
e se fez homem.

padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos Céus; está sentado à direita de Deus Pai
todo-poderoso, de onde há de vir a julgar
os vivos e os mortos.

Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado.
Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; e subiu aos Céus, onde está sentado à direita do Pai.
De novo há de vir em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu Reino não terá fim.

Creio no Espírito Santo;

Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado:
Ele que falou pelos profetas.

na santa Igreja Católica;
na comunhão dos Santos;

Creio na Igreja una, santa,
católica e apostólica.  

na remissão dos pecados;
na ressurreição da carne;
na vida eterna.
Amém

Professo um só Batismo para remissão dos pecados.
E espero a ressurreição dos mortos, e a vida do mundo que há de vir.
Amém.

 OS SÍMBOLOS DA FÉ  (§ 185-§ 197)

185. Quem diz «creio» afirma: «dou a minha adesão àquilo em que nós cremos». A comunhão na fé tem necessidade duma linguagem comum da fé, normativa para todos e a todos unindo na mesma confissão de fé.

186. Desde a origem, a Igreja apostólica exprimiu e transmitiu a sua própria fé em fórmulas breves e normativas para todos [Cf. Rm. 10, 9; 1ª Cor. 15, 3-5; etc.]. Mas bem cedo a Igreja quis também recolher o essencial da sua fé em resumos orgânicos e articulados, destinados sobretudo aos candidatos ao Batismo.

«Esta síntese da fé não foi feita segundo as opiniões humanas: mas recolheu-se de toda a Escritura o que nela há de mais importante, para apresentar na integra aquilo e só aquilo que a fé ensina. E, tal como a semente de mostarda contém, num pequeno grão, numerosos ramos, do mesmo modo este resumo da fé encerra em algumas palavras todo o conhecimento da verdadeira piedade contido no Antigo e no Novo Testamento» [São Cirilo de Jerusalém, Catechese illuminandorum 5, 12: Opera, v. 1. ed. G. C. Reischl (Monaci 1848), p. 150 (PG 33. 521-524)].

187. A estas sínteses da fé chamamos-lhes «profissões de fé», porque resumem a fé professada pelos cristãos. Chamamos-lhes «Credo», pelo fato de elas normalmente começarem pela palavra: «creio». Igualmente lhes chamamos «símbolos da fé».

188. A palavra grega «symbolon» significava a metade dum objeto partido (por exemplo, um selo), que se apresentava como um sinal de identificação. As duas partes eram justapostas para verificar a identidade do portador. O «símbolo da fé» é, pois, um sinal de identificação e de comunhão entre os crentes. «Symbolon» também significa resumo, coletânea ou sumário. O «símbolo da fé» é o sumário das principais verdades da fé. Por isso, serve de ponto de referência primário e fundamental da catequese.

189. A primeira «profissão de fé» faz-se por ocasião do Batismo. O «símbolo da fé» é, antes de mais nada, o símbolo batismal. E uma vez que o Batismo é conferido «em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo» (Mt. 28, 19), as verdades da fé professadas por ocasião do Batismo articulam-se segundo a sua referência às três pessoas da Santíssima Trindade.

190. O Símbolo divide-se, portanto, em três partes: «na primeira, trata da Primeira Pessoa divina e da obra admirável da criação: na segunda, da Segunda Pessoa divina e do mistério da Redenção dos homens; na terceira, da Terceira Pessoa divina, fonte e princípio da nossa santificação» [Cat. Rm. I, I, 4. p. 20]. São estes «os três capítulos do nosso selo [batismal]» [Santo Ireneo, Demonstratio apostolicae praedicationis, 100: SC 62. 170].

191. O Símbolo «está estruturado em três partes [...] subdivididas em fórmulas variadas e muito adequadas. Segundo uma comparação frequentemente empregada pelos Padres, chamamos-lhes artigos. De fato, assim como nos nossos membros há certas articulações que os distinguem e separam, do mesmo modo, nesta profissão de fé, foi com razão e propriedade que se deu o nome de artigos às verdades que devemos crer em particular e de modo distinto» [Cat. Rom I. 1, 4. p. 20]. Segundo uma antiga tradição, já atestada por Santo Ambrósio, é costume enumerar doze artigos do Credo, simbolizando, com o número dos doze Apóstolos, o conjunto da fé apostólica [Cf. Santo Ambrósio10, Explanatio Symboli, 8: CSEL 73, 10-11 (PL 17. 1196)].

192. Foram numerosas, ao longo dos séculos, e correspondendo sempre às necessidades das diferentes épocas, as profissões ou símbolos da fé: os símbolos das diferentes Igrejas apostólicas e antigas [Cf. Symbola fidei ab Ecclesia antiqua recepta: DS 1-64], o símbolo «Quicumque», chamado de Santo Atanásio [Cf. DS 75-76], as profissões de fé de certos concílios Toledo [XI Concílio de Toledo: DS 525-541]; Latrão [IV Concílio de Latrão: DS 800-802]: Lião [II Concílio de Lião: DS 851-861]; Trento [Professio ftdei Tridentina: DS 1862-1870] ou de certos papas, como a «Fides Damasi» [Cf. DS 71-72] ou o «Credo do Povo de Deus», de Paulo VI (1968) [Sollemnis Professio fidei: AAS 60 (1968) 433-445].

193. Nenhum dos símbolos dos diferentes períodos da vida da Igreja pode ser considerado ultrapassado ou inútil. Todos nos ajudam a abraçar e a aprofundar hoje a fé de sempre, através dos diversos resumos que dela se fizeram.

Entre todos os símbolos da fé, há dois que têm um lugar muito especial na vida da Igreja:

194. O Símbolo dos Apóstolos, assim chamado porque se considera, com justa razão, o resumo fiel da fé dos Apóstolos. É o antigo símbolo batismal da Igreja de Roma. A sua grande autoridade vem-lhe deste fato: «é o símbolo adotado pela Igreja romana, aquela em que Pedro, o primeiro dos Apóstolos, teve a sua cátedra, e para a qual ele trouxe a expressão da fé comum» [Santo Ambrósio, Explanatio Symboli, 7: CSEL 73. 10 (PL 17, 1196)].

195. O Símbolo dito de Niceia-Constantinopla deve a sua grande autoridade ao fato de ser proveniente desses dois primeiros concílios ecumênicos (dos anos de 325 e 381). Ainda hoje continua a ser comum a todas as grandes Igrejas do Oriente e do Ocidente.

196. A exposição da fé, que vamos fazer, seguirá o Símbolo dos Apóstolos, que constitui, por assim dizer, «o mais antigo catecismo romano». Entretanto, a nossa exposição será completada por constantes referências ao Símbolo Niceno-Constantinopolitano, muitas vezes mais explícito e pormenorizado.

197. Como no dia do nosso Batismo, quando toda a nossa vida foi confiada «a esta regra de doutrina» (Rm. 6, 17), acolhemos o Símbolo da nossa fé que dá a vida. Recitar com fé o Credo é entrar em comunhão com Deus Pai, Filho e Espírito Santo. E é também entrar em comunhão com toda a Igreja, que nos transmite a fé e em cujo seio nós acreditamos:

- «este Símbolo é o selo espiritual [...], é a meditação do nosso coração e a sentinela sempre presente; é, sem dúvida, o tesouro da nossa alma» [Santo Ambrósio, Explanatio Symboli, 7: CSEL 73. 3 (PL 17, 1193)].

CAPÍTULO PRIMEIRO

CREIO EM DEUS PAI

198. A nossa profissão de fé começa por Deus, porque Deus é «o Primeiro e o Último» (Is. 44, 6), o Princípio e o Fim de tudo. O Credo começa por Deus Pai, porque o Pai é a Primeira Pessoa divina da Santíssima Trindade; o nosso Símbolo começa pela criação do céu e da terra, porque a criação é o princípio e o fundamento de todas as obras de Deus.

ARTIGO 1

«CREIO EM DEUS PAI TODO-PODEROSO CRIADOR DO CÉU E DA TERRA»

PARÁGRAFO 1

CREIO EM DEUS

199. «Creio em Deus»: é esta a primeira afirmação da profissão de fé e também a mais fundamental. Todo o Símbolo fala de Deus; ao falar também do homem e do mundo, fá-lo em relação a Deus. Os artigos do Credo dependem todos do primeiro, do mesmo modo que todos os mandamentos são uma explicitação do primeiro. Os outros artigos fazem-nos conhecer melhor a Deus, tal como Ele progressivamente Se revelou aos homens. «Os fiéis professam, antes de mais nada, crer em Deus» (Cat Rom I. 2, 6, p. 23].

I. «Creio em um só Deus»

200. É com estas palavras que começa o Símbolo Niceno-Constantinopolitano. A confissão da unicidade de Deus, que radica na Revelação divina da Antiga Aliança, é inseparável da confissão da existência de Deus e tão fundamental como ela. Deus é único; não há senão um só Deus: «a fé cristã crê e professa que há um só Deus, por natureza, por substância e por essência» (Cat Rom I. 2, 8. P. 26)

201. A Israel, seu povo eleito, Deus revelou-se como sendo único: «escuta, Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças» (Dt. 6, 4-5). Por meio dos profetas, Deus faz apelo a Israel e a todas as nações para que se voltem para Ele, o Único: «voltai-vos para Mim, e sereis salvos, todos os confins da terra, porque Eu sou Deus e não há outro [...] Diante de Mim se hão de dobrar todos os joelhos, em Meu nome hão de jurar todas as línguas. E dirão: "só no Senhor existem a justiça e o poder"» (Is. 45, 22-24) (Cf. Fl 2, 10-11].

202. O próprio Jesus confirma que Deus é «o único Senhor», e que é necessário amá-Lo «com todo o coração, com toda a alma, com todo o entendimento e com todas as forças» (Cf. Mc 12, 29-30). Ao mesmo tempo, dá a entender que Ele próprio é «o Senhor» (Cf. Mc 12, 35-37). Confessar que «Jesus é o Senhor» é próprio da fé cristã. Isso não vai contra a fé num Deus Único. Do mesmo modo, crer no Espírito Santo, «que é Senhor e dá a Vida», não introduz qualquer espécie de divisão no Deus único:

- «nós acreditamos com firmeza e afirmamos simplesmente que há um só Deus verdadeiro, imenso e imutável, incompreensível, todo-poderoso e inefável. Pai e Filho e Espírito Santo: três Pessoas, mas uma só essência, uma só substância ou natureza absolutamente simples» (IV Concílio de Latrão, Cap. 1. De fide catholica: DS 800).

II. Deus revela o seu nome

203. Deus revelou-se ao seu povo Israel, dando-lhe a conhecer o seu nome. O nome exprime a essência, a identidade da pessoa e o sentido da sua vida. Deus tem um nome. Não é uma força anónima. Dizer o seu nome é dar-se a conhecer aos outros; é, de certo modo, entregar-se a Si próprio, tornando-se acessível, capaz de ser conhecido mais intimamente e de ser invocado pessoalmente.

204. Deus revelou-Se progressivamente e sob diversos nomes ao seu povo; mas foi a revelação do nome divino feita a Moisés na teofania da sarça ardente, no limiar do êxodo e da Aliança do Sinai, que se impôs como sendo a revelação fundamental, tanto para a Antiga como para a Nova Aliança.

O DEUS VIVO

205. Do meio duma sarça que arde sem se consumir, Deus chama por Moisés. E diz-lhe: «Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob» (Ex. 3, 6). Deus é o Deus dos antepassados, Aquele que tinha chamado e guiado os patriarcas nas suas peregrinações. É o Deus fiel e compassivo, que se lembra deles e das promessas que lhes fez. Ele vem para libertar da escravidão os seus descendentes. É o Deus que, para além do espaço e do tempo, pode e quer fazê-lo, e empenhará a sua onipotência na concretização deste desígnio.

«EU SOU AQUELE QUE SOU»

Moisés disse a Deus: «vou então procurar os filhos de Israel e dizer-lhes: "o Deus de vossos pais enviou-me a vós". Mas se me perguntarem qual é o seu nome, que hei de responder-lhes? Deus disse a Moisés: «Eu sou Aquele que sou». E prosseguiu: «assim falarás aos filhos de Israel: Aquele que tem por nome "Eu sou" é que me enviou a vós [...] ... Será este o meu nome para sempre, nome que ficará de memória para todas as gerações» (Ex. 3, 13-15).

206. Ao revelar o seu nome misterioso de YHWH, «Eu sou Aquele que É», ou «Eu sou Aquele que Sou», ou ainda «Eu sou quem Eu sou», Deus diz quem é e com que nome deve ser chamado. Este nome divino é misterioso, tal como Deus é mistério. E, ao mesmo tempo, um nome revelado e como que a recusa dum nome. É assim que Deus exprime melhor o que Ele é, infinitamente acima de tudo o que podemos compreender ou dizer: Ele é o «Deus escondido» (Is. 45, 15), o seu nome é inefável (Cf. Jz 13, 1), e é o Deus que se faz próximo dos homens.

207. Ao revelar o seu nome, Deus revela ao mesmo tempo a sua fidelidade, que é de sempre e para sempre, válida tanto para o passado («Eu sou o Deus de teu pai» - Ex. 3, 6), como para o futuro («Eu estarei contigo» - Ex. 3, 12). Deus, que revela o seu nome como sendo «Eu sou», revela-se como o Deus que está sempre presente junto do seu povo para o salvar.

208. Perante a presença atraente e misteriosa de Deus, o homem descobre a sua pequenez. Diante da sarça ardente, Moisés descalça as sandálias e cobre o rosto face à santidade divina (Cf. Ex 3, 5-6). Ante a glória do Deus três vezes santo, Isaías exclama: «ai de mim, que estou perdido, pois sou um homem de lábios impuros» (Is. 6, 5). Perante os sinais divinos realizados por Jesus. Pedro exclama: «afasta-Te de mim, Senhor, porque eu sou um pecador» (Lc. 5, 8). Mas porque Deus é santo, pode perdoar ao homem que se descobre pecador diante d'Ele: «não deixarei arder a minha indignação [...]. É que Eu sou Deus, e não homem, o Santo que está no meio de vós» (Os. 11, 9). E o apóstolo João dirá também: «tranquilizaremos diante d'Ele, o nosso coração, se o nosso coração vier a acusar-nos. Pois Deus é maior do que o nosso coração e conhece todas as coisas» (1ª Jo. 3, 19-20).

209. Por respeito pela santidade de Deus, o povo de Israel não pronuncia o seu nome. Na leitura da Sagrada Escritura, o nome revelado é substituído pelo título divino de «Senhor» («Adonai», em grego «Kyrios»). É sob este título que será aclamada a divindade de Jesus: «Jesus é o Senhor».

«DEUS DE TERNURA E DE PIEDADE»

210. Depois do pecado de Israel, que se afastou de Deus para adorar o bezerro de ouro (Cf. Ex 32), Deus atende a intercessão de Moisés e aceita caminhar no meio dum povo infiel, manifestando deste modo o seu amor (Cf. Ex 33, 12-17). A Moisés, que lhe pede a graça de ver a sua glória. Deus responde: «farei passar diante de ti toda a minha bondade (beleza) e proclamarei diante de ti o nome de YHWH» (Ex. 33, 18-19). E o Senhor passa diante de Moisés e proclama: «o Senhor, o Senhor [YHWH, YHWH] é um Deus clemente e compassivo, sem pressa para se indignar e cheio de misericórdia e fidelidade» (Ex. 34, 6). Moisés confessa, então, que o Senhor é «um Deus de perdão» (Cf. Ex 34, 9).

211. O nome divino «Eu sou» ou «Ele é» exprime a fidelidade de Deus, que, apesar da infidelidade do pecado dos homens e do castigo que merece, «conserva a sua benevolência em favor de milhares de pessoas» (Ex. 34, 7). Deus revela que é «rico de misericórdia» (Ef. 2, 4), ao ponto de entregar o seu próprio Filho. Dando a vida para nos libertar do pecado, Jesus revelará que Ele mesmo é portador do nome divino: «quando elevardes o Filho do Homem, então sabereis que Eu sou» (Jo. 8, 28).

SÓ DEUS É

212. No decorrer dos séculos, a fé de Israel pôde desenvolver e aprofundar as riquezas contidas na revelação do nome divino. Deus é único, fora d'Ele não há deuses (Cf. Is 44, 6). Ele transcende o mundo e a história. Foi Ele que fez o céu e a terra; «eles hão de passar, mas Vós permaneceis; tal como um vestido, eles se vão gastando [...] Vós, porém, sois sempre o mesmo e os vossos anos não têm fim» (Sl. 102, 27-28). N'Ele «não há variação nem sombra de mudança» (Tg. 1, 17). Ele é «Aquele que é», desde sempre e para sempre; e assim, permanece sempre fiel a Si mesmo e às suas promessas.

213. A revelação do nome inefável «Eu sou Aquele que sou» encerra, portanto, a verdade que só Deus «É». Foi nesse sentido que já a tradução dos Setenta e, na sua sequência, a Tradição da Igreja. compreenderam o nome divino: Deus é a plenitude do Ser e de toda a perfeição, sem princípio nem fim. Enquanto todas as criaturas d'Ele receberam todo o ser e o ter, só Ele é o seu próprio Ser, e Ele é por Si mesmo tudo o que Ele é.

III. Deus, «Aquele que é», é verdade e amor

214. Deus, «Aquele que É», revelou-Se a Israel como Aquele que é «cheio de misericórdia e fidelidade» (Ex. 34, 6). Estas duas palavras exprimem, de modo sintético, as riquezas do nome divino. Em todas as suas obras, Deus mostra a sua benevolência, a sua bondade, a sua graça, o seu amor; mas também a sua credibilidade, a sua constância, a sua fidelidade, a sua verdade. «Hei de louvar o vosso nome pela vossa bondade e fidelidade» (Sl. 138, 2) (Cf. Sl 85, 11). Ele é a verdade, porque «Deus é luz, e n'Ele não há trevas nenhumas» (1ª Jo. 1, 5); Ele é «Amor», como ensina o apóstolo João (1ª Jo. 4, 8).

DEUS É A VERDADE

215. «A verdade é princípio da vossa palavra, é eterna toda a sentença da vossa justiça» (Sl. 119, 160). «Decerto, Senhor Deus, Vós é que sois Deus e dizeis palavras de verdade» (2º Sm. 7, 28); é por isso que as promessas de Deus se cumprem sempre
(Cf. Dt 7, 9). Deus é a própria verdade; as suas palavras não podem enganar. É por isso que nos podemos entregar com toda a confiança e em todas as coisas à verdade e à fidelidade da sua palavra. O princípio do pecado e da queda do homem foi uma mentira do tentador, que o levou a duvidar da palavra de Deus, da sua benevolência e da sua fidelidade.

216. A verdade de Deus é a sua sabedoria, que comanda toda a ordem da criação e governo do mundo
(Cf. Sb 13, 1-9). Só Deus que, sozinho, criou o céu e a terra (Cf. Sl 115, 15) pode dar o conhecimento verdadeiro de todas as coisas criadas na sua relação com Ele (Cf. Sb 7, 17-21).

217. Deus é igualmente verdadeiro quando Se revela: todo o ensinamento que vem de Deus é «doutrina de verdade» (Ml. 2, 6). Quando Ele enviar o seu Filho ao mundo, será «para dar testemunho da verdade» (Jo. 18, 37): «sabemos [...] que veio o Filho de Deus e nos deu entendimento para conhecermos o Verdadeiro» (1ª Jo. 5, 20) (Cf. Jo 17, 3).

DEUS É AMOR

218. No decorrer da sua história, Israel pôde descobrir que Deus só tinha uma razão para Se lhe ter revelado e o ter escolhido, de entre todos os povos, para ser o seu povo: o seu amor gratuito (Cf. Dt 4, 37; 7, 8: 10, 15). E Israel compreendeu, graças aos seus profetas, que foi também por amor que Deus não deixou de o salvar (Cf. Is 43, 1-7) e de lhe perdoar a sua infidelidade e os seus pecados (Cf. Os 2).

219. O amor de Deus para com Israel é comparado ao amor dum pai para com o seu filho (Cf. Os 11, 1). Este amor é mais forte que o de uma mãe para com os seus filhos (Cf. Is 49, 14-15). Deus ama o seu povo, mais que um esposo a sua bem-amada (Cf. Is 62, 4-5); este amor vencerá mesmo as piores infidelidades (Cf. Ez 16; Os 11); e chegará ao mais precioso de todos os dons: «Deus amou de tal maneira o mundo, que lhe entregou o seu Filho Único» (Jo. 3, 16).

220. O amor de Deus é «eterno» (Is. 54, 8): «ainda que as montanhas se desloquem e vacilem as colinas, o meu amor não te abandonará» (Is. 54, 10). «Amei-te com amor eterno: por isso, guardei o meu favor para contigo» (Jr, 31, 3).

221. São João irá ainda mais longe, ao afirmar: «Deus é Amor» (1ª Jo 4, 8, 16): a própria essência de Deus é Amor. Ao enviar, na plenitude dos tempos, o seu Filho único e o Espírito de Amor, Deus revela o seu segredo mais íntimo: Ele próprio é eternamente permuta de amor: Pai, Filho e Espírito Santo; e destinou-nos a tomar parte nessa comunhão.

IV. Consequências da fé no Deus Único

222. Crer em Deus, o Único, e amá-Lo com todo o nosso ser, tem consequências imensas para toda a nossa vida:

223. É conhecer a grandeza e a majestade de Deus: «Deus é grande demais para que O possamos conhecer» (Job. 36, 26) (Cf. Cor. 2, 7-16: Ef. 3, 9-12). É por isso que Deus deve ser «o primeiro a ser servido» (Santa Joana D'Arc, Dito: Procès de condamnation, ed. P. Tisset–Y. Lanhers. v. I (Paris 1960) p. 280 e 288).

224. É viver em ação de graças: Se Deus é o Único, tudo o que nós somos e tudo quanto possuímos vem d'Ele: «que possuis que não tenhas recebido»? (1ª Cor. 4, 7). «Como agradecerei ao Senhor tudo quanto Ele me deu»? (Sl. 116, 12).

225. É conhecer a unidade e a verdadeira dignidade de todos os homens: todos eles foram feitos «à imagem e semelhança de Deus» (Gn. 1, 26).

226. É fazer bom uso das coisas criadas: a fé no Deus único leva-nos a usar de tudo quanto não for Ele, na medida em que nos aproximar d'Ele, e a desprender-nos de tudo, na medida em que d'Ele nos afastar (Cf. Mt 5, 29-30: 16. 24: 19. 23-24):

              - «meu Senhor e meu Deus, tira-me tudo o que me afasta de Ti.
             Meu Senhor e meu Deus, dá-me tudo o que me aproxima de Ti.
             Meu Senhor e meu Deus, desapega-me de mim mesmo, para que eu me dê todo a Ti»
 
(S. Nicolau de Flüe,            
                 Bruder-Klausen-Gebet, apud R. Amschwand, Bruder Klaus. Ergänzungsband zum Quellenwerk von R. Durrer (Sarnen 1987). p. 215)
.

227. É ter confiança em Deus, em todas as circunstâncias, mesmo na adversidade. Uma oração de Santa Teresa de Jesus exprime admiravelmente tal atitude:

«Nada te perturbe / Nada te espante
Tudo passa / Deus não muda
A paciência tudo alcança / Quem a Deus tem
nada lhe falta / Só Deus basta»
(Santa Teresa de Jesus. Poesía. 9: Biblioteca Mística Carmelitana. v. 6 (Burgos 1919). p. 90. [Santa Teresa de Jesus, Obras Completas (Paço de Arcos. Edições Carmelo 1994) p. 1390).

Resumindo:

228. «Escuta, Israel! O Senhor; nosso Deus, é o único Senhor...» (Dt. 6, 4; Mc. 12, 29). «O ser supremo tem necessariamente de ser único, isto é, sem igual. [...] Se Deus não for único, não é Deus» (Tertuliano, Adversus Marcionem, I, 3, 5: CCL 1, 444 (PL 2. 274).

229. A fé em Deus leva-nos a voltarmo-nos só para Ele, como a nossa primeira origem e o nosso último fim, e a nada Lhe preferir ou por nada O substituir:

230. Deus, ao revelar-Se, continua mistério inefável: «se O compreendesses, não seria Deus» (Santo Agostinho, Sermo 52. 6. 16: ed. P. Verbraken: Revue Bénédictine 74 (1964) 27 (PL 38. 360).

231. O Deus da nossa fé revelou-Se como Aquele que é: deu-Se a conhecer como «cheio de misericórdia e fidelidade» (Ex. 34, 6). O seu próprio Ser é verdade e amor.

PARÁGRAFO 2

O PAI

I. «Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo»

232. Os cristãos são batizados «em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo» (Mt. 28, 19). Antes disso, eles respondem «Creio» à tríplice pergunta com que são interpelados a confessar a sua fé no Pai, no Filho e no Espírito Santo: «Fides omnium christianorum in Trinitate consistit - A fé de todos os cristãos assenta na Trindade» (São Cesário de Arles. Expositio vel traditio Symboli (sermo 9): CCL 103. 47).

233. Os cristãos são batizados «em nome» do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e não «nos nomes» deles porque não há senão um só Deus - o Pai Omnipotente, o Seu Filho Unigênito e o Espírito Santo: a Santíssima Trindade (Cf. Vigílio, Professio fidei (522): DS 415).

234. O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. É o mistério de Deus em si mesmo. E, portanto, a fonte de todos os outros mistérios da fé e a luz que os ilumina. É o ensinamento mais fundamental e essencial na «hierarquia das verdades da fé» (Cf. Sagrada Congregação do Clero, Directorium catechisticum generale, 43: AAS (1972)123). «Toda a história da salvação não é senão a história do caminho e dos meios pelos quais o Deus verdadeiro e único, Pai, Filho e Espírito Santo, Se revela, reconcilia consigo e Se une aos homens que se afastam do pecado» (Ibid., 47).

235. Neste parágrafo se exporá brevemente de que maneira foi revelado o mistério da Santíssima Trindade (I), como é que a Igreja formulou a doutrina da fé sobre este mistério (II) e, por fim, como é que, pelas missões divinas do Filho e do Espírito Santo, Deus Pai realiza o seu «desígnio de benevolência» de criação, redenção e santificação (III).

236. Os Padres da Igreja distinguem entre «Theologia» e «Oikonomia», designando pelo primeiro termo o mistério da vida íntima de Deus-Trindade e, pelo segundo, todas as obras de Deus pelas quais Ele Se revela e comunica a sua vida. É pela «Oikonomia» que nos é revelada a «Theologia»; mas, inversamente, é a «Theologia» que esclarece toda a «Oikonomia». As obras de Deus revelam quem Ele é em Si mesmo: e, inversamente, o mistério do seu Ser íntimo ilumina o entendimento de todas as suas obras. Analogicamente, é o que se passa com as pessoas humanas. A pessoa revela-se no que faz, e, quanto mais conhecemos uma pessoa, tanto melhor compreendemos o seu agir.

237. A Trindade é um mistério de fé em sentido estrito, um dos «mistérios ocultos em Deus, que não podem ser conhecidos se não forem revelados lá do alto» (I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Filius, c. 4: DS 3015). É verdade que Deus deixou traços do seu Ser trinitário na obra da criação e na sua revelação ao longo do Antigo Testamento. Mas a intimidade do seu Ser como Trindade Santíssima constitui um mistério inacessível à razão sozinha e, mesmo, à fé de Israel antes da Encarnação do Filho de Deus e da missão do Espírito Santo.

II. A revelação de Deus como Trindade

O PAI REVELADO PELO FILHO

238. A invocação de Deus como «Pai» é conhecida em muitas religiões. A divindade é muitas vezes considerada como «pai dos deuses e dos homens». Em Israel, Deus é chamado Pai enquanto criador do mundo (Cf. Dt. 32. 6: Ml. 2. 10). Mais ainda, Deus é Pai em razão da Aliança e do dom da Lei a Israel, seu «Filho primogênito» (Ex. 4, 22). Também é chamado Pai do rei de Israel (Cf. 2º Sm. 7, 14). E é muito especialmente «o Pai dos pobres», do órfão e da viúva, entregues à sua proteção amorosa (Cf. Sl 68, 6).

239. Ao designar Deus com o nome de «Pai», a linguagem da fé indica principalmente dois aspectos: que Deus é a origem primeira de tudo e a autoridade transcendente, e, ao mesmo tempo, que é bondade e solicitude amorosa para com todos os seus filhos. Esta ternura paternal de Deus também pode ser expressa pela imagem da maternidade (Cf. Is 66, 13: Sl 131, 2), que indica melhor a imanência de Deus, a intimidade entre Deus e a sua criatura. A linguagem da fé vai, assim, alimentar-se na experiência humana dos progenitores, que são, de certo modo, os primeiros representantes de Deus para o homem. Mas esta experiência diz também que os progenitores humanos são falíveis e podem desfigurar a face da paternidade e da maternidade. Convém, então, lembrar que Deus transcende a distinção humana dos sexos. Não é homem nem mulher: é Deus. Transcende também a paternidade e a maternidade humanas (Cf. Sl. 27, 10), sem deixar de ser de ambas a origem e a medida (Cf. Ef. 3, 14-15: Is. 49, 15): ninguém é pai como Deus.

240. Jesus revelou que Deus é «Pai» num sentido inédito: não o é somente enquanto Criador: é Pai eternamente em relação ao seu Filho único, o qual, eternamente, só é Filho em relação ao Pai: «ninguém conhece o Filho senão o Pai, nem ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar» (Mt. 11, 27).

241. É por isso que os Apóstolos confessam que Jesus é «o Verbo [que] estava [no princípio] junto de Deus» e que é Deus (Jo. 1, 1), «a imagem do Deus invisível» (Cl. 1, 15), «o resplendor da sua glória e a imagem da sua substância» (Heb. 1, 3).

242. Na esteira deles, seguindo a tradição apostólica, no primeiro concílio ecumênico de Niceia, em 325, a Igreja confessou que o Filho é «consubstancial» ao Pai (Símbolo de Nicéia: DS 125), quer dizer, um só Deus com Ele. O segundo concilio ecumênico, reunido em Constantinopla em 381, guardou esta expressão na sua formulação do Credo de Niceia e confessou «o Filho unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, luz da luz. Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150).

O PAI E O FILHO REVELADOS PELO ESPÍRITO

243. Antes da sua Páscoa, Jesus anuncia o envio de um «outro Paráclito» (Defensor), o Espírito Santo. Agindo desde a criação (Cf. Gn. 1. 2) e tendo outrora «falado pelos profetas» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150), o Espírito Santo estará agora junto dos discípulos, e neles (Cf. Jo. 14, 17), para os ensinar (Cf. Jo 14, 26) e os guiar «para a verdade total» (Jo. 16, 13). E, assim, o Espírito Santo é revelado como uma outra pessoa divina, em relação a Jesus e ao Pai.

244. A origem eterna do Espírito revela-se na sua missão temporal. O Espírito Santo é enviado aos Apóstolos e à Igreja, tanto pelo Pai, em nome do Filho, como pessoalmente pelo Filho, depois do seu regresso ao Pai (Cf. Jo. 14, 26: 15. 26; 16, 14). O envio da pessoa do Espírito, após a glorificação de Jesus (Cf. Jo. 7, 39) revela em plenitude o mistério da Santíssima Trindade.

245. A fé apostólica relativamente ao Espírito foi confessada pelo segundo concilio ecumênico, reunido em Constantinopla em 381:«nós acreditamos no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150). A Igreja reconhece assim o Pai como «a fonte e a origem de toda a Divindade» (VI Concílio de Toledo (em 638), De Trinitate et de Filio Dei Redemptore incarnato: DS 490). Mas a origem eterna do Espírito Santo não está desligada da do Filho: «o Espírito Santo, que é a terceira pessoa da Trindade, é Deus, uno e igual ao Pai e ao Filho, da mesma substância e também da mesma natureza... Contudo, não dizemos que Ele é somente o Espírito do Pai, mas, ao mesmo tempo, o Espírito do Pai e do Filho» (XI Concílio de Toledo (ano 675), Symbolum: DS 527). O Credo do Concílio de Constantinopla da Igreja confessa que Ele, «com o Pai e o Filho, é adorado e glorificado» (Símbolo Niceno Constantinopolitano: DS 150).

246. A tradição latina do Credo confessa que o Espírito «procede do Pai e do Filho (Filioque)». O Concílio de Florença, em 1438, explicita: «o Espírito Santo [...] recebe a sua essência e o seu ser ao mesmo tempo do Pai e do Filho, e procede eternamente de um e do outro como dum só Princípio e por uma só espiração [...] E porque tudo o que é do Pai, o próprio Pai o deu ao seu Filho Unigênito, gerando-O, com exceção do seu ser Pai, esta mesma procedência do Espírito Santo, a partir do Filho, Ele a tem eternamente do seu Pai, que eternamente O gerou» (Concílium de Florença. Decretum pro Graecis: DS 1300-1301).

247. A afirmação do Filioque não figurava no Símbolo de Constantinopla de 381. Mas, com base numa antiga tradição latina e alexandrina, o Papa São Leão já a tinha confessado dogmaticamente em 447 (Cf. São Leão Magno, Ep. Quam laudabiliter: DS 284), mesmo antes de Roma ter conhecido e recebido o Símbolo de 381 no Concílio de Calcedónia, em 451. O uso desta fórmula no Credo foi sendo, pouco a pouco, admitido na liturgia latina (entre os séculos VIII e XI). A introdução do Filioque no Símbolo Niceno-Constantinopolitano pela liturgia latina constitui, ainda hoje, no entanto, um diferendo com as igrejas ortodoxas.

248. A tradição oriental exprime, antes de mais, o caráter de origem primeira do Pai em relação ao Espírito. Ao confessar o Espírito como «saído do Pai» (Jo. 15, 26), afirma que Ele procede do Pai pelo Filho (II Concílio Vaticano, Decr. Ad gentes: AAS 58 (1966) 948). A tradição ocidental exprime, sobretudo, a comunhão consubstancial entre o Pai e o Filho, ao dizer que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho (Filioque). E o diz «de maneira legítima e razoável» (Concílio de Florença, Decretum pro Graecis (ano 1439): DS 1302), «porque a ordem eterna das pessoas divinas na sua comunhão consubstancial implica que o Pai seja a origem primeira do Espírito, enquanto princípio sem princípio» (Concílio de Florença, Decretum pro Iacobitis (ano 1442): DS 1331), mas também que, enquanto Pai do Filho Único, seja com Ele «o princípio único de que procede o Espírito Santo» (II Concílio de Lião, Constitutio de Summa Trinitate et fide catholica (ano 1274): DS 850). Esta legítima complementaridade, se não for exagerada, não afeta a identidade da fé na realidade do mesmo mistério confessado.

III. A Santíssima Trindade na doutrina da fé

A FORMAÇÃO DO DOGMA TRINITÁRIO

249. A verdade revelada da Santíssima Trindade esteve, desde a origem, na raiz da fé viva da Igreja. principalmente por meio do Batismo. Encontra a sua expressão na regra da fé batismal, formulada na pregação, na catequese e na oração da Igreja. Tais formulações encontram-se já nos escritos apostólicos, como o comprova esta saudação retomada na liturgia eucarística: «a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todas vós» (2ª Cor. 13, 13) (Cf. Cor. 12, 4-6; Ef. 4, 4-6).

250. No decurso dos primeiros séculos, a Igreja preocupou-se com formular mais explicitamente a sua fé trinitária, tanto para aprofundar a sua própria inteligência da fé, como para a defender contra os erros que a deformavam. Foi esse o trabalho dos primeiros concílios, ajudados pelo trabalho teológico dos Padres da Igreja e sustentados pelo sentido da fé do povo cristão.

251. Para a formulação do dogma da Trindade, a Igreja teve de elaborar uma terminologia própria, com a ajuda de noções de origem filosófica: «substância», «pessoa» ou «hipóstase», «relação», etc. Ao fazer isto, a Igreja não sujeitou a fé a uma sabedoria humana, mas deu um sentido novo, inédito, a estes termos, chamados a exprimir também, desde então, um mistério inefável, «transcendendo infinitamente tudo quanto podemos conceber a nível humano» (Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 9: AAS 60 (1968) 437).

252. A Igreja utiliza o termo «substância» (às vezes também traduzido por «essência» ou «natureza») para designar o ser divino na sua unidade; o termo «pessoa» ou «hipóstase» para designar o Pai, o Filho e o Espírito Santo na distinção real entre Si; e o termo «relação» para designar o fato de que a sua distinção reside na referência recíproca de uns aos outros.
O DOGMA DA SANTÍSSIMA TRINDADE

253. A Trindade é una. Nós não confessamos três deuses, mas um só Deus em três pessoas: «a Trindade consubstancial» (II Concílio de Constantinopla (ano 553), Anathematismi de tribus Capitulis. 1: DS 421). As pessoas divinas não dividem entre Si a divindade única: cada uma delas é Deus por inteiro: «o Pai é aquilo mesmo que o Filho, o Filho aquilo mesmo que o Pai, o Pai e o Filho aquilo mesmo que o Espírito Santo, ou seja, um único Deus por natureza» (XI Concílio de Toledo (ano 675). Symbolum: DS 530). «Cada uma das três pessoas é esta realidade, quer dizer, a substância, a essência ou a natureza divina» (IV Concílio de Latrão (ano 1215), Cap. 2. De errore abbatis Ioachim: DS 804).

254. As pessoas divinas são realmente distintas entre Si. «Deus é um só, mas não solitário» (Fides Damasi: DS 71). «Pai», «Filho», «Espírito Santo» não são meros nomes que designam modalidades do ser divino, porque são realmente distintos entre Si. «Aquele que é o Filho não é o Pai e Aquele que é o Pai não é o Filho, nem o Espírito Santo é Aquele que é o Pai ou o Filho» (XI Concílio de Toledo (ano 675). Symbolum: DS 530). São distintos entre Si pelas suas relações de origem: «o Pai gera, o Filho é gerado, o Espírito Santo procede» (IV Concílio de Latrão (ano 1215). Cap. 2, De errore abbatis Ioachim: DS 804). A unidade divina é trina.

255. As pessoas divinas são relativas umas às outras. Uma vez que não divide a unidade divina, a distinção real das pessoas entre Si reside unicamente nas relações que as referenciam umas às outras: «nos nomes relativos das pessoas, o Pai é referido ao Filho, o Filho ao Pai, o Espírito Santo a ambos. Quando falamos destas três pessoas, considerando as relações respectivas, cremos, todavia, numa só natureza ou substância» (XI Concílio de Toledo (ano 675). Symbolum: DS 528). Com efeito, «n'Eles tudo é um, onde não há a oposição da relação» (Concílio de Florença, Decretum pro Iacobitis (ano 1442): DS 1330). «Por causa desta unidade, o Pai está todo no Filho e todo no Espírito Santo: o Filho está todo no Pai e todo no Espírito Santo: o Espírito Santo está todo no Pai e todo no Filho» (Concílio de Florença, Decretum pro Iacobitis (ano 1442): DS 1331).

256. São Gregório de Nazianzo, também chamado «o Teólogo», confia aos catecúmenos de Constantinopla o seguinte resumo da fé trinitária:

- «antes de mais nada, guardai-me este bom depósito, pelo qual vivo e combato, com o qual quero morrer, que me dá coragem para suportar todos os males e desprezar todos os prazeres: refiro-me à profissão de fé no Pai e no Filho e no Espírito Santo. Eu vo-la confio hoje. É por ela que, daqui a instantes, eu vou mergulhar-vos na água e dela fazer-vos sair. Eu vo-la dou por companheira e protetora de toda a vossa vida. Dou-vos uma só Divindade e Potência, uma nos Três e abrangendo os Três de maneira distinta. Divindade sem diferença de substância ou natureza, sem grau superior que eleve nem grau inferior que abaixe [...] É de três infinitos a infinita conaturalidade. Deus integralmente, cada um considerado em Si mesmo [...] Deus, os Três considerados juntamente [...] Assim que comecei a pensar na Unidade logo me encontrei envolvido no esplendor da Trindade. Mal começo a pensar na Trindade, logo à Unidade sou reconduzido» (São Gregório de Nazianzo, Oratio 40. 41: SC 358, 292-294 (PG 36, 417)).

IV. As obras divinas e as missões trinitárias

257. «O lux beata Trinitas et principalis Unitas! - Ó Trindade. Luz ditosa, ó primordial Unidade»! (Hino das II Vésperas de Domingo, nas semanas 2 e 4: Liturgia Horarum, editio typica, 3 (Typis Poliglottis Vaticanis Poliglottis Vaticanis 1974) p. 632 e 879 [Este hino está traduzido na ed. portuguesa: Liturgia das Horas (Gráfica de Coimbra 1983), v. 3, p. 86 e N. 4, p. 86]). Deus é eterna bem-aventurança, vida imortal, luz sem ocaso. Deus é amor: Pai, Filho e Espírito Santo. Livremente. Deus quer comunicar a glória da sua vida bem-aventurada. Tal é o «mistério da sua vontade» (Ef. 1, 9) que Ele concebeu antes da criação do mundo em seu Filho muito-amado, uma vez que nos «destinou de antemão a que nos tornássemos seus filhos adotivos por Jesus Cristo» (Ef. 1, 5), quer dizer, a sermos «conformes à imagem do seu Filho» (Rm. 8, 29), graças ao «Espírito que faz de vós filhos adotivos» (Rm. 8, 15). Este desígnio é uma «graça que nos foi dada [...] desde toda a eternidade» (2ª Tm. 1, 9), a qual procede imediatamente do amor trinitário. E este amor manifesta-se na obra da criação, em toda a história da salvação depois da queda, e nas missões do Filho e do Espírito, continuadas pela missão da Igreja (I Concílio de Vaticano, Decr. Ad gentes, 2-9: AAS 58 (1966) 948-958).

258. Toda a economia divina é obra comum das três pessoas divinas. Assim como não tem senão uma e a mesma natureza, a Trindade não tem senão uma e a mesma operação (II Concílio de Constantinopla (ano 553), Anathematismi de tribus Capitulis, 1: DS 421). «O Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três princípios das criaturas, mas um só princípio» (Concílio de Florença, Decretum pro Incobitis (ano 1442): DS 1331). No entanto, cada pessoa divina realiza a obra comum segundo a sua propriedade pessoal. É assim que a Igreja confessa, na sequência do Novo Testamento (Cf. Cor. 8, 6), «um só Deus e Pai, de Quem são todas as coisas; um só Senhor Jesus Cristo, para Quem são todas as coisas; e um só Espírito Santo, em Quem são todas as coisas» (II Concílio de Constantinopla (ano 553). Anathematismi de tribus Capitulis, 1: DS 421). São sobretudo as missões divinas da Encarnação do Filho e do dom do Espírito Santo que manifestam as propriedades das pessoas divinas.

259. Obra ao mesmo tempo comum e pessoal, toda a economia divina faz conhecer não só a propriedade das pessoas divinas, mas também a sua única natureza. Por isso, toda a vida cristã é comunhão com cada uma das pessoas divinas, sem de modo algum as separar. Todo aquele que dá glória ao Pai, o faz pelo Filho no Espírito Santo: todo aquele que segue Cristo, o faz porque o Pai o atrai (Cf. Jo. 6. 44) e o Espírito o move (Cf. Rm 8, 14).

260. O fim último de toda a economia divina é o acesso das criaturas à unidade perfeita da bem-aventurada Trindade (Cf. Jo 17, 21-23). Mas já desde agora nós somos chamados a ser habitados pela Santíssima Trindade: «quem me tem amor, diz o Senhor, porá em prática as minhas palavras. Meu Pai, amá-lo-á; nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada» (Jo. 14, 23):

- «ó meu Deus, Trindade que eu adoro, ajudai-me a esquecer-me inteiramente de mim, para me estabelecer em Vós, imóvel e pacifica como se já a minha alma estivesse na eternidade. Que nada possa perturbar a minha paz, nem me fazer sair de Vós, ó meu Imutável, mas que cada minuto me leve mais longe na profundeza do vosso mistério! Pacificai a minha alma, fazei dela o vosso céu, vossa morada querida e o lugar do vosso repouso. Que nunca aí eu Vos deixe só, mas que esteja lá inteiramente, toda desperta na minha fé, toda em adoração, toda entregue à vossa ação criadora» (Beata Isabel da Trindade, Élévation à la Trinité: Écrits spirituels. 50. ed. M. M. Philipon (Paris 1949), p. 80. [Escritos espirituais (Oeiras, Edições Carmelo 1989) p. 327]).

Resumindo:

261. O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. Só Deus pode dar-nos o seu conhecimento, revelando-Se como Pai, Filho e Espírito Santo.

262. A Encarnação do Filho de Deus revela que Deus é o Pai eterno, e que o Filho é consubstancial ao Pai, quer dizer que n'Ele e com Ele é o mesmo e único Deus.

263. A missão do Espírito Santo, enviado pelo Pai em nome do Filho (Cf. Jo. 14, 26) e pelo Filho «de junto do Pai» (Jo. 15, 26), revela que Ele é, com Eles, o mesmo e único Deus. «Com o Pai e o Filho é adorado e glorificado» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150).

264. «O Espírito Santo procede do Pai enquanto fonte primeira; e, pelo dom eterno do Pai ao Filho, procede do Pai e do Filho em comunhão» (Santo Agostinho, De Trinitate 15, 26, 47: CCL 50A, 529 (PL 42. 1095).

265. Pela graça do Batismo «em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo», (Mt 28, 19), somos chamados a participar na vida da Trindade bem-aventurada; para já, na obscuridade da fé, e depois da morte na luz eterna (Paulo VI, Sollemnis Processio fidei, 9: AAS 60 (1968) 436).

266. «Fides autem catholica haec est, ut unum Deum in Trinitate, et Trinitatem in unitate veneremur, neque confundentes personas, neque substantiam sepa-raptes; alia enim est persona Patris, alia Filii, alia Spiritus Sancti: sed Patris et Filii et Spiritus Sancti una est divinitas, aequalis gloria, coaeterna majestas (Símbolo Quicumque: DS 75) - A fé católica é esta: venerarmos um só Deus na Trindade e a Trindade na unidade, sem confundir as Pessoas nem dividir a substância: porque uma é a Pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo; mas do Pai e do Filho e do Espírito Santo é só uma a divindade, igual a glória e coaeterna a majestade».

267. Inseparáveis no que são, as pessoas divinas são também inseparáveis no que fazem. Mas, na operação divina única, cada uma manifestação que lhe é próprio na Trindade, sobretudo nas missões divinas da Encarnação do Filho e do dom do Espírito Santo.

PARÁGRAFO 3

O TODO-PODEROSO

268. De todos os atributos divinos, só a omnipotência é nomeada no Símbolo: confessá-la é de grande alcance para a nossa vida. Nós acreditamos que ela é universal, porque Deus, que tudo criou (Cf. Gn. 1, 1; Jo. 1, 3), tudo governa e tudo pode; amorosa, porque Deus é nosso Pai (Cf. Mt. 6, 9); misteriosa, porque só a fé a pode descobrir, quando «ela atua plenamente na fraqueza» (2ª Cor. 12, 9) (Cf. Cor. 1, 18)

«FAZ TUDO QUANTO LHE APRAZ» (Sl. 115, 3)

269. As Sagradas Escrituras confessam, a cada passo, o poder universal de Deus. Ele é chamado «o Poderoso de Jacob» (Gn. 49, 24; Is 1, 24: etc.) «o Senhor dos Exércitos», «o Forte, o Poderoso» (SI. 24, 8-10). Se Deus é onipotente «no céu e na terra» (Sl. 135, 6), é porque foi Ele quem os fez. Portanto, nada lhe é impossível (Cf. Jr. 32, 17; Lc. 1, 37) e Ele dispõe à vontade da sua obra (Cf. Jr. 27, 5); Ele é o Senhor do Universo, cuja ordem foi por Ele estabelecida e Lhe permanece inteiramente submissa e disponível; Ele é o Senhor da história; governa os corações e os acontecimentos segundo a sua vontade (Cf. Est 4c. 17: Pr 21, 1;Tb 13, 2): «o vosso poder imenso sempre vos assiste - e quem poderá resistir à força do Vosso braço»? (Sb. 11, 21).

«PORQUE PODEIS TUDO, DE TODOS VOS COMPADECEIS» (Sb. 11, 23)

270. Deus é o Pai todo-poderoso. A sua paternidade e o seu poder esclarecem-se mutuamente. Com efeito, Ele mostra a sua onipotência paterna pelo modo como cuida das nossas necessidades (Cf. Mt. 6, 32) pela adoção filial que nos concede («serei para vós um Pai e vós sereis para Mim filhos e filhas, diz o Senhor todo poderoso»: 2ª Cor. 6, 18); enfim, pela sua infinita misericórdia, pois mostra o seu poder no mais alto grau, perdoando livremente os pecados.

271. A onipotência divina não é, de modo algum, arbitrária: «em Deus, o poder e a essência, a vontade e a inteligência, a sabedoria e a justiça, são uma só e a mesma coisa, de modo que nada pode estar no poder divino que não possa estar na justa vontade de Deus ou na sua sábia inteligência» (São Tomás De Aquino, Summa theologiae 1, q. 25, a. 5, ad 1: Ed Leon. 4).

O MISTÉRIO DA APARENTE IMPOTÊNCIA DE DEUS

272. A fé em Deus Pai todo-poderoso pode ser posta à prova pela experiência do mal e do sofrimento. Por vezes, Deus pode parecer ausente e incapaz de impedir o mal. Ora, Deus Pai revelou a sua onipotência do modo mais misterioso, na humilhação voluntária e na ressurreição de seu Filho, pelas quais venceu o mal. Por isso, Cristo crucificado é «força de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens» (1ª Cor. 1, 25). Foi na ressurreição e na exaltação de Cristo que o Pai «exerceu a eficácia da [sua] poderosa força» e mostrou a «incomensurável grandeza que representa o seu poder para nós, os crentes» (Ef. 1, 19-22).

273. Só a fé pode aderir aos caminhos misteriosos da onipotência de Deus. Esta fé gloria-se nas suas fraquezas, para atrair a si o poder de Cristo (Cf. 2ª Cor. 12, 9: Fl. 4. 13). Desta fé é modelo supremo a Virgem Maria, pois acreditou que «a Deus nada é impossível» (Lc. 1, 37) e pôde proclamar a grandeza do Senhor: «o Todo-Poderoso fez em mim maravilhas; 'Santo' – é o seu nome» (Lc. 1, 49).

274. «Portanto, nada é mais próprio para firmar a nossa fé e a nossa confiança do que a convicção, profundamente arraigada nas nossas almas, de que nada é impossível a Deus. Tudo o que [o Credo] seguidamente nos propõe para crer, as coisas maiores, as mais incompreensíveis, bem como as mais sublimes e mais acima das leis ordinárias da Natureza, basta que a nossa razão tenha a ideia da onipotência divina para as admitir facilmente e sem hesitação alguma» (Cat. Rom. I, 2, 13, p. 31).

Resumindo:

275. Confessamos com o justo Job: «eu sei que podeis tudo e que, para Vós, nenhum projeto é impossível» (Job. 42, 2).

276. Fiel ao testemunho da Escritura, a Igreja dirige muitas vezes a sua oração ao «Deus todo-poderoso e eterno» (omnipotens sempiterne Deus), crendo firmemente que «a Deus nada é impossível» (Lc. 1, 37) (Cf. Gn 18. 14: Mt 19, 26).

277. Deus manifesta a sua onipotência convertendo-nos dos nossos pecados e restabelecendo-nos na sua amizade pela graça («Deus qui omnipotentiam tuam parcendo maxime et miserando manifestas» – «Senhor; que dais a maior prova do vosso poder quando perdoais e Vos compadeceis») (Domingo XXVI do Tempo Comum, Colecta: Missale Romanum. editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 365 [Trad. oficial portuguesa: Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992. p. 420]).

278. Se não crermos que o amor de Deus é onipotente, como poderemos crer que o Pai pôde criar-nos, o Filho remir-nos e o Espírito Santo santificar-nos?

PARÁGRAFO 4

O CRIADOR

279. «No princípio, Deus criou o céu e a terra» (Gn. 1, 1). É com estas palavras solenes que começa a Sagrada Escritura. E o Símbolo da fé retoma-as, confessando a Deus, Pai todo-poderoso, como «Criador do céu e da terra» (Símbolo dos Apóstolos: DS 30), «de todas as coisas, visíveis e invisíveis» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150). Vamos, portanto, falar primeiro do Criador, depois da sua criação, e, finalmente, da queda do pecado, de que Jesus, Filho de Deus, nos veio Libertar.

280. A criação é o fundamento de «todos os desígnios salvíficos de Deus», «o princípio da história da salvação» (Cf. Sagrada Congregação do Clero, Directorium catechisticum generale, 51: AAS 64 (1972) 128), que culmina em Cristo. Por seu lado, o mistério de Cristo derrama sobre o mistério da criação a luz decisiva; revela o fim, em vista do qual «no princípio Deus criou o céu e a terra» (Gn. 1, 1): desde o princípio, Deus tinha em vista a glória da nova criação em Cristo (Cf. Rm. 8, 18-23).

281. É por isso que as leituras da Vigília Pascal, celebração da nova criação em Cristo, começam pela narrativa da criação. Do mesmo modo, na liturgia bizantina, a narrativa da criação constitui sempre a primeira leitura das vigílias das grandes festas do Senhor. Segundo o testemunho dos antigos, a instrução dos catecúmenos para o Batismo segue o mesmo caminho (Cf. Egria, Itinerarium seu Peregrinatio ad loca sancta 46, 2: SC 296, 308: PLS 1, 1089-1090: Santo Agostinho. De catechizandis rudibus 3, 5: CCL 46. 124 (PL 40, 313).

I. A catequese sobre a criação

282. A catequese sobre a criação reveste-se duma importância capital. Diz respeito aos próprios fundamentos da vida humana e cristã, porque torna explícita a resposta da fé cristã à questão elementar que os homens de todos os tempos têm vindo a pôr-se: «de onde vimos»? «Para onde vamos»? «Qual a nossa origem»? «Qual o nosso fim»? «Donde vem e para onde vai tudo quanto existe»? As duas questões, da origem e, do fim, são inseparáveis. E são decisivas para o sentido e para a orientação da nossa vida e do nosso proceder.

283. A questão das origens do mundo e do homem tem sido objeto de numerosas investigações científicas, que enriqueceram magnificamente os nossos conhecimentos sobre a idade e a dimensão do cosmos, a evolução dos seres vivos, o aparecimento do homem. Tais descobertas convidam-nos, cada vez mais, a admirar a grandeza do Criador e a dar-Lhe graças por todas as suas obras, e pela inteligência e saber que dá aos sábios e investigadores. Estes podem dizer com Salomão: «foi Ele quem me deu a verdadeira ciência de todas as coisas, a fim de conhecer a constituição do Universo e a força dos elementos [...], porque a Sabedoria, que tudo criou, me ensinou» (Sb. 7, 17-21).

284. O grande interesse atribuído a estas pesquisas é fortemente estimulado por uma questão de outra ordem, que ultrapassa o domínio próprio das ciências naturais. Porque não se trata apenas de saber quando e como surgiu materialmente o cosmos, nem quando é que apareceu o homem; mas, sobretudo, de descobrir qual o sentido de tal origem: se foi determinada pelo acaso, por um destino cego ou uma fatalidade anônima, ou, antes, por um Ser transcendente, inteligente e bom, chamado Deus. E se o mundo provém da sabedoria e da bondade de Deus, qual a razão do mal? De onde vem ele? Quem é por ele responsável? E será que existe uma libertação do mesmo?

285. Desde os princípios que a fé cristã teve de defrontar-se com respostas, diferentes da sua, sobre a questão das origens. De fato, nas religiões e nas culturas antigas encontram-se muitos mitos relativos às origens. Certos filósofos disseram que tudo é Deus, que o mundo é Deus, ou que a evolução do mundo é a evolução de Deus (panteísmo): outros disseram que o mundo é uma emanação necessária de Deus, brotando de Deus como duma fonte e a Ele voltando; outros, ainda, afirmaram a existência de dois princípios eternos, o bem e o mal, a luz e as trevas, em luta permanente (dualismo, maniqueísmo). Segundo algumas destas concepções, o mundo (pelo menos o mundo material) seria mau, produto duma decadência e, portanto, objeto de repúdio ou de superação (gnose); outras admitem que o mundo tenha sido feito por Deus, mas à maneira dum relojoeiro que, depois de o ter feito, o abandonou a si mesmo (deísmo); outras, finalmente, rejeitam qualquer origem transcendente do mundo e veem nele o puro jogo duma matéria que teria existido sempre (materialismo). Todas estas tentativas dão testemunho da permanência e universalidade do problema das origens. É uma busca própria do homem.

286. Não há dúvida de que a inteligência humana é capaz de encontrar uma resposta para a questão das origens. Com efeito, a existência de Deus Criador pode ser conhecida com certeza pelas suas obras, graças à luz da razão humana (Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Fillius, De Revelatione. canon I: DS 3026), mesmo que tal conhecimento muitas vezes seja obscurecido e desfigurado pelo erro. E é por isso que a fé vem confirmar e esclarecer a razão na compreensão exata desta verdade: «pela fé, sabemos que o mundo foi organizado pela palavra de Deus, de modo que o que se vê provém de coisas invisíveis» (Heb. 11, 3).

287. A verdade da criação é tão importante para toda a vida humana que Deus, na sua bondade, quis revelar ao seu povo tudo quanto é salutar conhecer-se a esse propósito. Para além do conhecimento natural, que todo o homem pode ter do Criador (Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Fillius, De Revelatione. canon I: DS 3026), Deus revelou progressivamente a Israel o mistério da criação. Deus, que escolheu os patriarcas, que fez sair Israel do Egito e que, escolhendo Israel, o criou e formou (Cf. Is 43, 1) revela-Se como Aquele a quem pertencem todos os povos da terra e toda a terra, como sendo o único que «fez o céu e a terra» (Sl. 115, 15; 124, 8; 134, 3).

288. Assim, a revelação da criação é inseparável da revelação e da realização da Aliança de Deus, o Deus Único, com o seu povo. A criação é revelada como o primeiro passo para esta Aliança, como o primeiro e universal testemunho do amor onipotente de Deus (Cf. Gn. 15, 5; Jr. 33, 19-26). Por isso, a verdade da criação é expressa com vigor crescente na mensagem dos profetas (Cf. Is. 44, 24), na oração dos salmos (Cf. Sl. 104) e da liturgia, na reflexão da sabedoria (Cf. Pr 8. 22-31) do Povo eleito.

289. Entre tudo quanto a Sagrada Escritura nos diz sobre a criação, os três primeiros capítulos do Gênesis ocupam um lugar único. Do ponto de vista literário, estes textos podem ter diversas fontes. Os autores inspirados puseram-nos no princípio da Escritura, de maneira a exprimirem, na sua linguagem solene, as verdades da criação, da sua origem e do seu fim em Deus, da sua ordem e da sua bondade, da vocação do homem, e enfim, do drama do pecado e da esperança da salvação. Lidas à luz de Cristo, na unidade da Sagrada Escritura e na Tradição viva da Igreja, estas palavras continuam a ser a fonte principal para a catequese dos mistérios do «princípio»: criação, queda, promessa da salvação.

II. A criação – obra da Santíssima Trindade

290. «No princípio, Deus criou o céu e a terra». Três coisas são afirmadas nestas primeiras palavras da Escritura: Deus eterno deu um princípio a tudo quanto existe fora d'Ele. Só Ele é criador (o verbo «criar» - em hebraico «bara» - tem sempre Deus por sujeito). E tudo quanto existe (expresso pela fórmula «o céu e a terra») depende d' Aquele que lhe deu o ser.

291. «No princípio era o Verbo [...] e o Verbo era Deus [...] Tudo se fez por meio d'Ele e, sem Ele, nada se fez» (Jo. 1, 1-3). O Novo Testamento revela que Deus tudo criou por meio do Verbo eterno, seu Filho muito-amado. Foi n'Ele «que foram criados todos os seres que há nos céus e na terra [...]. Tudo foi criado por seu intermédio e para Ele. Ele é anterior a todas as coisas, e todas se mantêm por Ele» (Cl. 1, 16-17). A fé da Igreja afirma igualmente a ação criadora do Espírito Santo: Ele é Aquele «que dá a vida» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150), «o Espírito Criador» (Veni, Creator Spiritus), a «fonte de todo o bem» (Liturgia Bizantina. Tropário das Vésperas de Pentecostes: Pentêkostáriom (Rome 1883). 408).

292. Insinuada no Antigo Testamento (Cf. Sl 33, 6; 104. 30; Gn 1, 2-3) revelada na Nova Aliança, a ação criadora do Filho e do Espírito Santo, inseparavelmente unida à do Pai, é claramente afirmada pela regra de fé da Igreja: «existe um só Deus. Ele é o Pai, é Deus, é o Criador, o Autor, o Ordenador. Fez todas as coisas por Si mesmo, quer dizer, pelo Seu Verbo e pela sua Sabedoria» (Santo Irineu de Lião, Adversus haereses, 2, 30, 9: SC 294, 318-320 (PG 7, 822) «pelo Filho e pelo Espírito» que são como «as suas mãos» (Ibidem, 4, 20, 1: SC 100, 626 (PG 7, 1032). A criação é obra comum da Santíssima Trindade.

III. «O mundo foi criado para glória de Deus»

293. É uma verdade fundamental, que a Escritura e a Tradição não cessam de ensinar e de celebrar: «o mundo foi criado para glória de Deus» (I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius. De Deo rerum omnium Creatore, canon 5: DS 3025). Deus criou todas as coisas, explica São Boaventura, «non propter gloriam augendam, sed propter gloriam manifestandam et propter gloriam suam communicandam - Não para aumentar a Sua glória, mas para a manifestar e para a comunicar» (São Boaventura, In secundum librum Sententiarum, dist. 1. p. 2. a. 2, q. 1. concl..: Opera omnia, v. 2 (Ad Claras Aquas 1885), p. 44). Para criar, Deus não tem outra razão senão o seu amor e a sua bondade: «aperta manu clave amoris creaturae prodierunt - As criaturas saíram da mão (de Deus) aberta pela chave do amor» (São Tomás de Aquino, Commentum in secundum librum Sententiarum, Prologus: Opera omnia, v. 8 (Parisiis 1873), p. 2). E o I Concílio do Vaticano explica:

- «na sua bondade e pela sua força onipotente, não para aumentar a sua felicidade nem para adquirir a sua perfeição, mas para a manifestar pelos bens que concede às suas criaturas, Deus, no seu libérrimo desígnio, criou do nada simultaneamente e desde o princípio do tempo uma e outra criatura - a espiritual e a corporal» (I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 1: DS 3002).

294. A glória de Deus está em que se realize esta manifestação e está comunicação da sua bondade, em ordem às quais o mundo foi criado. Fazer de nós «filhos adotivos por Jesus Cristo. Assim aprouve à sua vontade, para que fosse enaltecida a glória da sua graça» (Ef. 1, 5-6): «porque a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus: se a revelação de Deus pela criação já proporcionou a vida a todos os seres que vivem na terra, quanto mais a manifestação do Pai pelo Verbo proporciona a vida aos que veem a Deus»! (Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses 4, 20, 7: SC 100, 648 (PG 7, 1037). O fim último da criação é que Deus Pai, «criador de todos os seres, venha finalmente a ser 'tudo em todos' (1ª Cor. 15, 28), provendo, ao mesmo tempo, à sua glória e à nossa felicidade» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes. 2: AAS 58 (1966) 948).

IV. O mistério da criação

DEUS CRIA COM SABEDORIA E POR AMOR

295 Acreditamos que Deus criou o mundo segundo a sua sabedoria (Cf. Sb 9, 9). O mundo não é fruto duma qualquer necessidade, dum destino cego ou do acaso. Acreditamos que ele procede da vontade livre de Deus, que quis fazer as criaturas participantes do seu Ser, da sua sabedoria e da sua bondade: «porque Vós criastes todas as coisas e, pela vossa vontade, elas receberam a existência e foram criadas» (Ap. 4, 11). «Como são grandes, Senhor, as vossas obras! Tudo fizestes com sabedoria» (Sl. 104, 24). «O Senhor é bom para com todos e a sua misericórdia estende-se a todas as criaturas» (Sl. 145, 9).

DEUS CRIA «DO NADA»

296. Acreditamos que Deus não precisa de nada preexistente, nem de qualquer ajuda, para criar (I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Filius, c. 1: DS 3002). A criação tão pouco é uma emanação necessária da substância divina (I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Filius, De Deo rerum omnium Creatore, canones 1-4: DS 3023-3024). Deus cria livremente «do nada» (IV Concílio de Latrão, Cap. 2. De fide catholica: DS 800; I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Filius,. Const. dogm. Dei Filiu.s, De Deo rerum omnium Creatore, canon 5: DS 3025):

- «que haveria de extraordinário, se Deus tivesse tirado o mundo duma matéria preexistente? Um artista humano, quando se lhe dá um material, faz dele o que quer. O poder de Deus, porém, mostra-se precisamente quando parte do nada para fazer tudo o que quer» (São Teófilo de Antioquia, Ad Autolycum, 2. 4; SC 20. 102 (PG 6. 1052).

297. A fé na criação a partir «do nada» é testemunhada na Escritura como uma verdade cheia de promessa e de esperança. É assim que a mãe dos sete filhos os anima ao martírio:

- «não sei como aparecestes no meu seio; não fui eu que vos dei a respiração e a vida, nem fui eu que dispus os membros que compõem cada um de vós. Por isso, o Criador do mundo, que formou o homem à nascença e concebeu todas as coisas na sua origem, vos dará novamente, na sua misericórdia, a respiração e a vida, uma vez que vos desprezais agora a vós próprios, por amor às suas leis [...] Peço-te, meu filho, que olhes para o céu e para a terra. Vê todas as coisas que neles se encontram, para saberes que Deus não as fez do que já existia, e que o mesmo sucede com o género humano» (2ª Mac. 7, 22-23. 28).

298. Uma vez que Deus pode criar «do nada», também pode, pelo Espírito Santo, dar a vida da alma aos pecadores, criando neles um coração puro e a vida do corpo aos defuntos, pela ressurreição. Ele que «dá a vida aos mortos e chama o que não existe como se já existisse» (Rm. 4, 17) (Cf. Sl 51, 12). E como, pela sua palavra, pôde fazer que das trevas brilhasse a luz (Cf. Gn. 1, 3), pode também dar à luz da fé aos que a ignoram (Cf. 2ª Cor. 4, 6).

DEUS CRIA UM MUNDO ORDENADO E BOM

299. Uma vez que Deus cria com sabedoria, a criação possui ordem. «Dispusestes tudo com medida, número e peso» (Sb. 11, 20). Criada no Verbo e pelo Verbo eterno, «que é a imagem do Deus invisível» (Cl. 1, 15), a criação destina-se e orienta-se para o homem, imagem de Deus (Cf. Cf. Gn 1, 26), chamado ele próprio a uma relação pessoal com Deus. A nossa inteligência, participante da luz do intelecto divino, pode entender o que Deus nos diz pela sua criação (Cf. Sl 19, 2-5), sem dúvida com grande esforço e num espírito de humildade e de respeito perante o Criador e a sua obra (Cf. Job 42, 3). Saída da bondade divina, a criação partilha dessa bondade («E Deus viu que isto era bom [...] muito bom»: Gn 1, 4. 10. 12. 18. 21. 31). Porque a criação é querida por Deus como um dom orientado para o homem, como herança que lhe é destinada e confiada. A Igreja, em diversas ocasiões, viu-se na necessidade de defender a bondade da criação, mesmo a do mundo material (Cf. São Leão Magno, Ep Quam laudabiliter: DS 286: I Concílio de Braga, Anathematismi praesertim contra Priscillianistas, 5-13: DS 455-463: IV Concílio de Latrão, Cap. 2, De fide catholica: DS 800; Concílio de Florença, Decretam pro Iacobitis: DS 1333. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 1: DS 3002.).

DEUS TRANSCENDE A CRIAÇÃO E ESTÁ PRESENTE NELA

300. Deus é infinitamente maior do que todas as suas obras (Cf. Sir 43, 30): «a vossa majestade está acima dos céus» (Sl. 8, 2), «insondável é a sua grandeza» (Sl. 145, 3). Mas, porque Ele é o Criador soberano e livre, causa primeira de tudo quanto existe, está presente no mais íntimo das suas criaturas: «é n'Ele que vivemos, nos movemos e existimos» (At. 17, 28). Segundo as palavras de Santo Agostinho, Ele é «superior summo meo et interior íntimo meo - Deus está acima do que em mim há de mais elevado e é mais interior do que aquilo que eu tenho de mais íntimo» (Santo Agostinho, Confissões, 3, 6, 11: CCL 27, 33 (PL 32, 688).

DEUS SUSTENTA E CONDUZ A CRIAÇÃO

301. Depois da criação, Deus não abandona a criatura a si mesma. Não só lhe dá o ser e o existir, mas a cada instante a mantém no ser, lhe dá o agir e a conduz ao seu termo. Reconhecer esta dependência total do Criador é fonte de sabedoria e de liberdade, de alegria e de confiança:

- «Vós amais tudo quanto existe e não tendes aversão a coisa alguma que fizestes: se tivésseis detestado alguma criatura, não a teríeis formado. Como poderia manter-se qualquer coisa, se Vós não quisésseis? Como é que ela poderia durar, se não a tivésseis chamado à existência? Poupais tudo, porque tudo é vosso, ó Senhor, que amais a vida» (Sb. 11, 24-26).

V. Deus realiza o seu desígnio: a divina Providência

302. A criação tem a sua bondade e a sua perfeição própria, mas não saiu totalmente acabada das mãos do Criador. Foi criada «em estado de caminho» («in statu viae») para uma perfeição última ainda a atingir e a que Deus a destinou. Chamamos divina Providência às disposições pelas quais Deus conduz a sua criação em ordem a essa perfeição:

- «Deus guarda e governa, pela sua Providência, tudo quanto criou, "atingindo com força dum extremo ao outro e dispondo tudo suavemente" (Sb. 8, 1). Porque "tudo está nu e patente a seus olhos" (Heb. 4, 13), mesmo aquilo que depende da futura ação livre das criaturas» (I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 1: DS 3003).

303. É unânime, a este respeito, o testemunho da Escritura: a solicitude da divina Providência é concreta e imediata, cuida de tudo, desde os mais insignificantes pormenores até aos grandes acontecimentos do mundo e da história. Os livros santos afirmam, com veemência, a soberania absoluta de Deus no decurso dos acontecimentos: «tudo quanto Lhe aprouve, o nosso Deus o fez, no céu e na terra» (Sl. 115, 3); e de Cristo se diz: «que abre e ninguém fecha, e fecha e ninguém abre» (Ap. 3, 7); «há muitos projetos no coração do homem, mas é a vontade do Senhor que prevalece» (Pr. 19, 21).

304. É assim que, muitas vezes, vemos o Espírito Santo, autor principal da Sagrada Escritura, atribuir a Deus certas ações, sem mencionar causas-segundas. Isso não é «uma maneira de dizer» primitiva, mas sim um modo profundo de afirmar o primado de Deus e o seu senhorio absoluto sobre a história e sobre o mundo (Cf. Is 10, 5-15: 45, 5-7: Dt 32, 39: Sir 11, 14) e de ensinar a ter confiança n'Ele. A oração dos Salmos é, aliás, a grande escola desta confiança (Cf. Sl 22; 32; 35; 103; 138; etc.).

305. Jesus reclama um abandono filial à Providência do Pai Celeste, que cuida das mais pequenas necessidades dos seus filhos: «não vos inquieteis, dizendo: que havemos de comer? Que havemos de beber? [...] Bem sabe o vosso Pai celeste que precisais de tudo isso. Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo» (Mt. 6, 31-33) (Cf. Mt. 10, 29-31).

A PROVIDÊNCIA E AS CAUSAS SEGUNDAS

306. Deus é o Senhor soberano dos seus planos. Mas, para a realização dos mesmos, serve-Se também do concurso das criaturas. Isto não é um sinal de fraqueza, mas da grandeza e bondade de Deus omnipotente. É que Ele não só permite às suas criaturas que existam, mas confere-lhes a dignidade de agirem por si mesmas, de serem causa e princípio umas das outras e de cooperarem, assim, na realização do seu desígnio.

307. Aos homens, Deus concede mesmo poderem participar livremente na sua Providência, confiando-lhes a responsabilidade de «submeter» a terra e dominá-la (Cf. Gn. 1, 26-28). Assim lhes concede que sejam causas inteligentes e livres, para completar a obra da criação, aperfeiçoar a sua harmonia, para o seu bem e o dos seus semelhantes. Cooperadores muitas vezes inconscientes da vontade divina, os homens podem entrar deliberadamente no plano divino, pelos seus atos e as suas orações, como também pelos seus sofrimentos (Cf. Cl. 1, 24). Tornam-se, então, plenamente «colaboradores de Deus» (1ª Cor. 3, 9) (Cf. 1 Ts 3, 2) e do seu Reino (Cf. Cl. 4, 11).

308. Esta é uma verdade inseparável da fé em Deus Criador: Deus age em toda a ação das suas criaturas. É Ele a causa-primeira, que opera nas e pelas causas-segundas: «é Deus que produz em nós o querer e o operar, segundo o seu beneplácito» (Fl. 2, 13) (Cf. Cor. 12, 6). Longe de diminuir a dignidade da criatura, esta verdade realça-a. Tirada «do nada» pelo poder, sabedoria e bondade de Deus, a criatura separada da sua origem, nada pode, porque «a criatura sem o Criador esvai-se» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes. 36: AAS 58 (1966) 1054). Muito menos pode atingir o seu fim último, sem a ajuda da graça (Cf. Mt 19, 26: Jo 15, 5; Fl 4, 13).

A PROVIDÊNCIA E O ESCÂNDALO DO MAL

309. Se Deus Pai todo-poderoso, Criador do mundo ordenado e bom, tem cuidado com todas as suas criaturas, porque é que o mal existe? A esta questão, tão premente como inevitável, tão dolorosa como misteriosa, não é possível dar uma resposta rápida e satisfatória. É o conjunto da fé cristã que constitui a resposta a esta questão: a bondade da criação, o drama do pecado, o amor paciente de Deus que vem ao encontro do homem pelas suas alianças, pela Encarnação redentora de seu Filho, pelo dom do Espírito, pela agregação à Igreja, pela força dos sacramentos, pelo chamamento à vida bem-aventurada, à qual as criaturas livres são de antemão convidadas a consentir, mas à qual podem, também de antemão, negar-se, por um mistério terrível. Não há nenhum pormenor da mensagem cristã que não seja, em parte, resposta ao problema do mal.

310. Mas, porque é que Deus não criou um mundo tão perfeito que nenhum mal pudesse existir nele? No seu poder infinito, Deus podia sempre ter criado um mundo melhor (Cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1, q. 25, a. 6: Ed. Leon. 4, 298-299). No entanto, na sua sabedoria e bondade infinitas, Deus quis livremente criar um mundo «em estado de caminho» para a perfeição última. Este devir implica, no desígnio de Deus, juntamente com o aparecimento de certos seres, o desaparecimento de outros; o mais perfeito, com o menos perfeito; as construções da natureza, com as suas destruições. Com o bem físico também existe, pois, o mal físico, enquanto a criação não tiver atingido a perfeição (São Tomás de Aquino, Summa contra gentiles, 3, 71: Ed. Leon. 14. 209-211).

311. Os anjos e os homens, criaturas inteligentes e livres, devem caminhar para o seu último destino por livre escolha e amor preferencial. Podem, por conseguinte, desviar-se. De fato, pecaram. Foi assim que entrou no mundo o mal moral, incomensuravelmente mais grave que o mal físico. Deus não é, de modo algum, nem direta nem indiretamente, causa do mal moral (Cf. Santo Agostinho, De libero arbitrio, 1, 1, 1: CCL 29, 211 (PL 32. 1221-1223): Santo Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q. 79, a. l: Ed. Leon. 7, 76-77). No entanto, permite-o por respeito pela liberdade da sua criatura e misteriosamente sabe tirar dele o bem:

- «Deus todo-poderoso [...] sendo soberanamente bom, nunca permitiria que qualquer mal existisse nas suas obras se não fosse suficientemente poderoso e bom para do próprio mal, fazer surgir o bem» (Santo Agostinho, Enchiridion de fide, spe et caritate. 3. 11: CCL 46, 53 (PL 40, 236)).

312. Assim, com o tempo, é possível descobrir que Deus, na sua oni­potente Providência, pode tirar um bem das consequências dum mal (mesmo moral), causado pelas criaturas: «não, não fostes vós - diz José a seus irmãos - que me fizestes vir para aqui. Foi Deus. [...] Premeditastes contra mim o mal: o desígnio de Deus aproveitou-o para o bem [...] e um povo numeroso foi salvo» (Gn. 45, 8; 50, 20) (Cf. Tb 2. 12-18 vulg). Do maior mal moral jamais praticado, como foi o repúdio e a morte do Filho de Deus, causado pelos pecados de todos os homens, Deus, pela superabundância da sua graça (Cf. Rm 5, 20), tirou o maior dos bens: a glorificação de Cristo e a nossa redenção. Mas nem por isso o mal se transforma em bem.

313. «Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm. 8, 28). O testemunho dos santos não cessa de confirmar esta verdade:

- assim, Santa Catarina de Sena diz aos «que se escandalizam e se revoltam contra o que lhes acontece»: «Tudo procede do amor, tudo está ordenado para a salvação do homem, e não com nenhum outro fim» (Santa Catarina de Sena,  ll dialogo della Divina provvidenza, 138: ed. G. Cavallini (Roma 1995) p. 441).

- e São Tomás Moro, pouco antes do seu martírio, consola a filha com estas palavras: «nada pode acontecer-me que Deus não queira. E tudo o que Ele quer, por muito mal que nos pareça, é, na verdade, muito bom» (Margarita Roper. Epistola ad Aliciam Alington (agosto 1534): The Correspondence of Sir Thomas More, ed. E. F. Rogers (Princeton 1947), p. 531-532. [Texto no Ofício de Leituras da memória de São Tomás Moro a 22 de junho]).

- e Juliana de Norwich: «compreendi, pois, pela graça de Deus, que era necessário ater-me firmemente à fé [...] e crer, com não menos firmeza, que todas as coisas serão para bem [...]». «Thou shalt see thyself that all manner of thing shall be well» (Juliana de Norwich, Revelatio 13, 32: A Book of Showings to the Anchoress Julian of Norwich. ed. E. Colledge — J. Walsh, vol. 2 (Toronto 1978), p. 426 e 422).

314. Nós cremos firmemente que Deus é o Senhor do mundo e da história. Muitas vezes, porém, os caminhos da sua Providência são-nos desconhecidos. Só no fim, quando acabar o nosso conhecimento parcial e virmos Deus «face a face» (1ª Cor. 13, 12), é que nos serão plenamente conhecidos os caminhos pelos quais, mesmo através do mal e do pecado, Deus terá conduzido a criação ao repouso desse Sábado (Cf. Gn. 2. 2) definitivo, em vista do qual criou o céu e a terra.

Resumindo:

315. Na criação do mundo e do homem, Deus deu o primeiro e universal testemunho do seu amor onipotente e da sua sabedoria e fez o primeiro anúncio do seu «desígnio amoroso», o qual tem como finalidade a nova criação em Cristo.

316. Embora a obra da criação seja particularmente atribuída ao Pai, é igualmente verdade de fé que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são o único e indivisível princípio da criação.

317. Só Deus criou o Universo, livremente, diretamente, sem qualquer ajuda.

318. Nenhuma criatura possui o poder infinito necessário para «criar», no sentido próprio da palavra: quer dizer; para produzir e dar o ser ao que de modo algum o possuía (chamar à existência «ex nihilo» a partir do nada) (Cf. Sagrada Congregação de Estudos, Decreto (27 Julho 1914): DS 3624).

319. Deus criou o mundo para manifestar e comunicar a sua glória. Que as criaturas partilhem da sua verdade, da sua bondade e da sua beleza - eis a glória, para a qual Deus as criou.

320. Deus, que criou o universo, mantém-no na existência pelo seu Verbo; «o Filho tudo sustenta com a sua palavra poderosa» (He. 1, 3) e pelo seu Espírito criador que dá a vida.

321. A divina Providência consiste nas disposições pelas quais Deus conduz, com sabedoria e amor; todas as criaturas, para o seu último fim.

322. Cristo convida-nos a abandonarmo-nos filialmente à Providência do Pai dos céus (Cf. Mt. 6, 26-34); o apóstolo São Pedro retoma o seu pensamento ao dizer: «lançai sobre Deus toda a vossa inquietação porque Ele vela por vós» (1ª Pe. 5, 7) (Cf. Sl. 55, 23).

323. A Providência divina também age pela ação das criaturas. Aos seres humanos, Deus permite-lhes cooperar livremente com os seus desígnios.

324. A permissão divina do mal físico e do mal moral é um mistério, que Deus esclarece por seu Filho Jesus Cristo, morto e ressuscitado para vencer o mal. A fé dá-nos a certeza de que Deus não permitiria o mal, se do próprio mal não fizesse sair o bem, por caminhos que só na vida eterna conheceremos plenamente.

continua na parte 2

 O Terço (Rosário) dos Homens não exige nada e não cobra nada da vida pessoal dos seus participantes, o que faz com que seus membros se sintam livres, e a liberdade dá ao homem o poder de ser aquilo que ele deseja ser, daí as transformações se sucederem de modo espontâneo causado pelo contato que os mesmos passam a ter com Deus por intercessão de Maria.