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O Primeiro - o número 1 na Internet.-
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Criado em 30 de março de 2005 |
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Homens rezado nas suas origens pelo primeiro tesoureiro,
um dos fundadores do grupo.
Sr. Manoel Pedral, falecido à mais de 40 anos -
ouçam
86 ANOS DE GRAÇAS E
BÊNÇÃOS
no Brasil e no mundo
História da
Igreja Católica |
PÁGINA INICIAL |
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A Igreja, que é "a coluna e sustentáculo
da verdade" (1ª
Tm. 3, 15), guarda fielmente a fé uma vez por todas confiada aos
santos (Cf. Jd. 1, 3). É ela que conserva a memória das Palavras
de Cristo, é ela que transmite de geração em geração a confissão
de fé dos apóstolos. Como uma mãe que ensina seus filhos a falar
e, com isso, a compreender e a comunicar, a Igreja, nossa Mãe,
nos ensina a linguagem da fé para introduzir-nos na compreensão
e na vida da fé. (Catecismo da Igreja Católica) |
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01.
O terreno onde a semente foi plantada
Há quase dois mil anos, o mundo mediterrâneo era
controlado por Roma. O Grande Império se estendia da
Síria até Portugal, das Ilhas Britânicas até o Egito.
Fundado pelo gênio de Otávio Augusto, que soube
concentrar em suas mãos o poder sem destruir as
aparências da República, o Império vivia, no início da
nossa era, um período de paz e prosperidade (Pax
Romana). O helenismo, a influência dos costumes e do
pensamento gregos sobre o mundo mediterrâneo, estimulava
o gosto pelas coisas espirituais (estoicismo,
platonismo). Uma grande efervescência religiosa atingia
todas as camadas da sociedade. O panteão romano,
retocado pelo Olímpio grego, conservava seu prestígio e
contava com inúmeros fiéis devotos. Mas existiam outras
correntes se desenvolvendo. Pregadores anunciavam seus
deuses em cada canto do Império. Vindos do Egito,
através de Alexandria, chegavam os mistérios de Ísis e
de Serápis. Os fenícios adoravam seus baalins. Em Roma,
havia o culto sensual da deusa Cibele, mãe de Pessinonte.
O orfismo afirmava a existência de mediadores entre Deus
e os homens - para os pitagóricos, um Logos. As almas
mais inquietas e sedentas de eternidade se voltavam para
Mitra, o deus-sol dos arianos, cujo culto se fortalecia
com a astrolatria Caldéia. Uma enorme diversidade de
sincretismos e superstições pululava por toda a parte.
Trazido do Oriente, desenvolvido pelos sucessores de
Alexandre Magno, o culto ao soberano se implantou no
Império. Quando morria um imperador, logo surgia um
culto oficial à sua divindade. Nas províncias orientais,
o imperador era adorado ainda em vida. No meio dessa
babel de crenças, um povo fazia questão de manter-se
fiel a um só Deus, fugindo de toda contaminação pagã. Na
Diáspora ou na Palestina, o pequeno povo de Israel
jamais havia esquecido a fé dos antepassados, Abraão,
Isaac e Jacó, e de como Yahvéh os tinha libertado da
escravidão no Egito. Tinha consciência do seu status
superior, de ser uma raça escolhida e predestinada por
Deus, herdeira das promessas divinas. Entre Yahvéh e o
seu povo havia um laço, a Torá, a Lei que Moisés
recebera no monte Sinai e que tinha de ser observada
zelosamente. A Lei era uma coletânea de preceitos éticos
e religiosos fixados em um conjunto de cinco livros
sagrados, o Pentateuco. Ao lado do Pentateuco existiam
outros livros, de cunho histórico, profético, poético,
salmos... A sua coleção formava as Escrituras Sagradas
do judaísmo. Na época de Jesus ainda não havia um cânone
fixo das Escrituras. Só depois, no final do século III,
surgirá uma definição mais rigorosa. Ao lado dos livros,
havia entre os judeus uma tradição oral, transmitida de
pai para filho. O sinédrio, tendo a frente o sumo
sacerdote, e os escribas, era o responsável pela guarda
da Lei. Jerusalém, a cidade sagrada, e seu templo, eram
o centro da religiosidade dos judeus. Fora da Palestina,
o judaísmo alexandrino começava a assimilar elementos do
platonismo e do estoicismo. Fílon de Alexandria (13 a.C.
a 54 d.C.) construiu um sofisticado sistema teológico e
filosófico que integrava as Escrituras com certas
correntes do pensamento grego. Tal movimento
influenciava profundamente as comunidades judias da
Diáspora e preparava o caminho para o desenvolvimento da
teologia cristã. Na Terra Santa, qualquer tentativa de
assimilação com o helenismo era fortemente repelida.
Antíoco Epífanes teve a ousadia de colocar um Júpiter
olímpico no templo de Jerusalém e por isto enfrentou a
ira dos Macabeus. Uma verdadeira guerra santa. Mesmo
quando Roma reduziu Israel à condição de simples
vassalo, o povo de Deus se apegou mais ainda à fé de
seus pais e se uniu aos fariseus, sucessores dos
piedosos (hasidim) da época dos Macabeus. Os fariseus
tinham uma espiritualidade centrada na meditação e no
cumprimento da Torá. Para eles o pai judeu que ensinasse
grego ao seu filho era maldito. Impunham uma rígida
observância do Sábado. Cuidavam para que os menores
mandamentos fossem sempre respeitados. Acreditavam na
imortalidade da alma, na ressurreição, na existência de
anjos, contrariando os ensinamentos dos saduceus, os
quais só reconheciam o Pentateuco. Os zelotas, rebeldes
que combatiam a dominação romana pela luta armada,
encarnavam o nacionalismo judeu em sua forma mais
fanática e intransigente. Os essênios, segundo Flávio
Josefo, se estabeleciam em várias cidades e eram
numerosos. A comunidade essênia de Qumrã se diferenciava
por seu estilo de vida cenobítico. Os Manuscritos do Mar
Morto, encontrados recentemente, nos deram mais
informações sobre este grupo em particular. "Quando,
porém, chegou à plenitude do tempo, enviou Deus o seu
Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei... (Gl.
4, 4).
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02.
O Messias
Nazaré era apenas uma pequena povoação, uma aldeia entre
tantas outras da região da Galileia. Quem passasse por
ali veria um ajuntamento desordenado de casas em uma
encosta rochosa, com uma fonte nas proximidades, cuja
água havia atraído seus primeiros habitantes. Nazaré não
tinha boa fama. Ainda hoje existe um ditado na Palestina
que diz: "a quem Deus quer castigar, com uma nazarena
o faz casar". E Natanael, ao saber que Jesus era de
lá, perguntou a Filipe: "de Nazaré pode vir algo
bom"? Neste lugar desprezado por todos vivia uma
jovem, desposada por um carpinteiro chamado José. Embora
provavelmente não chamasse a atenção, a não ser por sua
profunda piedade, fé e pureza de coração, tinha sido ela
a escolhida, a eleita de Deus para ser a Mãe do Messias.
O salvador esperado por Israel e profetizado nas
Escrituras, que libertaria o povo da opressão e
implantaria um Reino maior que o de David. Maria, a
cheia de graça, soube por um anjo qual era a decisão de
Deus... e disse sim. Adotado por José, Jesus nasceu em
Belém, na Judéia, talvez entre os anos 6 e 7 antes da
nossa era (outros situam o seu nascimento entre 4 e 5
a.C. - há controvérsias; o monge sírio Dionísio, o
Pequeno, no séc. VI, cometeu um erro na hora de fixar a
divisão em a.C. e d.C., adiantando a data do nascimento
de Jesus em alguns anos). Durante trinta anos viveu
"escondido". Ajudava o pai e a mãe, cuidava de tarefas
domésticas, estudava a Torá, aprendia o ofício de
carpinteiro, "crescia em sabedoria, em estatura e em
graça, diante de Deus e diante dos homens" (Lc. 2,
52). Um dia, arrumou suas ferramentas, despediu-se de
sua mãe, e partiu rumo ao rio Jordão, onde seu primo,
João Batista, pregava e batizava. Depois de ser batizado
e de passar algum tempo no deserto, Jesus dá início ao
seu ministério público. Escolhe doze apóstolos - os
fundamentos de sua Igreja, entre os quais se destacam
Pedro, Tiago e João. Atravessa a Palestina várias vezes
realizando milagres e pregando o Reino de Deus. Boa
parte dos seus ensinamentos são proferidos na Galileia:
a oração do Pai Nosso, as bem-aventuranças, o anúncio da
paixão... Sua visão da Lei e seu modo de agir incomodam
os responsáveis pela religião oficial que começam a
tramar meios para eliminá-lo. O modo como se relaciona
com Deus - seu Pai, e a afirmação velada de sua
divindade, eram intoleráveis para os fariseus e os
escribas. No final do ano 29, Jesus desce lentamente
para Jerusalém. Sabe que sua hora está próxima. A festa
do domingo de Ramos é logo sucedida pela prisão, pelo
processo diante de Pôncio Pilatos, procurador romano, e
pela condenação à morte na cruz. Provavelmente no dia 14
de Nisã do ano 30, ou 7 de abril no nosso calendário,
uma sexta-feira, Jesus de Nazaré morre crucificado
juntamente com dois ladrões. No madeiro, uma placa com a
inscrição: Jesus de Nazaré, rei dos Judeus, escrita em
hebraico, grego e latim. Ao pé da cruz, estavam um grupo
de mulheres, incluindo sua mãe, e um discípulo. Depois
do suplício, o corpo de Jesus é colocado por alguns
seguidores em um sepulcro ali perto. Tudo parecia
terminado. É fácil aceitar que Jesus morreu. Mas sua
ressurreição é algo que escandaliza, que parece ferir o
bom senso e a razão. No entanto, é exatamente isto que
os apóstolos testemunharam três dias depois do
"desastre" em Jerusalém. Jesus ressuscitou, ele vive! A
ressurreição é o fulcro, a base de toda a fé cristã:
"...se Cristo não ressuscitou, ilusória é a vossa fé..."
(1ª Cor. 15, 17). Jesus apareceu várias vezes aos
apóstolos. Deixou-lhes instruções, preparou-os mais um
pouco para o que viria a seguir. Quarenta dias depois da
Páscoa, "subiu aos Céus", não sem antes prometer
outro Paráclito para conduzir a sua Igreja. |
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03.
Nasce a Igreja
Os Evangelhos mostram a Igreja como um barco, no qual
Jesus está presente, embora em alguns momentos pareça
estar dormindo (Mt. 8, 23-27). O mar que este barco
atravessa é a História, às vezes calmo, outras vezes
turbulento e ameaçador. Há quase dois mil anos o barco
saiu de seu porto. Não sabemos quando chegará ao seu
destino, mas temos certeza de que Jesus nunca o
abandonará. A Igreja é um projeto que nasceu do coração
do Pai, prefigurada desde o início dos tempos, preparada
na Antiga Aliança com Israel, instituída por Cristo
Jesus. A Igreja é o Reino de Deus misteriosamente
presente no mundo. Ela se inicia já com a pregação de
Jesus. Foi dotada pelo Senhor de uma estrutura que
permanecerá até o fim dos tempos. Edificada sobre Pedro
e os demais apóstolos, é dirigida por seus legítimos
sucessores. A Igreja começa e cresce do sangue e da água
que saíram do lado aberto do crucificado. Nela se
conserva a comunhão eucarística, o dom da salvação
oferecido por Jesus em nosso favor. A Igreja é
indefectivelmente santa, sem mancha e sem ruga, porque o
próprio Deus nela habita, santificando-a por sua
presença. O pecado dos fiéis não lhe pertence. Só em
sentido derivado e indireto se pode falar de "Igreja
pecadora". Em Pentecostes, ‘a Igreja se manifestou
publicamente diante da multidão e começou a difusão do
Evangelho com a pregação’ (Ad Gentes, n. 4). Pentecostes
do ano 30. Todos reunidos: os apóstolos, Maria, parentes
de Jesus, algumas mulheres. Um ruído de ventania desce
do céu. Línguas como de fogo surgiram e se dividiram
entre os presentes. Todos ficaram repletos do Espírito
de Deus e começaram a falar em outras línguas. Esta
assembleia inicial, esta kahal, ekklesia, igreja, é o
princípio. Depois do prodígio das línguas, Pedro
dirigiu-se à multidão reunida na praça e fez uma
memorável pregação. Muitos se converteram, especialmente
judeus vindos da Diáspora. Estes levaram a Boa-Nova aos
seus locais de origem, o que provocou o surgimento, bem
cedo, de comunidades cristãs em Damasco, Antioquia,
Alexandria e mesmo em Roma. Alguns helenistas, no
entanto, permaneceram em Jerusalém. Para cuidar de suas
necessidades materiais, os apóstolos escolheram sete
diáconos. Filipe, um dos sete, evangelizou em Samaria
(foi lá que Simão, o Mago, ofereceu dinheiro aos
apóstolos Pedro e João em troca do Espírito Santo, donde
o termo simonia - tráfico de coisas sagradas e de bens
espirituais) e anunciou à Boa Nova a um etíope,
funcionário da casa real de Candace. Estevão era o
diácono que mais se destacava. Por sua pregação
incisiva, é detido pelas autoridades judaicas, julgado e
apedrejado como blasfemador. Torna-se o primeiro mártir
da História da Igreja. Enquanto é assassinado, perdoa os
seus perseguidores e entrega, confiante, a sua vida nas
mãos de Jesus. O manto de Estevão foi deixado aos pés de
um jovem admirador do ideal farisaico chamado Saulo. |
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04.
"Por que me persegues"?
Saulo, Schaoul, natural de Tarso da Cilícia, filho da
tribo de Benjamim, a mesma do rei David. Filho de
comerciantes ricos, cidadão romano, ligado à seita dos
fariseus, aluno do glorioso rabino Gamaliel, zeloso
defensor da Torá. Depois de oito dias atravessando a
estrada arenosa que ligava Jerusalém a Damasco, o
coração cheio de fúria, inflamado pelo fanatismo
religioso, Saulo estava cansado, mas prosseguia com
obstinação. Era mais ou menos meio-dia. Subitamente, uma
luz muito forte o envolveu e o fez cair por terra.
Enquanto tentava compreender o que estava acontecendo,
ouviu uma voz: ”Saulo, Saulo, por que me persegues”?
Assustado, perguntou: “quem és, Senhor”? A voz
lhe respondeu: “Eu sou Jesus a quem tu persegues”.
“Senhor, que queres que eu faça” A voz disse:
“levanta-te, entra na cidade. Aí te será dito o que
deves fazer”. Saulo, o perseguidor, converteu-se no
grande arauto do cristianismo, um caso único. Alguém que
não chegou a conhecer Jesus pessoalmente, que não fazia
parte dos doze, mas que se lançou na difícil missão de
evangelizar os povos pagãos, percebendo que não era
necessário passar pelo judaísmo para se tornar discípulo
de Jesus. Embora Pedro já tivesse aberto a porta da
Igreja para os gentios, Saulo, ou Paulo, merece sem
dúvida o título de Apóstolo das Gentes. Em 44, achava-se
na cidade de Antioquia (foi lá que pela primeira vez os
discípulos de Jesus receberam o nome de "cristãos")
com Barnabé. Ao longo de um ano trabalharam juntos. Na
primavera de 45, tomaram um barco para a ilha de Chipre
e depois seguiram para a Panfília, percorrendo, em
seguida, a Lacônia. Paulo entrava nas sinagogas,
pregava, procurava demonstrar que Jesus era o Messias
esperado usando as Escrituras. Depois, voltava-se para
os pagãos e anunciava-lhes a Boa-Nova. Sempre encontrou
muitos obstáculos no seu ministério, principalmente a
oposição de seus irmãos de raça. Quando voltou para
Antioquia entrou em confronto com os judaizantes, que
impunham o rito da circuncisão como pré-requisito para
seguir Jesus. A controvérsia é levada até Jerusalém,
diante de Pedro, Tiago e João (o famoso Concílio de
Jerusalém, cerca de 49), os quais aprovam o procedimento
de Paulo. Para salvar-se o que importa não é a
circuncisão, mas a fé em Cristo que opera pela caridade.
Isto selou o rompimento do cristianismo com o judaísmo.
Em 49, Paulo sai de Antioquia para uma viagem de três
anos. Deixa Barnabé e toma Silas como companheiro. Na
cidade de Listra, Paulo e Silas encontram Timóteo e
seguem atravessando a Frígia e a Galácia, alcançando a
Macedônia. Em Filipos são presos. Em Tessalônica são
acusados de adversários do imperador pelos judeus,
porque diziam que Jesus era rei. Em Beréia, a sinagoga
escuta atentamente a pregação de Paulo, comparando suas
palavras com o que havia nas Escrituras. Quando entra em
Atenas, fica impressionado com a enorme quantidade de
ídolos e monumentos aos deuses. Discute com os
atenienses na ágora, tentando usar um pouco da linguagem
da filosofia para lhes falar de Jesus. Quando trata da
cruz e da ressurreição, no entanto, é ridicularizado.
Crer que um escravo crucificado saiu de seu túmulo era
demais para a sofisticação intelectual grega. Logo a
seguir desce para Corinto, cidade portuária, na qual
existem dois escravos para cada homem livre. Lá, onde
trabalha muita gente vinda do Oriente, o acolhimento do
Evangelho é maior do que em Atenas. Como fabricante de
tendas, Paulo fica na cidade por dezoito meses. Neste
período envia suas duas cartas aos Tessalonicenses. Após
uma breve escala em Éfeso, Paulo volta para a Síria pelo
mar. Em 53, Paulo realiza sua terceira viagem
missionária, a mais demorada de todas. Escolhe Éfeso
como base de ação (54-57), de onde envia a epístola aos
Gálatas e a primeira epístola aos Coríntios. Em Corinto
estavam surgindo divisões que enfraqueciam seriamente a
comunidade. Um fabricante de estatuetas de Ártemis
provoca um grande tumulto em Éfeso, contra os cristãos,
o que obriga Paulo a partir. O apóstolo segue para a
Macedônia, onde escreve a segunda epístola aos
Coríntios. Fica em Corinto novamente e de lá redige a
carta aos Romanos, pedindo ajuda para efetuar uma viagem
evangelizadora até a Espanha. Antes disso é preciso ir
até Jerusalém levar a coleta feita no Oriente em favor
da Igreja-mãe. Saindo de Filipos, ele passa por Trôade e
depois chega a Mileto. Aos efésios, que foram
encontrar-se com ele, confidencia que não espera mais
vê-los. Em Cesareia tentam detê-lo. No ano de 58, em
Pentecostes, encontra-se na cidade santa. Quase
linchado, é preso. Quando vai ser flagelado, apela para
sua condição de cidadão romano, e faz com que o enviem a
Cesareia, onde mora o procurador Félix. A questão se
arrasta por dois anos. O sucessor de Félix, Festo,
cansado de ouvir os apelos de Paulo a César, envia-o
para Roma. Quando finalmente chega à capital do Império,
passa dois anos em liberdade vigiada, correspondendo-se
com as comunidades de Colossas, Éfeso e Filipos. Neste
ponto se encerra a narrativa dos Atos dos Apóstolos. As
epístolas a Tito e a Timóteo são de um segundo
cativeiro, na época da perseguição de Nero. |
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05.
As primeiras comunidades cristãs
O que mais impressiona nas primeiras comunidades é o
fervor e a coragem dos cristãos. Diante das autoridades
e dos líderes religiosos do seu tempo, os fiéis não
temem confessar que Jesus é o Messias. A presença do
Espírito Santo é muito viva. Cada igreja local tinha
seus ministros, apóstolos, profetas, doutores... Todo o
fiel recebia de Deus carismas especiais, que devia
colocar à disposição da comunidade (dom de línguas,
sabedoria, cura, ensino...). A atuação feminina era
expressiva, mas não havia confusão entre o papel do
homem e o papel da mulher (a sociedade romana era muito
machista e tratava a mulher como se fosse propriedade do
marido; as crianças também eram desprezadas, podendo ser
rejeitadas ou abandonadas à própria sorte pelo pai -
tudo isto muda entre os cristãos). Em Cristo não há
diferença de dignidade entre grego e judeu, homem e
mulher, escravo (a sociedade romana era escravocrata) e
livre. Todos se reuniam para celebrar a eucaristia (ou
fração do pão) especialmente no domingo (que substituiu
o sábado como o sétimo dia dos cristãos, por causa da
ressurreição do Senhor), oravam em comum, partilhavam
seus bens, ajudavam os pobres. O rito de iniciação
cristã era o batismo, no qual os efeitos da morte
redentora de Cristo eram aplicados sobre o crente. Havia
ainda a imposição de mãos, ou Crisma, através da qual o
fiel confirmava o seu compromisso e assumia uma missão
na comunidade, e a unção dos enfermos, que servia para
curar e confortar os doentes. Uma fonte importante sobre
a vida das comunidades cristãs do final do séc. I e
início do séc. II é a Didaqué, ou Instrução dos Doze
Apóstolos, uma espécie de catecismo primitivo. A
primeira parte da Didaqué apresenta os dois caminhos que
o homem pode escolher: o da vida e o da morte. Seguem-se
orientações para a conduta dos fiéis e exortações. Na
segunda parte há uma descrição da vida sacramental e da
oração. O batismo é feito em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo e, quando a imersão não é possível, a
água pode ser simplesmente derramada três vezes sobre a
cabeça de quem vai receber o sacramento. Os crentes
devem jejuar duas vezes na semana e rezar o Pai Nosso
três vezes por dia. A celebração dominical (Missa) é o
sacrifício verdadeiro que cumpre a profecia de Ml 1,10s.
Antes de se realizar a fração do pão os fiéis fazem uma
espécie de ato penitencial (exomologese). A Didaqué
também fala de apóstolos, profetas inspirados pelo
Espírito Santo (os quais chama de sumo sacerdotes) e
mestres que percorrem as igrejas. Bispos e diáconos são
escolhidos pelos fiéis, com a mesma dignidade dos
profetas e dos mestres. Por último, adverte contra os
"falsos profetas e corruptores", e contra o anticristo
que virá quando o fim estiver próximo. Aqueles que
perseverarem na fé durante a grande tribulação serão
salvos. Depois que os céus se abrirem, após o soar da
trombeta e a ressurreição dos mortos, "o mundo verá o
Senhor vindo sobre as nuvens do céu". Sobre a
penitência, já lemos no evangelho de João (Jo. 20,
21-23) que Cristo conferiu aos apóstolos o poder de
perdoar pecados. Paulo, em sua primeira carta aos
Coríntios, condena um caso de incesto e excomunga os
responsáveis, esperando que com isto eles se arrependam
e retornem para o Senhor. Na epístola de Tiago há uma
exortação para a confissão dos pecados (Tg. 5, 16-18).
Há casos, porém, de faltas graves para as quais se
hesita em reconhecer a possibilidade de remissão (Hb
10, 26ss; ver também a distinção que o apóstolo João faz
entre pecados que levam à morte e pecados que não levam
à morte, 1ª Jo. 5, 16). Quem renega a fé não encontrará
misericórdia para seu crime, segundo o autor da carta
aos Hebreus. Os primeiros cristãos eram geralmente gente
simples, das camadas sociais mais baixas. Exteriormente
não se distinguiam das outras pessoas do seu tempo, mas
viviam de modo honesto e digno. Procuravam ser
obedientes às autoridades e oravam pelos governantes. À
frente de cada comunidade havia epíscopos, ou então um
colégio de presbíteros. Havia também diáconos, que
cuidavam da administração e da distribuição dos bens
entre os necessitados. Tanto os epíscopos como os
presbíteros e os diáconos eram ordenados através da
imposição de mãos. Esta estrutura ministerial, ainda não
muito precisa, deu origem à hierarquia da Igreja tal
como a conhecemos hoje. Com Santo Inácio de Antioquia as
coisas ficarão mais claras: ‘que todos, assim como
reverenciam Cristo, reverenciem os diáconos, o bispo,
que é a imagem do Pai, e os presbíteros, que são o
Senado de Deus, a Assembleia dos Apóstolos’. No início
do século II, este regime se imporá naturalmente entre
as igrejas da Ásia. O que não se pode negar é que, desde
os seus primórdios, a Igreja possui uma constituição
hierárquica, formada pelos apóstolos e por Pedro, e que
esta constituição foi transmitida sempre e
ininterruptamente através do sacramento da Ordem. Os
apóstolos fundaram comunidades e ordenaram pessoas para
presidi-las. Estas, por sua vez, ordenaram outras como
sucessoras, e o processo prosseguiu em uma cadeia
contínua que permite ligar cada bispo, cada padre, cada
diácono da Igreja de hoje aos apóstolos e, dos
apóstolos, ao próprio Jesus Cristo. De modo particular,
o bispo de Roma é o sucessor do apóstolo Pedro e,
portanto, responsável por garantir a unidade e a
integridade da fé da Igreja. Outra característica
relevante dos primeiros cristãos era a ansiedade pelo
retorno do Senhor, a Parusia. Pelas cartas de Paulo
vemos que a volta iminente de Jesus era crença comum.
Nas assembleias litúrgicas ouvia-se frequentemente a
exclamação cheia de esperança: ‘Maranatha! Vem Senhor
Jesus’! Com o tempo percebeu-se que a vinda de Jesus não
era tão iminente. O cristianismo se aproveitou da imensa
rede de estradas que interligava o Império.
Desenvolveu-se principalmente no meio urbano. De boca em
boca, através de escravos, mercadores, viajantes, judeus
helenizados, artesãos, a Boa-Nova ia chegando aos
lugares mais distantes. O Império de Roma tornou-se,
logo, a “pátria do cristianismo”. |
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06.
Pedro e Paulo
Muitos opõem Pedro a Paulo e insinuam inclusive que a
autoridade deste último na Igreja primitiva era superior
à do primeiro. Nada mais falso. Os Evangelhos mostram
claramente a importância de Pedro como chefe do colégio
apostólico e intermediário de Jesus. “Tu és Kefa e
sobre esta Kefa edificarei a minha Igreja”. Estas
palavras já são suficientes para estabelecer a
importância e a autoridade superior de Pedro. Junte-se a
isto o testemunho dos Atos dos Apóstolos e o próprio
testemunho de Paulo, que fez questão de se encontrar com
Pedro para ter confirmada a sua missão. Durante a
perseguição de Agripa I, Pedro fica preso, mas graças às
orações da Igreja é milagrosamente libertado. Daí em
diante não temos mais informações exatas sobre o seu
paradeiro. Segundo a tradição, Pedro e Paulo foram as
colunas da Igreja de Roma. Na Cidade Eterna, durante a
perseguição de Nero, por volta do ano 64, as vidas dos
dois apóstolos foram ceifadas no martírio (Pedro morreu
talvez no ano 64 e Paulo em 63. Mas há estudiosos que
propõem outras datas). Crê-se que Paulo foi decapitado e
Pedro crucificado de cabeça para baixo. Quando Paulo
estava já perto da morte, escreveu estas palavras:
‘quanto a mim, já fui oferecido em libação, e chegou o
tempo de minha partida. Combati o bom combate, terminei
a minha carreira, guardei a fé. Desde já me está
reservada a coroa da justiça, que me dará o Senhor,
justo juiz, naquele Dia; e não somente a mim, mas a
todos os que tiverem esperado com amor a sua Aparição
(2ª Tm. 4, 6-8). |
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07.
Os outros Apóstolos
Existe também uma tradição, consignada por Eusébio de
Cesareia, que diz que os apóstolos foram dispersos pelos
quatro cantos da terra. Tomé teria ido para o país dos
partos, Mateus para a Etiópia, André para a Cítia e
João, para a Ásia, morrendo em Éfeso. O evangelista
Marcos teria fundado igrejas no Egito. Tiago, irmão de
João, foi decapitado por ordem de Agripa I, em 44. Em
62, o sumo sacerdote Anã manda apedrejar Tiago, irmão do
Senhor e bispo de Jerusalém. Ele é sucedido por Simeão,
filho de Cléofas e de Maria, irmã da mãe de Jesus. |
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08.
João
Entre os anos 92 e 96, João, o discípulo que Jesus
amava, encontrava-se na ilha de Patmos, deportado por
ordem do imperador Domiciano. De seu exílio testemunhava
a crueldade das perseguições contra a Igreja. Inspirado
por Deus, sentindo a necessidade de reagir contra o
desespero e a angústia que ameaçavam os cristãos,
escreveu um livro que é o grito de esperança e confiança
em Deus de todo seguidor de Jesus: o Apocalipse. Quando
o primeiro século chega ao seu final, o apóstolo é um
ancião venerável, cheio de glória e santidade,
reverenciado por toda a Igreja. O seu corpo conservava
as marcas do suplício do óleo fervente, do qual tinha
sobrevivido milagrosamente. Entre 96 e 104 conclui o
quarto Evangelho. Entre suas maiores preocupações
estavam as heresias e os erros que ameaçavam a
integridade da fé. Seu estilo teológico é bem
particular, marcado por influências do pensamento grego
(o Verbo, ou Logos, por exemplo). Com a morte do
discípulo que Jesus amava, aquele que recebeu Maria em
sua casa como mãe, que viu o sangue e a água saindo do
lado do Salvador e que conheceu e tocou com as mãos o
Verbo da Vida, encerram-se os tempos apostólicos. |
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09.
O Novo Testamento
Ao longo do século I vão se formando as Escrituras
cristãs. A língua em que foram escritos os livros do
Novo Testamento é o grego (o grego no Império Romano era
como o inglês em nossos dias - a língua universal).
Colecionam-se as epístolas de Paulo como livros
inspirados. As várias tradições orais sobre a vida de
Jesus e seus ensinamentos se cristalizam nos evangelhos.
Em torno do ano 50 temos o Evangelho de Mateus escrito
em aramaico. O Evangelho de Marcos é redigido por volta
de 64, em Roma. O Evangelho de Lucas, o Evangelho de
Mateus em grego e os Atos dos Apóstolos aparecem a
partir do ano 70. Outros apóstolos e figuras ilustres
também redigiram epístolas. Pedro (1ª Pd. c. 64, 2ª Pd
entre 70 e 80), João (1ª Jo, mais ou menos em 95, 2ª Jo
e 3ª Jo foram escritas um pouco antes), Tiago (Tg em
torno de 62) e Judas (Jd. entre 70 e 80). A epístola aos
Hebreus é datada por volta do ano 67. Ainda assim, a
fixação do cânone do Novo Testamento levaria um bom
tempo. Juntamente com os livros inspirados circulavam
inúmeros evangelhos, epístolas, atos de apóstolos e
apocalipses apócrifos. |
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10.
O fim de Jerusalém
Cansado da brutalidade dos procuradores Albino (62-64) e
Géssio Floro (64-66), e incitado pelos zelotas, o povo
judeu se revoltou. Em Cesareia e Jerusalém houve grande
agitação. A fortaleza Antônia e o palácio de Herodes
foram consumidos pelas chamas. As suas guarnições foram
massacradas. Ataques contra guarnições romanas pipocavam
em toda a Palestina. Durante o inverno de 66-67, o
legado da Síria levou doze legiões pela costa
mediterrânea e conseguiu chegar aos muros de Jerusalém,
mas foi derrotado pelos guerrilheiros judeus. A vitória
exaltou os ânimos dos rebeldes. Chegaram a ser cunhadas
moedas de prata com a data do "primeiro ano da
liberdade" de Israel. Roma reagiu com força. Em 67
Nero enviou o general Vespasiano, que devastou a
Galileia com sessenta mil soldados. Mas, ao chegar na
região montanhosa do país, sofreu várias baixas, algumas
bem graves. Na Páscoa do ano 70, Vespasiano, sucessor de
Nero (depois de alguma confusão), enviou o seu filho
Tito para Jerusalém, com todas as forças necessárias. A
cidade santa foi cercada. Depois de cinco meses de
horror, o cerco termina com a vitória dos romanos.
Jerusalém é reduzida a ruínas, o Templo incendiado e
muitos cadáveres ficam apodrecendo pelas ruas. A
resistência judaica é reduzida a grupos insignificantes.
O último reduto fica em Massada. No ano 73, Flávio
Silva, legado da Judéia, triunfa sobre os revoltosos
sicários chefiados por Eleazar, os quais, para evitarem
uma humilhante rendição, preferem matar-se uns aos
outros. Tais fatos só contribuíram para aumentar ainda
mais a tensão entre judeus e cristãos. O historiador
Tácito fala de um comentário feito por Tito, evocando
"a luta de uma destas seitas contra a outra [judeus e
cristãos], apesar da sua origem comum". Por volta do
ano 93, o historiador judeu Flávio Josefo, em suas
Antiguidades Judaicas, descreve detalhadamente o cerco e
a destruição da cidade santa. No começo do século II, o
imperador Adriano (117-138) ordenou a reedificação de
Jerusalém. Mas, ao mesmo tempo, mandou encher a cidade
de ídolos. As sobras da resistência de Israel ficaram
inflamadas. Um pseudo-messias chamado Bar Kókeba, e um
certo rabi Akiba, incentivam a revolução. Mais três anos
de horror se sucedem. Os fanáticos combatem em duas
frentes: contra os romanos e contra os cristãos. Roma
esmaga impiedosamente os agitadores. Bar Kókeba é
degolado e os sobreviventes dispersos. Os judeus só
poderão aproximar-se novamente de Jerusalém apenas a
cada quatro anos, para poderem chorar e lamentar a sua
desgraça. |
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11.
Roma e o Cristianismo - primeiras perseguições
Melitão, Bispo de Sardes, cidade da Ásia Menor, escreveu
uma carta para o imperador Marco Aurélio defendendo os
cristãos perseguidos. Nesta carta, ele fala da
providencial coincidência entre o nascimento do Império
e o aparecimento do cristianismo. Jesus nasceu quando
Augusto era imperador, e pregou no reinado de Tibério. A
rápida expansão do cristianismo se deveu principalmente
à unificação da bacia mediterrânea sob o poderio romano
e às facilidades proporcionadas pelas estradas e rotas
marítimas, que permitiam a rápida circulação de pessoas
e ideias. Mas quando foi que o Império começou a se dar
conta da existência do cristianismo? O documento oficial
mais antigo falando dos cristãos é do ano 112: uma carta
enviada a Trajano pelo procônsul da Bitínia, Plínio, o
Jovem. A opinião pública confundia os judeus com os
cristãos. Geralmente ambos os grupos eram vítimas das
mesmas acusações e maledicências. Mas em Roma a
diferença foi percebida bem cedo. Em 49, Cláudio
"expulsa de Roma os judeus que se agitavam por
instigação de Crestos [Cristo?]" (Suetônio). Nero
começou a governar com a idade de 17 anos. Dirigiu o
Imperium de 54 a 68. Mandou matar o irmão, a mãe e seu
mestre, Sêneca (os dois últimos sob influência da sua
amante, Popéia Sabina). Em 62 divorciou-se da mulher,
Otávia, a qual fez exilar em Pandatária. Tantos crimes
provocaram a indignação popular. Foi na noite de 18 (ou
19?) de julho de 64 que as trombetas das sentinelas
começaram a ser ouvidas pelos quatro cantos de Roma. O
fogo se espalhava rapidamente. Depois de cento e
cinquenta horas, quatro dos catorze bairros da cidade
tinham sido completamente devorados pelas chamas,
enquanto de sete só sobravam as paredes das edificações
ou escombros inabitáveis. Sobre as causas da calamidade
circularam vários rumores. Alguns pensaram que tinha
sido apenas um acidente. Mas atribuir ao acaso tamanha
destruição não parecia uma hipótese muito plausível.
Precisava-se de um culpado. E logo o seu nome começou a
correr de boca em boca. Seria o próprio Nero o
responsável? Sabia-se que ele desejava demolir as velhas
construções para edificar uma nova Roma. Talvez fosse um
castigo dos deuses por causa dos crimes hediondos do
imperador. Suetônio nos fala de um boato segundo o qual
Nero teria permanecido em uma torre durante o incêndio,
com roupas de teatro e uma lira, admirando o terrível
espetáculo e entoando um poema de sua autoria sobre a
conquista de Tróia e o fogo nela ateado pelos guerreiros
de Agamenon. Nero logo teve de arrumar um bode
expiatório. Através de torturas e falsas testemunhas,
obteve as "provas" para acusar os cristãos. As
prisões ficaram lotadas a ponto de Tácito se referir aos
encarcerados como uma "grande multidão". Sob
acusação de "inimigos do gênero humano", os
cristãos foram perseguidos. Tertuliano fala de um
instrumento jurídico instituído por Nero para legalizar
a perseguição, o Institutum Neronianum, que afirmava a
ilicitude do cristianismo ("non licet esse Christianos",
não é lícito ser cristão). Mas os historiadores não são
unânimes em reconhecer isto como fato. Não apenas os
cristãos eram trucidados, degolados e crucificados no
circo de Nero (que ficava localizado onde hoje está a
Basílica de São Pedro). Organizaram-se verdadeiras
caçadas nos jardins do imperador, com fiéis fantasiados
de animais. Foram encenadas as mais escabrosas cenas,
copiando a mitologia pagã, onde os "atores",
cristãos, eram humilhados e ultrajados de mil maneiras e
com sadismo indescritível. Durante a noite, pelas
alamedas, cristãos cobertos de pez e resina ardiam em
chamas, queimados vivos, iluminando o caminho para a
passagem da carruagem de Nero. Pedro, em uma de suas
epístolas, alude a esses terríveis sofrimentos. Mais
tarde, quando João escrever o Apocalipse, a sua
lembrança ainda será muito viva. Nada mudou com
Domiciano (81-96), que se autoproclamou "Dominus et
Deus". Quando o século I termina, a fé cristã já
começa a conquistar as classes mais altas, chegando até
o palácio do imperador. Flávio Clemente, Flávia
Domitila, parentes de Domiciano, e Acílio Glábrio, um
dos cônsules de 91, eram cristãos. Para satisfazer a
alegria das elites pagãs, o imperador massacra os fiéis,
tomando seus bens e executando-os sob a acusação de
ateísmo. Na Ásia a perseguição foi bem violenta. Trajano
(98-117), mais tolerante, responde a Plínio, o Jovem, em
uma carta dizendo que os cristãos não deviam ser
procurados e que as denúncias anônimas deviam ser
ignoradas. Os cristãos convictos que se recusassem a
abandonar suas crenças, no entanto, seriam punidos. O
Rescrito de Trajano, como é conhecido este documento,
estabeleceu jurisprudência. |
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12.
Os padres apostólicos
A geração cristã que sucede aos apóstolos tem à sua
frente bispos e presbíteros, entre os quais se destacam
algumas figuras, luminosas por sua santidade, sabedoria
e zelo doutrinal: os Padres Apostólicos. Seus escritos
são muito parecidos com as epístolas do Novo Testamento.
Procuram mostrar aos fiéis a importância da salvação
concedida por Cristo, reforçam a esperança no seu
retorno, exortam à obediência aos pastores das suas
comunidades e alertam para o risco das heresias e
cismas. São eles: Clemente Romano, Inácio de Antioquia,
Policarpo de Esmirna, Pápias de Hierápolis, Barnabé e
Hermas. a) Clemente Romano Clemente possuía, na sua
época, grande autoridade, embora tenha sido conservado
apenas um escrito de sua autoria: a carta aos Coríntios.
A Igreja na Síria atribuiu a esta carta valor canônico,
e o Codex Alexandrinus da Bíblia a incluiu entre os
livros inspirados. Em torno do ano 170 o Bispo Dionísio
de Corinto atesta a sua leitura litúrgica. Orígenes e
Eusébio identificam Clemente com o colaborador de Paulo
citado em Fl. 4, 3. De acordo com Santo Ireneu, ele foi
o terceiro sucessor de Pedro em Roma (Pedro, Lino,
Anacleto, Clemente). Para Tertuliano, no entanto,
Clemente recebeu a Ordem diretamente do Príncipe dos
Apóstolos. O seu exílio para o Quersoneso Taurino e o
seu martírio no mar Negro não podem ser considerados
como fatos históricos. A carta aos Coríntios, de
Clemente, foi redigida nos últimos anos de Domiciano
imperador (c. de 96). A razão de tal carta foram
contendas naquela igreja. Membros mais jovens da
comunidade haviam deposto os presbíteros. Quando a
notícia chegou a Roma, Clemente interveio. Nesta carta
podemos detectar já a presença e o exercício do carisma
petrino. Com autoridade, o Bispo da Cidade Eterna exorta
os coríntios a se submeterem aos seus superiores
eclesiásticos, exigindo que a estrutura hierárquica da
Igreja de Deus seja respeitada. b) Inácio de Antioquia
Bispo da cidade de Antioquia, Inácio foi condenado, no
reinado de Trajano, a ser dilacerado pelas feras. Em seu
trajeto para o martírio, da Síria até Roma, escreveu
sete cartas, para as igrejas de Éfeso, Magnésia, Trales,
Roma, Filadélfia, Esmirna, e para seu irmão no
episcopado, Policarpo. Para Inácio, a eucaristia é "a
carne de nosso Salvador Jesus Cristo, que sofreu por
nossos pecados e que, na sua bondade, o Pai ressuscitou".
Ensina que para a unidade da Igreja é fundamental a
comunhão com a hierarquia: Bispos, Presbíteros e
Diáconos. Santo Inácio utiliza, pela primeira vez, o
termo "Igreja católica" para designar a
verdadeira Igreja de Jesus Cristo. "Onde aparece o
Bispo, aí esteja a multidão, do mesmo modo que onde está
Jesus Cristo, aí está a Igreja católica". Distingue
a comunidade de Roma dentre todas as demais. É ela a
igreja que "preside na região dos romanos, digna de
Deus, digna de honra, digna de ser chamada feliz, digna
de louvor, digna de sucesso, digna de pureza, que
preside ao amor, que porta a lei de Cristo, que porta o
nome do Pai..." Lá os apóstolos Pedro e Paulo
selaram seu testemunho. Em Roma se encontra o autêntico
magistério da fé. Seu martírio ocorreu por volta do ano
110. c) Policarpo de Esmirna Policarpo chegou a conhecer
o apóstolo João, que o constituiu bispo de Esmirna. Em
meados do século I tentou fazer um acordo, em Roma, com
o Papa Aniceto, sobre o dia da celebração litúrgica da
festa da Páscoa (primeira controvérsia quartodecimana).
O heresiarca Marcião, ao encontrá-lo, perguntou ao santo
se o conhecia. Policarpo respondeu: "sim, eu te
conheço. És o primogênito de Satanás". De acordo com
o testemunho de Santo Ireneu, Policarpo escreveu várias
epístolas a diversas comunidades e a Bispos em
particular. A única que nos chegou foi a remetida para a
igreja de Filipos. O Martírio de São Policarpo é a mais
antiga narrativa de um martírio de que se tem notícia.
Não se pode duvidar de sua autenticidade. Em um de seus
trechos mais belos, o santo Bispo recebe a ordem de
amaldiçoar Jesus Cristo. Policarpo responde: "há
oitenta e seis anos que o sirvo; jamais ele me fez mal
algum; como poderei eu blasfemar contra meu Rei e
Salvador"? Quando as chamas da fogueira
milagrosamente se desviavam do seu corpo, teve de ser
morto com uma punhalada. E. Schwartz acredita que a
morte de Policarpo se deu no dia 22 de fevereiro de 156.
Seus ossos foram recolhidos por fiéis, "mais valiosos
que pedras preciosíssimas, mais apreciados que o ouro, e
os sepultaram num lugar apropriado, onde se poderiam
reunir eles em cada aniversário" - evidência de um
culto de relíquias ainda em estado embrionário. d)
Pápias de Hierápolis Pápias conheceu o apóstolo João e
foi companheiro de São Policarpo. Bispo de Hierápolis,
redigiu cinco livros relatando ensinamentos e atos de
Jesus e dos que o seguiam (cerca de 130). Eusébio, em
sua História Eclesiástica, chama Pápias de espírito
mesquinho, por causa de suas inclinações milenaristas.
Da obra de Pápias só restam alguns fragmentos, um dos
quais fala da origem dos evangelhos de Mateus e Marcos.
e) Barnabé Na verdade a única referência que temos sobre
este Barnabé é uma epístola. Clemente Alexandrino,
Orígenes e a tradição em geral, atribuem esta epístola
ao Barnabé companheiro de São Paulo. Eusébio de Cesareia
e Jerônimo consideram o documento como apócrifo. A
primeira parte do escrito fala sobre o Antigo Testamento
e analisa as várias prefigurações do Cristo. A segunda,
no estilo da Didaqué, expõe a doutrina das duas vias, a
da luz e a das trevas. Provavelmente o seu autor era um
mestre gentio convertido. A composição da carta não tem
data certa. Possivelmente depois do ano 130. f) Hermas
Hermas era um comerciante de condição simples, cristão,
com uma visão um pouco estreita, mas sincero e piedoso.
Para Eusébio e Orígenes, tratava-se do mesmo Hermas
referido por São Paulo em Rm 16,14. Sua única obra
conhecida é chamada de o Pastor de Hermas. Seguindo o
modelo dos apocalipses judaicos, é uma exortação forte à
penitência que utiliza muitas imagens misteriosas.
Afirma a possibilidade de haver perdão dos pecados após
o batismo, embora por tempo limitado. Contradizendo
muitos autores antigos, Hermas considera lícito um novo
matrimônio depois da viuvez. Os Padres da Igreja,
grandes representantes do cristianismo dos primeiros
séculos, explorarão as riquezas da Escritura e da
Tradição para expor e aprofundar a fé. |
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13.
Perseguições do 2º século - a gesta dos mártires
Os Antoninos, Adriano (117-138), Antonino Pio (138-161)
e Marco Aurélio (161-180) não fizeram mudanças na
legislação anticristã. Esporadicamente eclodiam novas
perseguições e a Igreja ganhava novos mártires. Muitas
vezes era a turba que, fanatizada, levada pela inveja ou
pelo patriotismo, denunciava e entregava os cristãos ao
poder público. Na Gália temos os mártires de Lyon, em
177. Uma revolta popular arrastou para a morte cinquenta
cristãos, entre eles Potino, o Bispo, que contava na
ocasião 90 anos, o diácono Sanctus e a escrava Blandina.
Esta última suportou com incrível coragem inúmeros
tormentos antes de entrar no repouso de Cristo. Depois
de queimarem os corpos dos mártires, lançaram suas
cinzas no Ródano. Os algozes comentavam, em tom de
zombaria: "vejamos se agora o seu Deus os ressuscita".
Em Roma temos a pequena Cecília. Jovem, de família
nobre, quis consagrar-se a Cristo e fez voto de
virgindade. O cutelo do carrasco precisou ser usado
várias vezes antes de conseguir tirar-lhe a vida. Também
muitos Papas morreram mártires ao longo do século II. Em
Scili, na África, doze fiéis foram presos. O
interrogatório ao qual foram submetidos ficou registrado
para a História. Todos receberam a coroa do martírio.
Não se deve imaginar, no entanto, que os mártires não
tinham medo das torturas e da morte. Muitos cristãos
preferiram renegar a própria fé, caindo na apostasia, a
morrer por Cristo. Porém, "o sangue dos mártires é
semente de cristãos" (Tertuliano). A coragem dos que
preferiam o Senhor à própria vida ajudava na propagação
da fé. |
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14.
Os apologistas
De diversas formas, pois, os Padres do Oriente e do
Ocidente entraram em relação com as escolas filosóficas.
Isto não significa que tenham identificado o conteúdo da
sua mensagem com os sistemas a que faziam referência. A
pergunta de Tertuliano: “que têm em comum Atenas e
Jerusalém? Ou, a Academia e a Igreja”? É um sintoma
claro da consciência crítica com que os pensadores
cristãos encararam, desde as origens, o problema da
relação entre a fé e a filosofia, vendo-o globalmente,
tanto nos seus aspectos positivos como nas suas
limitações (Fides et Ratio, n. 41). Durante o século II
um considerável número de gentios com sólida formação
intelectual ingressou na Igreja. O fato de terem aderido
ao Evangelho os obrigava ao confronto com a filosofia
gentílica. Para defenderem a fé dos ataques dos
perseguidores, e também dos detratores, muitos
escreveram obras inteiras de apologética, ficando por
isto conhecidos como Apologistas. Entre os ataques ao
cristianismo promovidos por intelectuais, podemos citar
o discurso do retor Frontão de Cirta, preceptor de Marco
Aurélio, Luciano de Samossata e Celso (com sua obra
polêmica: Alethès lógos, c. de 178). Entre as acusações
contra os cristãos, as mais comuns são a de ateísmo,
assassinato ritual de crianças e traição ao imperador. O
grafitto do Palatino nos mostra um asno crucificado com
algumas inscrições. Um certo Alexamenos, jovem cristão,
é ridicularizado pelo companheiro de estudo:
"Alexamenos adora o seu Deus". Em resposta escreve
ao lado do insulto a frase: "Alexamenos fiel".
Diante da cultura pagã a Igreja assumiria duas posições:
uma de oposição e rejeição (com Taciano, Teófilo ou
Tertuliano, por exemplo), e outra de aproveitamento,
assimilação dos seus aspectos positivos (Justino e
outros pensadores cristãos, principalmente do mundo
grego). A influência de filósofos gregos, principalmente
Platão, sobre os Padres da Igreja é marcante. Entre os
apologistas, citamos Quadrato, Aristão, Milcíades,
Apolinário, Melitão, Aristides de Atenas e Justino.
Também merecem destaque Taciano, Atenágoras de Atenas,
Teófilo de Antioquia, Hérmias e a epístola a Diogneto.
Quadrato foi discípulo dos apóstolos. Apresentou uma
apologia ao imperador Adriano, em 123/124 (ou em 129?).
Aristão de Pela defendeu o cristianismo contra os
ataques dos judeus redigindo o Diálogo entre Jasão e
Papisco sobre Cristo. Milcíades, relator originário da
Ásia Menor, escreveu várias apologias contra os gregos e
os judeus. Apolinário, bispo de Hierápolis, compôs
quatro apologias. Melitão, bispo de Sardes, enviou uma
defesa da fé cristã ao imperador Marco Aurélio.
Aristides de Atenas, um filósofo, redigiu sua Súplica em
favor da religião cristã para o imperador Adriano. De
todos os apologistas aquele que merece mais destaque,
com certeza, é Justino. Martirizado pelo ano 165, era
filho de uma família greco-pagã de Flavia Neápolis,
antiga Siquém, na Palestina. Familiarizado com muitas
correntes filosóficas, não encontrou nenhuma que lhe
desse todas as respostas que procurava. Sua mente e seu
coração só encontraram a resposta na fé cristã.
Conservamos de suas obras duas Apologias contra os
gentios e o Diálogo com o judeu Trifão. A teoria das
sementes do Verbo que ele formulou estabeleceu uma ponte
entre a filosofia antiga e o cristianismo. Em seus
escritos encontram-se valiosas informações sobre o
batismo e a celebração litúrgica. Justino chega a
esboçar uma formulação do dogma da transubstanciação.
"De fato, não tomamos essas coisas como pão comum ou
bebida ordinária, mas da maneira como Jesus Cristo,
nosso Salvador, feito carne por força do Verbo de Deus,
teve carne e sangue por nossa salvação, assim nos
ensinou que, por virtude da oração ao Verbo que procede
de Deus, o alimento sobre o qual foi dita a ação de
graças - alimento com o qual, por transformação, se
nutrem nosso sangue e nossa carne - é a carne e o sangue
daquele mesmo Jesus encarnado". Também é relevante o
paralelo que ele faz entre Maria e Eva, semelhante ao
paralelo paulino entre Cristo e Adão. Taciano foi
discípulo de Justino. Depois do martírio do seu mestre,
deixou Roma e voltou para o Oriente, sua região de
origem. Acabou aderindo à seita dos encratitas, pregando
a abstinência do matrimônio, do vinho e da carne.
Seguindo Epifânio, substituiu o vinho pela água na
eucaristia. Escreveu várias apologias. Atenágoras de
Atenas supera Justino em sua linguagem, estilo e ritmo.
É mais tolerante do que Taciano no que se refere à
filosofia e cultura gregas. Fez uma "Súplica em favor
dos cristãos", dirigida, cerca de 177, a Marco Aurélio e
Cômodo. Testemunha a fé da Igreja na Trindade antes do
concílio de Nicéia: os cristãos adoram o Pai, o Filho e
o Espírito Santo e veneram os anjos. Teófilo de
Antioquia, Bispo desta cidade, escreveu três livros A Autólico, depois de 180. É o primeiro a empregar o termo
triás para falar de Deus. A carta a Diogneto foi
redigida na segunda metade do século II, de acordo com a
maioria dos estudiosos. Um certo Diogneto teria feito a
um cristão três perguntas: 1) Qual a religião dos
cristãos e por que eles rejeitam o judaísmo e o
paganismo? 2) O que é a caridade para com o próximo? 3)
Por que a religião cristã apareceu tão tarde na história
do mundo? |
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15.
Difusão do Cristianismo no 2º século
No final do século II, existem cristãos espalhados em
todos os lugares do mundo romano. No Oriente (Ásia
Menor, Síria, Palestina), a concentração de fiéis é
maior, inclusive fora das cidades. No Ocidente, o
progresso da evangelização é desigual. O Evangelho
penetrou profundamente na Itália Central, no sul da
Espanha, no norte da África. Na Ilíria, na Itália do
Norte e na Gália a presença é menor. Fora do Império
existiam cristãos no reino de Edessa e no Império Persa. |
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16.
Vida de fé e sacramentos
Quem vai a Roma atrás de atrações turísticas quase
certamente vai querer conhecer as catacumbas, cemitérios
subterrâneos na periferia da cidade antiga. Lá os
cristãos enterravam seus mortos. Nessas galerias
subterrâneas gerações de fiéis oraram pelos seus entes
queridos. Nas suas paredes existem várias pinturas
relembrando cenas bíblicas: Moisés batendo no rochedo,
Daniel na cova dos leões, Jonas saindo das entranhas do
peixe ou o Bom Pastor... O rito de iniciação cristã,
como já vimos, era o batismo, geralmente ministrado para
adultos (só quando o cristianismo se tornar religião
majoritária a prática do batismo de crianças será a
praxe comum). Os conversos tinham um período de
preparação, o catecumenato, durante o qual se preparavam
para receber este sacramento. Os que eram aprovados,
recebiam o batismo nas correntezas de algum rio. Quando
não houvesse rio, era utilizada uma piscina. E, na falta
de uma piscina, batizava-se derramando a água sobre a
fronte, como se faz hoje em dia em nossas igrejas. Ao
receber o batismo o fiel já pode se aproximar da
eucaristia, a carne e o sangue de Jesus Cristo.
Eucaristia é uma palavra grega que quer dizer "ação
de graças". Todos os domingos os cristãos se reuniam
na casa de alguém - podia ser a casa de um rico
convertido - para celebrar a Santa Missa (o termo missa
parece ser oriundo do latim - "ite missa est", "ide, é o
fim", dizia o diácono, despedindo os fiéis - e é usado a
partir do século IV). Em tempos de perseguição ou no
aniversário de morte de um mártir, os fiéis se dirigiam
às catacumbas, onde era mais seguro. Faziam-se leituras
do Antigo Testamento ou das cartas dos apóstolos. Em
seguida o presidente exortava a assembleia, com base na
Palavra proclamada. Após esta "homilia", os fiéis faziam
suas preces e ofertavam no altar o pão, o vinho e a
água. O presidente então dizia preces e ações de graças,
repetia as palavras de Jesus na última ceia (consagrando
o pão e o vinho), e iniciava a distribuição da
Eucaristia. Os diáconos levavam parte do alimento
consagrado para os ausentes. Os fiéis mais generosos
entregavam suas doações ao presidente, que as dividia
entre os órfãos, as viúvas, os doentes, os estrangeiros
e encarcerados. Pouco a pouco começa a se organizar um
ciclo litúrgico. No segundo século a festa da Páscoa era
comemorada anualmente. Jesus era o centro da fé.
Orava-se várias vezes ao dia, erguendo-se as mãos e
voltando-se para o Oriente, ajoelhando-se,
prostrando-se. Orava-se antes das refeições, ao
levantar, na hora de dormir, quando se fazia alguma ação
especial, enquanto se trabalhava ou antes de sair para
visitar alguém. Havia também o costume, herdado dos
judeus, de rezar na hora terceira, na hora sexta e na
nona. Rezava-se o Pai Nosso, salmos extraídos das
Escrituras, hinos, como o Magnificat e o Benedictus,
além de orações espontâneas. À medida que o cristianismo
crescia em número, aumentavam os casos de fiéis que
cediam às tentações da cobiça, da luxúria, da
apostasia... A penitência era algo levado muito a sério.
Quem pecasse gravemente depois do batismo podia não mais
voltar para a comunhão da Igreja. No século II duas
correntes se enfrentam: uma mais rigorista e outra mais
tolerante. A primeira recusava o perdão em todos os
casos, deixando os fiéis em pecado grave entregues à
própria sorte. O poder de perdoar, concedido a Pedro e
aos demais apóstolos, era usado com muito critério
naqueles tempos. No fim do século II, o cristão em
pecado grave era obrigado a oferecer algum tipo de
reparação para a Igreja. Durante algum tempo era
excluído da liturgia eucarística e precisava fazer
jejuns, dar esmolas, submeter-se a severas mortificações
até o dia em que o bispo lhe concederia a absolvição. O
casamento era vivido pelos cristãos com um sentido
inteiramente novo. Para eles a relação entre marido e
mulher devia refletir a relação entre Cristo e a Igreja.
O casamento era um sacramento no qual o mistério do amor
humano era assumido e elevado pela graça. Apesar deste
caráter sobrenatural, no entanto, não havia nenhuma
cerimônia litúrgica especial para o casamento. "Os
cristãos se casam como todo mundo", diz a epístola a
Diogneto. O aborto e o abandono de crianças, práticas
comuns entre os pagãos, eram totalmente condenados. O
matrimônio, para os seguidores de Jesus, era
indissolúvel. Da maior parte dos papas deste século não
restou senão o nome (Evaristo, Alexandre, Sixto,
Telésforo, Higino, Pio, Aniceto, Sóter, Eleutério...).
Mesmo assim, o primado da Igreja de Roma e do seu bispo,
o Sucessor de Pedro, era amplamente reconhecido e aos
poucos ia ganhando maior destaque. Embora houvesse
várias igrejas espalhadas pelo orbe, todos os fiéis
tinham consciência de pertencerem à grande Igreja, a
Igreja de Jesus Cristo. |
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17. As heresias
O apóstolo Paulo já tinha preocupações com a
integridade da fé das comunidades cristãs. Deixou
advertências contra o risco das práticas judaizantes,
gnósticas e contra alguns que negavam a ressurreição dos
mortos. O Apocalipse de João denuncia duas seitas
gnósticas: a dos discípulos de Balaão e a dos
nicolaítas. Estes últimos amaldiçoavam o Deus do Antigo
Testamento e levavam uma vida libertina. O que é gnose?
A gnose é uma espécie de conhecimento superior,
adquirido de modo direto, intuitivo, das respostas de
todos os problemas que angustiam a alma humana. Todos os
grupelhos gnósticos tinham alguns princípios em comum: a
maldade da matéria e da carne, a infelicidade do homem,
prisioneiro do seu próprio corpo, a existência de uma
alma inferior e manchada pelo pecado, e de uma alma
superior, celestial, em suma: um dualismo da pior
espécie. Os gnosticismo cristão (sim, porque havia
também um gnosticismo judeu - Simão o Mago à frente - e
pagão) possuía uma doutrina bastante complexa.
Acreditava na existência de eões que emanavam de Deus e
que faziam o papel de mediadores entre o mundo e o
Criador. Estes eões eram organizados em classes,
variando dos menos puros aos mais puros. Todas as
classes de eões constituíam o pleroma. No meio da
seqüência de eões, um deles tentou se igualar a Deus e
caiu em desgraça. Colocado para fora do mundo
espiritual, teve de viver com seus descendentes em um
universo intermediário. Revoltado, criou o mundo físico,
essencialmente mal e contaminado pelo pecado. O éon
prevaricador era conhecido como Demiurgo e identificado
com o Deus do Antigo Testamento. O homem, emanação do
éon decaído, contém em si uma centelha da divindade que
aspira ser libertada da materialidade. Mal é estar vivo.
Os que querem viver estão condenados. São chamados de
"hílicos" ou "materiais". Os que buscam a gnose, os
"psíquicos", têm a possibilidade de alcançar a paz
interior. Finalmente, os que renunciam à vida, os "espirituais", são os únicos capazes de obter a
salvação. Jesus era um éon escondido em um invólucro de
carne humana. A razão de sua vinda era ensinar aos
homens o verdadeiro conhecimento capaz de libertar, a
gnose. Existiu um gnosticismo sírio-cristão, encabeçado
por Saturnilo, e depois por Cérdon. Também houve o
gnosticismo de Basílides, hostil ao deus dos judeus.
Principalmente, em Alexandria e em seguida em Roma,
existiu o gnosticismo de Valentino, que tentava
harmonizar o Evangelho com especulações estranhas. Havia
ainda os cainitas, que louvavam Caim, os ofitas, que
adoravam a serpente do Gênesis, e os seguidores de Judas
Iscariotes, que inventaram um novo evangelho. O número
de seitas era enorme. Temos Marcião, gnóstico "híbrido".
Entrou em conflito com as autoridades da Igreja de Roma.
Saiu e foi excomungado em 144. Tornou-se o fundador de
uma contra-igreja, na qual era dogma de fé a existência
de dois deuses, um bom e um mal. O primeiro, o Demiurgo,
era o Deus do Antigo Testamento: justiceiro, vingativo,
impiedoso. O segundo, o Deus verdadeiro, era o Deus
pregado por Jesus Cristo: amor, perdão, bondade.
Doutrinas tão "amalucadas", às vezes ridículas e às
vezes terríveis, atraíam muitas almas inquietas. Marcião
organizou sua igreja e estabeleceu seu próprio cânone de
livros inspirados, rejeitando tudo o que poderia
contradizê-lo nas Escrituras. Os marcionitas cresceram
tanto que pareciam ter invadido todo o mundo cristão.
Mesmo com sua morte, em 160, suas comunidades
continuaram a existir. Seus sucessores serão
irrelevantes, excetuando Apeles, que diminuirá um pouco
o rigor das teses do fundador. Parte dos marcionitas
passará para o maniqueísmo no século III. Há ainda o
montanismo. No final do século II, Montano, da Frígia,
acreditava ser o único depositário do dom da profecia.
Ajudado por duas visionárias, Maximila e Priscila, que
tinham deixado os maridos para o seguirem, começou um
movimento de evangelização frenético pelas províncias do
Oriente Próximo. O fim do mundo estava próximo, o
Espírito Santo iria aparecer gloriosamente! Montano era
o arauto da Era do Espírito. Tal loucura se espalhou
rápido pelo Oriente, tradicionalmente místico. A
austeridade moral exigida por Montano não espantava em
um lugar que já tinha visto gauleses se castrarem na
iniciação dos mistérios frígios. O martírio era
obrigatório no montanismo. A partir de 170, mais ou
menos, este movimento explosivo se espalhou
vigorosamente pela Ásia e depois pelo Ocidente.
Comunidades montanistas floresciam em muitos lugares. A
controvérsia quartodecimana, sobre a data da celebração
da Páscoa, gerou vários atritos dentro da Igreja. O papa
Vítor (aprox. 189-198) anunciou a ruptura da Igreja
romana com as comunidades que celebravam a Páscoa no dia
14 de Nisã. Muitos bispos não aceitaram o procedimento
de Vítor, e até Santo Ireneu pediu mais tolerância ao
papa. Com o tempo, porém, a posição de Roma prevaleceu.
(para historiadores protestantes racionalistas como
Neander, Langen e Harnack, a atitude de Vítor na questão
quartodecimana indica que o bispo de Roma já possuía, no
século II, jurisdição sobre todas as igrejas). O
monarquianismo, inventado por Teódoto, ensinava um só
Deus e uma só pessoa divina. Noeto, da cidade de
Esmirna, ensinava que o Pai padeceu na cruz
(patripassianismo). Por fim, o milenarismo, que
acreditava em um reinado de mil anos dos fiéis com
Cristo sobre a terra, no qual se usufruiriam de todas as
delícias imagináveis. Pápias era um pouco milenarista.
Como veremos a seguir, levou algum tempo para esta
doutrina ser condenada. |
|
18. Contra as heresias
O apóstolo Paulo já tinha preocupações com a
integridade da fé das comunidades cristãs. Deixou
advertências contra o risco das práticas judaizantes,
gnósticas e contra alguns que negavam a ressurreição dos
mortos. O Apocalipse de João denuncia duas seitas
gnósticas: a dos discípulos de Balaão e a dos
nicolaítas. Estes últimos amaldiçoavam o Deus do Antigo
Testamento e levavam uma vida libertina. O que é gnose?
A gnose é uma espécie de conhecimento superior,
adquirido de modo direto, intuitivo, das respostas de
todos os problemas que angustiam a alma humana. Todos os
grupelhos gnósticos tinham alguns princípios em comum: a
maldade da matéria e da carne, a infelicidade do homem,
prisioneiro do seu próprio corpo, a existência de uma
alma inferior e manchada pelo pecado, e de uma alma
superior, celestial, em suma: um dualismo da pior
espécie. Os gnosticismo cristão (sim, porque havia
também um gnosticismo judeu - Simão o Mago à frente - e
pagão) possuía uma doutrina bastante complexa.
Acreditava na existência de eões que emanavam de Deus e
que faziam o papel de mediadores entre o mundo e o
Criador. Estes eões eram organizados em classes,
variando dos menos puros aos mais puros. Todas as
classes de eões constituíam o pleroma. No meio da
seqüência de eões, um deles tentou se igualar a Deus e
caiu em desgraça. Colocado para fora do mundo
espiritual, teve de viver com seus descendentes em um
universo intermediário. Revoltado, criou o mundo físico,
essencialmente mal e contaminado pelo pecado. O éon
prevaricador era conhecido como Demiurgo e identificado
com o Deus do Antigo Testamento. O homem, emanação do
éon decaído, contém em si uma centelha da divindade que
aspira ser libertada da materialidade. Mal é estar vivo.
Os que querem viver estão condenados. São chamados de
"hílicos" ou "materiais". Os que buscam a
gnose, os "psíquicos", têm a possibilidade de
alcançar a paz interior. Finalmente, os que renunciam à
vida, os "espirituais", são os únicos capazes de
obter a salvação. Jesus era um éon escondido em um
invólucro de carne humana. A razão de sua vinda era
ensinar aos homens o verdadeiro conhecimento capaz de
libertar, a gnose. Existiu um gnosticismo sírio-cristão,
encabeçado por Saturnilo, e depois por Cérdon. Também
houve o gnosticismo de Basílides, hostil ao deus dos
judeus. Principalmente, em Alexandria e em seguida em
Roma, existiu o gnosticismo de Valentino, que tentava
harmonizar o Evangelho com especulações estranhas. Havia
ainda os cainitas, que louvavam Caim, os ofitas, que
adoravam a serpente do Gênesis, e os seguidores de Judas
Iscariotes, que inventaram um novo evangelho. O número
de seitas era enorme. Temos Marcião, gnóstico "híbrido".
Entrou em conflito com as autoridades da Igreja de Roma.
Saiu e foi excomungado em 144. Tornou-se o fundador de
uma contra-igreja, na qual era dogma de fé a existência
de dois deuses, um bom e um mal. O primeiro, o Demiurgo,
era o Deus do Antigo Testamento: justiceiro, vingativo,
impiedoso. O segundo, o Deus verdadeiro, era o Deus
pregado por Jesus Cristo: amor, perdão, bondade.
Doutrinas tão "amalucadas", às vezes ridículas e às
vezes terríveis, atraíam muitas almas inquietas. Marcião
organizou sua igreja e estabeleceu seu próprio cânone de
livros inspirados, rejeitando tudo o que poderia
contradizê-lo nas Escrituras. Os marcionitas cresceram
tanto que pareciam ter invadido todo o mundo cristão.
Mesmo com sua morte, em 160, suas comunidades
continuaram a existir. Seus sucessores serão
irrelevantes, excetuando Apeles, que diminuirá um pouco
o rigor das teses do fundador. Parte dos marcionitas
passará para o maniqueísmo no século III. Há ainda o
montanismo. No final do século II, Montano, da Frígia,
acreditava ser o único depositário do dom da profecia.
Ajudado por duas visionárias, Maximila e Priscila, que
tinham deixado os maridos para o seguirem, começou um
movimento de evangelização frenético pelas províncias do
Oriente Próximo. O fim do mundo estava próximo, o
Espírito Santo iria aparecer gloriosamente! Montano era
o arauto da Era do Espírito. Tal loucura se espalhou
rápido pelo Oriente, tradicionalmente místico. A
austeridade moral exigida por Montano não espantava em
um lugar que já tinha visto gauleses se castrarem na
iniciação dos mistérios frígios. O martírio era
obrigatório no montanismo. A partir de 170, mais ou
menos, este movimento explosivo se espalhou
vigorosamente pela Ásia e depois pelo Ocidente.
Comunidades montanistas floresciam em muitos lugares. A
controvérsia quartodecimana, sobre a data da celebração
da Páscoa, gerou vários atritos dentro da Igreja. O papa
Vítor (aprox. 189-198) anunciou a ruptura da Igreja
romana com as comunidades que celebravam a Páscoa no dia
14 de Nisã. Muitos bispos não aceitaram o procedimento
de Vítor, e até Santo Ireneu pediu mais tolerância ao
papa. Com o tempo, porém, a posição de Roma prevaleceu.
(para historiadores protestantes racionalistas como
Neander, Langen e Harnack, a atitude de Vítor na questão
quartodecimana indica que o bispo de Roma já possuía, no
século II, jurisdição sobre todas as igrejas). O
monarquianismo, inventado por Teódoto, ensinava um só
Deus e uma só pessoa divina. Noeto, da cidade de
Esmirna, ensinava que o Pai padeceu na cruz
(patripassianismo). Por fim, o milenarismo, que
acreditava em um reinado de mil anos dos fiéis com
Cristo sobre a terra, no qual se usufruiriam de todas as
delícias imagináveis. Pápias era um pouco milenarista.
Como veremos a seguir, levou algum tempo para esta
doutrina ser condenada. |
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19. Santo Ireneu - o adversário da Gnose
Ireneu é considerado o maior teólogo do século II.
Nascido na Ásia Menor (entre 140 e 160), chegou a
conhecer São Policarpo de Esmirna, discípulo do apóstolo
São João. Era presbítero na cidade de Lyon durante a
perseguição de Marco Aurélio. Após o martírio de Potino,
foi eleito bispo daquela cidade. Não temos nada de exato
sobre sua morte. Segundo uma tradição antiga, ele teria
sido martirizado por hereges depois do ano 200, com
aproximadamente 70 anos de idade. Outros, porém, afirmam
que ele morreu em um massacre de cristãos em Lyon, no
reinado de Sétimo Severo (202?). A Igreja o venera como
mártir, no dia 28 de junho. A sua maior obra,
"Adversus haereses", "Contra as heresias",
foi escrita entre os anos 180 e 185. Trata-se de um
ataque demolidor ao sistema gnóstico. Depois de expor e
refutar detalhadamente as doutrinas da gnose (que
conhecia muito bem), Ireneu revela a verdadeira
doutrina: o cristianismo. Testemunha de grande
autoridade, Ireneu fala, entre outras coisas: Do valor
da Tradição como regra de fé. Do primado da Igreja de
Roma: "com esta Igreja, por causa de sua autoridade
principal, faz-se mister concordarem as demais Igrejas,
a saber, os fiéis do universo, na qual se manteve
incólume sempre, esses fiéis de toda a parte, a tradição
apostólica" "...onde está a Igreja está o
Espírito de Deus, e onde está o Espírito de Deus está a
Igreja e toda graça". Da estada e do martírio de São
Pedro e de São Paulo em Roma. Que Cristo é a encarnação
de Deus. Nele Deus se faz homem para divinizar a
humanidade. Que A Virgem Maria, por sua obediência,
consertou a desobediência de Eva. Maria é a "advogada
de Eva" e "causa de salvação" para o gênero
humano. Da doutrina do pecado original. Do costume de se
batizar também as crianças; Que a eucaristia é a carne e
o sangue de Jesus. "Compõe-se de dois elementos, um
terreno e outro celeste". É o sacrifício novo,
anunciado por Malaquias (Ml. 1, 10s), celebrado pela
Igreja no mundo inteiro. Acompanhando muitos de sua
época, Ireneu era milenarista. Como, porém, o
milenarismo não tinha sido condenado pelo Magistério,
não faz o menor sentido dizer que Ireneu é culpado de
heresia. Não se pode falar de culpa sem conhecimento de
causa. |
|
20. Símbolos, atas de martírio, epitáfios,
literatura...
No Novo Testamento existem numerosas profissões de
fé (cf. At. 8, 37; 1a
Cor. 12, 13; Rm, 10, 9; Fl. 2, 11; 1a
Cor. 15, 3s; 1a
Cor. 8, 6; 2a
Cor. 13, 14; 1a
Cor. 12, 4) resumindo pontos essenciais do cristianismo.
Os primeiros símbolos datados da metade do século II se
inspiram no mandamento de Jesus acerca do batismo em
nome da Santíssima Trindade (Mt. 28, 19). Antes do
batismo os catecúmenos eram interrogados pelo ministro,
fazendo sua profissão de fé no Pai, no Filho e no
Espírito Santo. Inúmeras homilias e atas de martírios
são conhecidas deste período. Destaques: a Homilia de
Melitão sobre a Páscoa, o Martírio de Policarpo, a Carta
das Igrejas de Viena e Lyon às igrejas da Ásia e da
Frígia, as Atas dos mártires de Scili. O epitáfio de
Abércio de Hierápolis, do final do século II, é o
monumento de pedra mais antigo que se refere à
eucaristia. Abércio tinha sido bispo de Hierápolis, na
Frígia. Aos 72 anos de idade mandou fazer a inscrição,
na qual fala, entre outras coisas, do seu envio a Roma
pelo Pastor, encontrando por toda parte irmãos na fé,
dos quais recebeu o "peixe" (ICHTHYS, em grego,
abreviação de "Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador"
- a iconografia cristã aproveitará esta simbologia),
vinho misturado e pão. Atesta o costume cristão de se
orar pelos mortos. O epitáfio de Pectório, para alguns
do início do séc. II, para outros do séc. III ou IV,
fala do batismo, "fonte imortal das águas divinas",
da eucaristia, "alimento melífluo do Redentor dos
santos", "peixe que sustentas nas mãos".
Pectório pede a seus pais falecidos que se recordem dele
"na paz do peixe". A quantidade de evangelhos e
epístolas gnósticas que circulavam no segundo século é
enorme: o Evangelho de Tomé, o Apocryphon de João, a
carta de Tiago, o Evangelho de Maria, a Sabedoria de
Jesus Cristo, os dois livros de Jeú, o Evangelho de
Matias... Também o número de apócrifos não-gnósticos
(livros não-canônicos) é elevado: O Testamento dos doze
patriarcas, o Martírio e a ascensão de Isaías, os
Oráculos sibilinos, o Evangelho dos Nazoreus, dos
ebionitas, dos hebreus, dos egípcios, de Pedro, a
epístola dos Apóstolos, o Proto-evangelho de Tiago, a
Narração da infância de Jesus, por Tomé, o Kerygma de
Pedro, os Atos de Pedro, os Atos de São Paulo, os Atos
de André, o Apocalipse de Pedro... No meio de tantos
livros, cada igreja possuía um esboço do que seria o
cânone definitivo do Novo Testamento. |
|
21. Do grego para o latim
Minúcio Felix e o gênio de Tertuliano Nos primeiros
tempos, o grego havia sido a língua oficial da Igreja.
Tanto o Novo Testamento como os escritos dos Padres
Apostólicos e da maior parte dos Apologistas foram
feitos em grego. Levaria pouco tempo, no entanto, para
que o latim começasse a se firmar no Ocidente. Minúcio
Félix, advogado em Roma, redigiu um diálogo apologético
em latim, o Otávio (por volta de 197). A única apologia
escrita nesta língua no tempo das perseguições. Quintus
Septimius Florens Tertullianus, nascido em Cartago, por
volta do ano 160, filho de um centurião, pagão com
excelente formação intelectual, possuidor de grandes
conhecimentos jurídicos e de retórica. Conhecia bem o
grego. Depois de exercer a jurisprudência em Roma,
retornou para sua cidade de origem pelo ano 195, como
cristão. Por volta do ano 207 rompe com a Igreja e adere
ao montanismo. Sua morte ocorreu, provavelmente, depois
do ano 220. Exímio no uso do latim, Tertuliano foi o
primeiro a usar o termo Trinitas para designar a
Trindade. Expôs também a tese de que o Pai e o Filho
eram da mesma substância. Antecipou-se em um século ao
Símbolo de Nicéia. Suas principais obras foram: Ad
nationes, o Apologeticum (aos governadores das
províncias do Império - uma apologia que considera as
acusações políticas contra os cristãos, como o crime de
lesa-majestade e a negação dos deuses imperiais; passa a
apologética do plano filosófico para o jurídico),
Adversus Iudaeos, De praescriptione haereticorum,
Adversus Marcionem (contra a gnose de Marcião), Adversus
Valentinianos (contra a gnose de Valentino), Scorpiace,
De carne Christi (contra o docetismo dos gnósticos),
Adversus Praxean (exposição mais clara antes de Nicéia
sobre a doutrina da Trindade, contra o patripassiano
Práxeas), De batismo, De anima (obra antignóstica), Ad
martyres, De paenitentia, Ad uxorum... Do período
montanista temos alguns escritos de caráter ascético,
como o De exhortatione castitatis, em que exorta um
amigo viúvo a não contrair novas núpcias (para ele uma
forma de devassidão), De corona (onde condena o
exercício das funções militares por cristãos e refere de
passagem o costume de se fazer o sinal da cruz), De
pudicitia (onde, contrariando o que dizia enquanto
católico, nega à Igreja o poder de perdoar pecados).
Tertuliano fala das duas naturezas na única pessoa de
Jesus Cristo. Ensina que o primado e o poder das chaves
foram dados à Pedro (fala da morte de Pedro e Paulo em
Roma). Enquanto era católico, ensinava que a Igreja
tinha poder de perdoar os pecados, embora apenas uma
única vez. Descreveu com detalhes a confissão pública.
Como na Didaqué, para ele a Missa é o cumprimento da
profecia de Malaquias (Ml. 1, 10s), sacrifício
verdadeiro oferecido a Deus. O Corpo e o Sangue de
Cristo são distribuídos na comunhão. Também admite um
estado de purificação póstumo, no qual todos, menos os
mártires, permanecem até o dia do Juízo. As orações dos
vivos, porém, podem confortar os que se encontram no
Hades. Afirmava o milenarismo. Contra os hereges,
Tertuliano ensina: apenas a Igreja é quem pode possuir
legitimamente a fé. A ela cabe a reta interpretação das
Escrituras, à luz da Tradição. A doutrina conservada nas
Igrejas apostólicas determina as verdades que devem ser
cridas por todos os fiéis. Não adianta discutir com os
hereges usando as Escrituras porque eles distorcem e
mutilam a Palavra de Deus. Sua atitude diante da
filosofia pagã é essencialmente negativa. A especulação
filosófica só é útil enquanto concorda com o Evangelho.
Acredita na possibilidade de uma demonstração racional
da existência de Deus e da imortalidade da alma. Ao
contrário da grande corrente da Tradição cristã (como a
encontramos, por exemplo, no Proto-evangelho de Tiago),
Tertuliano negava a virgindade perpétua de Maria.
Comodiano, Vitorino de Petau, Arnóbio de Sica e
Lactâncio são outros grandes representantes da
literatura cristã em latim no século III e no início do
século IV. |
|
22. Crise do Império
Ao longo do século III, o Império será na maior
parte do tempo uma ditadura militar. A instabilidade
política é grande. Os exércitos, formados não mais por
romanos mas principalmente por gente vinda de províncias
conquistadas há pouco tempo, põem e depõem os
imperadores pelos mais variados motivos: dinheiro,
inveja, medo, aversão pela disciplina... Uma crise
econômica devasta o Império, guerras civis explodem aqui
e ali (onde está a Pax Romana?), as fronteiras são áreas
de combate contínuo (primeiras invasões bárbaras), as
estradas são quase abandonadas, há escassez de comida,
os salteadores formam quadrilhas, o mar fica cheio de
piratas, a inflação devora a moeda (medidas
desesperadas, como o tabelamento de preços, são tomadas
pelo governo), a corrupção é generalizada, a luxúria e a
devassidão corroem a família, até mesmo a arte e a
literatura perdem o brilho (temos alguns nomes,
desconhecidos para a maioria dos nossos contemporâneos:
Terêncio Escauro, Suplício Apolinário, Ácron, Censorino,
Mário Máximo, Plócio Sacerdote; juristas como Papiniano,
Ulpiano e Paulo se destacam; em grego: Díon Cássio,
Diógenes Laércio e o maior de todos, Plotino, chefe do
neoplatonismo; seu discípulo, Porfírio, escreveu um
tratado Contra os cristãos). Decadência: esta é a
palavra que descreve melhor o Imperium nesses tempos. A
astrologia caldéia e o mitraísmo se estabelecem. "Se,
no seu nascimento, o cristianismo tivesse sido detido no
seu progresso por alguma doença mortal, o mundo teria se
convertido aos mistérios de Mitra", disse Renan. E
até certo ponto é verdade. O neoplatonismo é um misto de
filosofia e religião que vai se opor frontalmente à fé
cristã. Juntamente com o restante do paganismo e todos
os sincretismos que possam ser imaginados, estas
doutrinas infectavam o Imperium, e só encontravam um
obstáculo consistente e sólido: a Igreja. |
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23. Expansão do Cristianismo no século III - "a
terceira raça"
Enquanto o Império começava sua lenta agonia a
Igreja crescia cada vez mais. Havia cristãos na Britânia
e na Espanha, no Egito e no Danúbio, na Ásia Menor, nas
costas gregas, na Trácia, na Macedônia. Há também alguns
em Aelia Capitolina, construída sobre as ruínas de
Jerusalém. As cidades costeiras da Síria possuem grande
quantidade de cristãos. Em torno do ano 200, Abgar IX,
rei de Osreone, converte-se ao cristianismo. Na Gália,
Santo Ireneu havia dado início a uma grande obra de
evangelização. Fora das fronteiras do Império, na
Mesopotâmia, na Pérsia, na Etiópia e até na Índia chegam
pregadores do Evangelho. Povos bárbaros, como germanos e
godos, receberam a semente da Boa-Nova. O desabrochar
destas sementes, no entanto, só acontecerá a longo
prazo. A maioria dos cristãos continua a ser de classe
baixa, o que é motivo de zombaria para os detratores da
nova fé. Mas cada vez mais gente de nível econômico e
social "respeitável" começa a entrar em suas
fileiras. Em Alexandria, fundada por Panteno, filósofo
estóico convertido ao cristianismo, ainda no segundo
século, uma escola teológica e catequética começava a se
desenvolver. Clemente, Orígenes, Atanásio e Cirilo serão
seus representantes mais significativos. Opondo-se às
tendências alegóricas e especulativo-filosóficas da
escola de Alexandria, surgirá, no séc. III, a escola de
Antioquia, intensamente dedicada à exegese bíblica. Seu
fundador, acredita-se, é o presbítero Luciano de
Samósata (+ c. de 312). A hinologia dos primeiros
séculos não deixou muitos vestígios. Temos o canto
vespertino Phos hilarón e o matutino Dócsa en upsístois
theo, nosso Gloria in excelsis Deo. Alguns papiros que
foram descobertos traziam cânticos cristãos, um deles
com notas musicais. As Odes de Salomão são uma coleção
de cantos gnósticos do século II. Com o crescimento
numérico, começou a haver um certo relaxamento entre os
cristãos. À medida que recrudescia a perseguição,
surgiam mais e mais casos de apostasia. Tertuliano
afirma no Apologeticum que existem cristãos exercendo
funções militares. Mais tarde, porém, quando se tornar
montanista, ensinará que um seguidor de Jesus não pode
servir no exército. Hipólito, em sua Tradição
Apostólica, apresenta uma lista de profissões proibidas
para os cristãos: soldado, sacerdote de ídolos e
magistrado. O militar que deseja se converter não pode
mais matar nem fazer juramentos. No momento em que o
cristianismo se tornar a religião oficial do Império,
essas restrições vão desaparecer. Haverá, no entanto, um
rito de purificação para o soldado que tiver derramado
sangue. Começam a ser construídas as primeiras igrejas a
partir da metade do século III. A casa-igreja de Dura
Europos, às margens do Eufrates, é o mais antigo
edifício de culto cristão que se conhece (c. de 250). Em
suas paredes existem vários afrescos com temas bíblicos.
Nas catacumbas de Priscila, em Roma, temos um afresco
com a Virgem e o menino Jesus nos braços (começo do séc.
III). A iconografia cristã se desenvolve rapidamente. Os
sínodos, ou concílios locais, que já se realizavam no
século anterior, se consolidam e se tornam um meio
eficaz para garantir a unidade da Igreja. Diante dos
pagãos e dos judeus, os cristãos formavam o que Santo
Agostinho chamava de "tertium genus", a
"terceira raça". |
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24. O confronto
Para o Império, o cristianismo já não era uma seita
de miseráveis que podiam ser jogados para as feras do
circo. Era uma força real, que não podia ser ignorada.
Há mais de quinze anos que a Igreja vivia um período de
paz. O último Antonino, Cômodo, tinha sido bastante
indulgente com os seguidores de Jesus. Chegara a
anistiar os cristãos condenados a trabalhos forçados. No
início do reinado de Sétimo Severo tudo continuava
tranqüilo. Certamente que aconteciam, uma vez ou outra,
explosões de ódio contra a Igreja, mas não existia uma
perseguição organizada, sistemática. Severo era clemente
e se sentia propenso à respeitar as crenças orientais.
De uma hora para a outra, porém, as coisas mudaram.
Talvez o imperador tenha detectado nos cristãos um
perigo iminente, que punha em risco o futuro de seus
domínios. Talvez tenha sido influenciado por alguém do
seu círculo de amigos mais próximos que detestava os
cristãos. O certo é que a tolerância rapidamente foi
substituída pela repressão. Entre os anos 200 e 202 sua
deliberação foi promulgada: proibição total de
conversões ao judaísmo e ao cristianismo, sob pena
grave. Mas o cristianismo foi quem sofreu mais. Com a
ordem do imperador, os funcionários do Estado não
precisavam mais esperar denúncias, como determinado pelo
Rescrito de Trajano. Um novo e terrível período de
perseguições começava. Perseguições metódicas e
direcionadas. Violência, abuso da autoridade policial,
circos lotados com cristãos sendo lançados às feras. Uma
nova era dos mártires. Caracala (211-217, estendeu a
cidadania romana para todos os habitantes do Império),
Heliogábalo (218-222) e Severo Alexandre (222-235)
reinaram sem incomodar muito. Alguns quiseram insinuar
que Severo Alexandre era admirador de Jesus, bem como o
imperador Filipe, o Árabe (244-249). Estas insinuações
são provavelmente falsas. Mas é certo que já existiam
funcionários imperiais cristãos. Com Décio (249-251) a
perseguição retorna. No ano 250 todos os moradores do
Império que possuem cidadania romana são obrigados a
manifestar sua adesão à religião imperial. Certificados
seriam entregues aos que cumprissem a determinação,
enquanto os contraventores correriam o risco de perder a
própria vida. Há muitos mártires em Roma, na Ásia, no
Egito e na África. Valeriano (253-260), com dois editos,
torna a legislação ainda mais rígida. Procurava
perseguir especialmente os líderes das comunidades
cristãs: bispos, padres, diáconos. Na África a Igreja
sofre severas baixas. Com Galiano (260-268) há mais um
período de paz. Aureliano (268-275) não dispõe de tempo
para implantar no Império o seu sincretismo solar. Após
dez anos de anarquia, Diocleciano (284-305) toma o
poder. Com seu gênio consegue recuperar durante algum
tempo o brilho dos tempos gloriosos do Imperium. Suas
reformas administrativas e religiosas foram uma das
últimas tentativas de salvar Roma. Foi ele quem
organizou e executou a mais terrível das perseguições
contra a Igreja, principalmente no Oriente. Em 286
colocou ao seu lado Maximiano, e dividiu com ele o
império: Diocleciano com o Oriente e Maximiano com o
Ocidente (diarquia). Em 293 foram instituídos mais dois
imperadores, de categoria inferior, governando em
diferentes regiões (tetrarquia). Diocleciano e Maximiano
possuíam o título de Augustus, enquanto os outros dois
(Galério e Constâncio Cloro) eram denominados de
Césares. Os Césares eram os herdeiros legítimos dos
Augustos. Depois da criação da tetrarquia, o Império
passa a ter quatro capitais: Tréveris, Milão, Sírmio e
Nicomédia. |
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25. "Combater o bom combate
A lista de mártires que poderíamos citar desde
Sétimo Severo até Diocleciano é enorme. Vamos apenas
enumerar alguns deles aqui. Víbia Perpétua, cristã na
África, de classe abastada, foi martirizada juntamente
com Santa Felicidade no dia 7 de março do ano 203.
Humilhadas e ridicularizadas, passaram pelo fio da
espada do carrasco. Outros companheiros foram mortos
pelas feras na arena. Potamina, uma jovem cristã, foi
lançada com a mãe em uma caldeira cheia de betume
inflamado. Sob Décio: Policrônio, mártir por volta de
250. Santa Águeda, na Sicília, martirizada (aprox. 251).
Dionísia, Pedro, André e Paulo, martirizados na Turquia.
Nemésio, em Alexandria. Piônio, na Ásia Menor. Frutuoso,
na Espanha. O papa Fabiano, em Roma. Sob Valeriano: São
Lúcio, papa, martirizado, por volta de 254. São Sisto
II, papa, e alguns companheiros, cerca de 258. São
Lourenço (+258), diácono da Igreja romana. Quando foi
interrogado sobre o tesouro da Igreja, reuniu todos os
cegos, coxos, aleijados, doentes, velhos e crianças que
pôde encontrar. Assaram-no vivo em uma grelha. São
Marino sofreu o martírio por decapitação em torno do ano
260. Estevão I (papa) e São Tarcísio também foram
martirizados no reinado de Valeriano. Cipriano, o grande
bispo de Cartago, foi decapitado em 258. São Mário,
Santa Marta, Santo Audifax, Santo Ábaco. Presos quando
enterravam os mártires em Roma. Condenados à morte, sob
Cláudio II (268-270). São Valentim, sacerdote em Roma,
decapitado por volta do ano 270. Sob Diocleciano: São
Sebastião, capitão do exército, por volta de 284. São
Vítor, decapitado (303). Vicente, Sabina e Cristeta, na
Espanha, por volta do ano 303. São Sérgio, martirizado
em Cesaréia da Capadócia. Santas Ágape, Quilônia e
Irene, martirizadas por volta do ano 304. Marcelino e
Pedro, em Roma, por volta de 304. Afra, na Baviera.
Félix e Adauto, por volta do ano 304. Januário e
companheiros, por volta de 305. Cosme e Damião,
martirizados. Crispim e Crispiniano, na Gália. Severo,
Severiano, Carpóforo e Vitorino, em Roma. Mais nomes:
Afianos e Edésios, no Líbano, Crisógono, em Aquiléia,
São Brás, bispo da Armênia, Santa Margarida de
Antioquia, Santa Catarina, São Maurício, a legião de
Tebas, Santa Inês e Santa Luzia, Santa Bárbara. Ao lado
dos mártires, havia muitos cristãos que caíam na
apostasia ou simplesmente fugiam da perseguição. |
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26. Cisma em Roma
Hipólito nasceu antes de 170. Foi Presbítero em Roma
no pontificado de Vítor (c. de 189-198). Teve conflitos
com o Papa Zeferino e rompeu abertamente com seu
sucessor, Calisto (217-222), acusando-o de sabelianismo
(doutrina que ensinava serem o Filho e o Espírito Santo
apenas "modalidades" do Pai, propagada por
Sabélio) e de ser condescendente demais com os
pecadores. Fez-se Bispo de uma pequena comunidade
cismática em Roma. Foi exilado juntamente com o Papa
Ponciano para a Sardenha em 235, onde morreu. Hipólito
não aceitava a reconciliação dos hereges e apóstatas
(lapsi). Foi o primeiro antipapa da História da Igreja.
Escritos importantes de Hipólito: Refutação de todas as
heresias (Philosophumena), Crônica, O Anticristo,
Comentário de Daniel (onde diz que Jesus nasceu no dia
25 de dezembro do 42o. ano do reinado de Augusto e
morreu no dia 25 de março do 18o. ano do reinado de
Tibério), Ypér tou katà Ioannen evaggelíou kaì
apokalúpseos (defende que João é o autor do quarto
evangelho e do Apocalipse, contra os alogianos, que
negavam a doutrina do Logos), Syntagma, A Tradição
Apostólica. Hipólito testemunha a doutrina da Igreja
sobre as Escrituras, fala da eucaristia como sacrifício,
seguindo a Didaqué na aplicação da profecia de Malaquias
(Ml. 1,10s). Como Justino, Atenágoras, Teófilo e
Tertuliano, é subordinacionista (ou seja, crê que o
Filho tornou-se uma pessoa divina subordinada ao Pai,
Logos proferido "posteriormente" para ajudá-lo na
criação e no governo do mundo). A Tradição Apostólica é
uma preciosa fonte de informações sobre a liturgia
cristã em Roma, no começo do séc. II (ver a seção XXIX).
Entre outras coisas, fala da existência de um jejum
pascal de dois dias, ensina que a eucaristia deve ser
tratada com muito cuidado e reverência, "pois ela é o
Corpo de Cristo que deve ser comido pelos fiéis e não
pode ser negligenciado" e exorta os fiéis a fazerem
o sinal da cruz quando sobrevier a tentação "pois
este é o sinal da Paixão reconhecidamente provado contra
o demônio, desde que feito com fé e não para vos exibir
diante dos homens..." Hipólito queria uma igreja
formada apenas por pessoas "puras" e "santas".
Depois dele temos Novaciano. Por volta de 250, Novaciano
era um Presbítero de prestígio em Roma, com boa formação
retórica. Ficou à frente de um partido rigorista e se
fez Bispo da Cidade Eterna, opondo-se ao Papa Cornélio.
Pereceu durante a perseguição de Valeriano,
provavelmente, enquanto o papa Cornélio foi exilado. |
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27. Clemente de Alexandria e Orígenes
Tito Flávio Clemente é possivelmente originário de
Atenas, nascido por volta de 150. Depois de se
converter, viajou pela Itália, Síria, Palestina e se
estabeleceu em Alexandria, tornando-se aluno de Panteno.
Sucedeu o mestre como professor depois do ano 200.
Durante a perseguição de Sétimo Severo saiu do Egito e
foi para a Ásia Menor, onde morreu antes de 215. Obras:
Exortação aos gentios, O Pedagogo, Seleções (stromata).
Clemente atribui uma espécie de caráter sobrenatural à
filosofia grega. Procurou fazer uma síntese entre a fé e
a filosofia. Ensinava a eternidade da matéria e do
mundo, acreditava no caráter sacrifical da eucaristia.
Orígenes nasceu em Alexandria, em torno do ano 184.
Leônidas, seu pai, morreu como mártir em 202. Sentia um
forte desejo de ir para o martírio. Foi colocado à
frente da Escola de Alexandria em 203, pelo Bispo
Demétrio. Sua fama se espalhou por toda a parte,
atraindo inclusive pagãos para suas palestras. Em 212
visitou Roma. Passou em seguida pela Grécia e pela
Palestina, onde recebeu a ordenação. A mãe do imperador
Alexandre Severo o chamou até Antioquia, para ouvir seus
discursos. Por volta de 232 houve um desentendimento com
Demétrio, que o levou a se transferir para Cesaréia, na
Palestina. Lá um de seus mais fervorosos discípulos é o
futuro São Gregório Taumaturgo. Morreu em 254, por causa
dos ferimentos que sofreu durante a perseguição de
Décio. Eusébio o apelidou de Adamántios (homem de aço)
por causa do rigor de seu ascetismo. Depois de morto,
Orígenes foi condenado várias vezes e teve sua obra
parcialmente destruída. O número de trabalhos e livros
que escreveu é vastíssimo, ultrapassando todos os Padres
da antiguidade. Alguns exemplos: os Hexapla, onde reunia
em seis colunas diversas versões do Antigo Testamento
(hebraico, transcrição do hebraico para o grego,
tradução de Áquila, de Símaco, dos LXX e de Teodocião),
Contra Celso (apologia contra as acusações feitas pelo
filósofo platônico Celso, no séc. II), Da oração,
Exortação ao martírio, Disputa com Heráclides. Orígenes
imaginava a criação como um ato eterno. Era
subordinacionista. Afirmou que a fé na presença real de
Cristo na eucaristia é a "mais comum entre os
cristãos". Atesta, sem dúvida alguma, o caráter
sacrifical e expiatório da Santa Missa. Para ele, as
almas dos pecadores, depois de algum tempo no Inferno,
seriam regeneradas e salvas (apokatástasis pánton).
Inspirados em Orígenes e na Escola de Alexandria, muitos
escritores cristãos desenvolveram suas obras: Júlio
Africano, Amônio, Dionísio de Alexandria, o Grande,
Gregório, o Taumaturgo, Firmiliano, Bispo de Cesaréia,
na Capadócia, Teognostos, Pedro de Alexandria, Pânfilo e
Hesíquio. |
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28. São Cipriano de Cartago
Thascius Cecilius Cyprianus, nascido de uma família
rica e pagã, em Cartago, entre os anos 200-210. Recebeu
em 246 o batismo, sendo ordenado, dois ou três anos
depois, Bispo de sua cidade. Suas atividades pastorais
foram interrompidas pela perseguição de Décio (250), que
o forçou a se esconder. Quando muitos apóstatas
começaram a ser facilmente readmitidos na Igreja surgiu
um cisma. Em 251, Cipriano volta para Cartago. Num
sínodo excomungou os chefes da dissidência laxista e
determinou que os apóstatas passassem por severas
penitências antes de reingressarem na comunidade. A
peste que atingiu o Império em 252 provocou novos
sofrimentos e perseguições na África. Nos últimos anos
de sua vida, teve de se preocupar com a questão do
batismo dos hereges. Cipriano considerava inválido o
batismo ministrado por hereges. Mesmo com a reprovação
do Papa Estevão, insistiu em manter seu ponto de vista.
Foi decapitado no dia 14 de setembro de 258, em Cartago,
sob Valeriano. Pelo martírio certamente foi perdoado de
seu erro e foi para junto de Cristo. Escritos de São
Cipriano: De ecclesia unitate (c. 251, no qual fica do
lado do Papa Cornélio contra Novaciano), De lapsis, De
habitu virginum, De mortalitate. No aspecto doutrinário,
o Bispo de Cartago ensinava que a unidade da Igreja é
garantida pela união de todos com o Bispo. "Salus
extra ecclesiam non est", não há salvação fora da
Igreja. "Quem abandona a sede de Pedro, sobre a qual
está fundada a Igreja, como pode afirmar que está na
verdadeira Igreja"? "Não pode ter Deus por Pai
quem não tem a Igreja por mãe". Os recém-nascidos
devem receber logo o batismo e a eucaristia. Uma
tradição só é válida quando se apóia na "tradição
evangélica e apostólica", ou seja, aquela tradição
que provém da "autoridade do Senhor e do Evangelho,
das prescrições e das epístolas dos apóstolos". Na
questão do batismo, ensina que se a verdade se desvia é
preciso retornar para as origens, a tradição consignada
nas Escrituras. A origem da verdade cristã é a Tradição,
o ensinamento de Jesus e a pregação dos apóstolos
(observemos, no entanto, que Cipriano dava muito crédito
a revelações e visões particulares). O sacrifício do
sacerdote é a repetição do sacrifício de Jesus na ceia:
ambos representam o único sacrifício da cruz. A
penitência consiste na confissão pública dos pecados e
na expiação. Todos os justos defuntos (inclusive os
não-mártires) recebem sua recompensa imediatamente após
a morte. O estado intermediário no Hades se aplica aos
penitentes somente. |
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29. Os sacramentos no século III
Sobre a liturgia deste período, temos várias fontes.
Hipólito, em sua Tradição Apostólica, fala sobre o
batismo, a eucaristia, a ordenação... Vejamos como era:
Batismo - Atestação claríssima do batismo de crianças.
Logo ao amanhecer, ora-se sobre a água que vai ser usada
no batismo. O Sacerdote ordena a cada um dos catecúmenos
que renuncie a Satanás. Os que renunciam são ungidos com
o óleo do exorcismo, consagrado pelo Bispo. Depois, na
água, aquele que batiza pergunta ao catecúmeno se este
crê no Pai, no Filho e no Espírito Santo (profissão de
fé já parecida com o símbolo apostólico atual),
mergulhando-o a cada resposta afirmativa. Quando saem da
água, os neófitos são ungidos com o óleo de ação de
graças. Todos se vestem e se dirigem para a igreja, onde
recebem a imposição de mãos do Bispo e são ungidos
(Crisma). Depois de marcar o neófito na testa, o bispo
lhe dá um beijo e diz: "o Senhor esteja contigo".
O que foi marcado responde: "e com o teu espírito".
Todos tomam parte na assembléia depois que recebem o
sacramento da Confirmação. Eucaristia - os Diáconos
apresentam a oblação ao Bispo, que impõe as mãos sobre
ela e diz, com o presbitério: "o Senhor esteja
convosco". A assembléia responde: "e com teu
espírito". "Elevai vossos corações. - Nós os
temos voltados para o Senhor. - Demos graças ao Senhor.
- É digno e justo". O Bispo prossegue dando graças a
Deus e lembrando os feitos da História da Salvação
(oração eucarística). Invoca o Espírito Santo sobre a
oblação e repete as palavras de Jesus na última ceia.
Ordenação - O Bispo deve ser irrepreensível e é eleito
pela comunidade. Feita a escolha, o povo se reúne com o
presbitério e outros Bispos presentes. Os Bispos impõem
as mãos sobre aquele que vai ser ordenado, enquanto o
presbitério fica imóvel. Todos ficam em oração pedindo a
descida do Espírito Santo. Um dos Bispos, escolhido por
todos, impõe as mãos sobre o que está sendo ordenado e
faz uma oração, lembrando os sacerdotes da antiga
Aliança e pedindo a vinda do Espírito Santo. Pede para o
novo bispo o poder sacerdotal, o poder de oferecer a
eucaristia, perdoar os pecados, dirigir a comunidade,
ligar e desligar, pastorear com sabedoria e pureza o
rebanho que lhe é confiado. O clero compreende sete
classes: Bispos, Diáconos, subdiáconos, acólitos,
leitores, exorcistas e ostiários. Esta divisão, porém,
não é rígida, e não exclui a possibilidade de uma pessoa
desempenhar mais de uma função. Penitência - A
penitência é pública, e a reparação depende da gravidade
do pecado cometido. A Didascália, documento dos
primeiros decênios do século III prescreve um jejum de
seis dias antes da Páscoa. |
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30. Celibato e virgindade
Na época da Igreja apostólica, o celibato possui um
valor positivo e é reconhecido como estado de vida ao
lado do matrimônio. Tanto um como o outro eram vistos
como carismas particulares. É possível que tenham havido
casos de matrimônios "espirituais", em que homem
e mulher viviam juntos como irmãos (Paulo fala de uma
situação como esta em sua primeira epístola aos
Coríntios, por volta do ano 57). No final do séc. I e no
séc. II existem muitos homens e mulheres celibatários
(ascetas e virgens) "em honra da carne do Senhor"
(Inácio de Antioquia). A princípio, havia uma
ambigüidade entre a virgindade e o estado de viuvez
permanente. Por volta de 150, Justino se refere a homens
e mulheres que se conservaram "incorruptos",
alcançando a idade de 60 ou 70 anos. O mesmo diz
Atenágoras, em torno do ano 177. Apesar disso, ainda não
existe no séc. II uma forma definida para o celibato
cristão. Na virada do segundo para o terceiro século,
sob influência da gnose e do encratismo, surgem
apologias a favor do celibato como estado de vida melhor
do que o matrimônio. Clemente de Alexandria defende a
santidade do casamento e ensina que a continência só é
virtuosa quando vivida por amor a Deus. Aos poucos
começa a se impor um novo ponto de vista, que considera
a virgindade como uma forma de matrimônio místico com o
Senhor. Após o ano 200, as "virgines Deo devotae"
usam véu para indicar suas núpcias espirituais
(Tertuliano, Sobre a oração, 22, escrito entre 200 e
206). Mas o voto de virgindade não possui caráter de
ordenação, como atesta Hipólito em sua Tradição
Apostólica. Para Orígenes (que havia se castrado depois
de ler Mt 19,12, detalhe peculiar) a virgindade supera o
matrimônio porque enquanto este é figura da união de
Cristo com a Igreja, aquela é sua realização mística e
mais perfeita. Novaciano compara a virgindade com o
estado angélico e Tertuliano leva ao extremo a sua
exaltação, influenciado pelo montanismo. Cipriano vê a
consagração virginal como esponsais com Cristo. Ele é o
primeiro a usar o termo "virgindade" para se
referir ao celibato masculino. Metódio de Olimpo (+311)
fala dos celibatários Elias, Eliseu, João Batista, João
Evangelista e Paulo, entre outros. A Igreja síriaca, até
o séc. III, conserva o costume do celibato em família
(os filhos consagrados permaneciam com os pais). Efrém
reagirá contra esta prática. Hilário de Poitiers chamará
de caelebs o não casado por razões de fé e de coelibatus
o seu estado de vida. Atanásio (295-373), que conhece o
ideal monástico de Santo Antão, define o matrimônio como
"via mundana", enquanto a virgindade é o caminho
mais eficaz para alcançar a perfeição. Quando se
encerrar o terceiro século, o celibato terá finalmente
encontrado seu lugar na vida e na espiritualidade
cristãs: estado superior ao casamento, comparado com a
condição angélica, esponsais com Cristo, núpcias
místicas, oferecimento total e perfeito a Deus. O
monaquismo lhe dará forte impulso. No ano 300, o
Concílio de Elvira, na Espanha, determina a
obrigatoriedade do celibato para os padres e bispos da
província. Com o passar do tempo esta disciplina se
estenderá a toda a Igreja. |
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31. O cânone das Escrituras
a) O Antigo Testamento
Retrospecto histórico: na época de Jesus, os hebreus
não possuíam um cânone de livros inspirados. O primeiro
esboço de um cânone se acha no prólogo do Eclesiástico:
"A Lei, os profetas e os outros escritos". A Lei
é certamente a Torá, ou Pentateuco, que provavelmente
adquiriu sua forma definitiva no tempo de Esdras. Os
profetas incluem Js., Jz., 1o.Rs.,
2o.Rs.,
Is., Jr., Ez. e os doze profetas menores. Sobre os
"outros escritos" não se tem uma ainda uma definição
precisa. A versão grega dos Setenta (LXX), feita por
judeus em Alexandria entre o séc. III a.C. e o início da
era cristã, incluiu os livros que hoje chamamos de
deuterocanônicos, e alguns apócrifos. Não se pode dizer,
no entanto, que a LXX estabeleceu um cânone normativo
(os códices que nos chegaram apresentam diferenças). Na
Palestina, por volta de 95, Flávio Josefo (37-100)
escreve uma lista que coincide com o cânone hebraico,
excluindo os deuterocanônicos. Apesar disso,
encontram-se em seu trabalho citações de 1Mc, 1o
Esd. e suplementos de Est. Portanto, não
podemos concluir a partir do seu testemunho que o
judaísmo já tivesse fixado o seu cânone no final do séc.
I. Em Qumrã se encontram todos os livros protocanônicos,
exceto Est. Dos deuterocanônicos foram encontrados Br.
6, Tb. e Eclo. Dos apócrifos, Jubileus, Enoc e o
Testamento dos doze patriarcas. Aparentemente não havia
uma distinção entre um cânone de livros sagrados e
outros textos não-inspirados. Entre os anos 90-100 houve
um sínodo de rabinos na cidade de Jâmnia. Uma tese
tradicional propõe que a lista definitiva dos livros do
Antigo Testamento foi fixada neste sínodo. Mas não há
provas concretas de que isto realmente tenha acontecido.
Mesmo depois de Jâmnia a canonicidade de alguns livros
continuou a ser discutida (Ecl. e Ct.). Baseado nessas
considerações, Valério Manucci propõe a seguinte
explicação para a formação do cânone hebraico: depois da
destruição do Templo, no ano 70, o judaísmo se tornou
cada vez mais uma religião "do Livro", o que
impôs a necessidade de determinar um cânone definitivo.
Várias disputas entre os fariseus e outras seitas
judaicas serviram de estímulo para a fixação de um
cânone. Ainda que no primeiro século da nossa era
houvesse uma aceitação popular de 22 ou 24 livros como
inspirados, não existiu um cânone normativo até o final
do séc. III. O fato de os cristãos terem adotado a
tradução dos LXX pode ter influenciado decisivamente a
definição de um cânone mais restrito no judaísmo,
excluindo os deuterocanônicos. De resto, se realmente
houvesse um cânone já estabelecido antes do nascimento
de Jesus, certamente os judeus de Alexandria, fiéis às
orientações dos rabinos da Palestina, não teriam
inserido os deuterocanônicos na sua tradução. Entre os
cristãos, no Novo Testamento, aparece a tríplice divisão
indicada no Eclesiástico (Lc. 24, 44). Há alusões a
livros deuterocanônicos: Sb. (Rm. 1, 19ss; Hb. 8,14),
Tb. (Ap. 8, 2), 2o
Mc. (Hb. 11, 34s), Eclo. (Tg. 1, 19), Jt.
(1a
Cor. 2, 10) e nem todos os protocanônicos
são citados (Esd., Ne., Rt., Ecl, Ct., Ab., Na., Pr.).
Também há alusões a livros apócrifos: Salmos de Salomão,
1 e 2 Esdras, 4o
Macabeus, Assunção de Moisés e o livro de Enoc. Jesus se
serviu do Pentateuco para discutir com os saduceus (que
aceitavam apenas esta parte do AT como inspirada, cf..
Mt. 22, 23-33; Mc. 12, 18-27; Lc. 20, 27-40) e, ao que
parece, usou a Bíblia hebraica em debates com os
fariseus (cf. Mt. 23, 34-36; Lc. 11, 49-51). Esta
"adaptação aos interlocutores" não nos permite dizer
que Cristo tenha reconhecido um cânone para o At, e
muito menos que este cânone seja o da Bíblia hebraica.
Das 350 citações que o Novo Testamento faz do AT, 300
são da LXX. Como não havia, porém, cânone definido no
período neotestamentário, os cristãos ainda não possuíam
um cânone próprio. Os Padres Apostólicos citam a versão
dos LXX. A Didaqué usa Eclo. e Sb.. Clemente, em sua
epístola aos Coríntios, se serve de Jt., Sb., Eclo., Dn.
e passagens de Est. grego. Policarpo cita Tb.. O Pastor
de Hermas cita Eclo., Sb. e 2oMc..
Também há citações de apócrifos, como o livro de Enoc. O
mesmo se dá com outros autores do fim do séc. II e
começo do séc. III, como Ireneu, Clemente de Alexandria,
Tertuliano, Hipólito, Cipriano e Dionísio Alexandrino. Á
medida, porém, que os judeus determinavam a sua lista,
as Igrejas que viviam em contato com a comunidade
hebraica sofriam sua influência. São Justino, quando
entra em polêmica com os judeus, prefere citações apenas
dos protocanônicos, mas ensina que todos os livros
presentes na tradução dos LXX são inspirados, "mesmo
aqueles que os judeus suprimiram arbitrariamente".
Melitão de Sardes, no entanto, possui uma lista de
livros do AT com quase todos os protocanônicos e nenhum
deuterocanônico. O Concílio de Laodicéia (360) defende o
cânone hebraico. Mas a carta do papa Inocêncio I a
Exupério de Toulouse (405) inclui o cânone completo.
Mais tarde, os concílios provinciais de Hipona (393) e
Cartago (I e II, 397 e 419, respectivamente) aceitarão
oficialmente os deuterocanônicos como parte das
Escrituras (mesmo que alguns padres, como Atanásio,
Cirilo de Jerusalém, Gregório Nazianzeno, Rufino e
Jerônimo, se sintam ainda atraídos pela Hebraica
Veritas). No Concílio de Trullo (692) a ambigüidade
continua: os cânones de Laodicéia e de Cartago são
sancionados ao mesmo tempo! Só no século XV um concílio
ecumênico se ocupará do assunto. O Concílio de Florença
(1441) enumerará o cânone aceito pela Igreja hoje, e o
Concílio de Trento, no século XVI, definirá solenemente
o AT com os deuterocanônicos.
b) O Novo Testamento
O desenvolvimento do cânone do Novo Testamento,
embora complicado, foi menos tortuoso que o do AT. A
segunda epístola de Pedro coloca as cartas de Paulo ao
lado das "outras escrituras" (2a
Pd. 3, 16). Logo, no final do século I
algumas cartas paulinas já são tidas como inspiradas. Em
meados do séc. II, São Justino fala dos Evangelhos que
são usados nas assembléias litúrgicas e a segunda carta
de Clemente aos Coríntios (c. de 150) cita um versículo
do Evangelho de Mateus. A seleção que Marcião fez de 10
cartas de Paulo e do Evangelho de Lucas, provavelmente,
fez com que os cristãos procurassem reunir sua própria
coleção de escritos inspirados. Por volta do ano 170,
Melitão de Sardes chama os livros da Bíblia hebraica de
"Antigo Testamento", em contraposição ao Novo
Testamento da Igreja. Mas o primeiro a usar o termo
"Novo Testamento" foi Tertuliano, em torno do ano
200. Nenhum autor do séc. II ou do séc. III cita todos
os livros do NT, e há livros que não são citados por
ninguém (Fm. e 3a
Jo.). A lista mais antiga do NT é o famoso
Fragmento Muratoriano, que indica o NT usado pela Igreja
de Roma no final do segundo século. Nela não estão
incluídos Hb., Tg., 1a
e 2a
Pd., e talvez 3a
Jo.. A lista feita por Orígenes no séc. III
levanta dúvidas sobre a inspiração de 2a
Pd. e de 2a
e 3a
Jo.. Por volta do ano 310, Eusébio
distingue entre "os livros reconhecidos por todos"
(emologoumenoi), "os livros discutidos"
(antilegomenoi) e "os livros espúrios" (notha).
Tg. e Jd. estão entre os discutidos. O Cânone
Claromontano, datado do séc. IV, não menciona Hb. O
Cânone Momseniano, de mais ou menos 360, não fala de Hb.
e Jd.. No Ocidente, só com as listas do final do séc.
IV, feitas por Atanásio, Agostinho, pelos concílios de
Hipona e de Cartago, é que se chega a um consenso. Elas
coincidem com o cânone definido do Concílio de Trento. O
Códice Sinaítico, do séc. IV, inclui também a carta de
Barnabé e o Pastor de Hermas. O Códice Alexandrino, do
séc. V, traz 1 e 2 Clemente. As igrejas da Síria e de
Antioquia usavam, no séc. IV, um cânone restrito do NT
com apenas 17 livros. Alguns livros eram discutidos
porque não se podia ter certeza de sua autoria
apostólica, por causa de aspectos doutrinários
controvertidos ou por sua brevidade.
c) A Igreja discerniu o cânone
Desde os primeiros esboços até a definição solene, a
história da evolução do cânone revela, antes de mais
nada, a importância da autoridade do Magistério da
Igreja, guardião da Tradição Apostólica, que soube
discernir infalivelmente, entre inúmeros escritos
espúrios, aqueles que o Espírito Santo havia inspirado e
que formam a Palavra de Deus. Escritura, Tradição,
Igreja: elementos intimamente conectados e que não se
deve separar nunca sem cair em grave erro. |
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32. Mani
Mani ou Manes nasceu na Pérsia em torno do ano 215.
Seu pai era da seita judaico-cristã dos alexeítas.
Segundo seus seguidores, aos 24 anos começou a ensinar
uma doutrina dualista: existem dois princípios, um bom e
outro mal, que travam um combate eterno e se
personificam em Deus e no demônio. O demônio é um ser
divino em pé de igualdade com Deus (influência do
Zoroastrismo). Da tradição indiana, Mani aproveitou o
dogma da reencarnação ou transmigração das almas. Jesus
Cristo era Deus, um mensageiro da luz, a força divina
que veio auxiliar o homem na luta contra o mal. Seus
discípulos seguiam uma disciplina rígida. Proclamavam-se
"eleitos" e "santos". O maniqueísmo se
espalhou logo, com a proteção do rei Sapor II, e chegou
ao Império Romano em meados do século III. O imperador
Diocleciano teve de tomar providências para inibir sua
propagação. Mani morreu no ano 270, na Pérsia, depois de
julgado como herege pelo clero zoroastriano. Segundo
alguns acabou seus dias na prisão, segundo outros foi
crucificado e esfolado, tendo sua pele posta como
ornamento em um templo iraniano. Onde chegou, o
maniqueísmo foi perseguido. Nos últimos anos do século
III, começou a se tornar um perigo para a Igreja. |
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33. O algoz se curva diante da cruz
Quando a perseguição de Diocleciano chega ao seu
apogeu acontece algo inesperado. No dia primeiro de
março de 305 os dois Augustos, Diocleciano e Maximiano,
renunciam ao seu posto, deixando seus lugares para os
dois Césares, Galério e Constâncio Cloro. Constâncio
Cloro, senhor do Ocidente, era muito tolerante. Quando
assumiu o poder, "as regiões situadas além da Ilíria,
ou seja, a Itália inteira, a Sicília, a Gália e todos os
países do Ocidente, a Espanha, a Mauritânia e a África,
depois de terem sofrido a violência da guerra durante os
primeiros anos da perseguição, prontamente obtiveram da
graça divina o benefício da paz" (Eusébio de
Cesaréia). O Oriente, no entanto, teve de enfrentar a
ira do César Maximino Daia, instigado por Galério. Em
306 foi publicado um edito que obrigava todos os súditos
a sacrificarem aos deuses. No Egito a perseguição foi
tão terrível que muitos cristãos, para fugir da desonra,
cometeram suicídio. Os que não morriam eram submetidos a
grandes vexações: as mulheres eram entregues à
prostituição, os homens condenados a trabalhos forçados
nas pedreiras e nas minas. Maxêncio, em Roma, é
tolerante. Licínio, que governa as províncias do
Danúbio, também não persegue os cristãos. Constantino,
filho de Constâncio, não tem a menor intenção de atacar
a Igreja de Jesus. Aos poucos o sistema da tetrarquia
irá se arruinando. Lutas pelo poder, legiões revoltadas,
batalhas... Os mesmos males que afligiram o Império no
século anterior ressurgirão com vigor. A Igreja
atravessará uma tempestade e tanto, dependendo da índole
do Augusto que estiver no poder. Freqüentemente a
tolerância trocará de lugar com a perseguição. No
período que vai do ano 305 até o ano 324, não haverá paz
no Império. Em 311, Galério, levado por uma terrível
doença e por remorsos, assina um edito, rubricado por
Licínio e Constantino, encerrando a perseguição no
Oriente: primeiro grande triunfo do testemunho dos
mártires e prenúncio de novos tempos para a Igreja.
Maximino Daia, a contragosto, liberta os prisioneiros
cristãos. Quando Galério morrer, poderá descarregar
novamente sua fúria. Medidas discriminatórias, panfletos
cheios de calúnias, confissões forjadas, todos os meios
serão por ele utilizados para destruir a Igreja. Mas o
tempo mostrará a inutilidade de seus esforços. |
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34. Constantino vencedor
Nascido na Sérvia, por volta do ano 280, Constantino
estava destinado a mudar o rumo da História. Filho de
Constâncio Cloro e de Helena, educado na corte de
Diocleciano, depois de passar tempos junto de Galério, o
que não o agradava muito, afastou-se quando seu pai o
chamou para uma expedição na Inglaterra. Alma complexa,
reunia em si características contraditórias: ora
vigoroso e impetuoso, ora desanimado e influenciável. Às
vezes cheio de generosidade e clemência, outras violento
e sanguinário, impiedosamente cruel. Humilde e
orgulhoso, instável, instintivo, supersticioso. Foi de
um ser humano assim que a Providência quis se servir
para dar a vitória à Igreja. Depois que Constâncio Cloro
morreu, em 306, as legiões o proclamaram Augusto.
Galério, no entanto, fez dele apenas um César.
Constantino passou a ser o detentor de todo o poder no
Ocidente, provocando a inveja de Maxêncio, filho de
Maximiano. Constantino se casou com Fausta, irmã de
Maxêncio. Advertido por sua esposa de que o sogro
(Maximiano) armava uma conspiração para matá-lo, deu um
jeito de encontrarem o ex-Augusto enforcado em uma
prisão. Em 311, após a morte de Galério, a situação de
Roma fica assim: no Oriente, Maximino Daia e Licínio, no
Ocidente, Maxêncio e Constantino. Maxêncio e Constantino
não estavam dispostos a dividir o poder. Maxêncio, o
Augusto, declara-se o único soberano legítimo e sucessor
dos imperadores. Em 312, Constantino parte para a
batalha. 40 mil ao seu lado contra 100 mil de Maxêncio.
O filho de Constâncio cruza os Alpes e toma várias
cidades italianas. Em 27 de outubro de 312 já avista de
longe a Cidade Eterna. Um dia depois, as tropas do seu
inimigo atravessam o Tibre pela ponte de Mílvio. O
confronto é deflagrado e as tropas de Constantino saem
vitoriosas. O exército de Maxêncio foge em debandada,
enquanto este último perece no meio da confusão. Durante
a batalha, Constantino adere ao cristianismo. Segundo
alguns invocou Jesus Cristo e por isto obteve a vitória.
Para Lactâncio, Constantino teve um êxtase no qual
recebeu a ordem de colocar sobre o escudo de suas tropas
um sinal formado pelas letras gregas X (chi) e P (rô),
iniciais de Cristo. De fato, tal monograma foi
encontrado em moedas e inscrições constantinianas.
Eusébio de Cesaréia nos refere outra versão. Instantes
antes de enfrentar Maxêncio, o imperador apelou para o
Deus dos cristãos, que lhe respondeu através de um sinal
celeste: uma cruz luminosa acompanhada da frase: "com
este sinal vencerás". Na noite seguinte, Jesus lhe
apareceu e pediu que fizesse da cruz uma insígnia, o
Labarum. Desde então os exércitos de Constantino usaram
o Labarum como estandarte. Para alguns, a "conversão"
de Constantino foi apenas uma jogada política, uma
tentativa de atrair para o Império a força do
cristianismo. No entanto, tal tese é muito simplista.
Como a maioria das pessoas da sua época, Constantino
tinha obsessão pelo sobrenatural e era muito crédulo.
Talvez tenha sido movido pelo medo de um fim trágico,
que aguardava todos os que se opunham ao cristianismo.
De qualquer jeito, nunca saberemos com certeza o que
levou o jovem e impetuoso soldado a render-se diante do
crucificado. Resta-nos apenas a constatação dos fatos e
de suas conseqüências. |
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35. O Edito de Milão
Entrando vencedor em Roma, Constantino foi bem acolhido
pelo povo e pelos mais abastados. Mandou matar um filho
de Maxêncio e alguns de seus amigos. Reparou os
aquedutos com dinheiro do próprio bolso. Aceitou sem
problemas a bajulação e as honras "divinas" dos
seus súditos pagãos, autorizando inclusive a construção
de um templo e a fabricação de uma estátua a ele
dedicados. A transição da tolerância para a intolerância
diante do paganismo será lenta. Mandou fazer nas moedas
o monograma X-P e enviou uma carta a Maximino Daia
"convidando-o" a suspender a perseguição. No inverno
de 312-313, o tesouro contribuiu para que fossem
reconstruídos os edifícios de culto e o papa Milcíades
obteve de Fausta o palácio de Latrão. No começo do ano
313 Constantino se encontra com Licínio em Milão
(Licínio acabara de se casar com Constança, irmã de
Constantino). Durante dois meses eles conversam sobre
diversos pontos de suas políticas e, particularmente,
sobre como deve ficar a situação do cristianismo. Destas
conversações nasce um acordo que hoje conhecemos como o
"Edito de Milão". Não se trata de nenhum documento
especial, mas de um conjunto de cartas de Constantino e
Licínio que afirmam o princípio da liberdade religiosa
e, por conseguinte, dão aos cristãos pleno direito de
professar sua fé "sem receio de ser incomodados". A
Igreja, oficialmente reconhecida, passa a ter direitos:
seus lugares de culto, destruídos ou confiscados, devem
ser restituídos. As propriedades devem retornar para as
mãos dos seus donos cristãos. O cristianismo fica em pé
de igualdade com o paganismo, uma religião "lícita".
Licet esse Christianos. Logo chegará o momento, porém,
em que o paganismo será definitivamente suplantado pelo
cristianismo. |
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O Terço
(Rosário) dos Homens não exige
nada e não cobra nada da vida pessoal dos seus
participantes, o que faz
com que seus membros se sintam livres, e a liberdade dá ao
homem o poder de ser aquilo que ele deseja ser, daí as
transformações se sucederem de modo espontâneo
causado pelo contato que os mesmos passam a ter
com
Deus por intercessão
de Maria. |
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